Law 14,064: effects of the improvement of the penalty for crime of malt treatment against dogs and cats
Autor: CHAVES, Felipe Nauar – Acadêmico do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO. E-mail: felipenauar@gmail.com
Orientador: MACIEL, José Alves – Especialista em direito civil e em direito penal e processual penal; Professor de Direito Processual Penal na Universidade UNIRG, Gurupi/TO. E-mail: kitamaciel@hotmail.com
Resumo: Com a promulgação da Lei 14.064/20 foi inserida uma qualificadora nos crimes de maus tratos contra animais, quando este for praticado contra cães e gatos (§ 1-A, art. 32) na Lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98). O presente estudo objetiva verificar os efeitos desta alteração na aplicação do direito penal, apresentando as possibilidades decorrentes desta qualificadora sobre os institutos previstos no Código Penal e Código de Processo Penal (Termo circunstanciado de ocorrência, prisão em flagrante, fiança, Acordo de não persecução penal, sursis, pena privativa de liberdade, pena de suspenção de direitos, multa e perda da guarda). Para tanto foi feita uma revisão bibliográfica da doutrina, do direito positivo e da literatura cientifica sobre o tema. A majoração da pena, valorando para mais o bem jurídico saúde de cães e gatos, ampliou as possiblidades de efetiva condenação, mesmo que possa sobrevir a substituição da pena de reclusão por pena restritiva de direitos.
Palavras-chave: Crime ambiental, cães e gatos, Lei 14.064/20.
Abstract: With the enactment of Law 14,064 / 20, a qualifier has been inserted in the crimes of mistreatment against animals, when it is practiced against dogs and cats (§ 1-A, art. 32) in the Environmental Crimes Law (Law 9,605 / 98). This study aims to verify the effects of this change in the application of criminal law, presenting the possibilities arising from this qualifier on the institutes provided for in the Penal Code and Code of Criminal Procedure (Detailed term of occurrence, arrest in flagrante delicto, bail, non-criminal prosecution agreement, sentence suspension, custodial sentence, penalty of suspension of rights, fine and loss of custody). For this purpose, a bibliographic review of the doctrine, positive law and scientific literature on the subject was carried out. The increase of the sentence, valuing the legal health of dogs and cats to a greater extent, increased the possibilities of effective condemnation, even though the substitution of imprisonment by a restrictive penalty may result.
Keywords: Environmental crime, dogs and cats, Law 14.064/20.
Sumário: Introdução. 1. Materiais e métodos. 2 Desenvolvimento. 2.1 O caminho legislativo da norma. 2.2. O direito positivo. 2.3. Das sanções do processo penal. Considerações finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Foi sancionada em 29 de setembro de 2020, a Lei 14.064, que “Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato”.
A Lei em comento incluiu no art. 32, da Lei 9.605, conhecida como “Lei de crimes ambientais”, o parágrafo 1-A, que institui uma qualificadora para o crime de maus tratos a animais, assim compreendido o ato de abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais, quer sejam estes silvestres, domésticos ou domesticados. Assim enunciava o dispositivo:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
O parágrafo recém incluído pela nova Lei majora a pena para quem comete tal crime para com cães e gatos quando se trata das condutas descritas no caput do artigo, elevando-a para “reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”, com o acréscimo de multa e instituindo ainda a “perda da guarda” do animal.
A ampliação da pena teve origem no Projeto de Lei nº 1095/2019, de autoria do deputado Fred Costa (MG) que a princípio pretendia apenas ampliar o dispositivo secundário da sanção penal, alargando-o para reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, para quem cometesse o crime disposto no caput, independente da espécie animal afetada ou da sua condição de doméstico, domesticado ou silvestre.
Por se tratar de norma legal recente, o que impede a existência de jurisprudência e até de precedentes exarados em decisões irrecorríveis, buscou-se, além da revisão bibliográfica à doutrina e literatura científica, como citado, conhecer o histórico da tramitação do então Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 1095/2019, até a sanção presidencial da Lei ordinária, visando aferir a teleologia da mesma.
A propositura do parlamentar veio na esteira de um fato de grande repercussão na mídia, ocorrido em Osasco-SP, quando um cachorro foi morto de forma brutal dentro de um supermercado. A época constatou-se que o animal foi espancado e envenenado por um segurança do local e acabou não resistindo aos ferimentos. Devido a exposição do fato ativistas pelos direitos dos animais, celebridades e políticos se manifestaram publicamente e por meio de redes sociais contra o ocorrido. Desta mobilização surgiu uma petição exigindo punição aos responsáveis que foi assinada por cerca de um milhão e meio de pessoas, conforme consta na justificação ao projeto de lei apresentado à Câmara Federal.
Podemos verificar que a pretensão do legislador foi meramente de ampliar a pena, aproveitando-se ou guiando-se pelo momentâneo clamor da população. Pastana (2009) já afirmara que questões como impunidade e insegurança permeiam o imaginário da sociedade exigindo do judiciário, e por extensão do legislativo, uma atuação cada vez mais voltada aos anseios desta sociedade, que se materializa na figura do estado punitivo. Denota-se que a atuação penal no país é caracterizada pela noção de emergência, a exigir uma resposta pronta e imediata, excluindo da análise original do projeto qualquer objetivo educador, reformador ou disciplinador. Segundo este autor, no Brasil, as respostas à criminalidade consistem, em sua grande maioria em penas severas e no encarceramento.
Odon (2018) afirma que o problema da criminalidade do Brasil não se resolverá com leis mais gravosas, mencionando a entrada em vigor da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e a Lei das Drogas (11.343/06), que não surtiram os efeitos referentes a redução da criminalidade. Acrescentando que estas normas trazem uma falsa ideia de segurança para a sociedade, retratando um discurso demagógico e fazendo surgir o que denomina de “Direito Penal Simbólico” baseado em normas demasiadamente gravosas e excessivas que não se sustentam diante da inaplicabilidade efetiva.
Nucci (2020) afirma que fatores como as deficiências dos órgãos de segurança pública e carência de operadores do direito no Ministério Público e na magistratura são fatores mais do que suficientes para fomentar a impunidade, derrubando o mito da elevação das penas e leis penais mais rígidas como instrumento eficaz de melhoria no cenário de políticas de segurança pública.
Por outro lado, Cavalieri Filho (2015) enuncia como efeitos positivos da lei os de controle social, educativo, conservador e transformador, sendo que o efeito educativo nada mais é que a simples existência da lei e sua divulgação no meio social se tornar um fator educativo para toda sociedade. Ou seja, este aumento de pena tende a carregar este peso educativo e se espera que seja suficiente para diminuir os maus tratos sofridos por cães e gatos domésticos.
As críticas quando da sanção presidencial referiam-se ao fato da pena ser bastante alta para os padrões do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940). A pena para maus tratos de cães e gatos passa a ser maior que, por exemplo, para crimes de homicídio culposo (art. 121, § 3º, CP); aborto – provocado pela gestante ou por terceiro com consentimento desta (art. 124 e 126, CP); crimes de periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136, CP); crimes contra a honra (arts. 138 a 140, CP) e lesão corporal – no ser humano (art. 129, caput, CP). E, ainda em termos comparativos, ter a pena máxima igual a quem comete lesão corporal de natureza grave, em que se tem como resultado, dentre outras hipóteses, debilidade permanente de membro ou sentido na vítima (art. 129, § 1º, CP).
De fato, é inegável que estamos de frente com uma incoerência legislativa, quando muitos dos crimes cominados no Título I – dos crimes contra a pessoa, da parte especial do Código Penal; incluindo vários em que o bem jurídico a ser tutelado é a saúde e inclusive a vida humana (como nos casos de homicídio culposo e aborto consentido), a pena ser menor do que quando o bem tutelado é a saúde dos animais de estimação (cães e gatos). A Lei de crimes ambientais, com a circunstância agravante inserida pela Lei 14.064, passa a mais valorar a preservação da integridade biológica e bem estar dos animais do que, a saúde e bem estar do próprio ser humano.
Freitas (2000) ao lecionar sobre direito ambiental afirma que este tipo penal pretende reprimir atentados contra animais, buscando que tais fatos não se tornem rotina e acabem por ser admitidos pela sociedade, mesmo que de forma tácita.
O próprio texto constitucional, art. 225 (BRASIL, 1988) atribui ao poder público e a coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações, atribuindo-lhe os adjetivos de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Desta forma afirma Copola (2012) que o sujeito passivo nos crimes ambientais é sempre a coletividade.
Ainda a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO, estabelece no art. 2º que: cada animal tem o direito ao respeito; o homem, enquanto espécie animal não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explorá-los, violando este direito e, que cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem. E de forma taxativa assevera, na alínea “a” do art. 3º: “Nenhum animal deverá ser maltratado e submetido a atos cruéis.”
1 MATERIAIS E MÉTODOS
Para elaboração deste trabalho foi realizado um levantamento da legislação penal, processual penal e da legislação especial sobre crimes ambientais, foram revistadas a doutrina e literatura cientifica sobre o tema, além de uma busca na tramitação do Projeto de Lei nº 1095/2019, que deu origem a Lei, visando elucidar os possíveis efeitos da elevação da pena para quem praticar maus tratos para com cães e gatos, majorada pela recente Lei 14.064, de 29 de setembro de 2020.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O CAMINHO LEGISLATIVO DA NORMA
Conforme se extrai das atividades legislativas (Câmara dos Deputados, 2020), depois da repercussão da morte do cachorro, espancado e envenenado dentro do supermercado de Osasco-SP, em novembro de 2018, e inclusive usando tal fato em sua justificação, adentrou no Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados o PL 1095/2019, que pretendia aumentar a pena para quem praticava maus tratos aos animais, majorando-as de detenção de três meses a um ano, e multa; para reclusão de um a quatro anos, e multa; projeto este de autoria do Deputado Fred Costa (MG).
O projeto original também previa que estabelecimentos comerciais ou rurais que concorressem para a prática também estariam sujeitos a sanções.
O Deputado Celso Sabino (PA), relator do projeto na Comissão Especial criada para analisa-lo, após várias audiências públicas, e sob a justificativa de que, tanto a modalidade de sanção prevista, quanto o seu montante, passaram a se tornar injustos, na medida em que não punem adequadamente o infrator, já que foram insuficientes para frear tal prática criminosa, que teve um aumento de grandes proporções. E, citando outros exemplos de maus tratos a cães e gatos ocorridos e noticiados no País, concordou com o argumento do autor de que “o Projeto visa aumentar o rigor legal com o objetivo de punir e coibir a prática desses delitos”.
Diante das circunstâncias e fatos narrados, Dep. Celso Sabino, apresentou um substitutivo ao projeto original, que veio a se tornar Lei. Diferente do projeto original em que se aumentava a pena para maus tratos a todo e qualquer animal por alteração no parágrafo 1º; sugeriu a inclusão de novo parágrafo (1-A), onde a pena se tornava ainda mais gravosa: de dois a cinco anos de reclusão, multa, e ainda, incluiu a perda da guarda do animal, mas limitou esta sanção aos maus tratos cometidos contra cães e gatos, sob a justificativa de serem estes “os animais que mais comumente são adotados como de estimação e estabelecem relação de intimidade com os seres humanos”.
Neste ponto cabe aclarar que os animais são seres sencientes, possuem natureza biológica e emocional, capazes de sentir de forma consciente sensações e sentimentos. Condição esta já reconhecida em legislações de países como França e Nova Zelândia. Na mesma linha, países como Alemanha, Áustria e Suíça já reconhecem em seu ordenamento jurídico que os animais não são objetos.
No Brasil, com escudo no art. 82, caput, do Código Civil, os animais ainda são considerados “coisas” (bens susceptíveis de movimento próprio), conforme entendimento do STF. Mas como bem pontuou NUNES JUNIOR (2019):
“Embora o STF tenha reconhecido o status de coisas aos animais, ponderou que ‘os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial, como seres sencientes, dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais’, também devem ter o seu bem-estar considerado.”
Salienta-se que existem projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional que visam dotar os animais como sujeitos de direitos, com destaque para o PLC 27/2018, de autoria do Dep. Ricardo Izar (SP), tramitando no Senado Federal, que pretende acrescentar dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos, que tem como objetivos fundamentais a afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção, a construção de uma sociedade mais consciente e solidária e o reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento. Assim pretende disciplinar o PLC: “Art. 3º Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa”.
2.2 O DIREITO POSITIVO
Com a promulgação da Lei 14.064, de 29 de setembro de 2020, o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.065/98), passou a contar com o parágrafo 1-A:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Nota-se que a qualificadora constante para cães e gatos faz menção expressa a todas as condutas típicas e antijurídicas contra animais constantes no caput do artigo, quais sejam: praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar. Ainda merece destaque que o motivo de aumento de pena contemplado no § 2º, deste artigo pode elevar a pena cominada no novo parágrafo, elevando-a para reclusão para 2 anos e quatro meses a 5 anos e 10 meses, no menor acréscimo, e até 2 anos e 8 meses a 6 anos e 8 meses, no maior aumento, quando sobrevier a morte do animal.
Com pena de reclusão desta monta, o crime de maus tratos contra cães e gatos é excluído dos crime de menor potencial ofensivo previstos na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências (BRASIL, 1995). Tal diploma legal, contempla em seu artigo 61, com a alteração dada pela Lei 11.313/06:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Adquire importância tal fato, uma vez que, conforme estabelece a Lei 9.099/95, cabe a autoridade policial, diante de um crime de menor potencial ofensivo, lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO, se abstendo da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, que seria a peça inaugural do inquérito policial.
Da análise combinada destes dispositivos temos patente que quem cometer crime de maus tratos contra cães e gatos e presente as especificações de flagrante descritas no art. 302, do Código de Processo Penal – CPP (Brasil, 1941), deve ter sua prisão decretada.
O legislador parece ter tido a clara intenção de evitar que tal crime fosse passível de fiança por parte da autoridade policial, pois a Lei 12.403/11, alterou o art. 322, do CPP, para impor limite ao delegado de polícia que agora, por força do dispositivo “somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos“.
Quanto a liberdade provisória sem fiança, esta deverá ser concedida apenas pela autoridade judicial, em decisão fundamentada à luz do art. 310, CPP, podendo a autoridade judicial concedê-la à luz do inciso III, do art. 310. Bem como, poderá o juiz ainda impelir ao acusado medidas cautelares diversa da prisão.
Com a majoração também é vedada a suspenção do processo estabelecida no art. 89, da Lei 9.099/95, uma vez que a pena mínima inserida pelo § 1-A, da art. 32, é superior a pena estabelecida como máxima para a proposição deste instituto por parte do Ministério Público.
A Lei 13.694/2019, denominada de “pacote anticrime” inseriu no Código de Processo Penal o artigo 28-A que faculta ao Ministério Público a propositura de “acordo de não persecução penal” – ANPP, sob algumas condições:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
Fica evidente que cabe o ANPP no caso de crimes de maus tratos contra cães e gatos, uma vez que, mesmo no caso de morte do animal, que é motivo de elevação de pena previsto no § 2º, do art. 32, da Lei 9.605/98, a pena mínima cominada para o crime continua inferior ao previsto no caput do art. 28-A, CPP.
Esta interpretação é ratificada pelo MPGO (2020), que em seu “Manual de Atuação e Orientação Funcional – Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)”, recentemente publicado para uniformizar procedimentos no âmbito de suas atuações, ao afirmar que: no tocante ao critério quantitativo da pena, o ANPP, alcança infrações penais com pena mínima inferior a quatro anos, consideradas as causas de aumento e diminuição de pena, nos termos do art. 28-A, §1º, do CPP. Em havendo redutores ou exasperantes em limites variáveis, deve-se tomar como parâmetro, respectivamente, a maior diminuição e o menor aumento, uma vez que o parâmetro é o piso punitivo, na linha do disposto nos verbetes das súmulas 243 do Superior Tribunal de Justiça e 723 do Supremo Tribunal Federal.
Antes de analisarmos as condições que deverão ser ajustadas cumulativa e alternativamente no ANPP, vamos analisar as condições em que não caberia o ANPP, estampadas no § 2º, do 28-A, CPP.
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
Nota-se que o ANPP, por força destes dispositivos, não encontra óbice a sua realização quer seja pelo inciso IV, por tratar de questões relativas a violência doméstica, e também em virtude do inciso I, que se refere ao não cabimento de transação penal, instituto aplicável nos casos de crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima em abstrato de dois anos) de competência dos juizados especiais criminais (Lei 9.099/95), não sendo o caso do crime de maus tratos contra cães e gatos.
Os incisos II – referente a reincidência ou existência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, e III – referente a concessão pretérita de ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo; impedem a celebração do acordo, devendo o processo criminal seguir seu trâmite.
Permitido o ANPP, no caso do crime de maus tratos contra cães e gatos, deve o parquet ajustar as condições para atender os incisos caput do art. 28-A, CPP:
Reparação do dano decorrente do crime (inciso I), onde pode-se incluir as despesas médicas veterinárias para tratamento e recuperação do animal. Aqui cabe uma ressalva, sendo o crime de ação pública incondicionada em que o sujeito passivo nos crimes ambientais é sempre a coletividade, com base no artigo 225, da Constituição Federal, no caso de morte do animal, poderá ser pactuada sua reposição, em especial quando se tratar de raças com valor econômico. Mas mesmo que o acusado faça esta reposição a fim de sanar prejuízo econômico ao proprietário do cão ou gato, persistirá a impossibilidade de reparação do dano para à coletividade, uma vez que a vida do animal não poderá ser reposta.
O inciso II exige a renúncia voluntária dos bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime. No caso do crime de maus tratos contra cães e gatos tal hipótese poderia ocorrer apenas nos casos em que o instrumento utilizado para o intento tenha algum valor, como uma arma de fogo, ou no caso do crime ter sido praticado mediante pagamento.
O inciso III é referente a prestação de serviço à comunidade pelo período da pena mínima cominada diminuída de um a dois terços. Ou seja a prestação de serviço, em local a ser determinado pelo juízo, deverá ser de oito meses a um ano e quatro meses. Exceto nos casos em que incidir a causa de aumento de pena do parágrafo 2º, do art. 32, da Lei 9.605 (sobrevier a morte do animal) em que haverá majoração na pena mínima (um sexto a um terço).
Ainda o ANPP definirá prestação pecuniária (inciso IV) nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, que tenha, preferencialmente, como função proteger os animais (bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito).
Permite ainda, de forma expansiva e subjetiva, que o Ministério Público fixe outra condição “proporcional e compatível com a infração penal”, determinando o prazo da execução desta condição (inciso V).
2.3 DAS SANÇÕES DO PROCESSO PENAL
Chegando a termo a ação penal pública incondicionada, conforme expresso no art. 26, da Lei de Crimes Ambientais, cabe ao juízo, em caso de condenação, aplicar as sanções previstas na Lei, em decisão fundamentada.
A sentença deverá conter a pena privativa de liberdade e vir acompanhada da pena de multa e da perda da guarda do cão ou gato. Não podendo o juízo se abster de aplicá-las por força imperativa do próprio dispositivo sancionador (§ 1-A, art. 32, Lei 9.605).
Quanto a pena privativa de liberdade, nota-se que o legislador ao majorar a pena converteu-a em reclusão, o que de forma divergente da detenção permite seu cumprimento inicial em regime fechado (art. 33, CP).
A pena de multa deve ser fixada à luz do art. 49, do CPP e levando em consideração a condição econômica do infrator, conforme estabelecido no inciso III, do art. 6º, da Lei 9.605/98.
A perda da guarda do cão ou gato é sanção incluída pela nova Lei 14.604/20 e pressupõem, além da condição de animal doméstico, que o animal devesse ter como proprietário ou tutor o seu algoz. Não há menção na norma sobre outros animais que estejam sob a guarda do infrator, fazendo-se necessário aguardarmos sentenças e consolidação da jurisprudência.
Existe a possibilidade de advir da sentença a suspenção da pena por parte do juízo. O art. 77, do Código Penal, prevê:
Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I – o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
III – Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
Já a Lei de Crimes Ambientais, é mais elástica quanto ao prazo de suspenção condicional da pena, prevendo que esta pode ser aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos (art. 16). Neste caso pelo critério da especialidade, onde a norma especial deve prevalecer sobre norma geral, tem-se que a possibilidade de suspenção pode ocorrer quando a pena concreta for inferior a três anos.
Em que pese a interpretação conjunta das normas e a prevalência do critério da especialidade quanto a possibilidade da suspenção da pena privativa de liberdade no que diz respeito ao tempo de pena (3 anos), ainda prevalecem os requisitos descritos nos incisos do art. 77, do CP. Ou seja, o condenado não seja reincidente em crime doloso; as circunstâncias, culpabilidade, antecedentes e conduta social sejam favoráveis e, não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44, do Código Penal.
Parece-nos evidente que o inciso III é por si só suficiente para impedir a suspenção da pena, haja vista que a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos é perfeitamente cabível no caso deste crime, desde que não existam os critérios impeditivos previstos no art. 44, do CP, mas que também obstariam o sursis.
Para a gradação da penalidade há de se observar tanto a Lei 9.605/98 quanto o Código Penal (art. 59). Assim enuncia o art. 6º, da Lei de Crimes Ambientais:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Após a dosimetria final da pena privativa de liberdade caberá ao juiz, nos casos de crime de maus tratos contra cães e gatos, adotar ou não a conversão da pena em restritiva de direitos. Vejamos o que diz a Lei de Crimes Ambientais:
Art. 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:
I – tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;
II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.
São duas as diferenças entre a lei especial e o Código Penal. A primeira reside no fato do inciso I, do art. 44, CP, trazer de forma expressa que a pena não poderá ser substituída no caso do crime ter ocorrido “com violência ou grave ameaça à pessoa”.
Como posto, ainda carece a legislação nacional com maior especificidade a classificar os animais, uma vez que ainda não há reconhecimento nas normas pátrias sequer da senciência destes. Portanto, avocar o impedimento do art. 44, do CP, sobre o crime ter ocorrido “com violência ou grave ameaça à pessoa” de forma expansiva e in malan partem para impedir a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, parece-nos além de não encontrar espelho na Lei ser deveras desarrazoado e desproporcional.
Outro aspecto é que o Código Penal, traz no inciso II, do art. 44, a impossibilidade de substituição da pena por restritiva de direitos no caso de reincidência em crime doloso.
Também com pequenas divergências relativas ao Código Penal, a Lei de Crimes Ambientais, com o escudo do já citado critério da especialidade, traz o rol de penas restritivas de direitos passíveis de adoção, sendo: I – prestação de serviços à comunidade; II – interdição temporária de direitos; III – suspensão parcial ou total de atividades; IV – prestação pecuniária e V – recolhimento domiciliar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é de agora que casos que envolvam abusos, maus tratos, ferimentos e mutilações aos animais causem comoção na sociedade, exigindo do poder legislativo a adoção de penas mais gravosas para coibir tais condutas.
No Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo, o meio ambiente (incluso a fauna) vem ganhando maior proteção legal, estando a Lei 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais, que foi alterada para incluir a qualificadora para crime de maus tratos em cães e gatos, entre as legislações mais modernas quanto a proteção do meio ambiente.
Assim leciona o Ministro Luís Roberto Barroso:
“Existe uma relevante quantidade de literatura contemporânea sobre bem-estar e direitos dos animais. Trata-se de um domínio em franca evolução, com mudanças de percepção e entronização de novos valores morais. O próprio tratamento dado aos animais pelo Código Civil brasileiro – ‘bens suscetíveis de movimento próprio’ (art. 82, caput, do CC) – revela uma visão mais antiga, marcada pelo especismo, e comporta revisão. Nesse ambiente de novos valores e de novas percepções, o STF tem feito cumprir a opção ética dos constituintes de proteger os animais contra práticas que os submetam a crueldade, em jurisprudência constante e que merece ser preservada.” (BARROSO, 2014, p. 56)
Lembremos que o conceito material de crime por Nucci (2020) refere-se “a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena”. Desta forma, em que pese seu efeito educativo, o direito penal figura como o ultima ratio para mitigar condutas antijurídicas, esperando a sociedade que quem o transgrida seja efetivamente apenado.
Neste contexto, o parágrafo 1-A, inserido no art. 32, da Lei de crimes ambientais, ao majorar a pena para reclusão de dois a cinco anos, efetivamente permitiu a prisão em flagrante do infrator que praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar cão ou gato, uma vez que tal majoração descaracterizou o crime dos tipificados como de menor potencial ofensivo, definidos na Lei 9.099/95, que dispõe sobre os juizados especiais criminais.
Outra inovação do parágrafo inserido refere-se a perda da guarda do cão ou gato. Embora possa parecer especulação, visto não existirem sentenças transitadas e jurisprudência referente ao novíssimo dispositivo, parece-nos lógico que a sanção da perda da guarda deva ser aplicada de forma expansiva, no sentido de evitar que o apenado mantenha sob sua guarda outros cães e gatos.
Ainda que, chegando ao cabo o processo penal, seja factível ao judiciário a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direito, nos moldes e limites definidos em Lei, merece destaque o fato de termos uma sentença condenatória em que, além da restrição de direitos a ser definido pelo juiz, ensejará a multa e a perda da guarda.
Outro aspecto a se considerar é que agora, com o novo dispositivo, existe a impossibilidade de substituição por pena restritiva de direitos não somente nos casos de reincidência (art. 44, II, CP) e nos casos em que as circunstâncias do crime, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, indicarem que a substituição não seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime (art. 44, III, CP e art. 7º, II, Lei 9.605/98), mas também nos casos em que a pena for superior a quatro anos (art. 44, I, CP e art. 7º, I, Lei 9.605/98) o que agora é perfeitamente factível uma vez que a pena cominada vai até o máximo de cinco anos, devendo-se levar em consideração ainda o motivo de elevação de pena previsto no parágrafo segundo, do art. 32, da Lei de Crimes Ambientais, nos casos em que sobrevier a morte do animal.
De onde se conclui: em que pese o alto grau de valoração que foi dado ao bem jurídico a ser protegido pelo dispositivo, qual seja, a saúde de cães e gatos; diante das possibilidades existentes no ordenamento jurídico nacional, quer seja na esfera penal, quanto processual penal, parece-nos ter sido medida assertiva a inserção na Lei de Crimes Ambientais de dispositivo que estabelece uma qualificadora para maus tratos para com cães e gatos.
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