A Administração Pública, entendida pelo seu sentido objetivo, compreende as atividades das pessoas jurídicas e demais órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas. Neste sentido, ainda ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que “abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público”. As atividades exercidas por órgãos públicos são os mais variados possíveis e todas estas, como não poderia deixar de ser, são regulamentadas, a fim de satisfazerem da melhor forma possível aos anseios da sociedade.
A maior parte das necessidades coletivas está compreendida nos serviços públicos, quer aqueles executados diretamente pela própria Administração, quer os exercidos sob o regime privado, por meio de concessões e permissões. As atividades de fomento que, segundo Fernando Andrade de Oliveira, envolvem, entre outras, subvenções ou auxílios financeiros, podem ser delegadas a entidades públicas ou particulares, desde que estas se prestem, invariavelmente, a atender a toda uma coletividade, e não a um particular. A forma comum de se permitir essa cooperação é pela formalização de instrumentos de contratos e convênios.
Em decorrência dos princípios a que se acha atrelada, a Administração Pública não pode contratar nem celebrar convênios indiscriminadamente, devendo, em regra, no primeiro caso, instaurar um procedimento licitatório, pelo qual todos os interessados concorrerão igualitariamente e a Administração optará pela proposta que lhe for mais favorável. Ocorre que referido procedimento traz muitos entraves para uma contratação célere, tendo em vista as diversas etapas a serem percorridas, inclusive com prazos para a interposição de recursos das decisões administrativas proferidas no curso do procedimento, o que conduz muitas vezes a demasiados atrasos para o fim que se pretende.
Visando solucionar esta postergação legalista, “alguns administradores têm se utilizado de outros institutos de Direito Administrativo para obter a realização da atividade que deseja” sem ter o dispêndio de um moroso procedimento licitatório. Nesse sentido, o Poder Público vem desvirtuando estes institutos, como ocorre com o convênio.
Segundo o professor Hely Lopes Meirelles, convênio “é o acordo firmado por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”, diferentemente do contrato; e por assim agirem estão em constante vigilância pelos Tribunais de Contas.
Numa definição mais abrangente e da própria legislação que a ele se aplica, conforme disposto no art. 1°, inciso I, § 1° da Instrução Normativa n° 01/97, da Secretaria do Tesouro Nacional, entende-se por convênio como sendo:
“instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.”
As disposições desta Instrução se aplicam, também, aos Estados e Municípios. Apesar de haver a reciprocidade no que se refere aos interesses, uma vez que tanto o órgão concedente quanto a conveniada buscam o mesmo objetivo, diferentemente da interpretação feita nos contratos, onde os interesses são opostos, além da ausência do caráter sinalagmático, aquele que recebe dinheiro público fica obrigado a prestar contas. Quando a concedente for a União, a obrigatoriedade de transparência e informação do que foi recebido será comunicada ao Tribunal de Contas da União; no caso do Estado, ao Tribunal de Contas do respectivo Estado; no caso dos Municípios, também será fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado e, geralmente, também, pelo sistema de controle interno do Município.
Pelo que se vê no âmbito municipal, o órgão de controle interno, no uso das atribuições que lhe conferem a Constituição da República, desempenha atividades correlacionadas, resguardadas obviamente as devidas proporções, às do Tribunal de Contas. Estas incluem a realização de checagem periódica nos convênios firmados pelo Município, visando orientar o Chefe do Executivo quanto à observância dos princípios constitucionais e demais normais regulamentadoras.
Como se sabe, a celebração de convênios requer a obediência a determinados requisitos definidos pela legislação, dentre eles, a Instrução Normativa nº 01/97, como, também, no que couber, a Lei Federal de Licitações, em especial o art. 116. Portanto, qualquer entidade interessada em pactuar com órgãos públicos ficará, indubitavelmente, adstrita à observância de tais normas, independentemente do valor, objeto e forma do instrumento a ser firmado. Assim sendo, a obediência irrestrita a apresentação de Prestação de Contas, aplicação dos recursos recebidos rigorosamente conforme os fins inicialmente previstos no Plano de Trabalho e manutenção de condutas compatíveis com as obrigações assumidas constituem uma conditio sine qua non não só à celebração, como, mormente, durante toda a sua vigência.
Infelizmente, alguns órgãos públicos, em especial Municípios menores, insistem em celebrar convênios desobedecendo às regras da IN n° 01/97, o que acaba por comprometer a administração, submetendo aquele que deu causa, se for o caso de agente público ou político, às severas sanções impostas pela Instrução. Convênios firmados sem a realização de orçamentos, prática até incomum, por menos crível que pareça, ou sem a cláusula obrigatória de prestação de contas são apenas alguns exemplo dessas irregularidades comumente encontradas. No segundo exemplo, independentemente da existência expressa de cláusula, obrigando a convenente a prestar contas, dependendo do caso, ao final da vigência, a mesma estará obrigada a fazê-lo. A entidade, quando assim não o faz, é considerada como em “situação de inadimplência” das obrigações assumidas, nos termos do art. 5º, inciso I, § 1º da IN 01/97, ipsis litteris:
“Art. 5º É vedado:
I – celebrar convênio, efetuar transferência, ou conceder benefícios sob qualquer modalidade, destinado a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, ou para qualquer órgão ou entidade, de direito público ou privado, que esteja em mora, inadimplente com outros convênios ou não esteja em situação irregular com a União ou com entidade da Administração Pública Federal Indireta;
§ 1º Para os efeitos do item I, deste artigo, considera-se em situação de inadimplência, devendo o órgão concedente proceder à inscrição no cadastro de inadimplentes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI e no Cadastro Informativo – CADIN, o convenente que:
I – não apresentar a prestação de contas, final ou parcial, dos recursos recebidos, nos prazos estipulados por essa Instrução Normativa”;
A apresentação da Prestação de Contas, no tempo exigido pelo art. 7º, VIII, in casu, sessenta dias após a vigência inicial constitui, na definição do Egrégio Tribunal de Contas da União, elemento essencial, vez que, in verbis:
“permite à Administração aferir a legalidade dos atos praticados e comprovar o efetivo cumprimento do convênio. Essas duas vertentes de avaliação do convênio são consideradas quando da análise da prestação de contas pelo órgão que disponibilizou o recurso. Impropriedades detectadas podem resultar em rejeição das contas e instauração de Tomada de Contas Especial, a ser julgada pelo Tribunal de Contas da União”. (Convênios e Outros Repasses, Tribunal de Contas da União, Brasília-DF, 2003).
Saliente-se que a Tomada de Contas Especial “é um processo administrativo, formalizado com o objetivo de apurar os fatos ocorridos, identificar os responsáveis e quantificar o débito daqueles que derem causa a perda, extravio, desvio de recursos ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário. Em se tratando de convênio, a Tomada de Contas Especial poderá ser instaurada em decorrência de omissão no dever de prestar contas”. (Convênios e Outros Repasses, Tribunal de Contas da União, Brasília-DF, 2003)
Apesar da rigidez textual, todo convênio formalizado com ausência de cláusula estabelecendo a obrigatoriedade da prestação de contas, se já produziu efeitos, é válido, pelo fato de que a falta dessa cláusula não o invalida, em razão de que a própria lei supre tal carência. Entretanto, não caberá depois estabelecer obrigações não acordadas previamente, até porque o objetivo precípuo constante do objeto já foi efetivamente realizado, ou, como dito, já produziu os efeitos inicialmente previstos.
Impende, neste momento, aos órgãos de controle, informar a quem de direito acerca de fatos que destoam da normalidade que se pode esperar de um convênio firmado com a Administração Pública. E dos deveres e obrigações impostos pela legislação àqueles que recebem recursos públicos, ainda que um convênio irregular e, mormente, convênio irregular, mas que, embora ainda em vigor, já atingiu seu objetivo. Destarte, mesmo não havendo cláusula expressa relativa à prestação de contas, ainda que exista termo aditivo prolongando sua vigência, a lei estabelece a obrigatoriedade de prestar contas parcial quando a liberação do recurso se der em mais de duas parcelas, ou total, quando em até duas parcelas (art. 21, §§ 2° e 3° da IN 01/97). De mais a mais, a própria Constituição da República, em seu art. 70, parágrafo único, prevê tal obrigatoriedade. Da seguinte forma:
“Art. 70 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.”
Pela intelecção do art. 28, § 5º c/c art. 7º, inciso III da IN nº 01/97, todos aqueles que receberam recursos públicos devem apresentar a Prestação de Contas sessenta dias após vigência inicial. Esta é a regra geral. Esta compreende o tempo necessário e previsto para a consecução do objeto e das metas estabelecidas, ou seja, o tempo suficiente que caracteriza o fim primordial do convênio, independentemente se sua vigência for por três anos; mas se o objetivo foi atingido em um ano, ficará a conveniada obrigada a prestar contas, pelo menos numa análise perfunctória, dentro desse primeiro ano.
Ademais, o prolongamento do prazo automático também constitui outra irregularidade. Pelo emprego subsidiário da Lei Federal n° 8.666/93, em seu art. 57, § 2°, “toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente”. A prorrogação automática, quando a entidade que recebeu verba pública, servirá apenas para o beneplácito da continuidade de suas atividades, mas não para a consecução do objeto, até porque o fim proposto deve ser sempre conquistado durante a vigência inicial. Não se justiçaria esticar a vigência apenas e tão-somente, o que careceria de sentido se o valor total do repasse, objeto do convênio, por exemplo, já foi repassado e, quiçá, gasto in totum. Assim agindo, deixará de existir, em alguns casos, a cooperação mútua, haja vista não existir mais o objetivo primordial. Prevalecerá, no entanto, apenas um interesse – talvez político – de manter as atividades da entidade, às expensas do órgão público.
As irregularidades não se resumem as cláusulas faltosas ou prorrogação da vigência sem motivo aparente e justificável, e isso sem destacar a falta de publicidade e transparência dos mesmos (art. 11, inciso IV da Lei 8.429/92). Também é comum o órgão público aproveitar de um convênio já feito e em vigor para acrescentar outras atividades de fomento ou despesas àquele, o que não pode ocorrer por não constar como objeto do convênio tal despesa, tampouco do Plano de Trabalho.
A Administração Pública, quando da celebração de qualquer acordo deve se ater à legalidade e dessa jamais deve se desviar, noutras palavras, significa que seus atos devem ser previstos em lei e sua inobservância caracteriza prática ilegal daquele que a der causa, podendo configurar, inclusive, ato de improbidade administrativa.
A Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, Lei de Improbidade Administrativa, dispõe, em seu art. 1º, parágrafo único, que “também estão sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público”. Não só o agente público deve observar os princípios constitucionais e demais normas no trato com a coisa pública, também o cidadão particular que pode, inclusive, ser responsabilizado pelo Tribunal de Contas caso descumpra as normas legais.
A doutrina administrativa, em termos gerais, define a atuação do agente público no desempenho das funções administrativas de sua competência, devendo este agir sempre com base no princípio constitucional da moralidade e legalidade. Marino Pazzaglini Filho, em “Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública”, pág. 29, nos ensina que:
“Todos os seus atos (do agente) de gestão administrativa devem ser inspirados e sedimentados na ética e no bem comum. Em decorrência, o atuar do administrador sem lisura, de má-fé, por espírito de emulação, desviado da finalidade legal ou motivado por interesse pessoal, implica violação do princípio da moralidade”.
A continuação de um convênio das formas como exemplificado acima implica violação grave de princípios. E, classicamente, violar um princípio é pior que descumprir uma lei. Como se percebe, todos os atos, incluindo a celebração de convênios, devem nortear-se pela moralidade e publicidade, além, é claro, a legalidade, entre outros, para livrar o Administrador das severas sanções impostas pela Lei 8.429/92. A simples omissão da conduta, por permitir o prosseguimento desse tipo de despesa, é suficiente para a sua constatação. Nem é preciso, segundo a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “penetrar na conduta do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade”. O objeto, e aqui entenda como sendo o pagamento de despesas sem previsão legal, constitui ilegalidade, independentemente da intenção do agente, quer por realizá-la em desconhecimento da legislação, quer embasado apenas em um convênio incompleto como o ora analisado, com vistas a um acréscimo posterior em suas cláusulas, o que também estaria incorreto. Assim destaca a Lei:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”.
O art. 3º deixa claro que não apenas funcionário ou empregado público, ou qualquer pessoa que exerça função pública está sujeita às sanções impostas pela Lei. Da seguinte forma:
“Art. 3º. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, “àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
A assunção da despesa não prevista no objeto ao convênio, como, por exemplo, inclusão de despesas com telefone, água e energia elétrica, não poderá ser realizada por caracterizar, além de despesa não prevista, modificação do seu objeto, o que é vedado pela Instrução Normativa nº 01/97, em seu art. 8º, inciso III, in verbis:
“Art. 8º É vedada a inclusão, tolerância ou admissão, nos convênios, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade do agente, de cláusulas ou condições que prevejam ou permitam:
III – aditamento com alteração do objeto;”
Na redação do art. 36 da já referida Instrução, é motivo de rescisão do convênio, “particularmente quando constatada a utilização dos recursos em desacordo com o Plano de Trabalho”, além, é claro, da falta de apresentação da Prestação de Contas. Alterando-se o objeto, o Plano de Trabalho ficará sem serventia; a entidade recebedora de recurso público, além de não poder alterar o objeto, também não poderá alterar o Plano de Trabalho, nem conseguiria fazê-lo sem descaracterizar as metas inicialmente previstas.
Como se percebe, a realização de convênios com a Administração Pública é assunto sério. Mais uma vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nos admoesta:
“Não interessa se é uma pessoa física ou jurídica, se é uma entidade pública ou particular. O que importe é que aquela pessoa está administrando dinheiro público. E isto abrange fiadores, sucessores, herdeiros, ou entidades privadas que sejam mantidas ainda que parcialmente com recursos públicos.
Isto se deve à aplicação de um princípio geral consagrado no Direito, de que quem quer que administre bens alheios deles deve prestar contas.”
Também devem ser invocadas as considerações de Guido de Carvalho e Lenir Santos a respeito das fundações privadas de apoio a hospitais públicos, onde, supostamente amparadas pelo governo através de convênios firmados com a Administração Pública, acabam por submeter o recurso recebido para a consecução de interesses privados. Tem-se um desvio da finalidade latente.
Nestes casos, estas fundações “anunciam o propósito de colaboração com o Poder Público, mas não lhe oferecem nada, a não ser, em raríssimos casos, instrumentos menos burocratizados de atuação. Instituem-se, na verdade, para servir de ‘instrumento de gestão flexível e ágil’ como se costuma justificar, e, nesse sentido, passam a gerir vultosos recursos públicos, repassados por convênio, segundo os interesses predominantes dos dirigentes dessas fundações, interesses estes que podem ou não coincidir com os planos e programas do serviço público a que estão ligados”.
Convênio é acordo, mas não é contrato, obrigatoriamente não requer licitação. No entanto, robustecendo ainda mais as possíveis causas de responsabilidade do agente, é interessante lembrar que a Corte de Contas Mineira entende, em alguns casos, como o repasse de recursos às Caixas Escolares a fim de subsidiar a merenda escolar, que será obrigatória, além da prestação de contas, a realização de licitação por essas entidades quando da aquisição dos bens pretendidos. (Consulta n° 643174, de 06/03/2002).
Há tempos o Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais adota o axioma que mesmo as pequenas coisas são infinitamente importantes para se garantir o bom e correto emprego dos recursos públicos dentro do que se espera pela legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, nas palavras do E. Conselheiro Sylo Costa, “impostergáveis a todos aqueles que utilizem ou administrem bens e valores públicos”. E não tem medido esforços para controlar os gastos dos Municípios e penalizar aqueles que desrespeitam a legislação.
Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG
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