Resumo: O presente trabalho tem como objetivo dispor sobre a Lex Tertia Mitior – “terceira lei mais branda” e sua aplicação na prática penal, tendo em vista as divergentes posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, presente, inclusive, tormentosas discussões atuais no Supremo Tribunal Federal tratando deste tema de índole histórica do direito penal, e para isso ponderar a respeito da lei penal no tempo, seus aspectos, peculiares e princípios norteadores. Este trabalho foi orientado pelo Professor Reno Feitosa Gondim.
Palavras-chave: Conjugação de leis; cumulação de leis; Lex Tertia; lei penal no tempo; princípio da extra-atividade.
Abstract: This paper has to objective provide about Lex Tertia Mitior – “third law milder” and its practical application in view of the divergent positions on doctrinal and jurisprudential matter, existing even stormy current discussions on the Supreme Court dealing with this historical theme criminal Law, and for this ponder about criminal law in time, their specific aspects and guiding principles.
Keywords: Combination of laws; overlapping laws; Lex Tertia; Criminal Law in Time, Principle of Extra-activity.
Sumário: 1. Introdução; 2. Tempo do Crime; 3. Princípio da Extra-Atividade; 3.1 Princípio da Ultra-Atividade; 3.2 Princípio da Retroatividade Benéfica; 4. Lex Tertia Mitior; 4.1 Julgados Recentes STF/STJ; 4.1.1 STJ; 4.1.2 STF; 5. Conclusão.
1. Introdução
Em todos os ramos do Direito um dos assuntos que geram mais controvérsias e complicações práticas é, sem dúvida, o da “aplicação da lei no tempo”. A dificuldade de assimilação e de aplicação prática da lei no tempo, em diversos episódios, se dá pelo fato da afinidade que tal tema tem com os raciocínios lógico-matemáticos-temporais, situação agravada pelo caráter volúvel do direito, este facilmente observado pelas inúmeras alterações legislativas que acontecem em curtos espaços de tempo.
O tema a ser retratado, a princípio, propedêutico da ciência geral do direito, tem suas vertentes propugnadas de diferentes maneiras de acordo com os diversos ramos do Direito, ou seja, a “lei no tempo” apesar de ser matéria de cunho geral do Direito, conforme abalizado pela Constituição da República de 1988, em seu art.5º, incisos, XXVI e XL e Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[i] – LINDB, pode se apresentar diferentemente conforme as características típicas de cada ramo do Direito.
No âmbito do direito criminal o estudo da lei no tempo toma contornos ímpares, pois é nele que se apresentam as maiores exceções quanto aos preceitos gerais da segurança jurídica, ínsitos como regra geral na Constituição Federal e normativos infraconstitucionais.
A respeito das desvirtuações do tempo na ciência criminal, leciona o professor Reno Feitosa Gondim, em sua obra Teoria Geral do Direito Penal, volume 1, p.287:
“A ‘noção de tempo’ no direito penal não é apenas relativa, é caótica. E pelo predicado caótico que designa a noção de tempo no paradigma epistemológico da pós-modernidade, deve-se entender a ‘não linearidade’ (retroatividade, ultra-atividade e inter-temporalidade) que assume para estabelecer o ‘sentido’, a ‘representação’ e a ‘linguagem’ do ordenamento jurídico-penal.”
Situações sui generis essas que ocorrem devido a diversos fatores peculiares das ciências penais, devendo-se salientar como mais relevante seu caráter garantista, insculpido na Lei Fundamental, do qual se extrai princípios como o do Tempus Regit Actum e da Extra-atividade, este dividido em: Ultratividade e Retroatividade da Lei mais benéfica ao “Réu” [ii].
Diante dos princípios Ultratividade e Retroatividade, embasadores da aplicação da penal no tempo, surge as discussões sobre a possibilidade de mesclá-los em uma só situação concreta, esse fato levaria à técnica judicial da combinação de leis, chamada por alguns doutrinadores de lex tertia mitior.
A lex tertia mitior sempre foi motivo de discussões na doutrina e jurisprudência, mas ainda não se atingiu uma solução definitiva a respeito da sua possível aplicação prática, tendo como pontos principais desta discussão a “usurpação do poder de legislar pelo magistrado” versus a “garantia da lei in concreto mais benéfica ao acusado”.
Ainda sobre a lex tertia mitior é de se salientar os conflitos mais palpitantes e atuais presentes na jurisprudência maior do Brasil condizentes à possibilidade da aplicação prática da lex tertius, pontualmente trazendo a tona o caso recente que mais suscita dúvidas: o conflito entre as “leis de drogas”: Lei n. 6.368/76 e Lei 11.343/06.
2. Tempo do Crime
A aplicação da lei penal no tempo está diretamente ligada ao caráter punitivo do Estado e da mesma forma unido ao princípio da legalidade, como preleciona a doutrina de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli no Manual de Direito Penal Brasileiro v.1, 7ª ed., p.199:
“A garantia da legalidade (art. 5º e XXXIX, CF/88) tem claro sentido de impedir que alguém seja punido por um fato que, ao tempo do cometimento, não era delito, ou de impedir que ao condenado seja aplicada uma pena mais grave que aquela legalmente prevista ao tempo da realização do fato delituoso. Posto que esse – e não outro – é o objeto da proscrição da lei penal ex post facto, o princípio geral da irretroatividade da lei penal reconhece uma importante exceção consistente na admissão de efeito retroativo da lei penal mais benigna.”
Por ser diretamente relacionado à penalização, o estudo da lei penal no tempo se presta a regular tanto as normas que tratam dos crimes, como das contravenções, atos infracionais e medidas de segurança, pois em todos estes institutos do direito penal se encontra aspectos penalizadores.
Quanto ao momento da realização do fato delituoso, descrito em lei de forma estrita, deve se observar, a título de compreensão didática, a existência de três teorias:
1) Teoria da Atividade:
Segundo esta teoria o momento da consecução típica do fato criminoso é o tempo a ação ou omissão, mesmo que outro seja o do resultado, desta feita embasado pelo princípio do tempus regit actum.
2) Teoria do Resultado:
Já aqui, como o próprio termo já nos afirma, tem-se como o momento do crime o do instante de seu resultado, consumação.
3) Teoria Mista ou da Ubiquidade:
Esta teoria defende tanto o momento da prática da ação ou da omissão como o do resultado como sendo o tempo do crime.
Como dito, hodiernamente esta divisão tem cunho meramente didático, tendo em vista que é incontroverso, mediante o art. 4º do Código Penal Brasileiro, que o momento da prática do crime segue a teoria da atividade, assim preleciona o referido dispositivo legal: “considera-se praticado o crime no momento da aça ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Não obstante seja lícito ressaltar que a teoria do resultado é utilizada para fixar o marco interruptivo da prescrição (art.111, I, CP).
A razão de ser da adoção da teoria da atividade dá-se basicamente por três motivos:
1 – Identificar qual lei será aplicada ao caso concreto, tendo em vista o princípio do tempus regit actum, ou seja, a lei do tempo da conduta regerá a situação, com a exceção da retroatividade in mellius, o que dificilmente tem ocorrido na prática, considerando a tendência legiferante extremamente penalista, e outra particularidade visível está presente nos crimes permanentes e continuados, conforme consolidado na Jurisprudência Maior, através da súmula 711 – STF[iii].
2 – Analisar a imputabilidade do acusado, se ele ao momento do crime era passível de imputação criminal ou estava presente alguma das hipóteses de excludente da culpabilidade.
3 – Análise das circunstâncias da vítima. Assim, por exemplo, no art. 121 § 4º do Código Penal, se o agente pratica conduta de homicídio contra menor de 14 (catorze) anos de idade estará incurso em causa de aumento de pena, mesmo que no momento da consumação da morte da vítima esta já tenha mais de 14 (catorze) anos de idade.
Antes de adentrar na análise dos princípios em espécie, cabe explicar que, no que tange à aplicação temporal, a lei materialmente penal diferencia-se da lei processual penal. A primeira, como já demonstrado, está sob o manto principiológico da maior garantia possível ao acusado, contudo a lei processual penal, por não ter seu viés voltado para a punibilidade, aplica-se a todos os processos em curso, independentemente de ser mais gravosa ao agente.
No entanto é importante lembrar que existem ainda as leis mistas, ou seja, de conteúdo material e processual penal às quais devem ser aplicados os princípios das normas materialmente penais, tendo em vista a impossibilidade de cisão de mesmo dispositivo normativo pelo hermeneuta com finalidade de aplicações temporais diversas em prejuízo do réu, é o que vem sendo consolidado na doutrina[iv] e jurisprudência das cortes superiores.
3. Princípio da Extra-Atividade
O princípio base da aplicação temporal das normas penais é o do tempus regit actum, contudo, nesse ponto, o que torna o Direito Penal distinto dos demais ramos da ciência jurídica é sem dúvida o Princípio da Extra-Atividade da lei penal.
Por que extra-atividade?
Pela simples análise da terminologia se percebe que este princípio traz regra de exceção, pois é uma atividade extra, distinta, sui generis que a norma penal pode realizar em determinadas circunstâncias fático-temporal-normativas.
E é sob esse trinômio: delito, tempo e sucessão de normas, que o intérprete do caso concreto deve resolver possíveis conflitos aparentes das leis penais no tempo.
O princípio da extra-atividade é dividido em dois: Ultratividade e Retroatividade. E nesse sentido esclarece Rogério Greco, em seu Curso de Direito Penal – Parte Geral, 13ª ed. P.107:
“Chamamos de extra-atividade a capacidade que tem a lei penal de se movimentar no tempo regulando fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo depois de ter sido revogada, ou retroagir no tempo, a fim de regular situações ocorridas anteriormente à sua vigência, desde que benéficas ao agente. Temos portanto, a extra-atividade e a retroatividade”
Confirmando pelo aspecto garantista dos princípios em tela, Rogério Greco salienta:
“Concluindo, a ultratividade e a retroatividade da lei penal serão realizadas, sempre, em benefício do agente, e nunca em seu prejuízo, e pressupõem, necessariamente, sucessão de leis no tempo”
3.1 Princípio da Ultra-Atividade
O termo “ultra” significa “além de”, o que retrata a transposição de alguma fronteira. No presente estudo revela-se pela atuação da lei penal além de sua “vida útil”, ou seja, além do término de sua vigência.
Alude lembrar que no direito brasileiro prevalece que a lei produzirá efeitos até o término de sua vigência, pois a nova lei tem efeito imediato, conforme explicitado na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, admitindo-se raras exceções no Direito não penal.
A situação de ultra-atividade da lei penal decorre do princípio base da atividade, pois é a lei do momento do delito a aplicável. Todavia, mesmo com a superveniência de lei posterior que revogue a lei do tempo do crime, prevalece esta. Regra limitada pelo princípio retroatividade benigna.
A partir do princípio da ultratividade se observa a aplicação temporal da lei da época do fato criminoso, não permitindo, assim, a retroatividade in prejus, desta forma consubstancia a regra da irretroatividade.
Todavia, em que pese o princípio da ultratividade ser decorrência lógica da regra geral do tempus regit actum com limites fulcrados na retroatividade benéfica, ele tem como peculiar alguns aspectos, quais sejam: as leis excepcionais e temporárias[v].
As leis temporárias e as leis excepcionais respeitam rigorosamente o princípio da ultratividade, independentemente de lei posterior à regência temporária ou excepcional ser mais benéfica ao agente. Tal situação é explicada pela doutrina majoritária a qual menciona que a lei nova não revoga a anterior ainda que mais branda, porque não trata exatamente da mesma matéria, do mesmo fato típico, tendo as leis temporárias ou excepcionais sido elaboradas para determinadas situações específicas.
Desta forma não há que se falar em não retroatividade benéfica, visto que a situação temporária ou excepcional é tipicamente distinta, por exemplo: a lei excepcional anterior regula uma situação de anormalidade e a nova lei posterior aparentemente in mellius rege contexto diverso, ou seja, de regularidade, assim elas não dispõem da mesma situação típica. Não ferindo, desta feita, o princípio da retroatividade in mellius.
Entretanto, vale ressaltar, que se a lei posterior revogar a lei temporária ou excepcional de forma expressa, fazendo menção aos mesmos fatos anteriores, estar-se-ia diante de uma possível retroatividade em benefício do agente em sede de leis extraordinárias.
A contrário sensu entende Zaffaroni, em sua obra supra, p.202, e propõe que:
“O art. 3º do CP estabelece que, nos casos de leis temporárias e excepcionais, não vigora a retroatividade da lei posterior mais benigna estabelecida no art. 2º. Trata-se de uma limitação à regra do art. 2º, que foi consagrado no Código de 1940, e que se mantém no texto vigente. Seu fundamento seria a perda da eficácia intimidatória preventiva djandro estas leis, se não fosse estabelecida a exceção.”
E conclui:
“Esta disposição legal é de duvidosa constitucionalidade, posto que constitui exceção à irretroatividade legal que consagra a Constituição Federal (‘salvo para beneficiar o réu’) e não admite exceções, ou seja, possui caráter absoluto (art. 5º, inc. XL).”
Igual entendimento compactua Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar em Direito Penal Brasileiro, v.1, p.217.
3.2 Princípio da Retroatividade Benéfica
Retroativo é tudo aquilo que tem efeitos sobre fatos passados. Mais precisamente, dentro do presente estudo, é o retorno da lei posterior com o fim de atingir fatos já decorridos anteriores a sua vigência e regidos à época pela lei passada.
O princípio da retroatividade benéfica está em contraponto com o princípio da ultratividade. São princípios diametralmente opostos e segundo doutrina historicamente majoritária: incompossíveis. A retroatividade in mellius tem previsão expressa na Constituição da República e é norma de exceção alicerçada nas garantias do acusado e que se insurge contra os ditames do tempus regit actum.
A partir do princípio em comento não se procura o deslocamento do momento da conduta delituosa para o futuro, mas sim a aplicação da lei nova mais benéfica, que deve retroagir se apegando à conduta como um íman.
Deste modo dispõe a Constituição Federal de 1988:
Art. 5º, inciso XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”
E já mencionava o art.9º do Pacto de São José da Costa Rica (1969), ratificado pelo Brasil em 9 de novembro de 1992, hoje com status supralegal[vi]:
“Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se.”
Tendo no mesmo sentido o Código Penal Brasileiro em seu art. 2º detalhado:
“Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”
O normativo constitucional e legal que expressam a retroatividade in mellius, fundam-se essencialmente na lógica legislativa de que se norma posterior deixa de penalizar totalmente (abolitio criminis)[vii] ou em parte determinado contexto penal, não há que se cogitar a penalização se presente uma mesma conjuntura jurídico-penal, pois o que difere tais condutas delituosas é, exclusivamente, o critério “tempo”.
E considerando que a legislação evolui junto à sociedade e a norma atual tende a ser mais “justa” do que a pretérita, não se deve tratar situações iguais com critérios distintos com o fim meramente punitivo, pois os atos que a sociedade e a legislação hodierna não mais consideram dignos da mesma análise penal não poderão ser considerados em prejuízo dos fatos pretéritos, com as devidas ressalvas das leis excepcionais e temporárias.
Da mesma forma entende Zaffaroni, obra cit., p.201, e acrescenta:
“O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna encontra o seu fundamento na própria natureza do direito penal. Se o direito penal regula somente as situações excepcionais, em que o Estado deve intervir para a reeducação social do autor, a sucessão de leis que alteram a ingerência do Estado no círculo de bens jurídicos do autor denota uma modificação na desvaloração de sua conduta. […] Disso resulta que já não tem sentido a intervenção do Estado, por desnecessária, não se podendo sustentar apenas no fato de que foi considerada necessária no momento em que o autor cometeu o delito.”
Em contraponto à regra geral do princípio ora estudado, não é despiciendo indicar algumas exceções, ou melhor, ocorrências aparentemente contrárias à retroatividade benéfica:
a) Delito Permanente, Habitual, Continuado:
Nos dois primeiros tipos delitivos a conduta se protrai no tempo, enquanto que no terceiro a conduta é individualizada, contudo, por política criminal se construiu ficção jurídica para distanciá-la do concurso material e amenizar a punição daquele que o pratica, contudo importante a se demonstrar no presente esboço é que nos três casos a norma posterior que surge, desde que antes do termino da permanência, habitualidade ou continuidade, tem o condão de prevalecer, mesmo que mais gravosa, entendimento consolidado pela Suprema Corte (súmula 711- STF) [viii].
Muito embora haja posicionamentos doutrinários que defendam a impossibilidade da retroatividade da novatio legis in pejus, nos casos da S.711-STF, alegando um desrespeito inconseqüente à Constituição da República, vale lembrar que seria de piores conseqüências a não aplicação da súmula 711 do STF, pois a inaplicabilidade deste enunciado levaria ao fracionamento do crime em dois: as ações iniciais estariam sob a regência da lei anterior mais benéfica e os atos futuros sob a regência da lei posterior in pejus, tal fragmentação do crime, aparentemente de acordo com o princípio constitucional da irretroatividade, fazeria com que as normas aplicáveis às condutas permanentes ou continuadas causasem um bis in idem e ocorreria, desta forma, uma verdadeira deturpação dos preceitos fundamentados na Lei Ápice, não haveria de fato retroatividade em benefício do réu.
b) Alteração do Complemento da Norma Penal em Branco[ix]:
Para se verificar a possibilidade de retroatividade quando da alteração do complemento da norma penal em branco deve-se primeiro observar se a norma complementar é lei em sentido estrito ou outra espécie normativa. Se for lei em sentido estrito qualquer alteração benéfica tem o condão de retroagir, contudo se complemento for norma outra, deve-se analisar se a alteração tem o fim de atualizar ou de descriminar a conduta. No caso de o complemento diverso de lei em sentido estrito for alterado para simples fato de atualização, não será retroativa a norma, contudo se o complemento for alterado no sentido de descriminar conduta específica, tal fato retroagirá atingindo as condutas anteriores a sua mudança.
Traduzindo-se em exemplos, o complemento de norma penal em branco não retroage no caso da alteração da “tabela de preços”, nos crimes contra a economia popular, explica Damásio de Jesus, obra citada, p.15:
“Isso porque as circunstâncias posteriores, fáticas e secundárias, não atingem a configuração da infração. Assim, se a mulher vítima de corrupção de menores atinge a idade determinada como limite legal, a alteração não afeta o exame da figura típica ocorrida no período anterior, em que tinha a proteção penal. Se uma casa deixa de ter essa qualidade típica para se transformar em hospedaria, as ‘violações’ nela praticadas anteriormente não deixam de constituir crime. […]”
Por outro lado, o complemento de norma penal em branco retroage se tem o caráter de descriminalizar conduta, ou seja, quando tem efeito de retirar a normatividade típica do delito, no caso, por exemplo, da retirada de determinada droga da lista de substâncias consideradas proibidas, ter-se-ia a consequente abolição da tipicidade formal da conduta.
Nesse sentido nos esclarece Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina na obra Direito Penal, parte geral, col. Ciências Criminais vol. 2, 2ª Ed., p.81:
“Se a modificação significar rompimento da continuidade normativo-típica in concreto (exclusão de uma droga – da maconha, v.g.- da lista de substâncias proibidas; exclusão de uma determinada doença da lista das consideradas contagiosas etc.) dá-se abolitio criminis.”
4. Lex tertia mitior
Até o presente ponto muito se referiu quanto à lei mais benéfica, lei mais branda, legis in mellius ou mitior, Porém todos esses termos por si só são bastante subjetivos e por isso ocorre que por demasiadas vezes a simples análise abstrata das normas não consegue ser suficiente para identificar qual delas é a mais adequada a ser aplicada a um caso específico, concluindo-se pela imperiosa necessidade da apreciação do caso in concreto.
E a partir da verificação das peculiaridades de cada caso concreto é que se tem chegado à conclusão da melhor alternativa possível dentro do espectro normativo temporal, no seu sentido constitucional-penal, a qual se mostra em diversas ocorrências com a adequação legal ao caso concreto, em seu sentido material máximo, ou seja, com a técnica judicial de aplicação da cumulação de leis[x].
A Lex Tertia Mitior, ou terceira lei mais branda nada mais é do que o resultado da cumulação dos princípios da ultratividade e da retroatividade benéfica.
A partir do princípio da ultratividade a lei cuja vigência tenha sido praticada a conduta delituosa tem seus efeitos além da sua vigência, no que for mais benéfica que a posterior, enquanto que a norma futura retroage no que for mais branda do que a norma anterior, traduzindo-se em um só normativo composto adequado ao fato.
O termo lex tertia remete a uma terceira lei, ou seja, a uma aparente elaboração legislativa pelo poder judiciário a partir de uma interpretação sistêmica dos princípios constitucionais-penais, todavia tal termo é utilizado na maioria das vezes pela doutrina que não defende a utilização da técnica da cumulação legislativa.
Assim afirma o doutrinador Paulo Queiroz, defensor da aplicação da combinação de leis, em seu livro Direito Penal, parte geral, 6ª Ed., p.131:
“Aqueles que se posicionam contrariamente alegam que a combinação implicaria criação de uma terceira lei (lex tertia) e o juiz estaria assim usurpando função própria do legislador em afronta ao princípio da legalidade e divisão dos poderes. Pensamos que a questão está mal colocada, porque rigorosamente não há tal caso combinação, mas mera retroatividade parcial da lei. É que a nova lei sempre pode ser total ou parcialmente favorável ao réu, podendo inclusive ser benéfica na parte penal e prejudicial na parte processual ou vice-versa.”
Ainda a respeito da questão terminológica “lex tertia”, Reno Feitosa Gondim, também favorável à aplicação da conjugação legal em favor do réu, em sua obra supra citada, p.305, leciona, in verbis:
“Pode-se até compreender esse fenômeno da combinação de leis como a criação de uma lex tertia pelo poder judiciário. Contudo, assim o faz sem desrespeitar o ‘sentido’ da política criminal formulada no Legislativo, que manteve a proibição penal na sucessão de leis, e, o que é mais importante, respeita o Princípio Constitucional da irretroatividade da lei penal incriminadora, e sua exceção, que é a retroatividade da lei benéfica”
Pode se constatar que, não obstante, a terminologia ser “lex tertius”, “combinação de leis” ou “combinação dos aspectos favoráveis das leis penais”, é despiciendo dar maior relevância aos títulos, quando o que se busca realmente é se averiguar a possibilidade prática de aplicação dessa técnica judicial de hermenêutica constitucional, pois embora seus efeitos encontrem similitudes com a de uma nova lei, assim ela não deve ser entendida em sua literalidade, muito embora nada tem-se de errado em chamá-la de “terceira lei”, devido a seus aparentes efeitos.
A princípio percebe-se três correntes que se manifestam quanto a temática da terceira lex tertius in mitior, quais sejam:
1ª corrente[xi]: É contra a aplicação, pois assim agindo o juiz passa a legislar, criando terceira lei. Afirma desta forma, com mais ênfase, a doutrina clássica (infra citada) e apanhado histórico das decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, tendo o juiz que analisar qual a norma mais favorável ao acusado que, dentre as possíveis, na íntegra deverá ser aplicada ao caso concreto.
2ª corrente[xii]: defende a aplicação, pois se o juiz pode aplicar a lei no todo, poderá aplicar a lei em parte. Parte da doutrina clássica e doutrina mais recente e crescente (infra citada) vem se posicionando junto a essa possibilidade, assim como julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
3ª corrente: sustenta que o réu deve escolher qual norma deve ser-lhe aplicada, precedentes mínimos, e doutrina rara.
Como visto há uma real celeuma doutrinária e jurisprudencial quanto ao tema, e hoje está presente no Plenário do Supremo Tribunal Federal importante processo com Repercussão Geral reconhecida e com votação parcial a respeito da possível aplicação da cumulação legal – (RE 596152-SP, Min. Rel. Ricardo Lewandowski). Este processo findará por definir um posicionamento mais seguro quanto ao tema, pois o Pleno da mais alta Corte proferirá decisão ou seguindo a sua histórica jurisprudência ou afirmando novo entendimento quanto ao tormentoso debate.
Os fundamentos daqueles que defendem a técnica judicial ora estudada se fundam na evidência de que não há uma real criação de lei pelo juiz, mas apenas uma interpretação de leis que se distinguem apenas pelo requisito temporalidade. Assim interpretam-se as leis a partir de um complexo normativo para a obtenção da integração legislativa. E tal interpretação tem resultado, apenas, aparentemente similar à criação de espécie normativa. E, assim, está-se diante de uma interpretação de máxima efetividade constitucional, com a prevalência de princípios, tais como: da individualização das penas, da ultratividade e da retroatividade benéfica, assim como base para o julgador o princípio constitucional implícito, pois “quem pode o mais, pode o menos”.
Para os opositores fica claro que a alegação de maior relevo é a questão da usurpação do poder de legislar pelo julgador, pois o princípio da retroatividade deve ser aplicado à norma em sua integralidade sob pena de se criar uma terceira lei. E desta forma traduz Zaffaroni em suas lições doutrinárias afirmando que o juiz não pode criar uma terceira lei porque estaria aplicando um texto que, em momento algum, teve vigência, pois ela inexiste, foi criada unicamente pelo intérprete.
4.1 Julgados Recentes STF/STJ:
Ultrapassada a breve observação das doutrinas conflitantes, é imperiosa a averiguação da jurisprudência atual. Como já apontado a jurisprudência histórica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal tende a não compactuar com a técnica da conjugação legal das leis penais. Contudo tendências atuais tornam controverso o tema nos tribunais superiores, pois por conta dos distoantes julgados não se conseguiu até o momento se chegar a nenhuma consolidação de entendimento, tendo em vista a dificuldade do tema desencadeando em alterações de posicionamento, em um mesmo Tribunal e até, às vezes, em uma mesma turma, como segue:
4.1.1 STJ:
Julgado da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, apoiando a cumulação das partes benéficas de lei 11.343/06 e 6.368/76, publicada em 23 de março de 2009:
“O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo no sentido de que as disposições benignas contidas na Lei nº 11.343/06, incluindo o disposto no seu art. 33, § 4º, se aplicam aos crimes cometidos na vigência da Lei nº 6.368/76, nas hipóteses em que o réu for primário, de bons antecedentes e não se dedicar às atividades criminosas, nem integrar organização criminosa” (STJ, HC 119922/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., DJe 23/3/2009). (No mesmo sentido: HC 105905 DJe 12/06/2008 e HC 144356 DJe 03/09/2009, ambos da 6ª Turma do STJ)
No mesmo viés a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgava, decisão publicada em 04 de agosto de 2008:
“Tratando-se a nova causa de especial diminuição da reprimenda prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Tóxicos de norma de caráter preponderantemente penal e sendo mais benéfica ao condenado, aplica-se imediata e retroativamente aos crimes cometidos antes de sua vigência, nos precisos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal e do art. 2º, parágrafo único, do CP, independentemente da fase em que se encontrem, inclusive em sede de execução penal […] ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.” (STJ, HC 101836/SP; HC 2008/0053791-2, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJ 4/8/2008).
Contudo a mesma 5ª Turma do STJ proferiu sentença diversa, contrária à cumulação legal, publicada com diferença de menos de um mês da publicação da decisão supra transcrita, em 1º de setembro de 2008, segue:
“A redução da pena de 1/6 até 2/3, prevista no art. 33, parág. 4o. da Lei 11.343/06, objetivou suavizar a situação do acusado primário, de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, proibida, de qualquer forma, a conversão em restritiva de direito. Embora o referido parágrafo tenha a natureza de direito material, porquanto cuida de regra de aplicação da pena, tema regulado no Código Penal Brasileiro, mostra-se indevida e inadequada a sua aplicação retroativa àquelas situações consumadas ainda na vigência da Lei 6.368/76, pois o Magistrado que assim procede está, em verdade, cindindo leis para criar uma terceira norma – uma lei de drogas que prevê pena mínima para o crime de tráfico de 3 anos, passível de redução de 1/6 até 2/3, para agentes primários e de bons antecedentes, possibilitando, em tese, a fixação da sanção em apenas 1 ano de reclusão; contudo, essa norma jamais existiu no ordenamento jurídico brasileiro, não podendo ser instituída por via de interpretação. […] A solução que atende ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica (art. 2o. do CPB e 5o., XL da CF/88), sem todavia, quebrar a unidade lógica do sistema jurídico, vedando que o intérprete da Lei possa extrair apenas os conteúdos das normas que julgue conveniente, é aquela que permite a aplicação, em sua integralidade, de uma ou de outra Lei, competindo ao Magistrado singular, ao Juiz da VEC ou ao Tribunal Estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor ao acusado ou sentenciado. […] ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Felix Fischer e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.” (STJ, HC 94738/SP; HC 2007/0271450-8, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJ 1º/9/2008).
O mais intrigante ao se analisar os dois últimos julgados expostos, da 5ª Turma do STJ, é o fato de que além do curto espaço de tempo entre as decisões e de elas serem diametralmente opostas, também se percebeu que os ministros presentes votaram “com o relator”, em ambos os casos. Conclui-se pela ausência de segurança jurídica, mais uma vez, quanto ao tema, pois, além de tudo, prevaleceu a fundamentação e o voto do relator, em ambos os casos, sem qualquer manifestação fundamentada dos demais Ministros.
O tema em tela é perturbador, e diante da dinamicidade do direito e de suas interpretações, ele se modifica bastante. Contudo, salienta-se, que o direito apesar de dinâmico não deve ser volátil, como se apresentou nos dois últimos julgados da 5ª Turma do STJ, acima transcritos, sob pena de ser ausente qualquer vestígio de segurança jurídica.
Depois da breve vista dos julgados atualizados do STJ, conclui-se que a 6ª Turma tem entendimento mais consolidação, aprovando com freqüência a retroatividade da lei só naquilo que beneficia o acusado, ou seja, aplicando a técnica de conjugação legal em benefício do acusado. Já a 5ª Turma é uma incógnita, apresentando precedentes recentes em ambos os sentidos.
4.1.2 STF:
Decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, publicada em 4 de novembro de 2008:
“Ação penal. Condenação. Pena privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art.33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. E já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado ‘pequeno traficante’. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido da Minª. Ellen Graice, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76” (HC 95435, Rel.(a): Minª. Ellen Graice, Rel p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, 2ª T., DJe 7/11/2008)
Decisão da 1ª Turma da Suprema Corte, publicada em 21 de maio de 2010:
“O entendimento deste Supremo Tribunal é no sentido de que não é possível aplicar a causa de diminuição prevista no art.33, §4º, da Lei 11.343.06 à pena-base relativa à condenação por crime cometido na vigência da Lei 6.368/76, sob pena de se estar criando uma nova lei que conteria o mais benéfico dessas legislações” (RHC 101278 / RJ, Recurso Ordinário em Habeas Corpus; Rel. Min. Cármen Lúcia; 1ª T., DJe 21/5/2010)
As divergências atuais de posicionamento no STF são perceptíveis de acordo com as suas Turmas, atualmente na 1ª Turma é entendido pela não aceitação da cumulação de leis, tendo no voto supra se manifestado no sentido da não possibilidade da consecução da diminuição da pena trazida pela Lei 11.343/06, aludindo entendimento recorrente no STF. Tal alegação é correta, mas no trecho selecionado não está completamente abalizada, pois o que deve ser feito no caso conreto, partindo da premissa da não aceitação da conjugação legal, é a escolha da lei mais benéfica, pois em certos casos concretos a Lei 11.343/06 empregada na íntegra será mais favorável que a Lei 6.368/76, assim, neste caso, não se deve encarar a aplicação da Lei 6.368/76 como absoluta sempre que os crimes forem praticados em sua vigência.
A 2ª Turma por outro lado traz a baila a discussão, afirmando a possibilidade da aplicação da técnica de conjugação dos princípios da ultratividade e da retroatividade, abrindo divergência atual na última instância do jurisdicionado brasileiro, fato que só acentua e simboliza a celeuma que ocorre há tempos, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Tramita no STF o Recurso Extraordinário – RE 596152-SP, que se mostra de suma importância para a efetivação da consolidação do entendimento no âmbito do STF, este RE foi impetrado pelo Ministério Público contra acórdão proferido pela 6ª Turma do STJ, pois a posição do Plenário da última instância da jurisdição brasileira dá indícios de um vindouro fim para esta problemática, ao menos no âmbito jurisprudencial. O presente recurso trata da questão que mais palpita interesse quando o assunto é cumulação de leis no tempo, ou seja, do conflito temporal das leis de drogas, em que se requer as benesses trazidas pela lei 11.343/06 para aqueles que cometeram o crime sob a vigência da lei 6.368/76 e se enquadram na qualidade do “pequeno traficante”, sem prejuízo do aproveitamento do quantum referente preceito secundário da lei antiga.
O RE 596152-SP teve sua Repercussão Geral reconhecida e já está em fase de votação, tendo sua última votação (26/05/2011) empatado em 3×3 o entendimento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema, o que mostra a dificuldade histórica-hodierna da consolidação do tema da lex tertia mitior, hoje ele está sob vistas do Ministro Luiz Fux.
No referido RExt, o Relator Ministro Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Joaquim Barbosa já se manifestaram quanto a impossibilidade da aplicação de “porções” da norma futura que beneficiam o acusado tutelado pela lei passada. Em confronto votaram favoráveis a aplicação da conjugação de leis os Ministros Cezar Peluso (Presidente), Dias Toffoli, Ayres Brito.
Os argumentos se repetem e refletem o confronto daqueles que chamam a cumulação de atividade legislativa do magistrado em divergência daqueles que entendem ser uma interpretação sistemática, e sustenta, inclusive, o Ministro Cezar Peluso: o instituto da lei posterior é autônomo, podendo, desta forma, ser retroagido. Tendo o Ministro Dias Toffoli se pronunciado afirmando que não parece regular ser absoluta a regra de proibição da mescla de leis em benefício do réu em todos os casos.
Aguardemos o desfecho desse processo que promete trazer novidades jurisprudenciais quanto ao tema. E se não trouxer inovações, fixará de toda forma um entendimento atual e menos volúvel, proveniente do Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Conclusão:
Destarte depreende-se de todo o exposto que a lei penal no tempo se comporta de maneira versátil, com fito de preservar os princípios constitucionais os quais constituem a própria essência do direito penal, sendo assim, ela toma contornos que integram os princípios constitucionais garantidos à pessoa humana às regras legais do direito penal infraconstitucional sem deixar de lado as próprias concretudes fáticas de cada caso.
Quanto às situações de conflito temporal de leis parcialmente benignas entre si constatou-se que na prática penal, mesmo que não sejam tão frequentes, elas existem, e, considerando que o direito é dinâmico e que suas normas sempre tendem a se modificar, resta sabido que esse “problema” interpretativo de leis no tempo, por decorrência da própria atividade legislativo-jurídica, sempre viverá.
Ademais, demonstrou-se que as tendências mais recentes da doutrina, assim como parte da doutrina clássica, se vinculam à possibilidade da aplicação da “lex tertia mitior”, aduzindo tal entendimento à interpretação constitucional do Princípio da Retroatividade.
A jurisprudência, por outro lado, um pouco mais precavida, demonstra uma instabilidade total entre o entendimento histórico e o mais recente, contudo percebeu-se que algumas turmas dos tribunais superiores têm dado indícios mais seguros da filiação quanto à teoria de conjugação de leis penais de caráter benéfico, abalizando-se seus pensamentos, principalmente, na interpretação substancial da Constituição.
Há ainda o Recurso Extraordinário 596152-SP, em votação parcial, que merece destaque e acompanhamento, pois propugna um desfecho à temática tormentosa, com o ultimato do pleno Supremo Tribunal Federal.
Por fim, com os ensinamentos doutrinários de Juan Bustos Ramírez, Reno Feitosa Gondim e José Frederico Marques, aos quais se filia este trabalho, mostra-se os fundamentos e regra que deve ser seguida, da aplicação da Lex Tertia Mitior.
Juan Bustos Ramírez, citado por Cezar Roberto Bitencourt, in Tratado de Direito Penal, Saraiva, São Paulo, 2007, 11ª edição, Parte Geral 1, p. 168:
“a combinação de leis no campo penal, pois nunca há uma lei estritamente completa, enquanto há leis especialmente incompletas, como é o caso da norma penal em branco; conseqüentemente, o juiz sempre está configurando uma terceira lei, que, a rigor, não passa de simples interpretação integrativa, admissível na atividade judicial, favorável ao réu”
Reno Feitosa Gondim, em Teoria Geral do Direito Penal:
“Uma solução que respeita a ‘regra’ e, concomitantemente, sua ‘exceção’, não pode ser alcançada pela lógica formal. Mas quem disse que a lógica é mais importante que a substancialidade da Justiça no caso concreto? Acima das propostas racionais lógico-formais estão a axiologia dos Princípios Constitucionais e sua relação dialética com a incontrolável constituição humana da vida quotidiana (ex facto oritur jus). E essa relação não é ilógica, muito pelo contrário, porta uma lógica dialética cujas categorias racionais são capazes de dobrar o racionalismo simétrico e matemático para, ‘escrevendo por linhas tortas’ efetivar a inarredável missão do direito, que é a ‘busca da Justiça’”
José Frederico Marques em seu Tratado de Direito Penal, em 1967:
“a norma do caso concreto é constituída em função de um princípio constitucional, com o próprio material fornecido pelo legislador. Se ele pode escolher, para aplicar o mandamento da Lei Magna, entre duas séries de disposições legais, a que lhe pareça mais benigna, não vemos porque se lhe vede a combinação de ambas, para assim aplicar, mas retamente, a Constituição. Se lhe está afeto escolher o ‘todo’, para que o réu tenha o tratamento penal mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo e parte de outro, para cumprir uma regra constitucional que deve sobrepairar a pruridos de lógica formal, primeiro a Constituição e depois o formalismo jurídico.”
Estudante de Direito.
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