Levando a escassez a sério: A Relação entre o Orçamento Público e o Direito à Saúde

Resumo: O artigo presente tem por objetivo estudar a dialética relação existente entre o Direito à Saúde e as Escolhas Orçamentárias, quando da aplicação dos recursos escassos. Este trabalho foi orientado pela Professora Cláudia Rosane Roesler.


Palavras-chave: Direito, Orçamento e Saúde.


Abstract: The present article aims to study the dialectical relationship between the Right to Health and Budgetary Choices, in the application of scarce resources.


Keywords: Right, Budget and Health.


Sumário: 1. Introdução; 2. O Orçamento Público; 2.1. O Desenvolvimento Histórico do Orçamento; 2.2. O Orçamento Público no Brasil; 2.3. A Natureza Jurídica do Orçamento; 3. O Ativismo Judicial; 3.1. O Desenvolvimento do Ativismo Judicial; 3.2. O Ativismo Judicial e a Judicialização das Políticas Públicas de Saúde; 4. A Judicialização do SUS; 4.1. O Jusdicializador na Questão do SUS; 4.2. O Judicializado na Questão do SUS; 5. Conclusão. Fontes de Pesquisa.


1. Introdução


No alvorecer do novo século, o XXI, o tema da judicialização do orçamento público destinado às políticas públicas de saúde é de conhecimento bastante difundido devido à grande produção doutrinária e jurisprudencial acerca desse mote[1]. Isso ocorreu porque, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a ser cobrado pela efetividade de suas prestações sociais decorrente da dialética relação entre necessidades da sociedade civil e das possibilidades da Administração Pública.


Esse tema será o do presente trabalho, a judicialização do orçamento público, mais especificamente a judicialização das políticas públicas de saúde, a qual, devido à amplitude do Sistema Único de Saúde, poderia ser considerada a Judicialização do SUS. Em tal estudo, objetivaremos: a) adquirir as noções básicas relativas ao orçamento público; e b) compreender como o Poder Judiciário tem lidado com a efetividade dos direitos sociais.


Para tanto, além da análise da Magna Carta que positiva em seu art. 196[2] que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”[3], apreciaremos casos colhidos na jurisprudência nacional, mormente a exarada pelos Tribunais superiores. Nesse estudo, faremos uma revisão bibliográfica do tema com base em distintos autores.


Assim sendo, com o intuito de responder questão de como tem configurado-se a judicialização do orçamento público destinado ao SUS, elaboraremos 3 (três) Capítulos: no Primeiro, adquiriremos as noções gerais de como o orçamento foi parar nas mãos da Justiça; no Segundo, tematizaremos a relação entre o ativismo judicial e a judicialização da saúde; no Terceiro, realizaremos a análise crítica no caso brasileiro com a propositura de medidas que visem a legitimar o sistema.


2. O Orçamento Público


O orçamento público tem sua gênese nas importantes proclamações de direitos que varreram o mundo a partir da baixa Idade Média, as quais objetivavam impedir a confusão patrimonial entre os bens do Estado e os de seu administrador. Com tal desenvolvimento, o orçamento adquiriu os aspectos político, econômico, técnico e jurídico. Quanto ao jurídico, no Brasil, tem sido desconsiderada, pelo STF, a concretude das leis orçamentárias que impediriam sua judicialização pelo controle de constitucionalidade.


2.1 O Desenvolvimento Histórico do Orçamento


O orçamento público, enquanto sendo uma dialética relação entre as receitas[4] e as despesas[5] públicas com o objetivo de maximizar os ganhos para a Administração Pública e, por conseguinte, para o contribuinte, tem sua gênese na idéia novidadeira de que o patrimônio do Estado deve ser separado dos bens de que, por ventura, administre aquela entidade, seja esse, por exemplo, rei (quando a forma de governo for monarquia), presidente ou primeiro-ministro (quando aquela for de república).


Essa necessidade de segregar os patrimônios do Estado adveio do fato de que, diante da compulsão da máquina estatal para instituir tributos que muitas vezes enchiam os cofres de seus administradores, controlou-se a arrecadação para que não mais ocorressem excessos por parte da Administração Pública. De tal sorte, podemos afirmar que o orçamento público não tem origem em preocupações técnicas com o mister de racionalizar a relação entre receitas e despesas, como atualmente, mas, sim, decorreu de uma grande luta política que intentava limitar as forças do Estado na tributação.


Com efeito, conquanto possam alguns historiadores do Direito tentar remontá-lo à Antiguidade, em conformidade com Marcus Abraham, em seu livro Direito Financeiro Brasileiro, não podemos tratar de orçamento público na Idade Antiga, porquanto, naquele tempo, havia a nefasta confusão patrimonial entre bens do Estado e de seu administrador. Ademais, também não havia a necessidade técnico-administrativa de racionalização dos gastos e de demonstração ao povo contribuinte tanto da origem do dinheiro despendido quando do destino desse, em qual despesa fora aplicada, uma vez que o povo não era participante da formação da vontade do Estado.


Já na Idade Média, os acontecimentos eram bastante semelhantes ao período anterior. Todavia, em conformidade com Aliomar Baleeiro, em sua obra Uma Introdução à Ciência das Finanças, podemos encontrar o ponto de partida da história do orçamento público no final da baixa medievalidade, quando enceta o processo de controle da atividade financeira, a despeito de esse controle ser muito mais voltado para a limitação das receitas do que para a fiscalização da despesa, para ABRAHAM.


De tal modo, a história do orçamento público inicia-se “quando as instituições feudais, fracionado o poder real, ou imperial, confundiram receitas privadas do domínio do príncipe, – o maior latifundiário da época, com receitas autoritárias, das quais obtinham imunidade os senhores poderosos vinculados à coroa por pactos de lealdade contra inimigos comuns. Os reis, na Europa medieval, viviam de rendimentos dominiais de suas terras e de direitos regalianos, limitada a tributação a formas suaves e tradicionais”[6], as quais estavam sendo controlada pelo contrapeso político exercido pelos vassalos.


O orçamento público nasce, então, conjuntamente aos demais direitos fundamentais, no contexto de controle do Estado autoritário, que manda alicerçado na força, e irresponsável, que não responde pelos seus atos, tendo em vista que o rei não erraria. Nessa direção, faz sentido asseverar que há um dispositivo, o artigo XII[7], da Magna Carta de 1215, documento prestigiado com um dos fundamentos do constitucionalismo contemporâneo, que condiciona a arrecadação de tributos, no Reino da Inglaterra, à sua previa aprovação na Câmara dos Comuns, o que limitou o poder do rei de impor a cobrança de tributos arbitrariamente, sem o consentimento dos representantes do povo.


Tanto o é, que, para BALEEIRO, “esses estilos provam que desde a baixa Idade Média, no seio de vários povos da Europa encontravam dificuldades em criar impostos novos e majorar os antigos, ou levar empréstimos forçados, sem consentimento de certos órgãos colegiados, que pretendiam falar em nome dos contribuintes”[8]. O povo, enquanto contribuinte, foi ganhando, então, cada vez mais voz e vez no estabelecimento da vontade político-econômica do Estado que financiavam.


Por sua vez, na Idade Moderna, o orçamento público como controle do Estado é uma idéia desenvolvida dentro do constitucionalismo, uma vez que um dos direitos fundamentais, mais precisamente individuais do cidadão, é o de não ser espoliado por um déspota estatal. Nessa época, as mais diferentes declarações de direito continham normas de limitação ao poder de tributar, como por exemplo: a Bill os Rights da Revolução Inglesa de 1689; a Constituição estadunidense da Revolução de 1776; as Declarações de Direitos da Revolução francesa de 1789.


Nasce, assim, o Estado moderno, com sua faceta de Estado orçamentário que, para Ricardo Lobo Torres, em seu Curso de Direito Financeiro e Tributário, é “a particular dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas, especialmente a tributária, como instrumento de realização das despesas. O Estado orçamentário surge com o próprio Estado moderno”[9]. O constitucionalismo, portanto, dentro de seu discurso propugnador da existência de direitos considerados fundamentais, alcançou o campo dos “Direitos Financeiros, Econômicos e Tributários” conhecidos e nele operou um cambio paradigmático, ao levar a legitimidade democrática ao seu fundamento.


2. O Orçamento Público no Brasil


Conhecedores do conceito[10] de orçamento público e de seu desenvolvimento histórico, passemos, presentemente, à análise daquele instrumento no Brasil. O orçamento público realizado em nosso país é o que está, em grande parte, disciplinado pela Constituição Federal de 1988, a qual trouxe bastantes mudanças para  o orçamento brasileiro, contemplando, dentro do Capítulo próprio das Finanças Públicas, uma seção exclusiva para o orçamento público (arts. 165 a 169).


Sendo o orçamento público o instrumento de planejamento do Estado que permite estabelecer a previsão de receitas públicas e a estimativa das despesas públicas, num determinado período, esse adquiriu, pela sua própria normatividade constitucional, distintos aspectos que caracterizam sua execução. Tais aspectos presentes no orçamento público seriam os seguintes: o político; o econômico; o técnico; e o jurídico. Cada um dos díspares aspectos do orçamento constitui caráter fundamental no estudo daquele instrumento contábil de planejamento, para BALEEIRO.


O aspecto político diz respeito ao fato de o orçamento público expor as políticas públicas estatais, as quais envolvem decisões de caráter coletivo do país. Pelo lado político, “o orçamento revela com transparência em proveito de que grupos sociais e regiões ou para solução de que problemas e necessidades funcionará precipuamente a aparelhagem de serviços públicos. Por exemplo, se o custeio respectivo será suportado com mais sacrifícios por esses mesmos grupos sociais ou por outros; enfim, a maior ou menor liberdade de ação do Poder Executivo na determinação de todos esses fatos do ponto de vista de regiões, classes, partidos, interesses e aspirações etc.”[11].


Já quanto ao aspecto econômico, a peça orçamentária relacionará as receitas às despesas, de modo a compatibilizar as pretensões com as possibilidades do respectivo Estado. Pela sua característica econômica, o Estado intentará agir com o objetivo de manter o orçamento público equilibrado, com o intuito de evitar déficit que no longo prazo podem vir a minar o potencial de investimento econômico do Estado na sua própria economia.


Por sua vez, a qualidade de técnica decorre do fato de que o orçamento público é elaborado através de normas de Contabilidade Pública, seguindo rígidas regras contábeis. Para BALEEIRO, o aspecto técnico consiste no “estabelecimento das regras práticas para a realização dos fins indicados nos itens anteriores e para classificação clara, metódica de despesas, processos estáticos para cálculo tão aproximado quanto possível duma e doutros, apresentação gráfica e contábil do documento orçamentário etc.”[12].


O jurídico, ao qual nos deteremos mais abaixo, diz respeito à natureza do ato orçamentário à luz do ordenamento jurídico com um todo cuminado pela Constituição. Sendo o orçamento materializado por três leis (a Lei do Plano Plurianual – PPL, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA) e sendo elaborado pelo Poder Executivo e sujeito à aprovação pelo Poder Legislativo, as implicações decorrentes de qual a natureza daquele instituto serão enormes para a configuração das obrigações que o Poder Público deverá assumir quando do início da realização do ciclo orçamentário pela aprovação da “lei ordinária”.


Como observado acima, o orçamento público pelo regime constitucional do Brasil, é de iniciativa do Poder Executivo, assim como ocorre na Inglaterra[13], mas deve ser votado e aprovado pelo Poder Legislativo que, além disso, controlará a execução do ciclo orçamentário com apoio do Tribunal de Contas da União (TCU). De tal sorte, apercebe-se que a Constituição de 1988, intentou aumentar a legitimidade democrática do orçamento público ao condicionar sua execução à aprovação pelos representantes do povo.


Sob a égide da Constituição anterior, de 1967 ou 1969, dependendo do fato de se considerar ou não a ementa constitucional que reformou todos os artigos da de 67 uma nova Constituição ou não – independentemente disso – não havia necessidade de o Poder Executivo possuidor da iniciativa de elaboração do orçamento submeter as propostas à análise por parte Poder Legislativo. Nem todas as peças orçamentárias, no regime de antanho, estavam sujeitas ao crivo da vontade do povo, uma vez que o Orçamento das Empresas Estatais (SEST) não participava daquele rito.


Ademais, há de se destacar que, além de não poder apreciar todas as peças, o Poder Legislativo não podia propor alterações que implicasse modificação das despesas, seja quando cambiasse seu valor, seja quando mudasse a sua espécie. De tal azo, assim como ocorria antes das proclamações de direitos das Idades Média (Magna Carta de 1225) e Moderna (Revoluções Inglesa, Americana e Francesa), o Estado brasileiro encontra-se arbitrário e irresponsável quando da elaboração do orçamento público, pelo menos em relação àquela parte que o Legislativo não podia analisar ou tinha de aprovar em bloco, sem emendas.


As restrições à participação dos representantes do povo davam-se no orçamento SEST, que, para o entendimento de Marcus Abraham, “abrangia as empresas públicas (que estavam em franca expansão), sociedades de economia mista, suas subsidiárias, autarquias e fundações. Era elaborado pela então Secretaria de Controle das Estatais e aprovado pelo Presidente da República, não tendo, portanto, qualquer participação do Legislativo”[14].


Atualmente, o Estado da República Federativa do Brasil encontra-se mais democrático, porquanto, com as peças orçamentárias da PPL, LDO e LOA sendo consideradas leis ordinárias, as duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) podem vir a propor ementas ao orçamento, o que confere maior transparência ao Poder Público quando do gasto do dinheiro do contribuinte. Além disso, havendo uma maior transparência, o planejamento tende a ser, outrossim, melhor, conduzindo-nos a um equilíbrio fiscal.


2.1 A Natureza Jurídica do Orçamento


O orçamento público, como esperamos haver demonstrado acima, possui diferentes aspectos (o político, o econômico, o técnico e o jurídico), os quais caracterizam o ciclo orçamentário. O aspecto jurídico decorre do fato de o orçamento deve ser elaborado pelo Poder Executivo, que possui a iniciativa de propor o PPL, a LDO e a LOA votadas e aprovadas, democraticamente, pelo Legislativo. Quanto a esse aspecto ainda, uma das questões mais intrigantes seria a natureza jurídica do orçamento.


A questão da natureza jurídica do orçamento público ainda não é, de todo, pacífica, quer seja na doutrina, quer seja na jurisprudência dos Tribunais. Nesse campo, há os subseqüentes entendimentos: o orçamento seria uma lei formal; seria uma lei material; seria uma lei especial; seria mero ato administrativo. Ademais, há ainda os entendimentos conciliatórios que, ao considerar o orçamento como tendo natureza mista, acabam por mesclar diferentes doutrinas como, por exemplo, a que considera o orçamento como um ato administrativo revestido, externamente, por uma lei formal.


O orçamento público é considerado lei ordinária, tendo em vista: a) que seu documento nasce de um projeto de lei; b) que pode sofrer emendas parlamentares; c) que recebe parecer da comissão de orçamento; d) que é aprovado pela maioria simples[15]. No entanto, não obstante seja considerado lei ordinária, o orçamento público recebe um tratamento constitucional dessemelhante ao das leis genéricas no conteúdo e na forma, porquanto: a) o orçamento tem prazo próprio para ser encaminhado ao Congresso (art. 35, § 2º, do ADCT[16]); b) o orçamento tem conteúdo limitado a relacionar despesas às receitas (art. 165, § 8º, da CF/88)[17].


Ademais, há que se destacar ainda as conseqüentes características: c) o orçamento público não pode ser objeto nem de Lei Delegada nem de Medida Provisória, ressalvada a abertura de créditos extraordinários (art. 62, § 1º, da CF/88)[18]; d) as emendas ao orçamento são limitadas pela própria Constituição (art. 166, § 3º, da CF/88)[19]; e) o prazo de vigência é determinado, não havendo necessidade de revogação expressa. Tais são, em geral, as características peculiares do orçamento.


Sabedores disso, expliquemos, presentemente, os diferentes entendimentos arrolados. A menos difundida seria a que considera o orçamento uma lei especial por ser diferente das demais leis ordinária, como visto acima. A esse corrente filia-se Kiyoshi Harada que entende que “o orçamento público é uma lei ânua, de efeito concreto, estimando as receitas e fixando as despesas, necessárias à execução da política governamental”[20].


Por outro lado, a corrente que entende que o orçamento público é um mero ato administrativo, conforme José Marcos Domingues, autor citado por Marcus Abraham, encontrou um terreno muito fértil no Brasil, haja vista que somos uma nação de tradição autoritária, na qual nunca foi incomum que o Poder Executivo – beneficiado pela teoria do orçamento como mero ato administrativo – sobreponha-se ao Poder Legislativo, ao considerar o orçamento público um ato condição impassível de apreciação judicial quando do seu do seu possível descumprimento.


Comprovando o pensamento propugnado por DOMINGUES, na doutrina brasileira, há o entendimento de Hely Lopes Meirelhes, jurista de público e notório conhecimento administrativo, mas que esboçou certo viés autoritário em seus posicionamentos, ao considerar que não importaria “que, impropriamente, se apelide o orçamento anual de lei orçamentária ou de lei de meios, porque sempre lhe faltará a força normativa e criadora da lei propriamente dita”[21]. Essa doutrina, a nosso ver, deve ter soado como música aos ouvidos da ditadura que, despoticamente, governou o Brasil de 1964 até 1985.


Todavia, conquanto hajam essas vertentes, a da lei especial e a do ato administrativo, a grande questão estaria na dicotomia entre a da lei formal e a da lei material, tendo em vista que essas seriam as doutrinas majoritárias no coevo contexto nacional. Além disso, segundo ABRAHAM, o debate acerca da natureza jurídica do orçamento público envolve grandes discussões que vão muito além da mera disputatio teórica.


Para o inventariado jurista, “a importância de se definir a sua natureza está nos reflexos dali decorrentes, que influenciam duas relevantes questões, a saber: a) a obrigatoriedade ou não do cumprimento dos programas e a realização das despesas nele previstas pelo Poder Executivo; b) o surgimento ou não de direitos subjetivos para o cidadão, a ensejar a judicialização, não apenas dos programas e despesas previstas na lei orçamentária, mas também dos direitos fundamentais e dos direitos sociais constitucionalmente garantidos; c) possibilidade de controle constitucional”[22].


Assim sendo, analisemos, então, as doutrinas da lei formal e da material. Para a primeira, o orçamento público conteria apenas a previsão das receitas e das despesas, de modo a otimizar o exercício da Administração Pública, melhorando os gastos. Pela consideração do orçamento como lei formal, Alberto Deodato afirma, quanto às leis do orçamento, que “os atos orçamentários não têm as condições de generalidade, constância ou permanência que dão cunho à verdadeira lei; não encerram declaração de direito; não são mais do que medidas administrativas tomadas com a intervenção do aparelho estatal”[23].


Já para a corrente que considera o orçamento com sendo lei material – que perdeu um pouco de sua força com a não preservação do princípio da anualidade, com a mudança de constituição –, o orçamento público teria conteúdo normativo apto para considerá-lo lei, não sendo mero ato administrativo revestido no corpo de lei. De tal maneira, a aprovação do orçamento imporia ao Estado o dever obrigacional de implementá-lo, podendo o cidadão cobrar o que seria seu direito subjetivo.


Diante dessa querela, o Supremo Tribunal Federal (STF), para alguns juristas, vem, de certa forma, cambiando o paradigma que orientava a análise do orçamento. A priori, o STF entendia que, devido às escolhas políticas nele contidas, o orçamento seria um ato de efeito concreto, específico e de caráter individual. Àquele Tribunal, não havia generalidade, abstração e normatividade aptas para considerá-lo lei, de modo que, assim, era inviável seu debate por meio, por exemplo, do controle de constitucionalidade abstrato, vedando-se sua manifestação no caso.


Tal jurisprudência restou consignada na ADI 2.484, de relatoria do Ministro Carlos Veloso, em julgado ainda recente de dezembro de 2001, na qual se defendeu na ementa que: a) “leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade; b) Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado”[24]. Esse entendimento foi, inclusive, exposto no informativo 255 daquele Tribunal, in verbis:


“Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos de efeitos concretos, ainda que estes sejam editados com força legislativa formal. Com esse entendimento, o Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B contra dispositivos da Lei 10.266/2001 (art. 19, § 1º do art. 55 e art. 54), Lei de Diretrizes Orçamentárias, pela ausência de generalidade e abstração das normas atacadas. Vencido o Min. Marco Aurélio, que conhecia da ação por considerar que as normas impugnadas caracterizam-se como comandos abstratos. ADIn 2.484-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 19.12.2001.(ADI-2484) (grifo nosso)”.[25]


A posteriori, o STF mudou de paradigma quanto à possibilidade de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade das leis orçamentárias (PPL, LDO e LOA). Essa questão tem sido, de certo modo, o pano de fundo sobre o qual se desenvolve a problemática questão da judicialização das políticas públicas, principalmente das políticas públicas de saúde que tem sua execução dependente de receita orçamentária destinada a garantir a devida efetividade das normas que prevêem os direitos fundamentais sociais.


Mudado o paradigma, o nosso Tribunal maior tem admitido ser possível o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade das leis orçamentárias. Nesse sentido, é de fundamental importância o conhecimento de acórdão que julgou a ADI 4.048, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgado em 14/05/2008, que entendeu que o STF “deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto”[26].


“EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea “d”, da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões “guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea “d”, da Constituição. “Guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008”.[27]


Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal tem seguindo na direção da possibilidade de apreciação do orçamento público quando do controle constitucional naquele Tribunal. De tal sorte, o STF tem abandonado uma postura anteriormente predominante no Poder Judiciário brasileiro, a da moderação judicial que pregava a não intervenção desse Poder em matérias consideradas interna corpuris como a impossibilidade de análise de lei concreta no controle constitucional do STF.


Como veremos a seguir, a moderação judicial e sua não intervenção em motes considerados internos vem sendo, paulatinamente, substituída pelo que se tem chamado de ativismo judicial, a qual vem, por exemplo, promovendo a judicialização das políticas públicas de saúde. Aquele ativismo vem não só promovendo aquele judicialização no STF, ao desconsiderar a característica de lei concreta das leis do orçamento – havendo, inclusive, uma proposta de Súmula Vinculante de iniciativa da Defensoria Pública no sentido da judicialização da Saúde –, mas também nos graus ordinários da Justiça.


3. O Ativismo Judicial


O ativismo judicial é a idéia nascida com a mudança de paradigma decorrente da passagem do Estado de Direito para o Estado Social e Democrático de Direito no final da Segunda Grande Guerra. A nosso ver, esse discurso, a despeito de ser acertado em grande parte de seus termos, mostra-se exacerbado na judicialização, por vezes, irracional, do orçamento público, atividade para a qual consideramos que o Poder Judiciário, no Brasil, ainda carece de muita legitimidade.


3.2. O Desenvolvimento do Ativismo Judicial


O ativismo judicial[28] é a idéia de que causas antes alijadas da análise por parte do Poder Judiciário como, por exemplo, o orçamento destinado à saúde pública, não podem mais ficar na exclusiva apreciação dos Poderes Executivo e Legislativo. O ativismo judicial supera o paradigma imposto pela ideologia liberal de separação de poderes e considera que há tão-somente funções que predominam em determinado poder e não em outro, de modo a permitir uma dialética relação entre eles.


Esse novo posicionamento tem levado a um protagonismo cada vez maior do Poder Judiciário, mormente quando da abordagem da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil, o que, por sua vez, tem levado alguns juristas a considerarem o presente século XXI como sendo o do Judiciário, assim como o XIX fora o do Executivo e o XX o do Legislativo. Como observado acima, tal novel entendimento decorre do fato da superação do dogma liberal de absoluta separação entre os Poderes, presentemente, ter-se-á, então, somente o predomínio de algumas funções.


Carlos Ari Sundfeld, em sua obra Fundamentos do Direito Público, afiança que o paradigma da separação de poderes absoluto pela doutrina do Barão de Montesquieu, em O Espírito das Leis, foi suplantado pelo arquétipo que considera o predomínio de funções. De tal azo, há funções judiciais no Executivo como o processo administrativo, funções legislativas como a Medida Provisória; no Judiciário há funções executivas como atos administrativos, e legislativas como a interpretação analógica; no Legislativo há funções judiciais como o julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, e executivas como o ato administrativo[29].


Essa mudança de paradigma ocorreu no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a passagem do Estado Liberal ao Estado Social ou ainda do Estado de Direito para o Estado de Bem-Estar Social. Com esse câmbio, o Judiciário deixou de ser um “departamento técnico-administrativo” e passou a ser um Poder protagonista, ao superar o discurso vazio de defesa da subsunção legal na qual predominaria uma suposta literalidade da lei.


Com o Estado Social, abrolha um debate muito mais aberto e principiológico que fundamenta o exercício de atividade por parte do Poder Judiciário em mundos que antes eram reservados aos demais Poderes, tanto o é que, preconceituosamente, essa atitude tem sido denominada de ingerência ou de intervenção nos outros Poderes. Mais uma vez, o caso da judicialização das Políticas Pública de Saúde é salutar para demonstrar como uma área, o orçamento público destinado à promoção da saúde, antes alijada da apreciação judicial, passou a sê-lo, atualmente.


Assim sendo, com o estabelecimento da relação dialética entre as esferas jurídica e política, antes segregadas pela doutrina clássica liberal da auto-restrição ou da moderação judicial[30], o orçamento público – surgido com o objetivo de separar os patrimônios do Estado e do seu administrado e desenvolvido com o fito de legitimar o gasto público pela participação dos representantes do povo – passou a ser passível de controle de constitucionalidade abstrato e concentrado pelo STF, o qual, mudando sua jurisprudência anterior, analisou a constitucionalidade da LDO mesmo diante da concretude da referida lei.


O Poder Judiciário, portanto, não se encontra mais adstrito a uma função judicante classicamente entendida, haja vista que, como no caso da saúde, aquele Poder tem, por exemplo, destinado verbas a tratamentos não contemplados pelo Sistema Único de Saúde. Nesses casos, tem-se entendido que a justiça – com “j” minúsculo – está sendo feita no caso concreto do querelante (a microjustiça), mas como fica o cidadão que não promover a sua competente ação judicial para ser atendido pelo SUS (a macrojustiça)?


Sendo assim, com as políticas públicas de saúde sendo analisadas e estabelecidas pelo Poder Judiciário diante do novel quadro de apreciação do orçamento público, configurou-se o ativismo judicial em oposição à ideologia da auto-restrição ou moderação judicial que pregava a não intervenção da Justiça em áreas – pelo menos antes – eram consideradas de apreciação exclusiva do Executivo e do Legislativo. Mas como tem dado-se essa judicialização no cenário nacional?


3.3. O Ativismo Judicial e as Políticas Públicas de Saúde


O ativismo judicial com gênese na mudança de paradigma do Estado Liberal ao Social empreendeu um câmbio no orçamento público que antes era de apreciação exclusiva dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo o Judiciário mero controlador e fiscalizador. Com efeito, com a judicialização do orçamento público resultou na das políticas públicas de saúde, mote de tão grande importância que já foi, inclusive, tema de uma Audiência Pública, a Audiência Pública da Saúde, que discutiu o problema do SUS, a qual fora convocada pelo então presidente do STF, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, com o objetivo de ouvir as parte envoltas com o problema.


A nosso ver, essa judicialização das políticas públicas de saúde tem sido exacerbada e, por conseguinte, irracional e desregrada, como demonstrará a análise da jurisprudência nacional. Assim como ocorre na maioria das mudanças de paradigma, num primeiro momento do câmbio a mutação mostra-se com força total, o que produz certos atropelos pelo caminho, mas que é necessário para que a mutação produzida não seja solapada pela volta do regime anterior com todos os prejuízos que isso representaria.


Na Revolução Francesa que se enceta em 1789 e vai até 1799 ou 1815, para outros, os primeiros tempos foram de grande radicalismo com a fase do Grande Terror, na qual o Comitê de Salvação Pública, a mando de Robespierre, faz muitas cabeças rolarem; posteriormente, houve uma moderação para França intentar conciliar liberdade, igualdade e fraternidade[31]. O mesmo precisaria acontecer com a judicialização do SUS[32]; já se vão quase 23 (vinte e três) anos da promulgação da Carta de 1988 imbuída pelos ideais propugnadas pela mudança de paradigma que representou a passagem do Estado Liberal ao Social e o Poder Judiciário brasileiro ainda está a cortar cabeças.


Por um lado, não há que predominar a chamada insinceridade normativa presente em Constituições anteriores e que havia dispositivos constitucionais que não ultrapassavam a folha de papel, porquanto sua efetividade era solapada por uma hermenêutica clássica e liberal que, por vezes, impedia a efetividade de direitos subjetivos. De tal azo, tais Leis Maiores – para evitar prestigiar-lhes com o título de Constituição –  eram constituições meramente semânticas na classificação criada por LOEWENSTEIN[33].


Isso, haja vista que, quanto à correspondência da Constituição com a realidade fática, um critério ontológico, Karl Loewenstein propõe a classificação das Magnas Cartas em normativas, nominalistas (nominativas ou nominais) e semântica. Para FERREIRA, as constituições semânticas “são simples reflexos da realidade política, servindo como mero instrumento dos donos do poder e das elites políticas, sem limitação do seu conteúdo”[34]. Como advogado por Ingo Wolfgang Sarlet[35], não podemos nos permitir tal Lei Maior.


Por outro lado, como criticado – sem o uso do termo em seu habitual tom pejorativo – pela Escola dos Direitos Fundamentais do Rio de Janeiro, a qual assegura que, no Brasil, para não haver o perigo de, no discurso tópico, principiológico e aberto, do ativismo judicial, na judicialização do SUS, transformar-se em mero subjetivismo jurídico, a interpretação judicial deve ser rigorosa, o que muitas vezes é difícil numa nação de tradição autoritária que passa a empregar argumentos tópicos em campos com o do direito à saúde. Nesse ponto, em conformidade com MOREIRA, o Brasil seria um país onde as pessoas costumariam “achar” sem jamais terem “procurado”[36].


A hermenêutica “engajada” do Poder Judiciário possui limites que não podem ser desconhecidos tanto pelo teórico do direito como também, outrossim, pelo aplicador dele, tendo em vista que, “se o Direito é a ciência do dever-ser, parece intuitivo que o domínio de suas regras seja o poder-ser. Todavia, “o papel aceita tudo” e a Constituição de 1988 mais que compromissória, analítica e dirigente, é casuística e prolixa”[37]. De tal sorte, haveria limites na interpretação do direito.


Nesse ponto, em conformidade com Luís Roberto Barroso, quanto aos limites hermenêuticos, “o Direito tem limites que lhes são próprios e que por isso não pode, ou melhor, não deve normatizar o inalcançável”[38], pois essas normas já nasceriam condenadas à ineficácia diante da ausência de recursos materiais suficientes para produzir sua concretização. Exemplo paradigmático, mais uma vez, é o da judicialização das políticas públicas de saúde, na qual o juiz não poderia ou pelo menos não deveria, pelos vocábulos acertados de BARROSO, dar vazão a interpretações infactíveis.


Assim sendo, o Poder Judiciário teria de atuar de maneira conciliatória: promovendo a efetividade das normas constitucionais sejam elas programáticas ou não, evitando que a Constituição de 1988 seja qualificada com a pecha de semântica na classificação de LOEWENSTEIN, mas não teria de apelar para uma interpretação engajada que esvaziaria a eficácia das normas ao promover decisões de “tudo ou nada”. A análise do caso concreto, então, dependeria do argumento tópico contido no princípio da razoabilidade para os europeus e proporcionalidade para os estadunidenses, de forma a intentar compatibilizar os misteres sem a exclusão de um deles por completo.


A nosso ver, não é isso que tem realizado o Poder Judiciário nacional no exercício de sua jurisdição, porquanto, pela análise de jurisprudência coletada nos mais diferentes graus da Justiça – conquanto sejam os Tribunais dos Estados que concentrem a grande judicialização –, os magistrados nacionais tem voltado às costas para qualquer argumento que ultrapasse a apreciação concreta do caso. Com efeito, conforme Gustavo Amaral, os TJ´s estariam realizando a microjustiça cabal e em detrimento da macrojustiça[39].


Por exemplo, pela análise da jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores de nosso país, no caso STF e STJ, podemos afirmar que o Poder Judiciário do Brasil tem seguido o caminho da judicialização das políticas públicas de saúde pela perspectiva do “tudo ou nada”, na qual o direito à saúde seria um absoluto passível de ser aplicado a todo e qualquer caso concreto. A nosso ver, essa judicialização mostra-se excessiva, irracional e desproporcional, ao proferir decisões que desequilibram o SUS. Provando nossas assertivas, apresentamos os seguintes casos comprobatórios:


O STF, por exemplo, tem sido pródigo em decisões que redefinem a lista do SUS tanto de medicamentos quanto de tratamentos que são fornecidos por aquele sistema. No caso do AI 616.551 AgRg/GO, de relatoria do Ministro Eros Grau, no qual restou consignado, quanto ao fornecimento de medicamentos pelo SUS: no caso do “paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita é obrigação do Estado de fornecê-los” [40]. Nos termos da seguinte ementa:


“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A PACIENTE HIPOSSUFICIENTE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. SÚMULA N. 636 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita. Obrigação do Estado de fornecê-los. Precedentes. 2. Incidência da Súmula n. 636 do STF: “não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”.[41]


Por sua vez, o STJ já chegou a possuir jurisprudência, quando da judicialização das políticas públicas da saúde pela via indireta do orçamento, no caminho de defender que SUS deveria arcar com os gastos de medicamento e tratamento realizado no exterior, ainda que tal fosse experimental e não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o que, a nosso ver, desnuda um pouco dos desproposito que havia tornado-se a judicialização de questões trágicas, na linguagem de ATIENZA, como a presente no problema do SUS. Comprovando o exposto acima:


“ADMINISTRATIVO E CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO ORDINÁRIA – COBRANÇA DE VALORES PÚBLICOS – LIMINAR QUE AUTORIZOU PAGAMENTO DE TRATAMENTO DE SAÚDE NO EXTERIOR – REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE – EFEITOS SOBRE SITUAÇÕES CONSOLIDADAS – SÚMULA 405/STF – PRESTÍGIO ÀS EXPECTATIVAS LEGÍTIMAS – BOA-FÉ OBJETIVA. 1. O CASO DA RETINOSE PIGMENTAR. A determinação judicial de custeio pelo SUS dos tratamentos de retinose pigmentar no exterior, especialmente na República de Cuba, gozou de franco prestígio no STJ até o julgamento, em 7.6.2004, do MS 8.895/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção. No período anterior, houve diversas liminares em favor de pacientes portadores dessa patologia oftálmica, algumas das quais confirmadas por sentenças; outras, porém, como é o caso dos autos, revogadas. 2. A SITUAÇÃO DOS AUTOS. A agravada se viu envolvida nas ondas jurisprudenciais, que modificaram o entendimento da Corte sobre o problema. Na situação, porém, havia uma particularidade. A liminar de 27.4.2001 havia-lhe deferido o pedido de custeio do tratamento pelo SUS, pelo que ela viajou e gastou  R$ 25.443,43. A sentença, quando ainda vigorava a posição do STJ em favor do recurso à terapia no estrangeiro, revogou a liminar e denegou a segurança. Em 2004, quando da mudança de orientação no STJ, a União promoveu ação de cobrança contra a agravada, a qual foi repudiada nas instâncias ordinárias sob o color do respeito ao fato consumado e à irreversibilidade do provimento. 3. A SÚMULA 405/STF. É certo que existe o enunciado do Pretório Excelso que dá eficácia retroativa à revogação superveniente de liminar em mandado de segurança. A despeito da Súmula 405/STF, é de se admitir excepcionalmente o emprego dos conceitos jurídicos indeterminados do fato consumado ou da boa-fé objetiva no recebimento de valores pagos em caráter alimentar. Essa postura tem prosperado no próprio STF, quando analisa a devolução de vantagens remuneratórias recebidas de boa-fé por servidores públicos e, posteriormente, declaradas inconstitucionais. 4. PRIMAZIA DO PLANO DOS FATOS. É evidente que a nulidade póstera, seguindo-se os esquemas tradicionais do Direito Civil, implica a ineficácia dos atos erigidos sob o império da invalidez. Os romanos referiam-se a essa tensão entre o nulo e a eficácia sob a velha parêmia quod nullum est, nullum effectum producit (o que é nulo, efeito algum produz). Todavia, esse conceito há sido mitigado, quando a situação de fato sobrepõe-se à realidade jurídica. Desconsidera-se o primado de que se deve fazer Justiça ainda que pereça o mundo (fiat iustitia pereat mundi). É uma conseqüência da tragédia humana, que se mostra pela falibilidade de seus atos e suas instituições. Diz-se, na doutrina moderna, que há efeitos residuais no nulo. 5. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E CARÁTER PARTICULAR DESTA DECISÃO. O Direito contemporâneo leva em conta as expectativas legítimas das partes e da boa-fé objetiva. É óbvio que a solução aqui exposta não pode ser aplicada a todos os casos. Há de ser vista modus in rebus, com ponderação e prudência, sem qualquer vocação a se projetar como um precedente aspirante à universalidade. Veda-se a cobrança dos valores recebidos de boa-fé pela recorrida neste caso e presentes as circunstâncias dos autos. O sacrifício ora realizado em detrimento da segurança jurídica, mas em favor da Justiça, é tópico e excepcional. 6. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA, PRETENSÃO À PROTEÇÃO E MORALIDADE ADMINISTRATIVA. Prestigia-se o primado da confiança, assente no § 242, Código Civil alemão, e constante do ordenamento jurídico brasileiro como cláusula geral que ultrapassa os limites do Código Civil (arts.113, 187 c/c art.422) e que influencia na interpretação do Direito Público, a ele chegando como subprincípio derivado da moralidade administrativa. Ao caso aplica-se o que a doutrina alemã consagrou como “pretensão à proteção” (Schutzanspruch) que serve de fundamento à mantença do acórdão recorrido. Recurso especial improvido, prejudicado o agravo regimental”.[42]


No entanto, não obstante não seja mais dominante no âmbito do egrégio STJ, a jurisprudência que advogava pelo pagamento pelo SUS de tratamentos e medicamentos realizados no exterior ainda grassa nos Tribunais de Justiça, haja vista que não há, em nosso ordenamento jurídico, nenhum meio de impor que a mutação ocorrida no entendimento do STJ seja levando aos diversos Colegiados estaduais[43], os quais são os que mais lidam com a judicialização da gestão do SUS.


Sendo assim, a jurisprudência nacional ainda conta com diversos casos em que, quando da judicialização do orçamento público destinado à implementação de políticas públicas de saúde, a decisão fora no sentido de impor ao SUS o pagamento de tratamento e medicamento realizados no exterior, o qual muitas vezes ainda era experimental e, por conseguinte não era registrado na ANVISA. Nesse sentido, foi a decisão proferida no Processo 351/99, no qual um menor impúbere obteve liminar para que o Estado de São Paulo arcasse com seu tratamento para distrofia muscular no valor de R$ 174.500,00.


4. A Judicialização do SUS


A judicialização do orçamento destinado à saúde que, pelo menos em grande parte, pode ser considerada a judicialização do SUS será, por nós, observada por dois ângulos: primeiramente, há o Poder Judiciário como sujeito judicializador do direito à saúde e, nesse ponto, é fundamental questionar a legitimidade desse Poder para consecução de tal mister; ulteriormente, há o direito à saúde como objeto judicializado e que precisa ser compreendido sob o ponto de vista do impacto no orçamento público.


4.1. Do Judicializador na Questão do SUS


A nosso ver, o Poder Judiciário, enquanto entidade judicializadora do SUS, não vem agindo da maneira mais acertada quando o ativismo judicial encontra o orçamento público destinado à promoção das políticas públicas de saúde. Isso, porque, à Justiça estaria faltando grande parte da legitimidade necessária para poder fazer o que vem fazendo: agindo de modo a realocar recursos de forma a influenciar em decisões políticas tomadas anteriormente, por vezes, modificando, cabalmente, seu sentido.


Como observado no primeiro capítulo, o orçamento público não tem origem na racionalização da dialética relação entre as receitas e as despesas públicas, mas, sim, tem gênese no objetivo de separar o patrimônio do Estado dos bens que seu administrador, por ventura, possua. Nesse escopo de controle, foi condição não só sine qua non como também per quan para lograr êxito em seu mister que a participação popular fosse cada vez maior para aprovação do orçamento público[44]. Desde a Magna Carta de 1225 até as Constituições coevas, a participação popular tem aumentado, paulatinamente.


O Brasil não ficou alheio a esse processo, como esperamos haver demonstrado acima, porquanto com a mudança de paradigma realizada com a passagem do Estado Liberal ao Social, a qual influenciou profundamente a feitura da Constituição Federal de 1988, nosso país deixou de adotar um arquétipo autoritário de gestão pública que muito bebeu nas lições de MEIRELHES. Suplantada a ditadura, o Poder Executivo não é mais um Super-Poder com competência para alocar os recursos ao seu bel-prazer sem o controle, hoje, exercido pelo Poder Legislativo[45] e, outrossim, pelo Judiciário. De tal sorte, apercebe-se uma busca constante pela legitimidade democrática orçamentária.


Destarte, considerando é condição indispensável pela análise histórica a presença de legitimidade democrática para alocar os recursos angariados do contribuinte, em que o Poder Judiciário tem fundamentado sua intervenção?[46]  Essa intervenção poderia ser legitimada apenas e tão-somente pela Constituição, que positiva a indicação de ministros nos Tribunais Superiores por parte do mandatário do Poder Executivo, o Presidente da República[47]?


Acerca da suposta legitimidade democrática constitucional do Judiciário pela Constituição de 1988, invocamos a prudente crítica de BONAVIDES: “essa participação, todavia, enfraqueceu-se no curso do processo legislativo de tal forma que as reivindicações constante das emendas populares passaram a ser defendidas por alguns constituintes, sem que a sociedade se mantivesse mobilizada para o acompanhamento dos debates e das votações. Talvez em razão dessa ausência, muitas das oportunas sugestões tenham sido marginalizadas”[48].


Mais uma vez, a nosso ver, essa legitimidade parece ser mera retórica, haja vista que, em verdade, a legitimidade é um processo, um constante processo de legitimação que não pode vir adstrito ao contrato fundador da nação[49]. E quem a renovaria seria a participação popular representada pelo seu mais difundido e forte meio, a eleição, mas também, outrossim, pelo mecanismos um pouco menos conhecidos do plebiscito, do referendo, da lei de iniciativa popular e, mais especificamente no Judiciário, da audiência pública. Nesse ponto, de grada acuidade são as observações de Paulo Bonavides e Paes de Andrade, em sua obra sobre a História Constitucional do Brasil.


De tal sorte, é imperioso que Poder Judiciário utilize os mecanismos legitimadores de suas decisões sob pena de continuar a sofrer os mesmo preconceitos históricos. Expliquemo-nos, mais uma vez, com uma volta à Revolução Francesa: quando da revolução, o povo (burguesia e o restante da população que não era nem nobreza nem tampouco clero) conseguiu extirpar dos protótipos dos Poderes Executivo o rei e do Legislativo o clero e a nobreza, de modo que restou intocado o Poder Judiciário.


Em resposta a isso, os intelectuais jurídicos da revolução criaram a Escola da Exegese, pela qual o juiz seria apenas e tão-somente a boca da lei. É esse o espírito, por exemplo, do Código de Napoleão em entrou em vigor em 1804. Nesse período da história, a Justiça era entendida como a rançosa parte que restou do absolutismo monárquico em que os cargos públicos eram sanguíneos ou, então comprados[50], de forma que os magistrados eram temidos com nos revela trecho citado por ASSIER-ANDRIEU: “os juízes são instituídos apenas para aplicar as leis e que é perigoso recorrer a eles”[51].


Com efeito, com a Revolução Francesa, conforme Louis Assier-Andrie, ocorreu que “toda a função de julgar estava desde então absolutamente reduzida à execução de uma operação técnica, à aplicação da lei, controlada estreitamente pelo poder político, o único capaz de fazer as leis”[52]. Na mesma direção, segue MONTESQUIEU que chegou a afiançar que “os juízes da nação – da nação francesa – são […] apenas a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não lhes podem moderar nem a força nem o rigor”[53].


Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos da América (EUA), ao contrário da suposta “representatividade meritória” – aristocrática, a nosso ver, num possível governo dos melhores[54] – com sugeriu Marcos Salles da AMB, na Audiência Pública de Saúde, nasce, em real verdade, a teoria do one vote; one men, em conformidade com a qual cada cidadão teria direito a um voto na escolha das opções políticas de sua nação, como, por exemplo, o orçamento público.


Desde a fundação dos EUA pela Constituição de 1787, a despeito de o país ser independente desde 1776, a democracia tem sido prestigiada com a existência de muitos mecanismos de participação popular. Ao contrário do que acontece em nosso país, onde a representatividade do povo só alcança a indicação de ministros que comporão os Tribunais superiores – mesmo assim, essa se dá pela via indireta do Presidente da República –, os juízes estadunidenses bem como seus promotores são eleitos pelos cidadãos do país num sistema que leva a participação popular ao extremo.


No entanto, não obstante não se possa negar que haja eleição para o Poder Judiciário dos EUA, devido à força que o sistema federativo lá emprega, salvo os juízes federais que possuem sua disciplina uniformizada nacionalmente, a eleição para os cargos estaduais de juiz dependerá de cada Constituição estadual, conquanto seja considerado grande o número de Carta que prevejam aquelas eleições. Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 não previu esse instituto, mas, sim, há outras fontes pelas quais nosso Poder Judiciário deve procurar legitimar-se sob pena de padecer do mesmo preconceito histórico de 1789, ao mitigar a participação popular.


Sendo assim, considerando a participação popular legitimadora do processo democrático, a Justiça não pode furta-se a isso se escondendo sob togas que já abrigaram uma nobreza que, como observado acima por ASSIER-ANDRIEU, comprava seus cargos e proferia decisões arbitrárias que levavam em conta seus sentimentos pessoais. Para a promoção daquela legitimidade, há previsão em nosso ordenamento jurídico do mecanismo da audiência pública.


Quanto a isso, alegarão alguns que fora convocada uma Audiência Pública da Saúde. A nosso ver, tal argumento não procede, pois a oitiva em grande parte não foi da sociedade civil, do povo, mas, sim, uma conversa entre os próprios membros do Estado sobre o problema da saúde. Dos expositores com direito a voz e vez, ou seja, os que proferiram palestra, excluindo os representantes da Administração Pública nas suas facetas direta e indireta, restariam apenas e tão-somente cerca de 10 (dez) representantes da sociedade civil, dentre os quais se manifestaram, por exemplo, associações civis[55].


4.3. O Judicializado na Questão da Saúde


Depois de abordarmos a judicialização com enfoque no sujeito judicializador, a Justiça, tratemos, presentemente, da judicialização com foco no objeto judicializado, o direito à saúde. A priori, não podermos deixar de citar a crítica realizada por Gustavo Amaral, em sua dissertação de mestrado, sobre a inadequação do termo que tem virado moda entre os doutrinadores, sendo presente em várias decisões e até mesmo na Constituição de 1988: o direito à saúde.


O direito à saúde estaria entre aqueles direitos que procuram normatizar o inalcançável, por isso sendo condenado à ineficácia e à inefetividade, haja vista que, sendo o direito “à saúde”, o sujeito ativo seríamos todos nós e o sujeito passivo fica parecendo ser a biologia humana, como se pudéssemos impedir nossa deterioração orgânica. De tal sorte, apercebe-se que a redação fora equivocada, de modo que AMARAL sugere, numa linguagem mais adequada: redações como “o direito à proteção da saúde ou ainda o direito à assistência médica”[56], o que nos parece mais plausível.


Os direitos fundamentais possuem um longo processo de desenvolvimento, no qual seu conteúdo vai sendo cada vez mais ampliado. No curso da história, as gerações ou ainda dimensões dos direitos fundamentais foram identificadas pela primeira vez, 1979, por Karel Vasak, o qual utilizou pela primeira vez a expressão “primeira geração de direitos do homem”, tema esse que foi, a posteriori, desenvolvido por Norberto Bobbio[57], o que levou muitos a pensarem que aquele teoria seria alvitre desse jurista italiano.


Em conformidade com a teoria, a primeira dimensão – evitaremos usar o termo geração pela característica de hierarquia que impõe aos direitos, como se os mais antigos fosse mais importante – tem como fundamento à liberdade desenvolvida no Estado Liberal e é considerada direito individual independente da atuação do Estado, um direito negativo[58]. Por sua vez, a segunda é fundada na igualdade desenvolvida no Estado Social e Democrático de Direito e é considerada direito de uma sociedade a prestações positivas do Estado que a governa[59]. Enfim, a terceira é fundada na fraternidade, ainda no Estado Social e Democrático de Direito, que propugna direitos da humanidade com um todo[60].


Conquanto já se tematize direitos de quarta, quinta, sexta e até sétima dimensões, que teriam surgido em decorrência dos avanços científicos na internet e na biologia[61], restringir-nos-emos às suas duas dimensões que primeiro nasceram, a dos direitos individuais e dos sociais. Aos primeiros, a doutrina e a jurisprudência[62] atribuíram a característica de serem direitos negativos, por envolverem uma abstenção dos Estados; aos segundos atribui-se a qualidade de serem direitos positivos, pois prestacionais.


Abalizando-se nesse pensamento, muitos juízes estrangeiros têm entendido que o orçamento público destinado à saúde não poderia ser judicializado, uma vez que a saúde, como direito social, dependeria de regulamentação para ser implementada. Diferenciado-se, portanto, dos direitos individuais que seriam “sempre eficazes, já que não dependeriam de regulamentação. Conquanto fosse admitida a regulação das liberdades, o gozo das mesmas decorreria da própria constituição, não do trabalho do legislador inferior”[63].


De outro aspecto, os direitos sociais estariam voltados a uma prestação do Estado, o que lhe daria a qualidade de positivos – não do positivo em oposição aos direitos naturais –, tendo em vista que reclamam uma ação do Estado. Para Norberto Bobbio, no recitado A Era dos Direitos, “os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, ampliação dos poderes do Estado”[64]. Contra esse entendimento que restou consignado, inclusive, na Corte Constitucional alemã[65], há quem defenda que ambos os direitos são positivos e negativos.


Nessa direção, argumenta-se que os direitos individuais como o de liberdade necessitariam da mesma ação do Estado que requerem os direitos sociais como o direito à saúde. O direito à liberdade de ir e vir, a exemplo, necessitaria da prestação positiva do Administrador Público representada pelos investimentos em segurança pública, sem o qual não haveria aquele direito, de modo que a distinção entre a primeira e a segunda dimensões seria mera retórica acadêmica[66].


A nosso ver, essa argumentação não procede, porquanto, utilizando o exemplo acima, o direito de ir e vir não depende da existência de segurança pública pelo Estado, o direito existiria, aprioristicamente, de forma que a prestação positiva do Estado seria exigida apenas quando de sua violação, necessitando, então, da política para garanti-lo. O direito à saúde não tem como existir, aprioristicamente; não há como ele não ser ofendido se não houver a ação da Administração que vise a sua proteção, pois não haveria o direito à “assistência médica”[67] sem o médico do Estado.


Sem embargo, ainda que superada nossa supra argumentação, o pensamento de que a judicialização dos direitos individuais seria simples com a dos direitos sociais não encontra amparo na realidade fática, porquanto, mesmo considerando que também demandem recursos, os valores seriam bem reduzidos. Pelo Portal da Transparência, colhem-se os dados: o Ministério da Justiça, tradicional representante dos direitos individuais tem verba de R$ 7.133.621.880,70, enquanto que o Ministério da Saúde, pelos direitos sociais, teve verba de RS 18.063.934.317,28; e o da Educação, por sua vez, de R$ 30.677.809.813,73[68].


5. Conclusão


O orçamento público nasce não como um processo de racionalização das despesas e receitas públicas, mas, sim, com o objetivo de evitar confusão patrimonial entre o patrimônio pertencente ao Estado e os bens que o administrador desse possua. Dentro do processo de desenvolvimento histórico do orçamento, foi sempre um imperativo a busca pela legitimidade fundamentada na manifestação daqueles que contribuíam para a formação do erário – que, lembremos, é sempre e totalmente público.


Decorrente da mesma evolução histórica, foi conferida, ao orçamento público, 4 (quatro) aspectos, os seguintes: o econômico, o político, o técnico-administrativo e o jurídico. Tal última é o que mais nos importa para o tema da judicialização do direito à saúde, porque, dependendo da natureza jurídica das leis orçamentárias (a Lei do Plano-Plurianual (PPL), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), o orçamento poderá sofrer maior ou menor atuação do Poder Judiciário, porquanto STF já consagrou sua ação até mesmo no controle abstrato.


Assim sendo, diante da possibilidade de atuação da Justiça em questões orçamentárias, tem configurado-se um ativismo judicial no caso das políticas públicas de saúde. Nesse ponto, é importante notar que o ativismo judicial, o qual se contrapõe a posturas de auto-restrição, como a moderação judicial, é abalizado na mudança de paradigma que representou a passagem do arquétipo do Estado Liberal para o do Social, a qual representou uma mutação na consistência do Poder Judiciário, uma vez que esse deixou de ser um mero departamento técnico especializado para ser, então, um Poder político como os demais, compartilhando funções, não mais competências.


Diante dessa querela, Ingo Sarlet Wolfgang advoga que os direitos fundamentais sociais não podem padecer de inefetividade, de forma que, caso seja necessário, a Justiça deve atuar no sentido de evitar que a Constituição Federal 1988 seja, meramente, semântica, tendo em vista aquela inefetividade dos direitos que ele se propôs a conceder.


Por outro lado, há a denominada por WOLFGANG Escola dos Direitos Fundamentais do Rio de Janeiro, a qual defende que o ativismo judicial não pode ser um absoluto, pois o direito, sendo a ciência do dever-ser, possui, como objeto, normas no campo do poder-ser, sob pena de as normatividade já nascem fadadas à inefetividade. Ademais, a cidadã escola carioca ainda alegar para o perigo de que, num país de tradições autoritárias como é o Brasil, sob inovador discurso tópico possa estar a esconder-se mero subjetivo das partes.


Não queremos tomar o tom pessimista de DWORKIN ao problematizar o ativismo judicial[69], mas, entre as duas corrente supra tematizadas, a jurisprudência nacional tem sido prodiga em decisões que não levam a sério a escassez de recursos disponíveis ao administrador no orçamento. Pela apreciação de julgados dos Tribunais pátrios, mormente os superiores, acreditamos que a judicialização do orçamento público destinado à promoção do direito à saúde tem sido excessiva e irracional.


Isso, pois, a jurisprudência nacional, num país onde os recursos são mais que escassos, tem sido prodiga em conceder liminares a, por exemplo, obrigar o SUS a arcar com os custos de tratamentos e medicamentos experimentais no exterior, os quais, por vezes, não são sequer regulados pela ANVISA de modo que sua importação seria proibida, quanto aos medicamentos. De tal modo, não se negue que possa haver a judicialização, mas essa tem carecido do rigorismo com que um discurso tópico deve ser tratado numa nação de tradição bastante autoritária.


Ademais, quando daquela judicialização, pelo menos dois problemas ainda precisão ser superados: o primeiro diz respeito a pouca representatividade do Poder Judiciário que tem alijado o povo da discussão do tema, basta ver os palestrantes da Audiência Pública de Saúde; o segundo é relativo não mais ao Judicializador, mas ao Judicializado, o direito à saúde, ou melhor, o direito à proteção à saúde, esse, sim, envolve custos – pelos menos maiores – na sua efetivação, de modo que a Justiça não pode desconsiderar, ao fazer justiça no caso concreto em análise (a microjustiça), a justiça dos demais cidadãos que não judicializaram seus direito (a macrojustiça).


Para findar, rematamos com a lição de AMARAL, para quem “a justiça do caso concreto deve ser sempre aquela que possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir a estar em situação similar, sob pena de se quebrar a isonomia. Esta é a tensão entre micro e macrojustiça”[70]. Mas como uniformiza isso num país do tamanho do Brasil?


 


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Notas:

[1] O retrato dessa judicialização, desse ativismo judicial, quanto à questão da saúde, é bem fornecido por ANDRADE, que aponta “expressivo crescimento do número de ações judiciais e/ou de medidas liminares deferidas, in caso, especificamente voltadas à obtenção de medicamento: ‘no DF, o número de mandados judiciais relacionados à medicamentos aumentou de 281, em 2003, para 682, em 2007. Na Bahia, passou de seis ações, em 2003, para 117, em 2007. No Rio Grande do Sul, o número já era alto desde 2002, quando já tinham sido registradas 1.846 ações e o estado alcançou, em junho de 2008, o total de 4.550 ações, das quais 3.500 eram demandas por medicamentos. No RJ, houve um crescimento de mais de 350% entre 2001 e 2005 de 713 ações para 2.500. Também nas instância judiciais superiores, registrou-se um crescimento em proporções significativas: no Superior Tribunal de Justiça (STJ), havia dois processos em 2001, e estes já alcançam 672 em 2004” (ANDRANDE, Ricardo Barreto. Da Falta de Efetividade à Intervenção Judicial Excessiva: O Direito à Saúde sob a Perspectiva de um Caso Concreto. In: Direitos Fundamentais & Justiça. 12ª Ed. Rio Grande do Sul: ano 4, n° 12, julho/setembro 2010).

[2] A redação completa do citado artigo é a seguinte: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010).

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010.

[4] Conforme ABRAHAM, em seu livro, a receita pública consiste na entrada pública que é considerada permanente no domínio dos cofres do erário, porque “as entradas provisórias são comumente designadas por ingressos públicos. Já as entradas definitivas são denominadas de receitas públicas. O que lhes diferencia é a transitoriedade no patrimônio do Estado. Na concepção de ingressos públicos estão incluídos os recursos financeiros arrecadados de maneira temporária, para restituição à sua origem após determinada condição ou prazo. Já no conceito de receitas públicas são considerados aquelas entradas financeiras que passam a integrar definitivamente o patrimônio do Estado (ABRAHAM, Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 – pp. 60-61).

[5] Ainda segundo ABRAHAM, a despesa pública configura-se em um “conjunto de gastos realizados pelo Estado no seu funcionamento. Noutras palavras, é a aplicação de recursos financeiros em bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades coletivas. A origem etimológica da palavra despesa vem do latim dispendere, que significa empregar e, portanto, nos indica sua função: utilizar os recursos estatais na execução da sua finalidade” (ABRAHAM, Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 – pp. 60-61).

[6] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 (p. 389).

[7] O art. XII daquele diploma dispõe que “no scutage not aid shall be impoied on our kingdom, unless by common counsel of our kingdom, except for ransoming our person, for making our eldest son a knight, and for once marrying our eldest daughter; and for these there shall not be levied more than a reasonable aid. In like manner it shall be done concerning aids from the city of Londom”.

[8] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 (p. 389).

9] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006 (pp. 171-172).

[10] O orçamento público é considerado, na lição de Aliomar Baleeiro, “o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins dotados adotados pela política econômica ou geral do país, assim com a arrecadação das receitas já criadas em lei” (BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 – p. 387).

[11] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 (pp. 387-388).

[12] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 (p. 388).

[13] Como é ressaltado por ABRAHAM, quando da abordagem da origem do orçamento público, “como embrião do que hoje temos como orçamento público, relata-se que no ano de 1706 a Câmara dos Comuns da Inglaterra determinou, através da Resolução n° 66, que caberia ao Executivo a responsabilidade pelas finanças do governo, coordenando a proposta de receita e de despesa, ficando a cargo do Parlamento aprová-la, inclusive, exercendo o controle da execução orçamentária. E, no ano de 1787, foi aprovada a Lei do Fundo Consolidado (Consolidated Fund Act), que criava um fundo geral para registro e controle de todas as receitas e despesas inglesas. Mas somente em 1822 é que foi redigido formalmente o primeiro orçamento na Inglaterra” (ABRAHAM, Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 – p. 208).

[14]ABRAHAM, Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 (p. 212).

[15] Em conformidade com BALEEIRO, quanto à consideração do orçamento como sendo lei ordinária, “formalmente, o orçamento não difere das demais leis. Apresenta a redação comum às leis, recebe o número de ordem na coleção destas, resulta de projeto de iniciativa do Presidente da República, é objeto de sansão e poderá ser vetado, como já aconteceu” (BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 – p. 414).

[16] .  – m vigor da lei complementar a que se refere o Art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:o do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa; II – o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;entária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010) (grifo nosso).

[17] Art. 165. § 8º – Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010) (grifo nosso).

[18] Art. 62. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010) (grifo nosso).

[19] Art. 166. § 3º – As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou III – sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010) (grifo nosso).

[20] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2002 (p. 75).

[21] MEIRELHES, Hely Lopes. Finanças Municipais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979 (pp. 160-161).

[22] ABRAHAM, Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 (p. 218).

[23] DEODATO, Alberto. Manual de Finanças Públicas. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1967 (p. 317).

[24] ADI 2.484/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 19/12/2001.

[25] Informativo 255 (ADI contra LDO. Não Cabimento) do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=2%2E484&base=baseInformativo. Sítio consultado em 17/12/2010.

[26] ADI 4.048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 14/05/2008.

[27] ADI 4.048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 14/05/2008.

[28] Para complementar o conceito de ativismo judicial fornecido, acrescentemos o criado por DELGADO: “uma postura a ser adotada pelo magistrado que o leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdiciona” (DELGADO, José Augusto. Ativismo Judicial: o Papel Político do Poder Judiciário na Sociedade Contemporânea. In: Processo Civil Novas Tendências: Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Jr – p.319).

[29] Tal rol é, meramente, demonstrativo, haja vista que poderíamos encontram inúmeros outros exemplos que serviriam para demonstrar a veracidade das proposições de SUNDFELD.

[30] Em conformidade com o Ronald Dworkin, quanto àquela auto-restrição, essa é “o programa da moderação judicial afirma que os tribunais deveriam permitir a manutenção das decisões dos outros setores do governo, mesmo quando elas ofendam a própria percepção que os juízes têm dos princípios exigidos pelas doutrinas constitucionais amplas, excetuando-se, contudo, os casos nos quais essas decisões sejam tão ofensivas à moralidade política a ponto de violar as estipulações de qualquer interpretação plausível, ou, talvez, nos casos em que uma decisão contrária for exigida por um precedente inequívoco” (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002 – p. 215).

[31] Nessa direção, tem-se o sentido propugnado por ROBERTS que em sua obra entende que “muito se tem discutido quanto ao inicio e o término da Revolução. Duas datas são 1789 e 1799, quando um jovem general, Napoleão Bonaparte, tomou o poder político e redirecionou a França rumo à monarquia. Jamais se vira algo comparável àquela década. Quase todas as duradouras mudanças que trouxe seriam antes do fim de 1791 – ano de promulgação da Constituição, vale não deslembrá-lo. Os anos seguintes, até 1795, foram os mais turbulentos da Revolução. Depois as coisas serenaram um pouco. Na época, a França rompera com grande parte do seu passado, reconstruindo sua Constituição com base na igualdade perante a lei (a nobreza fora abolida), tolerância religiosa e passou a ser governada por uma Assembléia Nacional de representantes eleitos que podiam legislar sobre qualquer assunto sem se preocupar com direitos e tradições” (ROBERTS, J. M. O Livro de Ouro da História do Mundo: da Pré-História à Idade Contemporânea. Tradução de Laura Alves & Aurélio Rebello. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 – pp. 518-519).

[32] Como visto acima, referimo-nos à judicialização do SUS e não mais à Saúde. Isso, porque, devido ao sistema de assistência social presente no Brasil, é, basicamente, representado pela integração entre União, Estados e Municípios no financiamento do SUS.

[33] Para aprofundar a esse respeito, vide MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[34] FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998 (p. 13).

[35] Para demonstrar o posicionamento de SARLET, reproduzimos o seguinte trecho: “com efeito, para além da discussão sobre as possíveis dimensões da assim chamada reserva do possível (abarcando limitações de ordem fática e jurídica) é possível, como já o temos feito de há muito, compartilhar com o autor a compreensão de que não se trata aqui de uma falácia, invocada pura e simplesmente como argumento a obstaculizar ou inibir a intervenção judicial na esfera das políticas públicas e da realização dos direitos a prestações, deixando o caminho livre ao arbítrio do administrado e legislador” (SARLET, Ingo Wolfgang apud AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 – p. 15).

[36] MOREIRA, Barbosa apud AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 (p. 4).

[37] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 (p. 5).

[38] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005 (p. 47).

[39] Conforme Gustavo Amaral, em sua magnífica dissertação de mestrado, quando da judicialização, “não se encontra, embora se possa intuir, um critério de controle da razoabilidade da aplicação ao caso concreto, notadamente do confronto entre a microjustiça do caso concreto com a macrojustiça dada pela possibilidade de aplicar a mesma regra jurídica construída para o caso concreto a todos os demais que se assemelham” (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 (p. 4).

[40] Na mesma direção, segue o informativo 579 acerca do fornecimento de medicamento e da responsabilidade solidária por esses, no qual restou consignado que “o Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde – SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas. STA 175 AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2010. (STA-175)” (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=sus&base=baseInformativo. Sítio consultado em 17/12/2010).

[41] AI AgRg/GO 616.551, Rel. Min. Eros Grau. Segunda Turma, DJ 23/07/2007.

[42] REsp 944.325/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21/11/2008.

[43] Nesse ponto, é importante não esquecer que o instrumento da jurisprudência vinculativa dos demais Tribunais apenas está presente no STF, em que há tanto no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade quanto por meio das Súmulas Vinculantes inseridas pela Emenda Constitucional 45/2002.

[44] Nesse ponto, mais uma vez tornam-se de grande valor as lições de BALEEIRO, em conformidade com o qual, quando da participação, na gestão do orçamento, ter-se-ia, na Medievalidade, que “se necessidades superveniente, como a guerra, não podiam ser cobertas por aqueles recursos, o monarca, segundo as usanças e concepções jurídicas da época, deveria obter o consentimento dos principais vassalos, quer a este fosse pedido o sacrifício, quer aos vilões e plebeus (grifo nosso). Estes eram contribuintes dos senhores feudais, de sorte que a coroa se abstinha de coletá-los diretamente” (BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986 – p. 488).

[45] Para alguns juristas historiógrafos do direito, o Poder Legislativo, inclusive, começa a ser, de fato, um Poder, com Carta de 88, pois “o fortalecimento do Poder Legislativo é uma realidade em face do conjunto de dispositivos constitucionais que formalizam a Comissão Mista Permanente do Orçamento; que tratam a permissão para apresentar projetos ou emendas majoradoras ou redutoras de despesas, consagrando, assim, a participação na feitura do orçamento (grifo nosso); que extinguem o decreto-lei na forma autoritária que o revestia, embora ele se recomponha mais modestamente nas chamadas ‘medidas provisórias’; na participação da concessão ou renovação de freqüência e canais de rádio e televisão, como última instância; na competência para fixar ou modificar o efetivo das Forças Armadas; na indicação de 2/3 de membros do Tribunal de Contas da União; na sustação de atos normativos do Governo; nas decisões sobre o veto presidencial com maioria absoluta e não mais com a exigência dos 2/3 como na Carta anterior; no fortalecimento das comissões técnicas armadas de poderes para aprovar projetos, simplificando e desburocratizando o processo legislativo; no veto do Legislativo aos acordos e tratados internacionais, enfim, na ampla participação e fiscalização do Executivo” (BONAVIDES, Paulo & ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 1ª Ed. Brasília: Paz e Terra Política, 1988 – p. 499-500)

[46] Essa teoria da legitimação do Poder Judiciário pela própria Carta Magna de 1988 foi extraída dos argumentos exarados pelos representados da magistratura na Audiência Pública de Saúde. Nessa direção, é importante que citemos o que afirmou Marcos Salles, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB: “muito se discute hodiernamente sobre a legitimidade do Poder Judiciário para práticas de políticas públicas quando da omissão ou excesso dos demais Poderes da República. Estou entre aqueles, talvez de forma utópica, que ainda entendem que a legitimação dos Poderes não se dá apenas pelo voto do cidadão. A nossa Constituição, trilhando o caminho e o exemplo da Constituição americana, abre um espaço inovador no sentido de que alguns agentes políticos – aí, nós juízes, desembargadores e ministros – legitimam-se perante a sociedade de acordo com os mandamentos, princípios e valores constitucionais pelo que chamo de representatividade meritória” (Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Sr._Marcos_Salles__assessor_especial_da_Presidencia_da_Associacao_dos_Magistrados_Brasileiros_.pdf. Sítio consultado em 17/12/2010). A nosso ver, o trecho é de um pensamento lamentável quanto à suposta “representatividade meritória” do Poder Judiciário. Seria, então, o orçamento público gerido pela classe superior da aristocracia jurídica? No mais, quanto à Constituição dos EUA, como veremos a seguir, as assertivas são inverídicas por violarem, inclusive, a teoria do one vote; one men de matriz estadunidense.

[47] BONAVIDES, Paulo & ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 1ª Ed. Brasília: Paz e Terra Política, 1988 (pp. 476-477)

[48] Ainda para os juristas BONAVIDES e ANDRADE, quanto à participação popular democrática, essa “pode efetivar-se ainda na vigência da Carta Magna, quando por meio de entidades de classe, seus representantes no Congresso ou, mediante os novos recursos de representação popular admitidos pelo texto que acaba de ser votado, e que permite uma participação maior da comunidade no encaminhamento de projetos e sugestões, como, também, no acesso às informações acumuladas em repartições oficiais ou bancos de dados privados ou não, para conhecer, anular ou substituir dados que mereçam tais providências” (BONAVIDES, Paulo & ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 1ª Ed. Brasília: Paz e Terra Política, 1988 – p. 477)

[49] Quanto ao uso do vocábulo legitimidade, é importante destacar que o estamos utilizando em sua acepção comum, sem maiores pretensões em debater o termo em autores, pois nos fundamentamos no conceito definido por SILVA como corrente na linguagem comum, entendendo que “nas ciências políticas a legitimidade do ato ou do agente refere-se à necessária qualidade para tornar válida a sua atuação em fase dos demais cidadãos” (SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 – p. 826). No mesmo sentido, vide BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5ª Ed. São Paulo: UnB & Imprensa Oficial, 2004 (p. 675).

[50] Em conformidade com Louis Assier-Andrieu, em sua obra O Direito nas Sociedades Humanas, ter-se-ia que “os ofícios de judicatura eram sob o Antigo Regime bens patrimoniais, que podiam ser comprados e transmitidos por herança; por isso cada juiz era suscetível de aplicar co toda liberdade suas concepções próprias, até mesmo de opor às regras mais gerais em vigor sua sensibilidade pessoal” (ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 – p. 246).

[51] DUPORT, Adrien apud ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (p. 247).

[52] ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina alvão. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (p. 246).

[53] ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (p. 243).

[54] A aristocracia, segundo o próprio ARISTÓTELES é o bom governo de poucos, ao contrário da oligarquia que é o mal governo de poucos, ela seria o governo dos melhores administradores bem se adequando ao ideal aristotélico de que “alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar” (ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Néstor Silveira Chaves. 1ª Ed. Brasília: Escala, 1997 – p. 18).

[55] Da Audiência Pública de Saúde, participaram com representatividade suficiente para conferir-lhes tempo de discurso os seguintes: Ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF; Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República; Ministro José Antônio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União; Leonardo Lorea Mattar, Defensor Público-Geral da União em exercício; Alberto Beltrame, Secretário de Atenção da Saúde do Ministério da Saúde; Flávio Pansiere, representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Marcos Salles, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB; Ingo W. Sarlet, Professor Titular da PUC/RS e Juiz de Direito; Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Ministro do Supremo Tribunal Federal; Adib Domingos Jatene, Ex-Ministro da Saúde e Diretor-Geral do Hospital do Coração em São Paulo; Osmar Gasparini Terra, Presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde – CONASS; Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, e Cátia Gisele Martins Vergara, Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, representantes da Associação Nacional do Ministério Público de Contas; Vitore Maximiano, Defensor Público do Estado de São Paulo; Jairo Bisol, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde; Paulo Ziulkoski, Presidente da Confederação Nacional dos Municípios; Ana Beatriz Pinto de Almeida Vasconcellos, Gerente de Projeto da Coordenação Geral da Política de Alimentos e Nutrição do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde; Cleusa da Silveira Bernardo, Diretora do Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas do Ministério da Saúde; Alexandre Sampaio Zakir, representante da Secretaria de Segurança Pública e do Governo de São Paulo; Dirceu Raposo de Mello, Diretor-Presidente da ANVISA; Geraldo Guedes, Representante do Conselho Federal de Medicina; Luiz Alberto Simões Volpe, Fundador do Grupo Hipupiara Integração e Vida; Paulo Marcelo Gehm Hoff, representante da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e da Faculdade de Medicina da USP; Paulo Dornelles Picon, representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Claudio Maierovitch Pessanha Henrique, Coordenador da Comissão de Incorporação de tecnologia do Ministério da Saúde; Janaína Barbier Gonçalves, Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul; Sueli Gandolfi Dallari, representante do Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário; Leonardo Bandarra, Presidente do Concelho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União; Maria Inês Pordeus Gadelha, Consultora da Coordenação–Geral de Alta Complexidade do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde; Jorge André de Carvalho Mendonça, Juiz da 5ª Vara Federal de Recife; Luís Roberto Barroso, representante do Colégio Nacional de Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e Territórios; Valderilio Feijó Azevedo, representante da Associação Brasileira de Grupos de Pacientes Reumáticos; Heloisa Machado de Almeida, representante da ONG Conectas Direitos Humanos; Paulo Menezes, Presidente da Associação Brasileira de Amigos e Familiares de Portadores de Hipertensão Arterial Pulmonar; Raul Cutait, Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP,  Médico Assistente do Hospital Sírio Libanês, Ex-Secretário de Saúde do Município de São Paulo; Josué Félix de Araújo, Presidente da Associação Brasileira de Mucopolissacaridoses; Sérgio Henrique Sampaio, Presidente da Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose; José Getulio Martins Segalla, Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica; José Aristodemo Pinotti, Professor Titular Emérito da USP e Unicamp, Ex-Reitor da Unicamp e Ex-Secretário de Saúde do Estado de São Paulo; Reinaldo Felipe Nery Guimarães, Secretário de Ciência e Teconologia do Ministério da Saúde; Antonio Barbosa da Silva, representante do Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos; Ciro Mortella, Presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica; Débora Diniz, Fundadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS; Ministro José Gomes Temporão, Ministro de Estado da Saúde.

[56] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 – p.6).

[57] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[58] Direitos da primeira dimensão seriam, por exemplo, os direitos civis e políticos.

[59] Direitos de segunda dimensão seriam, por exemplo, os econômicos, sociais e culturais.

[60] Direitos de terceira dimensão seriam, por exemplo, os ao meio ambiente sadio e à paz.

[61] Para maior aprofundamento acerca das novas dimensões de direitos vide HOESCHL, Hugo César. O Conflito e os Direitos da Vida Digital. Disponível: http://www.mct.gov.br/legis/Consultoria_Juridica/artigos/vida_digital.htm. Sítio consultado em 17/12/2010.

[62] Muito se tem asseverado que a classificação dos direitos é uma mera alegoria doutrinária, mas não é isso que constatados, ao analisar a realidade, na qual encontramos, inclusive manifestação do STF sobre o mote: “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Melo, Tribunal Pleno, DJ 30/10/1995).

[63] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 (p. 29).

[64] BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992 (p. 72).

[65] A Corte Constitucional alemã teria considerado que os direitos sociais como, por exemplo, o direito à saúde, não seriam direitos fundamentais exigíveis de pronto, pois sua exigibilidade dependeria de regulamentação por parte dos Poderes Executivo de Legislativo. De tal azo, apercebe-se que aquela Corte hierarquizou as dimensões de direitos considerando uns melhores que outros, o que é vedado pelo § 1º do art. 5º, in verbis: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Sítio consultado em 17/12/2010.

[66] Advogando pela defesa da ineficácia da diferenciação entre direitos individuais negativos, por um lado, e direitos sociais positivos, Gustavo Amaral aponta que “os gastos diretos dos EUA com proteção policial e punições penais montou a 73 bilhões de dólares no ano de 1992, quantia que excede ao PIB de mais da metade dos países do mundo. A maior parte do valor foi destinada a proteger a propriedade privada através do combate e punição dos crimes contra o patrimônio” (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009 – p. 41). Entretanto, a nosso ver, AMARAL cita a cifra de 73 bilhões de dólares, mas olvida-se de compará-la com os gastos com os direitos sociais, os quais, se seguirem o modelo brasileiro, serão muito maiores.

[67] Nesse ponto, vale não esquecer as afirmações, presente ao encetar a presente subseção, de que o mais adequado seria preferir a nomenclatura “direito à proteção da saúde ou direito à assistência médica” ao termo direito à saúde.

[68] Dados referentes ao exercício financeiro do ano de 2010. Disponíveis em http://www.portaltransparencia.gov.br. Sítio consultado em 17/12/2010.

[69] De maneira, a nosso ver, pessimista, Ronald Dworkin define ativismo judicial, que seria “o ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima” (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins fontes, 1999 – pp. 451-452).

[70] AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha: Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e das Decisões Trágicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009. (p. 18).

Informações Sobre o Autor

Nilson Dias de Assis Neto

Acadêmico de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB),


Equipe Âmbito Jurídico

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