Resumo: O artigo aborda o tema Justiça Militar em evolução, compreendendo um enfoque de passado, presente e futuro da mais tradicional das justiças especializadas brasileiras. Para tanto, buscou-se situar a Justiça Militar no contexto histórico, acompanhando as mudanças políticas e sociais do cenário nacional. Analisamos, ainda, o engajamento da Justiça Militar às novas práticas estimuladas pelo CNJ. Buscou-se, também, realizar uma análise das tendências futuras de adaptação da Justiça Militar aos novos tempos e de adequação aos anseios da sociedade brasileira. Ao final, conclui-se que a Justiça Militar da União, já provou e comprovou a sua razão de existir, devendo, tão-somente, continuar o processo de evolução e de adaptação aos novos paradigmas do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Justiça Militar da União – História – Desafios da Atualidade – Reforma do Judiciário – Aumento da Competência
Abstract: The article addresses the theme Military Justice evolving, comprising an approach about the past, present and future of the most traditional of the specialized justices in our country. Therefore, the Military Justice was situated in the historical context, following the political and social changes in the national scenery. We also analyzed the engagement of the Union Military Justice to the new practices stimulated by NCJ, The aim was also to perform an analysis of the future tendencies of adaptation of the Military Justice to the new times and suitability to the wishes of the Brazilian society that. To end, it is concluded that the Union Military Justice, it has proved its reason to exist, continuing the evolving process and adaptation to the new paradigms of the Judiciary.
Keywords: Union Military Justice – History – Present Challenges –– Judicial Reform – Increment of Competence
Sumário: 1. Introdução. 2. Justiça Militar da União. 3. Origens históricas e evolução. 4. A Constituição Federal de 1988 e a posterior EC 45. 5. Os desafios da atualidade. 6. Uma perspectiva de futuro: a manutenção da JMU como justiça especializada, a reforma da Lei de Organização Judiciária e a PEC 358/05. 7. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O Direito, como se sabe, está inserido entre as Ciências Humanas, uma vez que se trata de um dos mecanismos de controle das relações pessoais. De fato, o Direito é dinâmico porque dinâmicas são também as relações sociais. Conforme a vida em sociedade vai evoluindo e as relações jurídicas vão se tornando mais complexas, o Direito também deve acompanhar este constante movimento.
Destarte, não só o Direito deve evoluir, sob pena de se tornar inócuo e ineficaz diante das novas situações que a vida na sociedade moderna apresenta, mas também as suas instituições devem procurar a constante atualização e adaptação aos novos tempos.
Dentro dessa linha de raciocínio é que o Poder Judiciário Brasileiro, como um todo, vem procurando romper com os velhos paradigmas da burocracia e da morosidade, visando atender as necessidades dos jurisdicionados, ávidos por respostas mais velozes e eficientes às suas demandas que, por sua vez, apresentam uma complexidade cada vez maior. Nesse contexto, a Justiça Militar da União vem procurando, com base nas diretrizes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, alinhar os seus procedimentos e objetivos com aquilo que se espera de uma Justiça moderna e eficaz.
No entanto, para que possamos entender melhor o nosso presente, bem como para que possamos traçar um panorama futuro da Justiça Militar, é necessário conhecer a sua trajetória histórica, desde a sua gênese nos idos de 1808, até os dias atuais, já sob a égide da Constituição Cidadã de 1988.
Dessa forma, pelo presente estudo busca-se fazer uma retrospectiva superficial sobre a evolução da Justiça Militar da União ao longo dos seus mais de dois séculos de existência até chegar aos moldes atuais de organização e competência. Feita esta análise, ao contextualizarmos a Justiça Castrense no panorama atual do Poder Judiciário, visualizaremos com clareza os desafios do presente, bem como poderemos projetar o futuro desta que é a mais antiga e certamente a menos conhecida e compreendida das Justiças especializadas do cenário jurídico nacional.
2 JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
A Justiça Militar da União está prevista na Constituição Federal em seus artigos 122 a 124. Segundo previsto na Carta Magna, são órgãos da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei, sendo que o Superior Tribunal Militar é composto de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis. Os Ministros civis são escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e dois por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público Militar. O art. 124 da Constituição Federal prevê que à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sendo que o seu parágrafo único dispõe que a lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.
Com efeito, a Lei nº 8.457, de 04 de setembro de 1992, trata da organização da Justiça Militar e regula o funcionamento dos seus serviços auxiliares. A aludida lei divide o território nacional em doze Circunscrições Judiciárias Militares, fixando a abrangência territorial das mesmas. Distribuídas pelas Circunscrições Judiciárias Militares, existem dezenove Auditorias Militares que lhes correspondem e que funcionam como órgãos jurisdicionais de primeira instância, acrescidas da Auditoria de Correição, com sede na Capital Federal e com jurisdição em todo o território nacional. Na Auditoria de Correição o Juiz-Auditor Corregedor exerce as suas funções, sendo que as Auditorias Militares são dotadas de Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos, que compõe os órgãos judicantes de primeiro grau: os Conselhos de Justiça.
Os Conselhos de Justiça são compostos por um Juiz togado e por quatro oficiais das Forças Armadas, sendo que um destes preside o Conselho, que pode ser de duas espécies: os Conselhos Permanentes de Justiça, constituídos trimestralmente para cada Força e com competência para processar e julgar praças e civis; e os Conselhos Especiais de Justiça, constituídos para cada processo instaurado contra oficial das Forças Armadas.
Ressalte-se que os Juízes Auditores e Juízes-Auditores substitutos são Juízes togados, integrantes do quadro da Magistratura Federal, admitidos na carreira por concurso público de provas e títulos, que gozam das garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Os Juízes Militares, por seu turno, são sorteados entre os oficiais que se encontram no serviço ativo da respectiva Força, e prestam compromisso antes de efetivamente exercerem as funções de julgadores. A esta composição mista do órgão judicante, prevista tanto no primeiro grau (Auditorias Militares) como no segundo grau (Superior Tribunal Militar), dá-se o nome de escabinato, o que proporciona a associação do conhecimento técnico-jurídico do Juiz-auditor, com o conhecimento do cotidiano da caserna e a experiência real das relações de disciplina e hierarquia militares dos Juízes Militares.
Importante que se diga, ainda, que o Superior Tribunal Militar é ao mesmo tempo um dos tribunais superiores, conforme previsto na Constituição Federal, com a competência e prerrogativas que lhes são peculiares, e também um tribunal de apelação, servindo como órgão jurisdicional de segundo grau da Justiça Militar da União.
3 ORIGENS HISTÓRICA E EVOLUÇÃO
As origens da Justiça Militar remontam aos primeiros anos posteriores à vinda da família real portuguesa ao Brasil, na primeira década do século XIX. Através de um alvará com força de lei, datado de 1º de abril de 1808, do príncipe regente de Portugal, D. João, foi instituído um foro especial para os crimes militares. Através do inciso I do referido alvará, foi criado um Conselho Supremo Militar, com a competência para apreciar todas as matérias que pertenciam ao Conselho de Guerra, ao do Almirantado e ao do Ultramar. O Conselho atuava apenas na parte militar, e era constituído pelos oficiais generais do Exército e da Armada Real, que já eram conselheiros de guerra, e do Almirantado, bem como por outros oficiais nomeados. Desde a sua gênese, a Justiça Militar foi organizada em Juntas ou Conselhos Mistos: a primeira instância exercida pelos Conselhos de Guerra e a segunda e última instância pelo Conselho Supremo Militar e de Justiça.
Durante os anos do Império e do início da fase republicana, o Tribunal foi presidido pelos Chefes de Estado: no império, pelo regente D. João VI e pelos imperadores D. Pedro I e D. Pedro II e, na república, pelos presidentes Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto, sendo vinculado, desta maneira, ao Poder Executivo. Somente em 18 de julho de 1893, através de Decreto Legislativo, a Presidência do recém criado Supremo Tribunal Militar, denominação que substituiu o imperial Conselho Supremo Militar e de Justiça, passou a ser exercida por membros da própria Corte, eleitos por seus pares. Cumpre destacar que houve apenas mudança no nome do Tribunal, pois foram mantidos todos os componentes do antigo Conselho Supremo Militar e de Justiça, despojados de seus títulos nobiliárquicos e denominados, genericamente, Ministros. A composição do Tribunal também variou durante o referido período: foi criado em 1808 com 15 membros, número este mantido pelo Decreto Legislativo de 1893, reduzido a 9 membros pelo Decreto nº 14.450, de 30/10/1920, aumentado para 10 membros pelo Decreto nº 17.231-1, de 26/02/1926 e elevado a 11 pela Constituição de 1934.
No que se refere à Constituição de 1934, esta foi a primeira Carta Política a prever a Corte Castrense como órgão do Poder Judiciário, desvinculando-a do Poder Executivo. A referida constituição ainda estendeu aos civis o foro militar nos casos expressos em lei, para repressão dos crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares.
Com a Constituição de 1937, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas sob a égide do Estado Novo, não se verificam grandes mudanças no panorama da Justiça Militar, ressaltando-se, apenas, que a competência foi estendida para o julgamento de civis que cometessem crimes contra a segurança interna.
A principal inovação trazida pela Constituição de 1946 foi a mudança da denominação da Corte Castrense para Superior Tribunal Militar, o que perdura até os dias atuais. A referida Constituição retomou a competência prevista pelas cartas anteriores, mantendo a regra especial de foro para os civis em relação aos crimes contra a segurança externa, ficando mantida a composição da Corte com 11 membros. Décadas mais tarde, com a instituição do regime militar, a constituição de 1967 não trouxe alterações dignas de nota no que se refere à organização e competência da Justiça Militar, devendo ser ressaltado que o Ato Institucional nº 2, de 27/10/1965 já havia elevado o número de membros do STM de 11 para 15.
Em 1969, houve a consolidação da legislação material e adjetiva castrense, através da entrada em vigor dos Decretos-Lei nº 1.001 (Código Penal Militar) e 1.002 (Código de Processo Penal Militar), legislação até hoje aplicada aos crimes militares e aos processos de competência da Justiça Militar.
Entre uma das maiores contribuições da Justiça Militar ao Direito brasileiro está a concessão de medida liminar em habeas corpus no ano de 1964, medida esta que era prevista apenas ao Mandado de Segurança, sem que, no entanto, fosse prevista na legislação relativa ao “remédio heróico”. De fato, em decisão proferida no HC nº 27.200, o Ministro Almirante de Esquadra José Espíndola concedeu, em 31/08/1964 a primeira medida liminar em habeas corpus em favor de Evandro Moniz Corrêa de Menezes, sendo posteriormente usada como precedente para concessão de liminar pelo Supremo Tribunal Federal no HC 41.296 em 14/11/1964. Nas palavras de Tourinho Filho, trata-se de “uma das mais belas criações de nossa jurisprudência”, que, infelizmente, poucos estudiosos do Direito conhecem a origem.
Com efeito, da análise da evolução da Justiça Militar dentro do contexto da história do nosso país, contata-se que a instituição conseguiu manter-se de forma independente diante dos mais diversos movimentos sociais e políticos que se sucederam, atravessando períodos de maior ou menor instabilidade nacional. De fato, a Justiça Militar testemunhou a independência do Brasil, a proclamação da república, a instituição do Estado Novo, a redemocratização, a instituição do regime militar e a abertura política e democrática assegurada pela Constituição vigente.
4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A POSTERIOR REFORMA DO JUDICIÁRIO (EC 45)
Conforme já mencionado neste trabalho, a Justiça Militar da União encontra previsão na Constituição Federal de 1988, que em seus artigos 122 e 123 lista os seus órgãos integrantes e regula a composição do Superior Tribunal Militar, e em seu art. 124 atribui a competência à Justiça Castrense para julgar os crimes militares previstos em lei.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, trouxe inúmeras mudanças no panorama do Poder Judiciário. Entre os destaques da denominada “Reforma do Judiciário” podemos destacar: a inserção no rol dos direitos e garantias individuais do princípio da celeridade dos processos judiciais e administrativos; a previsão de que tratados referentes a direitos humanos passam a ser incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional, desde que aprovados pelas duas Casas do Congresso em dois turnos por três quintos dos votos dos parlamentares; a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgãos a quem competem exercer fiscalização administrativa e financeira do Poder Judiciário e do Ministério Público, respectivamente; a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou mediante provocação, aprovar súmulas vinculantes; a modificação da competência para homologar sentenças estrangeiras que, agora, passa a ser do STJ e não mais do STF; entre outras.
Com efeito, quase todos os ramos do Poder Judiciário sofreram algum tipo de modificação com a referida emenda. Entre as chamadas Justiças Especializadas, a Justiça Militar da União e a Justiça Eleitoral não foram contempladas com qualquer alteração, permanecendo inalteradas as suas respectivas competências, bem como a composição de seus órgãos.
A Justiça Militar Estadual, por seu turno, teve a sua competência ampliada, uma vez que passou a processar e julgar também ações de natureza cíveis, compreendendo ações judiciais contra atos disciplinares militares (julgadas pelo juiz de direito, e não pelo Conselho de Justiça, assim como os crimes militares cometidos por civil), embora tenha deixado de ter competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida de vítima civil, que passaram a ser de competência do tribunal do júri.
Como se pode notar, a partir do advento da “Reforma do Judiciário” implementada pelo constituinte reformador no ano de 2004, a Justiça Militar da União permaneceu apenas com competência criminal, diferentemente da Justiça Militar Estadual que passou a julgar ações cíveis e criminais.
5 OS DESAFIOS DA ATUALIDADE
Após a sua gênese através da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, nos últimos dez anos o Conselho Nacional de Justiça consolidou o seu papel como órgão de fiscalização administrativa e financeira do Poder Judiciário, passando a traçar diretrizes e metas a serem buscadas pelos órgãos do referido poder, sempre em busca da eficiência dos serviços postos à disposição dos jurisdicionados, em especial visando à celeridade dos processos administrativos e judiciais, um dos direitos fundamentais de todos os cidadãos previstos na Constituição.
Coadunados com os objetivos do CNJ, a Justiça Militar da União vem, através do Superior Tribunal Militar, adotando inúmeras práticas visando atender os anseios da sociedade contemporânea, que cada vez mais exige serviços públicos de qualidade – inclusive no que se refere à atividade jurisdicional. Entre as mencionadas práticas adotadas, podemos destacar a elaboração e execução do Planejamento Estratégico, o cumprimento das metas estipuladas pelo CNJ aos diferentes ramos do Judiciário, bem como a adoção da informatização dos processos e dos procedimentos jurisdicionais.
O Planejamento e a Gestão Estratégica foram instituídos no âmbito do Poder Judiciário pelo CNJ através da Resolução nº 70, de 18/03/2009. Tal planejamento é dotado de quinze objetivos a serem alcançados, distribuídos em oito temas: eficiência operacional, acesso ao sistema de justiça, responsabilidade social, alinhamento e integração, atuação institucional, gestão de pessoas, infraestrutura e tecnologia e orçamento. Seguindo essa linha mestra, o STM foi o primeiro órgão do Judiciário a aprovar o seu próprio planejamento estratégico, denominado “Planejamento Estratégico da Justiça Militar da União”, visando orientar as ações gerenciais em todos os níveis, seguindo um plano de estratégias, metas a alcançar e de ações e projetos. Trata-se de um processo dinâmico, sistêmico, participativo e contínuo para determinação de objetivos, estratégias e ações da organização, podendo ser considerado, no conceito atual da gestão, de uma ferramenta essencial de apoio à decisão para a alta administração. Possui como ponto mais relevante a possibilidade de participação de todos os atores envolvidos, sendo que magistrados e servidores poderão contribuir com o plano para o período de 2012 a 2018, data em que a JMU completa 210 anos.
No que se refere ao cumprimento das metas instituídas ao Poder Judiciário como um todo pelo CNJ, a Justiça Militar da União vem apresentando excelentes números se comparados com as demais Justiças Especializadas. Segundo recente notícia veiculada no site do CNJ (www.cnj.jus.br), o STM cumpriu as metas estabelecidas por aquele Conselho para o ano de 2013. No que se refere à Meta 1, o STM cumpriu 107,7% da meta, que estabelecia o julgamento de quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos em 2013. Já em relação à Meta 2, o STM cumpriu 137,9% do objetivo, que determinava a apreciação até 31/12/2013, de 70% dos processos distribuídos em 2010 e 2011 (o STM julgou 2.855 dos 2.982 processos distribuídos nos dois anos). Com efeito, estes números revelam o engajamento da Justiça Castrense, alinhada às demais Justiças, no compromisso assumido perante a sociedade brasileira de oferecer os seus serviços com cada vez mais eficiência, presteza e qualidade.
Outra prática adotada pelo STM visando à adequação da Justiça Militar da União às novas tecnologias é o implemento do Processo Judicial Eletrônico. Em 2011, no mesmo ano em que o CNJ disponibilizou a todos os tribunais do país o Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), software desenvolvido visando a unificação dos sistemas de processamento de dados do Poder Judiciário, a Corte Superior Castrense deu início à digitalização dos processos em trâmite no STM, visando a disponibilização das informações de forma rápida, bem como visando dar suporte à posterior implantação do processo eletrônico. Ainda em 2011, o STM aprovou o Programa de Automação do Processo Judicial da Justiça Militar da União, que tem por objetivo dotar a JMU de um sistema informatizado que permita a tramitação do processo judicial de forma digital, com o resultado final de obter o sistema de Processo Judicial Eletrônico. Como é cediço, trata-se de um projeto complexo, que requer investimento na área de informatização, tanto no que se refere à aquisição de equipamentos de informática, desenvolvimento de softwares e qualificação de servidores, razão pela qual a sua adoção vem sendo realizada de forma gradual.
Ainda no que se refere à adesão da JMU às novas tecnologias, ganha destaque a notícia veiculada no Portal virtual do CNJ, indicando que em 19/08/2009, pela primeira vez na história do Judiciário brasileiro, foi realizada uma vídeo-audiência de oitiva de testemunhas que se encontravam em outro estado da Federação. A referida vídeo-audiência foi realizada pela Auditoria Militar da 12ª Circunscrição Judiciária Militar, com sede em Brasília, para ouvir testemunhas que estavam na Base Aérea de Porto Velho (BAPV), tendo sido conduzida pelo então Juiz-Auditor José Barroso Filho, hoje Ministro do STM. Tal medida foi adotada com o objetivo de otimizar tempo e recursos, evitando expedição de carta precatória ou o deslocamento do aparato cartorário judicial para a realização de audiência no local em que se encontravam as testemunhas.
Como se pode ver, a Justiça Militar vem, cada vez mais, envidando esforços para atender às novas metas do Poder Judiciário brasileiro, demonstrando estar em constante evolução e adaptação à sociedade contemporânea, deixando para trás as “velhas práticas” do serviço público, tais como a burocracia, a ineficiência e a morosidade, sempre buscando a excelência, a qualidade, a eficiência e a celeridade nos serviços prestados aos jurisdicionados.
6 UMA PERSPECTIVA DE FUTURO: A MANUTENÇÃO DA JMU COMO JUSTIÇA ESPECIALIZADA, A REFORMA DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E A PEC 358/05
Recentemente, a Justiça Militar da União, juntamente com a Justiça Militar dos estados, foi objeto de estudo de um grupo de trabalho do CNJ, criado com a finalidade de estudar a viabilidade de reorganização ou de extinção dos tribunais militares brasileiros. Tal medida foi aprovada por unanimidade na 166ª Sessão Ordinária do CNJ, realizada em 02/04/2013. Após o levantamento de dados relativos ao funcionamento, estrutura e gastos dos tribunais e auditorias militares, em fevereiro de 2014, foi realizado um amplo debate para definir o futuro da Justiça Militar, com a participação de representantes do Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo e diversas entidades. O resultado da oficina foi positivo, tanto para a Justiça Militar da União quanto para a Justiça Militar Estadual.
Com efeito, após exaustivos debates, os especialistas que participaram do encontro reafirmaram a necessidade de manutenção de uma justiça especializada para julgar os crimes militares. No que se refere especificamente à Justiça Militar da União, os especialistas concluíram pela necessidade de ampliação de sua competência para julgar, além da matéria criminal, questões de natureza administrativas militares. Além disso, concluiu-se também pela necessidade de reformulação da estrutura e organização da Justiça Militar, ressalvada a manutenção do escabinato, com a composição majoritária de militares na Corte e nos Conselhos de Justiça, dada a sua importância para o melhor julgamento dos processos considerando a experiência dos Juízes Militares com os assuntos relativos à vida na caserna.
Considerando as conclusões da Oficina realizada pelo CNJ, o STM vem intensificando os trabalhos na elaboração de uma nova lei de organização da Justiça Militar da União, primando pela participação de todos os magistrados que integram o seu quadro, na busca de idéias e sugestões que levem a uma modernização da Justiça Castrense. Em recente entrevista, cujo tema era os objetivos do X Encontro de Magistrados da Justiça Militar da União, realizado no mês de maio de 2014, o Ministro Artur Vidigal afirmou que “vamos alterar primeiro, modernizar a legislação orgânica, e depois passaremos então para a alteração do código de processo, em razão dos impactos que isso vai trazer. Tenho certeza que a alteração vai atender os anseios dos juízes de primeira instância, a sociedade em geral e a própria jurisprudência, que vêm cobrando uma atualização de procedimentos. Por exemplo, há muito tempo existe uma reivindicação dos juízes-auditores de presidir os Conselhos de Justiça”.
Além da referida reforma da lei orgânica da JMU, merece destaque o Projeto de Emenda Constitucional nº 358/05, atualmente pronto para pauta do Plenário da Câmara dos Deputados, que prevê a segunda parte da reforma instituída no Poder Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45. Especificamente à Justiça Militar da União, a referida “PEC” prevê as seguintes mudanças:
“(…) Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de onze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo dois dentre oficiais-generais da Marinha, três dentre oficiais-generais do Exército, dois dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e quatro dentre civis.
Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
I – dois dentre juízes-auditores;
II – um dentre advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;
III – um dentre membros do Ministério Público Militar.
Art. 124. À Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas. (…)”
Como se pode ver, está prevista a redução dos integrantes do STM de 15 para 11 ministros, permanecendo a maioria de membros militares (sete ministros militares), sendo que entre os ministros civis está previsto o aumento de vagas para integrantes oriundos da carreira de Juiz-Auditor, em contrapartida à diminuição do número de membros oriundos da advocacia. Esta nova composição vem a prestigiar a carreira da magistratura da Justiça Militar da União, hoje contemplada com apenas uma vaga de ministro, o que impede que profissionais que exerceram durante muitos anos a judicatura no primeiro grau possam chegar a integrar a Corte Superior.
Além disso, a referida emenda contempla o aumento de competência da JMU para exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas, o que vai ao encontro de uma das conclusões da oficina de debates realizada pelo CNJ no início do corrente ano, que apontou pela necessidade de aumento da competência da JMU para julgar também ações de natureza cível.
7 CONCLUSÃO
Pela pesquisa realizada, conclui-se que a Justiça Militar, ao longo dos mais de dois séculos de sua existência, não só acompanhou como também se adaptou às mudanças da sociedade brasileira, sem que, no entanto, deixasse de existir como Justiça Especializada. Essa manutenção da Justiça Castrense ao longo do tempo se deve pelos mesmos motivos que foram detectados pelos especialistas que se reuniram no início do corrente ano para debater o estudo realizado pelo grupo de trabalho do CNJ: não há como se colocar na mesma balança, para aferição sob os mesmos critérios, os ilícitos criminais de competência da justiça comum e os crimes militares da competência da Justiça Militar.
Com efeito, a Justiça Militar é o instrumento do Estado para aplicação do Direito Penal Militar, que, por sua vez, além de ser regido por todos os princípios e garantias fundamentais que regem o Direito Penal comum, também é pautado pela preservação dos dois princípios basilares das instituições militares, que são a hierarquia e a disciplina. Assim como o Direito do Trabalho possui como linha mestra a defesa dos direitos do empregado, o Direito Consumerista visa proteger o consumidor, a quem recai a presunção de hipossuficiência na relação de consumo e o Direito da Criança e do Adolescente é regido pelo princípio da prevalência dos direitos do menor, o Direito Penal Militar visa à defesa da hierarquia e da disciplina militar, princípios estes que garantem não só o equilíbrio no cotidiano da caserna, como também são mantenedores da ordem das instituições militares.
Nesse aspecto, é importante que se diga que a Justiça Militar não é uma “justiça dos militares”, uma vez que não se trata de um ramo do Poder Judiciário criado para favorecer um determinado segmento profissional. Prova disso é que o Direito Penal Militar, em muitos de seus institutos, é extremamente mais gravoso do que o Direito Penal Comum. A Justiça Castrense é, na verdade, um órgão jurisdicional que possui não só a competência, mas também o conhecimento técnico específico para aplicar o Direito Penal Militar aos casos concretos, levando em consideração o contexto da vida na caserna e a importância dos bens jurídicos tutelados, em especial a defesa da integridade das instituições militares, cuja importância para a manutenção da soberania nacional e defesa dos poderes constitucionalmente constituídos é indiscutível.
Dito isso, a conclusão deste trabalho alinha-se com as conclusões a que chegaram os especialistas que participaram do salutar debate travado no seio da comunidade jurídica nacional levado a cabo pelo CNJ recentemente: 1) a Justiça Militar tem a sua razão de ser como Justiça Especializada, uma vez que é instrumento de aplicação de um ramo específico do direito, que requer conhecimento especializado; 2) a sua competência, estrutura e organização precisa ser repensada e adaptada para melhor atingir os objetivos do Poder Judiciário de melhor atender os anseios de seus integrantes e, principalmente, dos jurisdicionados.
Analista Judiciário da Justiça Militar da União
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