A avaliação da juíza Osnilda Pisa sobre a ineficácia da Lei Maria da Penha, publicada
na edição de 27.02.2009 do jornal Zero Hora, expõe dois fenômenos da realidade
jurídica brasileira: a judicialização das questões de
políticas públicas de saúde e a mentalidade punitiva de nosso Legislador. Na
entrevista, a magistrada alude que a lei pouco ou nada muda na prática, visto que pelo menos metade dos processos que chegam ao Juizado Especial de
Violência Doméstica de Porto Alegre refere-se a problemas
conjugais, internação de familiares toxicômanos, ou mesmo para fins escusos, como
para auferir benefícios financeiros ou chantagear o companheiro.
Aprovada em agosto de 2006, a lei contém modernos
dispositivos de políticas públicas para que Estado e Sociedade busquem a
diminuição dos índices de violência familiar contra a mulher, com medidas de
conscientização e prevenção a esta espécie de agressão, determinando também o
desenvolvimento de uma estrutura multidisciplinar especializada no atendimento
às vítimas da violência doméstica e seus dependentes.
A criação de tal estrutura requer investimentos da União,
Estados e Prefeituras. Sem financiar os projetos dispostos na lei, o Poder Executivo
reconhece sua ineficiência e transfere seu dever de conceder acesso universal à
saúde ao sobrecarregado Poder Judiciário, repassando burlescamente aos
magistrados as atribuições de psicólogos, psiquiatras ou de administradores da
rede pública de saúde.
Adotando medidas criminalizadoras,
penalizam-se questões de direito de família, ignorando direitos e garantias
individuais com a opção por penas privativas de liberdade em detrimento de
substitutivos penais, e com o uso de prisões provisórias para alegadamente proteger
a mulher em situação de risco. A bem da verdade, viola-se um direito na
tentativa de proteger outro.
O Estado Brasileiro é contumaz violador
dos direitos de seus cidadãos. Descumprindo o programa de políticas públicas preventivas
de violência doméstica e de atendimento à vítima, agressor e dependentes, repassa
ao Poder Judiciário a responsabilidade de resolução dos problemas originados
por sua falta de ação, encurralando-o entre medidas cíveis de eficácia
questionável (por exemplo, a medida protetiva de
afastamento do lar); medidas processuais penais como a prisão provisória, extremamente
estigmatizante e potencialmente injusta, e o uso da
sanção penal post factum,
retributiva, extremamente danosa tanto para o
agressor quanto para seus dependentes.
O “faz de conta” que se tornou a
aplicação da Lei Maria da Penha deixa claro que a não realização de políticas
públicas por parte do Estado é importante fator criminógeno,
e que a adoção do Direito Penal no campo das relações familiares tem finalidade
meramente simbólica. Devemo-nos lutar para que a Lei Maria da Penha seja
integralmente cumprida, e não apenas suas disposições criminais, como forma de
alcançar a idealizada igualdade substancial de gênero.
Advogado, Especialista em Direito Penal e Processual Penal
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