Legalidade do uso da algema no emprego da força e no transporte de presos

Resumo: O texto discute a respeito do assunto “uso de algema”, especialmente sobre a legalidade do uso deste dispositivo pelos agentes da segurança pública. Dentro desta temática, foram considerados vários questionamentos e discussões sobre o tema e, sobretudo o entendimento do Superior Tribunal Federal.[1]


Palavras-chave: Algema, uso, legalidade, segurança.


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INTRODUÇÃO


     O presente estudo, não tem o objetivo de encerrar qualquer discussão a respeito do assunto “uso da algema”, nem formar opinião, mas principalmente visa discorrer sobre o emprego do uso de algemas dentro da legalidade, levando em consideração o posicionamento do Superior Tribunal Federal a cerca dessa temática.


Considerando incansável discussão a respeito do assunto “uso da algema”, abordaremos principalmente o entendimento do egrégio Tribunal, após o advento da Súmula Vinculante de nº 11, bem como apresentar alguns dispositivos legais e doutrinários a respeito do assunto.


Por fim, o interesse pelo presente tema busca resguardar os interesses colididos neste impasse, de um lado a atuação do Estado em garantir a segurança pública da coletividade, do outro proteger os interesses individuais, como o da dignidade humana e presunção de inocência.


LEGALIDADE DO USO DA ALGEMA NO EMPREGO DA FORÇA E NO TRANSPORTE DE PRESOS


A discussão acerca do emprego de algemas envolve a colisão de interesses fundamentais para a sociedade, o que dificulta a chegada a um consenso sobre o tema. De um lado, deparamo-nos com o comando constitucional que determina ser a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos órgãos policiais (CF, art. 144); de outro lado, do Texto Constitucional emanam princípios de enorme magnitude para a estrutura democrática, tais como o da dignidade humana e presunção de inocência, os quais não podem ser sobrepujados quando o Estado exerce a atividade policial.


Quando a Constituição da República preceitua ser dever do Estado a segurança pública, a este devem ser assegurados os meios que garantam tal atribuição, estando, portanto, os órgãos policiais legitimados a empregar os instrumentos necessários para tanto, como a arma de fogo e o uso de algemas, por exemplo.


O emprego de algemas representa importante instrumento na atuação prática policial, uma vez que possui tríplice função: proteger a autoridade contra a reação do preso; garantir a ordem pública ao obstaculizar a fuga do preso; e até mesmo tutelar a integridade física do próprio preso, a qual poderia ser colocada em risco com a sua posterior captura pelos policiais em caso de fuga. Muito embora essa tríplice função garanta a segurança pública e individual, tal instrumento deve ser utilizado com reservas, pois, se desviado de sua finalidade, pode constituir drástica medida, com caráter punitivo, vexatório, ou seja, nefasto meio de execração pública, configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade humana.


Nisso reside o ponto nevrálgico da questão: A utilização de algemas constitui um consectário natural de toda e qualquer prisão? Caso não, em que situações a autoridade pública estaria autorizada a empregá-las? Haveria legislação regulando a matéria?


A Lei de Execução Penal, em seu art. 199, reza que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal. Passados 24 anos desde a edição da referida Lei, que ocorreu no ano de 1984, anterior, portanto, à promulgação do próprio Texto Constitucional de 1988, nada aconteceu. Assim, as regras para sua utilização passaram a ser inferidas, a partir dos institutos em vigor.


O Código de Processo Penal, em seu art. 284, embora não mencione a palavra “algema”, dispõe que “não será permitido o uso de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”, sinalizando com as hipóteses em que aquela poderá ser usada. Dessa maneira, só, excepcionalmente, quando realmente necessário o uso de força, é que a algema poderá ser utilizada, seja para impedir fuga, seja para conter os atos de violência perpetrados pela pessoa que está sendo presa. No mesmo sentido, o art. 292 do CPP, que, ao tratar da prisão em flagrante, permite o emprego dos meios necessários, em caso de resistência. O parágrafo 3º, do art. 474, alterado pela Lei n. 11.698/2008, por sua vez, preceitua no sentido de que: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Da mesma forma, o art. 234, §1º, do Código de Processo Penal Militar prevê que “o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso”. Finalmente, o art. 10 da Lei n. 9.537/97 prega que: “O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: III – ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga”. Por derradeiro, em todos esses dispositivos legais tem-se presente um elemento comum: a utilização desse instrumento como medida extrema, portanto, excepcional, somente podendo se dar nas seguintes hipóteses: (a) impedir ou prevenir a fuga, desde que haja fundada suspeita ou receio; (b) evitar agressão do preso contra os próprios policiais, terceiros ou contra si mesmo.


Percebe-se, por conseguinte, que, incumbirá à própria autoridade avaliar as condições concretas que justifiquem ou não o seu emprego, isto é, quando tal instrumento consistirá em meio necessário para impedir a fuga do preso ou conter a sua violência. Nesse processo, a razoabilidade, constitui o grande vetor do policial contra os abusos, as arbitrariedades na utilização da algema.


Sucede, no entanto, que, em algumas situações, tem-se lançado mão das algemas de forma abusiva, com nítida impressão de execrar publicamente o preso, de constranger, de expô-lo vexatoriamente, ferindo gravemente os princípios da dignidade humana, proporcionalidade e da presunção de inocência.


Na verdade, a mídia televisiva, com o escopo de demonstrar a eficiência da atuação policial, tem promovido um verdadeiro espetáculo envolvendo a prisão de personalidades de destaque no setor público ou privado, geralmente, autores de crimes do colarinho branco, os quais são algemados sob os seus holofotes, de forma humilhante, fatos este que acabou inflamando os ânimos de uma parcela da sociedade, a qual passou a propugnar a ilegitimidade do uso de algemas.


Desse modo, por conta desses exageros, aquilo que sempre representou um legítimo instrumento para a preservação da ordem e segurança pública, tornou-se objeto de profundo questionamento pela sociedade.


Ao defender a ilegitimidade do uso de algemas, uma parcela significativa da sociedade esqueceu-se dos policiais, dos magistrados, representantes do Ministério Público, advogados que, na sua vida prática, se deparam com os presos, os quais, sem esses artefatos, representam grave perigo para a vida e integridade física de tais indivíduos e para a população em geral com bem cita Rodrigo Carneiro Gomes, delegado de Polícia Federal em Brasília/DF, pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Segurança Pública e Defesa Social, ex-professor da Academia Nacional de Polícia e ex-assessor de ministro do STJ, chefe do Serviço de Apoio Disciplinar da Corregedoria-Geral do DPF em seu artigo “A regulamentação do uso de algemas: a problemática da exposição midiática e a segurança da equipe em operações policiais”:


“As algemas não servem apenas para garantia de segurança da equipe policial ou para assegurar a integridade física do preso em flagrante delito ou por ordem judicial, no caso específico de atos de polícia judiciária. Há uma terceira razão: inibir a ação evasiva do preso e atos irracionais num momento de desespero. Nesse ponto, pouco importa a periculosidade do agente, sua estrutura corpórea, idade ou status político e social. Veja-se, por exemplo, a surpreendente condição pessoal física de um conhecido patriarca de família dedicada às artes marciais no Rio de Janeiro, apesar da sua longevidade.


Caso emblemático, em termos de uso de algemas e segurança, foi o assassinato do juiz Rowland Barnes, 64, e sua estenógrafa, Julie Brandau, na corte do Condado de Fulton, Atlanta, EUA, no mês de março do ano de 2005, enquanto atuavam no julgamento de Brian Nichols, 34, acusado de estupro, que, sem algemas, conseguiu retirar a arma da policial da escolta e alvejá-los. O acusado, recapturado, foi descrito por seu advogado como pessoa “com uma personalidade tranqüila e muito querido entre seus companheiros de trabalho” (fonte: http://www.cruzeironet.com.br/run/11/163485.shl).”


A discussão, portanto, deixa de ter um tom meramente acadêmico e passa a surtir efeitos concretos na vida de diversas pessoas.


O Supremo Tribunal Federal editou, no dia 7 de agosto, durante o julgamento do Habeas Corpus (HC) 91952, a Súmula Vinculante n. 11, segundo a qual:


 “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou das autoridades e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.


Embora a edição da Súmula vise garantir a excepcionalidade da utilização de algemas, na prática, dificilmente, lograr-se-á a segurança jurídica almejada, pois as situações nelas descritas conferem certa margem de subjetividade à autoridade policial, a fim de que esta avalie nas condições concretas a necessidade do seu emprego. Basta verificar que se admite o seu uso na hipótese de receio de fuga ou de perigo para a integridade física. Ora, na expressão “fundado receio” não há como subtrair do policial essa avaliação acerca da conveniência ou oportunidade do ato. Tampouco é possível mediante lei ou súmula vinculante exaurir numa formula jurídica rígida e fechada todas as hipóteses em que é admissível o emprego de algemas.


Para aqueles que propugnam a proscrição desse juízo discricionário, pela insegurança jurídica causada, só há duas soluções: a vedação absoluta do uso de algemas ou a sua permissão integral em toda e qualquer hipótese como consectário natural da prisão. Já para aqueles que buscam uma situação intermediária, não há como abrir mão da discricionariedade do policial ou autoridade judiciária.


Temos como inovação na Súmula nº 11, exigir da autoridade policial ou judiciária a justificativa escrita dos motivos para o emprego de algemas, como forma de controlar essa discricionariedade. Além disso, passou a prever a nulidade da prisão ou ato processual realizado em discordância com os seus termos. Aí residem os problemas, pois, nesse contexto, inúmeras questões surgirão: o uso injustificado de algemas ensejará o relaxamento da prisão em flagrante? No caso da prisão preventiva, o abuso no uso de algemas poderá invalidar a mesma, provocando a soltura do preso? Na hipótese de o uso ser regular, a ausência de motivação ou a motivação insuficiente acarretará a nulidade da prisão?


Dessa forma, em vez de trazer uma solução, a edição da Súmula criou mais problemas para o operador do direito e o policial, pois será fatalmente uma causa geradora de nulidade de inúmeras prisões.


Na realidade, a referida Súmula foi editada por força do Habeas Corpus nº 91.952, do qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, em que restou anulado o julgamento realizado pelo Júri popular, em virtude de o réu ter sido mantido algemado durante toda a sessão, influenciando no convencimento dos jurados. Perceba-se, portanto, que a Súmula acabou sendo mais abrangente do que o próprio precedente que lhe deu origem.


Conclui-se que a citada Súmula, na tentativa de corrigir os abusos ocorridos no emprego de algemas, acabou, no calor dos fatos, exagerando, e, por conseguinte, provocando novos problemas.


A questão, portanto, longe está de encontrar uma solução, até porque, frise-se, antes de constituir uma discussão acadêmica, é, na realidade, um problema prático, que atinge diretamente a segurança de inúmeros policiais, juízes, advogados e da população em geral. Não há como fechar os olhos para essa realidade que se descortina.


Da mesma maneira, deverá se proceder quando da realização da prisão em flagrante, aplicando-se igualmente o princípio in “dúbio pro societate”, quando da colocação das algemas. A justificativa, fatalmente, realizar-se-á após o ato prisional.


Por ora, vale afirmar que, consoante os termos da Súmula n. 11, algema não é uns consectários naturais, obrigatórios e permanentes de toda e qualquer prisão, tendo como requisito a excepcionalidade, tal como deflui da própria legislação pátria. O juízo discricionário do agente público, ao analisar, no caso concreto, o fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros deverá estar sob o crivo de outro não mais importante vetor: o da razoabilidade, que, nada mais é, do que a aplicação pura e simples do que convenientemente chamamos de “bom senso”.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Com base na explanação realizada podemos verificar que o assunto é conflitante, porém com o advento da Súmula nº 11 do Superior Tribunal Federal possuímos um norte frente a esse conflito de interesses.


Assim, os agentes da segurança pública, advogados, juízes devem considerar todos os aspectos que os possibilitem atuar dentro da legalidade, bem como preservar a integridade e segurança de suas atuações. Deste modo, possibilitaremos um atuar com bom senso, responsabilidade e segurança.


 


Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum. 5. ed. atual. e amp. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2002.

CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental

do direito civil. In MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito

privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional, 4ed., São Paulo:RT, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 2001.

MORAIS, Alexandre de; CAPEZ, Fernando; GOMES, Luis Flávio e outros. “O uso de algemas e o Supremo Tribunal Federal: debate sobre a polêmica súmula vinculante nº11”. Fórum Criminal da Barra Funda. São Paulo.SP.Realizado em: 27 de agosto de 2008.

PERES, Carlos Silvestre Tavares; VALTER, Roberto Augusto. “Mega Vademecum Jurídico”. Editora Suprema Cultura. 2008. São Paulo, SP.

Sites consultados:






Nota:

[1] Este trabalho foi desenvolvido para a disciplina de Legislação Penal Aplicada IV do Curso Técnico de Segurança Pública/Secretaria de Segurança Pública/RS.

Informações Sobre o Autor

Alex Sandra Avila Minasi

Servidora Pública, Bacharel em Direito pela UCPEL, Pós-graduada, lato sensu, em Direito Processual pela UCPEL,e Especializanda em Direitos Humanos, Cidadania e Processos de Gestão da Segurança Pública pela Faculdade Est.


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Equipe Âmbito Jurídico

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