Resumo: Lex Mercatoria – Novas Tendências e Análise da Viabilidade de um Sistema de Autônomo de Normas Internacionais tem por objetivo demonstrar as novas vertentes do direito internacional e a possibilidade de adoção de um sistema autônomo de normas internacionais para regular o comércio privado e principalmente os contratos.
Palavras chave: lex mercatoria; contratos internacionais; autonomia da vontade; sistema autônomo.
Abstract: Lex Mercatoria – New tendencies and assessing the viability of an autonomous system international aims to demonstrate new aspects of international law and the possibility of adopting an autonomous system of international rules to regulate trade and private contracts mainly.
Keywords: lex mercatoria, international contracts, freedom of choice; autonomous system.
Sumário: 1. Introdução; 2. Antecedentes históricos; 3.A nova Lex Mercatoria; 4. A Lex Mercatoria como sistema autônomo – Da Visão de Goldman às críticas de Paul Lagarde e Antoine Kassis; 5.As novas tendências da Lex Mercatoria; 6. Conclusão; Referências Bibliográficas
1. Introdução:
A evolução do comércio internacional ao longo do século XX, com a abertura de novos mercados, a ruptura de barreiras alfandegárias pela criação de blocos econômicos, e a constante atualização tecnológica e industrial, aquece a economia mundial, fazendo com que ressurja a “comunidade dos mercadores” internacionais.
O ressurgimento da societas mercatorum[1] com a criação de regras próprias, aplicadas a determinados setores do mercado internacional, fatores esses acentuados depois da segunda guerra mundial, levou Bertold Goldman, por meio do artigo intitulado Frontières du droit et lex mercatoria: Archives de philosophie du droit, de 1964, a afirmar o ressurgimento da lex mercatoria.
Depois de quarenta anos da publicação do referido artigo, com raras exceções, a discussão sobre a existência ou não de regras supraestatais que regulam o mercado internacional já pode ser considerada incipiente. Contudo, a afirmação de que a lex mercatoria compreende um ordenamento jurídico anacional, aplicável exclusivamente às relações privadas de comércio e crédito internacional, provoca intenso debate e críticas acirradas.
Segundo os críticos, as regras que formam a nova lex mercatoria são ainda esparsas e despidas de um comando unificador, comprometendo a indagação sobre sua capacidade de trazer à societas mercatorum a segurança jurídica tão almejada.
O surgimento da arbitragem internacional acentuou essa discussão, pois tem induzido a aceitação de regras contratuais setorizadas, próprias da lex mercatoria, pelo ordenamento estatal, uma vez que estão enraizadas nos instrumentos em que as próprias partes deliberam sobre qual regra aplicar na solução de conflitos, por meio da consagração dos princípios da pacta sunt servanta e da autonomia da vontade.
Questiona-se, ainda, se a lex mercatoria é benéfica à toda societas mercatorum, ou se apenas os grupos mais privilegiados economicamente é que tiram proveito de regramentos próprios, elaborados em seu benefício?
Quais seriam as novas tendências da chamada lex mercatoria? Permanecer aberta, flexível e atual, ou ter suas regras codificadas de modo a albergar maior aceitação do direito estatal, com a criação de um órgão próprio, de onde emanem as regras do comércio internacional, de maneira a mitigar os críticos do sistema atual.
Neste diapasão, o presente estudo tem por objetivo trazer a os novos elementos da lex mercatoria,seja pela visão do criador desse conceito (Berthold Goldman), seja pela crítica lançada por Paul Lagarde e Antoine Kassis, além de demonstrar suas novas tendências.
2. Antecedentes Históricos
O comércio marítimo tem direta relação com o desenvolvimento da mercancia internacional, sendo atribuído aos fenícios, povo eminentemente dedicado a essa prática, a criação das primeiras regras próprias do comércio internacional.
A esse respeito, o Prof. Irineu Strenger pontua o seguinte:
“O comércio internacional historicamente está intimamente ligado com o direito marítimo e com as atividades do mar.
Apesar de não se ter acesso a elementos mais específicos, sabe-se que os fenícios se destacaram como civilização eminentemente comercial, sendo-lhes atribuível um dos grandes momentos do direito marítimo, que foi a Lex Rhodia de jactu, podendo-se registrar na alta antiguidade muitas disposições relacionadas com o comércio internacional, principalmente já naquela época dispensando tratamento aos contratos internacionais.“[2]
A influência grega e romana no comércio do mediterrâneo também merece destaque, em um primeiro momento com as conquistas de Alexandre e a construção Império Helênico, a expansão do comércio até a Índia, a circulação das riquezas conquistadas, o estímulo ao desenvolvimento do comércio e indústria nas terras conquistadas, etc…
Como momento jurídico a ser lembrado o Prof. Strenger destaca o nauticum foenus, criado para propiciar ao armador ou negociante exportador crédito no ambiente internacional.
Em Roma, a implantação do jus gentium[3] que assegurava certos direitos ao estrangeiro no império, teve papel determinante no fortalecimento do comércio internacional.
A queda do império romano com as invasões bárbaras, seguida da chamada idade das trevas, levou ao declínio também as relações comerciais internacionais.
A evolução do Direito Medieval em matéria internacional é bem retratada por Douglas Alexandre Cordeiro, em seu estudo intitulado “A LEX MERCATORIA E AS NOVAS TENDÊNCIAS DE CODIFICAÇÃO DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL”, que assim se pronuncia:
“A partir do século XI o comércio internacional é revitalizado na Europa, diante de fatores como as Cruzadas, a conquista da Sicília, Sardenha e Córsega, a criação da Liga Hanseática, dentre outros. A sociedade medieval estava isolada após o declínio do Império Romano, as leis, usos e costumes variavam de cidade para cidade e algumas delas, em especial aquelas derivadas do direito canônico, eram empecilhos ao desenvolvimento do comércio.
O comércio, entretanto, ao invés de cessar ou regredir evoluiu e transpôs as fronteiras então existentes, encontrando outras fontes normativas para embasar as relações comerciais além das fronteiras nacionais. As Regras de Oléron, por exemplo, desde 1150 já eram aceitas e utilizadas por um vasto número de comerciantes marítimos e utilizada por um grande número de portos Marítimos no Mar do Norte e no Oceano Atlântico.
As Leis de Wisby, possivelmente derivadas das Regras de Oléron, que em 1350 regulavam o comércio no mar báltico e as disposições do Consulado do Mar, editadas pela Corte Consular de Barcelona no século XIV para consolidar os costumes do comércio marítimo, são também consideradas manifestações de um direito medieval dos comerciantes.
Aos poucos, o rigor e a burocracia das regras do direito romano foram substituídos pelos usos e costumes dos comerciantes que, ante a falta de um poder político central, uniram-se em grupos de acordo com as atividades exercidas por seus membros.
Tais grupos, denominados corporações de mercadores, possuíam patrimônio próprio constituído através de doações de seus associados. Tinham o objetivo inicial de proteger e dar assistência aos seus membros e, aos poucos, acabaram assimilando também função jurisdicional para resolver os conflitos havidos entre mercadores. A magistratura mercantilista assumia, então, (i) funções políticas (ao defender a honra e dignidade das corporações às quais pertenciam, colaborar com a manutenção da paz, etc.), (ii) funções executivas (observar o cumprimento das disposições estatutárias, leis e usos mercantis) e (iii) funções judiciais (solucionando os conflitos mercantis).
Surge, então, um conjunto de normas direcionadas a um grupo específico de profissionais, lastreado nos usos e costumes de uma classe carente de um direito estatal específico. Tal conjunto não surge de uma atividade legislativa nem da criação de jurisconsultos, como na Roma Antiga, mas sim dos próprios comerciantes em uma tentativa de superar as obsoletas e frágeis normas feudais e romanas, que não mais correspondiam aos seus interesses e ao novo modelo de comércio nacional e internacional então existente.
Para Malynes, a lex mercatoria era definida como “a lei de todas as nações” e não de um Estado particular20 e parecia, então, ser baseada na lei romana, no costume marítimo e, também, nas leis das feiras medievais européias. Esses costumes comerciais se cristalizaram de tal forma que foram acolhidos, inclusive, pelas Cortes Inglesas, através do reconhecimento da então denominada law merchant.
Para Baddack, tal reconhecimento se dava ante o interesse dos soberanos e da população em geral em ter acesso aos produtos de mercados estrangeiros. O crescimento do comércio, então, era do interesse de todos e os comerciantes “estavam livres para definir suas próprias regras e não havia leis ou regulamentos impostos pelos soberanos”.
As diferenças existentes entre os sistemas legais de cada país trouxeram a necessidade, aos comerciantes internacionais, de encontrar um conjunto de regras universal, baseado nas necessidades mercantis da época.
Tal conjunto, então, se estabeleceu a partir dos usos e costumes comerciais e era aplicado por cortes especiais, criadas para a solução de litígios havidos entre comerciantes.
As chamadas piepowder courts existiam em praticamente todos os mercados ingleses desde o século XIII . Eram compostas por árbitros que tinham domínio da prática mercantil, e julgavam com agilidade e rapidez eventuais conflitos surgidos entre comerciantes, aplicando então esse conjunto de regras nascido da prática mercantil, denominado lex mercatoria.
Outras cortes medievais aplicavam, também, a denominada lex mercatoria, como as English Staple Courts, criadas em 1354 e as alemãs Bozner Merkantilgerichtsrat, criadas em 1635. O estatuto das English Staple Courts, por exemplo, estabelecia que “todos os comerciantes, ao chegar a Staple, serão regulados pela lei mercante e não pela lei comum local, nem pelos usos e costumes das cidades, burgos ou outros locais”.
As cortes medievais eram em muito semelhantes às atuais cortes arbitrais. Eram compostas, em sua maioria, por comerciantes experientes e com amplo conhecimento da matéria que seria julgada, ao invés de juristas.
Ainda, as cortes medievais também aplicavam uma lei transnacional adequada às necessidades comerciais da época e, assim como as cortes atuais, suas decisões eram cumpridas espontaneamente pelos comerciantes, os quais temiam desrespeitar uma decisão da corte e arriscar suas reputações perante a comunidade mercante internacional, podendo até mesmo ser excluídos da participação nas feiras medievais caso tal fato ocorresse. As cortes nacionais, então, eram raramente invocadas para a execução das decisões proferidas pelas cortes medievais.
Em suma, a lex mercatoria medieval era destinada a uma classe especial de pessoas e em locais específicos, ou seja, aos comerciantes em feiras, portos e mercados. Era distinta das legislações locais (de feudos, reinos e mesmo dos sistemas eclesiásticos), sendo, portanto, transnacional. Possuía como fonte principal os usos e costumes do comércio internacional e era aplicada principalmente pelos próprios comerciantes.”[4]
Os séculos XVIII e XIX caracterizaram-se pela incorporação das práticas e usos comerciais em ordenamentos internos, dando ensejo à formação do direito comercial estatal, merecendo destaque as reformas promulgadas por Luís XIV, pela influência da política de Colbert, com a edição das “Ordennances” e posteriormente em 1807 com o Código Comercial Francês.
Nesse panorama os litígios comerciais eram tratados pelo direito estatal, deixando de lado a independência da ordem jurídica comercial, prejudicando sobremaneira a expansão do comércio internacional.
A partir da metade do século XIX é que surge uma nova perspectiva para o comércio internacional, a qual tomou corpo durante o século seguinte, fazendo com que renomados juristas reconhecessem certa autonomia às regras do comércio internacional, e sua necessidade evolutiva em descompasso com os ordenamentos estatais.
Surgiram corporações profissionais setorizadas, disseminando regras próprias em cada setor da economia, de onde se destaca a atividade da “London Corn Trade Association”que:
“(…) constituída em 1877 e reorganizada em 1886, que, no comércio de venda de cereais, procurou dar certa unidade a essas operações para possibilitar a adoção de usos baseados em princípios justos e equânimes, principalmente para os contratos, cartas partidas, conhecimentos e apólices de seguro, de modo a estabelecer a adoção de fórmulas-tipo para os contratos e diversos outros documentos utilizados na prática do comércio de cereais.”
Goldman destaca que esses contratos tipo se expandiram para diversas áreas do comércio de produtos agrícolas à bens e equipamentos, aumentando o campo de atuação das associações profissionais de modo a fomentar o comércio existente entre o leste e o oeste, e acrescenta o Prof. Irineu Strenger que:
“As atividades das associações profissionais, que existem em número bem grande, praticamente abrangendo todo comércio internacional, em função dos setores especializados, como os que foram exemplificativamente citados acima, são sempre orientadas de molde a criar facilidades e ajustamentos que permitam aos seus membros desempenho atualizado e equivalente ao quanto for necessário para o alcance dos principais objetivos comuns.
Os contratos-tipo emanados dessas entidades tornaram-se fundamental fonte do direito do comércio internacional, porquanto as cláusulas aí inseridas, mais do que permear a vontade das partes, se constituem em regras gerais com força de direito, e adotadas sem restrições e sem “eficácia receptiva”.
Acrescente-se ainda que, em seus contextos, os documentos elaborados pelas associações profissionais assimilam normas editadas por inúmeras organizações particulares, como a Câmara de Comércio Internacional e outras, incluindo-as em seu repertório técnico de modo a dar, ainda, maior extensão e abrangência às disposições que regem o setor comercial concernente. ”[5]
Igual repercussão sofreu as operações de crédito internacional, as quais se mantiveram autônomas ao direito estatal, regulando procedimentos e implantando regras típicas para a circulação do crédito internacional.
Praticamente o mercado bancário, por meio da institucionalização de seus usos e costumes é que disciplinou a forma de circulação de crédito, até que a Câmara de Comércio Internacional implantou em 1933 o RUU (“Règles et Usages Uniformes relatives aux Crédits Documentaires”), os quais foram revisados em 1951, 1974, 1983 e finalmente em 1993.
Também no transporte de mercadorias foram adotadas cláusulas tipo, emanadas pela Convention International des Marchandises (CIM), firmada em Berna em 1888, o mesmo ocorre com o transporte aéreo regulado pela Air Transport Association (IATA).
Somado às organizações profissionais, o regime arbitral vem a confirmar a independência do mercado internacional, aplicando soluções a partir da livre manifestação das partes em contratos originados dessas instituições e com base em suas regras, de forma a afastar cada vez mais o direito internacional do direito estatal.
Esse elevado número de regulamentos esparsos é que conduziram Goldman no desenvolvimento de sua teoria sobre a nova lex mercatoria, a qual teve seu nascimento declarado pelo artigo intitulado Frontières du droit et lex mercatoria: Archives de philosophie du droit, de 1964, posteriormente ratificado por outro: La lex mercatoria dans les contrats et l’arbitrage internationaux: réalités et perspectives, de 1979.
A partir de então passou a se discutir as bases formais para a constituição desse sistema intitulado nova lex mercatoria, ao qual alguns pretendem caracterizar como sistema de normas jurídicas, e outros apenas como um sistema esparso de regras setorizadas, típicas do mercado internacional.
E é essa discussão que será abordada a seguir, a partir da criação de Goldman até hoje, com a tentativa de sistematização e codificação da lex mercatoria.
3.A Nova Lex Mercatoria
As regras do comércio e do crédito no mercado internacional clamam por um ordenamento supranacional, despido das amarras estatais, e que ao mesmo tempo que seja flexível em relação à evolução das transações internacionais, fluido para permitir a assimilação de novas tecnologias e novos mercados, também dê segurança jurídica às relações mercantis internacionais.
A proliferação das organizações profissionais, com regras setorizadas, cláusulas e contratos tipo, e uma séria de outros sistemas próprios do comércio internacional deu margem ao surgimento da nova lex mercatoria, que tem seu nascimento no artigo de Goldman de 1964, “(…) baseada, além de nos usos e costumes, em contratos-padrão, preparados por entidades estrangeiras e, mas recentemente, composta de inúmeros outros elementos, inclusive Direito Internacional Público, leis uniformes e regras das organizações internacionais”[6].
O debate sobre a nova lex mercatoria, segundo Berger[7] divide-se em três correntes autônomas, sendo que as duas primeiras consideram a lex mercatoria apenas como um mero conjunto de regras e princípios heterogêneo, enquanto uma terceira a considera com um sistema jurídico independente e supranacional.
A primeira teoria conceitua a lex mercatoria como um “conjunto de princípios e regras esparsos e inconsistentes, sem a qualidade de “sistema”, servindo apenas de complemento à aplicação da lei doméstica”[8]. Já a segunda corrente entende que a lex mercatoria representa a totalidade dos usos e costumes que são refinados de acordo com as necessidade do comércio internacional, constituindo um ius commune de fato.
A terceira corrente, considera a lex mercatoria como um sistema jurídico independente e supranacional, justificado e validado por seu caráter autônomo expresso pela vontade das partes ao celebrar suas transações no mercado internacional.
Nesse sentido, ao situar a lex mercatoria em um campo supra nacional, autônomo e independente das normas estatais, os doutrinadores colocam-na em confronto com as duas primeiras teorias, que, em princípio, não compreendem a lex mercatoria como sistema de normas, deixando-a à margem da legislação estatal, que a utiliza apenas como método subsidiário na resolução de conflitos.
Percebe-se, porém, que o ordenamento jurídico estatal está visivelmente alterado, criando-se normas para atender as expectativas do mercado externo, provocando inclusive um fenômeno classificado como “descodificação” do direito estatal por Ricardo Luis Lorenzetti, em sua obra Teoria da Decisão Judicial, o qual faz a seguinte referência à influência da lex mercatoria nesse fenômeno:
“Em relação à economia global, é dito que predomina o costume comercial (lex mercatoria), e é por isso que o direito codificado permanece imutável, uma vez que já não é a lei, senão o contrato, o instrumento mediante o qual se realiza a inovação jurídica. É conhecida a influência que têm os novos tipos contratuais de raiz transnacional, com os contratos de leasing, franchising, trust ou fideicomisso, shopping center, dentre outros.
A isso deve ser agregada uma série importantíssima de normas ditadas pelo funcionamento dos organismos internacionais, que passaram a ter uma gravitação decisiva sobre os ordenamentos nacionais. Isso produz modelos de leis, como a “lei-modelo da Uncitral” em matéria de comércio eletrônico, ou as leis de proteção de investimentos.
Essa penetração nos direitos nacionais produz tanto benefícios como grandes riscos e problemas em relação à soberania nacional, assim como um direito declarativo cada vez mais distante da sua aplicação efetiva.
A lei surge da prática social nacional, senão dos costumes e da burocracia internacional, o que provoca tensões profundas no seio das sociedades. Em muitos casos cidadãos a aceitam, em outros a rechaçam claramente, e em muitos casos tem sucesso. Em definitivo, pode-se observar que a eficácia da lei depende exclusivamente do consenso social que alcance, e não da autoridade da qual emana.”[9]
Como se vê, o questionamento sobre a existência ou não da lex mercatoria já não tem muito vulto, com poucas exceções[10], discute-se sim a sua conceituação como sistema legal supranacional, ou ainda, a formação de um “conjunto sistematizado” de regras aplicáveis ao mercado internacional.
Porém, antes de adentrar a essa temática, é bom perambular pelos diversos conceitos atribuídos à lex mercatoria por vários doutrinadores, os quais são lembrados e comentados pelo Professor Irineu Strenger:
“(…) Langen: “The rules of the game of international trade”. Nessa definição, em verdade, estão subentendidas todas questões que se possam aventar no jogo do comércio internacional, que pode ser entendido, nessa expressão, como o ramo de atividade submetido a muitas injunções imprevisíveis, como na realidade ocorre.
(…) Loquin: “la lex mercatoria este un nouvel ordre juridique, qui se forme au sein d’une communauté internationale d’hommes d’affaires et de commerçants suffisamment homogène et solidaire pour susciter la création de ces normes et en assurer l’application”.
Trata-se de definição analítica, esboçada com cuidado de não excluir qualquer elemento que possa interessar à boa compreensão da lex mercatoria, e que, realmente, consegue atentar para os pontos fundamentais que bem de perto expressam a idéia do significado dessa peculiar atividade que identifica o comércio internacional.
Bermann Kauffman, na mesma linha, definem a lex mercatoria como “an international body of Law, fourded on commercial understandings anda contract pratices of an international community, composed principally of mercantile, insurance and banking enterprises of all counstries”.
Esses autores são incisivos quanto ao reconhecimento de que a lex mercatoria é um verdadeiro corpo de direito com regras fundadas na prática e no exercício contratual de uma comunidade extensa envolvendo atividades mercantis, navegação, seguro e operações bancárias, desenvolvidas por empresas de todos os países.
Trata-se de definição abrangente, que consegue atingir de modo adequado as principais diretrizes da lex mercatoria.
Godstajn define lex mercatoria como “the body of rules governing commercial relationships of a private law nature involving different counstries”.
Esse conceito traduz o modo pelo qual Goldstajn considera o problema do comércio internacional, ou seja, baseado nos princípios gerais aceitos em todo o mundo, isto é, o fato de serem os beneficiários das transações diferentes, neste ou naquele país, não é obstáculo para o desenvolvimento do comércio internacional.”[11]
O professor Strenger após enfatizar que todos os conceitos acabam por refletir um “estado de insatisfação com os sistemas nacionais”, define que a lex mercatoria “é um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio internacional, sem conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz”[12].
Já Goldman, a quem será melhor dirigido o presente estudo, define lex mercatoria como “um conjunto de princípios, instituições e regras com origem em várias fontes, que nutriu e ainda nutre as estruturas e o funcionamento legal específico da coletividade de operadores do comércio internacional”. Define assim que a lex mercatoria tem suas bases: a) nos princípios gerais do direito; b) nos provimentos contratuais, como cláusulas especiais e novos tipos convencionais; e c) nas decisões arbitrais que contribuíram para a elaboração de princípios do comércio internacional.
Já em relação à suas fontes, alguns doutrinadores as diferenciam do conteúdo da lex mercatoria, fato este sem significado relevante para Goldman[13], que entende que as únicas fontes que merecem ser suscitadas são aqueles mencionadas pelas decisões arbitrais.
Não obstante, os doutrinadores debatem acerca das fontes sendo que Baddack[14], às divide sob dois aspectos, um restrito, no qual a lex mercatoria não levaria em consideração as convenções internacionais, uma vez que a lei mercante não poderia ter nenhum contato com as leis estatais por seu caráter anacional; e outra no sentido amplo, dando menos consideração ao caráter espontâneo da lex mercatoria, que considera todas as normas aplicáveis ao comércio internacional a integram.
Sob esse diapasão, a doutrina mais aceita para definição das fontes da lex mercatoria é a do professor Ole Lando[15], que atribui sete fontes à lex mercatoria, quais sejam:
1. O Direito Internacional Público, que segundo Lando deve ser aplicado não só às disputas envolvendo os Estados, mas também às relações privadas;
2. As convenções internacionais, principalmente aquelas emanadas do Institut pour L ‘Unification Du Droit (UNIDROIT), da United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) e da United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG);
3. Os princípios gerais do direito (artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça), de onde se destaca a boa-fé, a pacta sunt servanta e a cláusula rebus sic standibus;
4. As recomendações, resoluções, pareceres e códigos de condutas emanados de organizações internacionais como a United Nations Conference on Trade ad Development (UNCTAD), a United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) e a Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD), dentre outras;
5. Os usos e costumes internacionais;
6. Os contratos-tipo desenvolvidos por organizações comerciais, exemplo:Grain an Feed Trade Association (GAFTA); Air Transport Association (IATA) e a Fédération Internationale dês Ingénieurs-Conseils (FIDIC);
7. E por fim, os laudos arbitrais, que ao aplicar os usos, costumes e os princípios ao caso concreto, por vezes “cria” o direito[16].
Enfim, o reconhecimento da lex mercatoria é indispensável para o enquadramento do comércio estatal no mercado internacional, a ponto do professor Anoldo Waldo, em seu artigo denominado “Algumas Aplicações da Lex Mercatoria aos Contratos Internacionais Realizados com Empresas Brasileiras”, afirmar o seguinte:
“A lex mercatoria é um instrumento jurídico importante para os povos que pretendem participar ativamente da evolução econômica mundial, sendo preciso conhecê-lo e acompanhar a sua evolução, não havendo razão para se ter medo do novo direito do comércio internacional, que relembra o direito pretoriano e o próprio ius gentium de uma fase da evolução do direito romano”.
Porém, resta ainda um setor a ser explorado, o fato da lex mercatoria ser compreendida como sistema legal, ou simplesmente um amontoado de regras de direito internacional sem características de sistema.
Para melhor elucidar a questão, e enfim dirimir o tema da lex mercatoria, nada melhor que analisar os estudos de Goldman sobre a lex mercatoria, seguindo pelas críticas de Antoine Kassis e Paul Lagarde.
4. A Lex Mercatoria como Sistema Jurídico Autônomo – Da Visão de Berthold Goldman às Críticas de Antoine Kassis e Paul Lagarde
Berthold Goldman, ao realizar seu estudo onde afirma a existência de uma nova lex mercatoria enfatiza que as regras aplicáveis ao comércio internacional “parecem escapar ao império de um direito estatal, em direção a um direito uniforme integrado na legislação dos Estados que a ele tenham aderido”[17].
Para fundamentar sua tese, Goldman divide as operações comércio internacional em três setores, quais sejam: a) as operações de compra e venda; b) as operações de crédito; e c) as operações de transporte.
Assim, nas operações de venda comercial internacional, Goldman afirma que vendedores e compradores procuram fugir da influência de leis estatais, que não se adéquam à esta sistemática. E para fundamentar sua dedução, lembra a London Corn Trade Association (hoje Grain an Feed Trade Association – GAFTA):
“Mas para limitar-se ao nosso tempo, nós lembraremos que a London Corn Trade Association, criada em 1877 e refundada em 1886 se propôs, entre outras, ‘provocar a introdução no comercio de cereais da uniformidade nas transações, favorecer a adoção de usos fundados sobre princípios justos e eqüitativos, e isso mais particularmente para os contratos, cartas-partes, nota de despacho de mercadorias e polícias de segurança; estabelecer, provocar, encorajar a difusão e a adoção de fórmulas-tipo para os contratos, para os outros documentos pré-citados e em geral todos aqueles dos quais fazem uso o comércio dos cereais [tradução nossa].
E continua: “Este programa foi totalmente realizado, uma vez que a London Corn Trade Association estabeleceu e colocou à disposição dos negociantes de cereais várias dezenas de contratos-tipo, cuja difusão e aplicação são consideráveis: nós os utilizamos, com efeito, em numerosíssimas vendas internacionais, independentemente de toda participação de empresas inglesas, e até mesmo de membros da Associação” [tradução nossa]. (…)
Segundo o Prof. Goldman, estes fatos comprovam, portanto, a existência “de uma rede densa e extensa de documentos, cobrindo a maioria dos países com um bom número de bens trocados no comercio internacional; e a considerar o fenômeno sem idéia pré-concebida, constatamos que os contratos aí referidos não são regidos nem pela lei de um Estado, nem por uma lei uniforme adotada por uma Convenção entre Estados, mas sim pelos próprios contratos-tipo”. Segundo ele: “É preciso ainda sublinhar que estes [contratos] não se limitam a codificar usos preexistentes: eles consagram também normas novas, diferentes daquelas dos direitos estatais tradicionais, algumas vezes inspirados, é verdade, pelo interesse dos parceiros mais poderosos, mas em outros casos também pelo interesse comum dos contratantes” [tradução nossa]. ¨[18]
Já Paul Lagarde, critica o posicionamento de Goldman quando este afirma que a lex mercatoria tem como fonte as cláusulas contratuais típicas, quando diz que “se quisermos deixar a expressão lex mercatoria com toda sua plenitude, isto é, considerando-a como uma ordem jurídica não estatal, deve-se tomar cuidado para não qualificar como seu elemento o que poderia ser ainda uma simples prática contratual internacional.”
Outro ponto atacado por Lagarde está no fato de que a lex mercatoria não é albergada pelos ordenamentos jurídicos estatais. Nesse sentido, merece destaque as seguintes conclusões:
“23. – O desenvolvimento da discussão precedente demonstrou, senão a existência, ao menos a possibilidade teórica de uma ordem jurídica constituída pela lex mercatoria. Se esta ordem existe, e nós a admitimos somente para as necessidades da discussão que segue, não extrai seu caráter jurídico do reconhecimento que a ordem jurídica estatal lhe confere, mas dela mesma. O direito é imanente à organização social. Ubi societas ibi jus. Esta ordem jurídica internacional poderá então se desenvolver por si só, à margem das ordens jurídicas estatais, ou se opondo a elas.
Podemos muito bem imaginar que esse desenvolvimento se produza independentemente de influências externas, e que as relações jurídicas nascem, se desenvolvem e desaparecem por inteiro no interior de um tal sistema, sem que qualquer ordem jurídica estatal tenha sido imposta. Este fenômeno de isolamento pode ser atribuído aos próprios Estados ou às pessoas privadas. Se tal ordem jurídica estatal considerar que as relações que se criam à sua margem não são importantes para ela, ela não fará nada para reivindicá-las. Lembrando a expressão de Santi Romano, utilizada por certos autores contemporâneos[19], o Estado pode deixar que se edifiquem ordens jurídicas “irrelevantes” para ele. Esse foi por muito tempo, ao menos em parte, o caso das relações de trabalho que, consideradas no aspecto disciplinar, eram abandonadas ao poder do chefe de empresa, às regras que ele editava e as suas próprias sanções. O desenvolvimento separado da ordem jurídica não estatal pode resultar também da atitude das partes que, mesmo nas hipótese nas quais o Estado pretende regulamentar seu comportamento, no todo ou em parte, elas se abstém voluntariamente de se colocarem sob sua proteção e se contentam com aquela que lhes é oferecida pela ordem não estatal. Assim o seria com os católicos que, por exemplo, em matéria de casamento, se contentariam em se casarem religiosamente e de não submeterem seus problemas conjugais a nenhum outro tribunal que aquele eclesiástico; ou ainda os contratantes do comércio internacional que se remeteriam exclusivamente a árbitros privados, cujas sentenças eles executariam voluntariamente. Vê-se bem que não se tratam de meras hipóteses acadêmicas.
24. – Entretanto, essa separação total das ordens jurídicas dificilmente se mantém por longo tempo quando as ordens jurídicas concorrentes regram, cada qual naquilo que lhe concerne, os mesmo comportamentos dos mesmos indivíduos que elas têm como seus sujeitos. São criadas, então, inevitavelmente, relações de exclusão, de coexistência e de subordinação entre essas ordens rivais. Tais relações são, todavia, mascaradas, visto que os sujeitos comuns a essas diversas ordens buscam com freqüência evitar a confrontação. Particularmente no domínio do comércio internacional, os operadores tentam introduzir as normas da lex mercatoria na ordem jurídica estatal utilizando-se dos procedimentos que esta última lhes coloca a disposição: o contrato e a arbitragem. É por intermédio dessas duas instituições que podem ser melhor observadas as relações entre as ordens jurídicas estatais e a lex mercatoria.”[20]
Valério de Oliveria Manzzuoli, faz menção à referência de Goldman a esse particular:
“E o Prof. BERTHOLD GOLDMAN, rebatendo a colocação daqueles que entendem que as partes, neste caso, fazem uso simplesmente da liberdade contratual que lhes reconhecem os sistemas jurídicos dos seus respectivos Estados, que poderia à primeira vista parecer correta, assim leciona:
Mas na verdade, semelhante objeção ultrapassa o domínio da descrição do fenômeno, para contestar, a não ser que ele possa ser qualificado como um conjunto de normas jurídicas “individuais”, pelo menos a especificidade dessa qualificação. Nós a encontraremos, sob este ângulo. Limitemo-nos aqui a dizer que a visão que ela exprime não presta contas do arranjo concreto do comercio internacional; é certo, com efeito, que quando eles se referem aos contratos-tipo seus “atores” decidem regular – e em todos os casos não-contenciosos , regulam efetivamente – sua conduta segundo normas outras que as leis estatais. Não é seguro, nós o veremos, que esta decisão somente possa receber eficácia da liberdade contratual sobre a qual convergem um certo número de direitos estatais; mas seria ela mesmo assim, ainda que não se pudesse, entretanto, negar que as normas concretas escolhidas no exercício dessa liberdade fossem diferentes por sua origem, e freqüentemente também por seu conteúdo, daquelas que as partes expressamente, ou melhor, tacitamente, extraíram de um direito estatal, se elas aí fossem citadas [tradução nossa].
E Goldman finaliza o seu raciocínio dizendo o seguinte: “Acrescentemos que do ponto de vista descritivo, que é por enquanto o nosso, não é mais possível considerar tais normas como ‘individuais’. Se referindo a isso, os contraentes não têm, com efeito, nem a intenção, nem o sentimento de criar vínculos jurídicos singulares, mas sim de submeter uma operação particular e concreta à regras gerais e abstratas. Isto é tanto mais verdade que para a própria interpretação dos termos empregados, os contratos- tipo em uso no Leste como no Oeste se referem freqüentemente aos Incoterms (Internacional Comercial Terms) da Câmara de Comercio Internacional [de Paris]. Este documento, que não é aliás, sobre todos os pontos, um simples ‘glossário’ fornece assim, aos quadros gerais, que já são os contratos-tipo, um quadro mais geral ainda, submetendo-os a um método uniforme de interpretação. É necessário então admitir que, na realidade, as operações do comercio internacional que se desenrolam nesses quadros, por assim dizer concêntricos, escapam largamente às leis estatais, sem prejulgar aqui o caráter jurídico ou não das normas ou dos ‘modos de conduta’ que se substituem a elas” [tradução nossa].[21]
Em continuidade à sua fundamentação, Goldman faz referência às operações internacionais de crédito, que possuem um mecanismo triangular, no qual o importador encarrega um banqueiro de pagar o preço ao exportador mediante a apresentação dos documentos de embarque da mercadoria. Tudo depende, é claro, da confirmação do crédito pelo Banqueiro, por meio de um sistema próprio do mercado financeiro internacional. ‘
Goldman assim se refere à essas regras:
“(…) uma codificação internacional das normas geralmente seguidas nessa matéria foi elaborada em 1933, ainda sob os auspícios da Câmara de Comercio Internacional [de Paris]: são as ‘Regras e Usos uniformes relativos ao crédito documentário’, refeitas em Lisboa, em 1951 e revisada em 1962. De origem puramente profissional, essas regras não são geralmente muito menos observadas pelos banqueiros, e os próprios tribunais se referem a elas, notadamente na França: elas fornecem assim, concretamente, as normas da operação de crédito, e a seu sujeito ainda podemos nos perguntar se elas não são normas jurídicas, se bem que elas não tenham tomado corpo nem nas leis internas dos Estados, nem em suas Convenções internacionais” [tradução nossa].[22]
Por fim, Goldman faz referência aos sistemas de transporte de mercadorias utilizado no mercado internacional, citando as “cartas partes” e os “conhecimentos-tipo” utilizadas pela London Corn Trade Association, e também o contratos-tipo da International Air Transport Association (IATA), adotado por quase todas as companhias aéreas.
Na segunda parte de seu estudo, ao defender que a lex mercatoria formava um sistema jurídico autônomo, Goldman recorreu à consagrada definição de Batiffol, que conceitua norma jurídica “como uma prescrição de caráter geral, formulada com suficiente precisão, para que os interessados possam conhecê-la antes de agir.”[23]
A esse respeito, destacam-se os seguintes fundamentos de Goldman:
“Admitiremos, sem dificuldade, que as cláusulas-tipo, ou os usos codificados, correspondem a esta definição, pelo menos no que concerne à generalidade, à precisão e à publicidade. A hesitação é, sem dúvida, permitida quando se trata das “regras” costumeiras do comércio internacional, como aquelas das quais nós citamos alguns exemplos; se se pode, notadamente, considerar que a sanção do abuso de direito ou a oponibilidade das cláusulas impressas têm sido realmente tiradas pelo árbitro de um fundo comum preexistente e conhecido, senão formulado com precisão, é mais difícil de admiti-lo, por exemplo, para a presunção de garantia de troca nos contratos internacionais. Mas, para dizer a verdade, a dificuldade não é especifica às normas do comércio internacional. Ela se encontra cada vez que o juiz passa insensivelmente da interpretação de uma regra preexistente – escrita ou não, mas certa e conhecida, ou pelo menos conhecível – para a elaboração de uma regra nova; em resumo, para contestar o caráter de regras às normas ou princípios extraídos pelos árbitros do comércio internacional, poder-se-ia também recusá-los pra a “presunção de responsabilidade” do guarda, da qual ninguém sustentará que ela foi extraída do Código Civil. Dir-se-á que estas normas ou princípios são menos conhecidos que as soluções constantes da jurisprudência estatal? A observação exata, mas não revela uma diferença fundamental, porque as soluções arbitrais não são realmente ignoradas no meio profissional ao qual elas dizem respeito.”
Porém, muitas críticas são dirigidas a essa afirmação e, apesar de Paul Lagarde ser o principal dos doutrinadores a contrapor essa idéia, a crítica que se mostra diametralmente oposta à definição de Goldman, é aquela de Antoine Kassis[24].
A crítica de Kassis à teoria de que a lex mercatoria é um sistema, inicia-se pelo modo com que os internacionalistas privatistas abordam os costumes. A esse respeito, veja-se os comentários de Strenger:
“O cerne de toda oposição de Kassis a esse respeito reside na descrença de que aqueles que aplicam as regras costumeiras não obrigatórias fazem renascer a consciência de seu caráter obrigatório e assim as julgam. E dá o seguinte exemplo: “certes, l’exportateur de blé qui vend en se référant a un contrat-type e et Usances de la CCI, n’not pas le sentiment de se placer dans logique entre cette affirmation de Goldman et la conclusion qu’ill une situation de droit, cela ne signifie pas, comme le croit M. Goldman, qu’il “pense” – s’il este de bonne foi – qu’il devra suivre les prescriptions de ces documents”, “qu’il sent-fût-ce confusément – la nécessité de placer contrat dans le cadre de normes générales” qui peuvent être trouvées dans le droit professional et dans les usages”. L’exportateur ou de banquier se place dans une situation de droit perce qu’il conclut un contrat et qu’un contrat este une opération juridique“.[25]
Kassis segue suas críticas contrapondo à lex mercatoria a autoridade do Estado como fonte da legislação em escala nacional como aplicável em todas as circunstâncias. Strenger, apesar de não concordar com Kassis, afirma que:
“Pretender que a lex mercatoria seja avaliada como sistema jurídico completo seria outro exagero, do mesmo modo que o contrário não implica em destruir o pedestal que a sustenta.
Já afirmamos em páginas atrás que a lex mercatoria é um processo; portanto, um movimento de contínua elaboração, cujas estruturas vêm sendo montadas em diversas fases, cada qual sempre representando avanço em relação às situações anteriores e que chegará a ser, fatalmente, um sistema jurídico completo, seja pela via de seus próprios recursos, seja pela via de lege ferenda nos sistemas nacionais – os quais se verão forçados a editar leis especiais para atender ao comércio internacional – seja pela intensificação das relações internacionais com o escopo de uniformizar o direito, seja por meio de convenções, seja por tratados.”
Porém, em defesa à Goldman, Teubner afirma que:
“(…) regras e princípios podem ser produzidos por processos políticos, legais ou mesmo sociais e, neste caso, a lex mercatoria seria produzida na “periferia” do processo legislativo ao invés do “centro” concebido pela teoria tradicionalista, através da interação de entidades que atuam no comércio internacional.
A força do contrato e a função dos tribunais arbitrais estão no centro desse “processo legislativo” e, assim, ao tornar o impossível possível o contrato consiste em uma genuína fonte do direito. A base desse sistema jurídico autônomo estaria, então, no mecanismo de controle exercido pelos tribunais arbitrais, o qual é possível através da vontade das partes em submeter litígios futuros às cortes arbitrais e nas disposições de institutos internacionais como a ICC e o UNIDROIT, concebidos por Teubner como “legisladores privados”. [26]
Já o professor Irineu Strenger, ao manifestar-se sobre esse aspecto, leciona que:
“Essa inviável contestação que fazem, contudo, os opositores da lex mercatoria, colocando-se entre os mais enfáticos Delaume, Highet, Lagarde e outros menos severos, não passa de um exercício mental partindo de premissas falsas, pois reconhecer a existência e atuação da lex mercatoria não significa propor substituição dos regimes estatais pela ordem mercantil, mas, tão somente, reconhecer estarmos em face de uma nova realidade com características particulares e que se tornou inexorável.
Daí por que é correta a afirmação de que a ordem jurídica com que se identifica a lex mercatoria é revelada na autoridade profissional, ou seja, “nas cláusulas dos contratos-tipo, nos usos codificados do comércio internacional, que não são, no seu estado atual, os frutos de elaboração espontânea, mas de edição ou constatação informadora.(…)
A explicação de Kassis de que a força coercitiva das normas da lex mercatoria só pode decorrer da intervenção pública do Estado para lograr o “exequatur” não convence, porque a sanção não é unicamente aquela que se expressa na execução forçada, mas também como conseqüência punitiva aos que não atendem aos mandamentos estabelecidos pelo comércio internacional, ou não cumprem as decisões arbitrais. Novamente aqui se nota a preocupação de identificar modelos. Ou a lex mercatoria se identifica com os sistemas estatais ou não pode ser considerada direito. Não consegui compreender essa preocupação!
Todas as técnicas do comércio internacional são particulares e devem ser analisadas em seus significados próprios, sem a preocupação milimétrica de cotejar com os padrões estatais, reconhecendo que a lex mercatoria já deixou marcas indeléveis, capazes de dar-lhe fisionomia inconfundível.”
O que se pode concluir de todas as teorias em defesa, ou contra, a formação de um sistema jurídico pela lex mercatoria, é que ela se constitui em uma tendência irreversível, aceita sobremaneira em se adotando a arbitragem para a solução de conflitos, que contempla a autonomia da vontade das partes como princípio inerente à sua constituição.
“A arbitragem parece destinada a tornar-se a jurisdição do comércio internacional, na medida em que vai se tornando a opção preferida dos comerciantes, que já sedimentaram sua confiança nessa modalidade de solução para suas controvérsias.”[27] E é nesse contexto que a lex mercatoria se insere no direito estatal, tendo, porém, a ordem pública e a soberania do estado com o limites à sua aplicação.
Como se viu, já estão ultrapassadas as teorias que negam vigência à lex mercatoria, ou ainda, não lhe reconhecem o caráter de sistema de normas, porém, vale aqui relembrar que desde a edição da obra de Goldbaum já passaram mais de quarenta anos, havendo hoje em dia uma nova perspectiva para as normas vigentes no comércio internacional.
O que se busca na atualidade é um sistema internacional integrado, livre de erros e ambiguidades, que possibilite maior segurança nas transações internacionais. Neste sentido, passa-se a analisar quais as novas tendências da lex mercatória no mercado internacional.
5. As Novas Tendências da Lex Mercatoria
O mercado internacional está em constante evolução, quer seja devido a novas tecnologias, novos produtos, adesão de mercados anteriormente fechados ao comércio internacional pelo regime político, formação de mercados comuns, criação de novos ambientes de negócios (negócios virtuais), etc.
Essa dinâmica não pode ser ignorada pelo ordenamento jurídico, que tem de se adaptar, evoluir e amparar todas essas novas características do comércio internacional. Porém, a grande temática que se aborda nessas questões é a eventual solução de litígios, com a garantia de procedimentos céleres e amparados em um ordenamento seguro e eficaz.
A busca pela segurança jurídica é, antes de mais nada, o principal objetivo dos membros do comércio internacional, e foi em busca disso que setores da economia do mercado internacional têm criado regras próprias, que por sua atualidade e fluidez vão se estendendo à outras operações e que, agregadas aos costumes, às normas de direito público internacional e às decisões arbitrais, formam a chamada lex mercatoria.
Porém, as regras de direito internacional vêm tentando se adaptar à lex mercatoria e, por vezes, corporificá-la, sistematizá-la, criando uma espécie de código para regular as transações do mercado internacional.
As tentativas de codificação das regras se Direito Internacional privado são assim resumidas por Douglas Alexander Cordeiro:
“Os esforços para a unificação do Direito Internacional Privado são há muito conhecidos. Ao longo do século XX, cientistas e entidades privadas realizaram e ainda realizam estudos com o objetivo de promover a unificação da legislação relativa aos contratos internacionais.
As discussões teóricas até então havidas em torno do conceito, fontes e conteúdo da lex mercatoria em muito influenciaram a criação desses projetos, cujo principal objetivo era conceber uma legislação uniforme ou ao menos harmônica para as relações comerciais internacionais.
Tais projetos, para Symeonides, consistiam em normas informais possuidoras de certas características de Lei, as quais não são novas ou sequer um fenômeno incomum:
O que é novo é o surgimento de uma nova espécie de norma informal ou não-estatal que não possuem os atributos necessários das normas em geral, i.e., uma prática espontânea comum que se repete por certo tempo (longa consuetudo) e geralmente aceita como possuidora de força tácita e consenso comum (opinio juris).
Por “nova espécie” entendem-se as publicações realizadas por organismos privados, em geral sem veículo com o governo de quaisquer países e sem interesses econômicos e que se apresentaram, ao longo da história, basicamente de três maneiras distintas: (i) negociações bilaterais, como o Projeto de Código das Obrigações e dos Contratos Franco-Alemão (projet de code des obligations et des contrats), de 1917, (ii) regionais, como o American Restatement of the Law of Contracts, de 1932 e o Projeto de Código Civil Europeu, iniciado em 1990 ou (iii) mundiais, como o Núcleo Comum dos Sistemas Jurídicos, de 1968 e o Projeto UNIDROIT de codificação progressiva, iniciado em 1971.
Tais projetos, em suma, propõem a consolidação através da (i) harmonização das leis, (ii) da uniformização destas ou, ainda, da (iii) codificação de preceitos comuns aos países envolvidos.
A harmonização, em regra, consiste na aproximação da legislação de diversos países de forma flexível, dentro dos limites necessários para atingir um objetivo comum. É o procedimento que possibilita a redução gradativa existente entre as diferenças havidas, da forma mais branda possível, através de modelos legislativos em geral não vinculativos. Cada Estado adotará os dispositivos constantes do modelo padrão de acordo com seus próprios critérios de oportunidade e de conveniência.”
Porém, a tentativa de se estabelecer um código reunindo todas as regras de direito internacional esbarra primeiramente no fato de que nem todos os países componentes do mercado internacional aceita a imposição desse sistema, enraizado na idéia da civil law.
Como exemplo, pode ser citado a tentativa de criação de um Código Civil Comum na União Européia, que esbarra na oposição de países como a Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Irlanda e Grá-Bretanha que não possuem um Código Civil, eis que baseadas a séculos no sistema da commom law. Mesmo países que possuem um código civil próprio preferem a diversidade até então predominante, à filiarem-se a um código civil único.
Porém, a comunidade mercante internacional anseia por essa regra, eis que não existe até então uma autoridade única, capaz de regular todas as tratativas de mercado internacional, o que pode acarretar danos ao sistema mercante, por falta de legitimidade às normas da lex mercatoria.
As tentativas de se criar uma “Agência Reguladora do Comércio Internacional”, de onde emanem as regras aplicáveis ao setor não têm tido êxito, porém, vários tratados internacionais têm tentado obter essa regulação, conforme pode se extrair dos estudos elaborados por José Luis Siqueiros, em seu artigo intitulado “Ley Aplicable en Matéria de Contratación Internacional”:
“Situados en este contexto el derecho internacional privado debe correlacionarse con el comercial internacional, ya que ambos tienen una temática afín y pueden llegar a soluciones coincidentes en la materia contractual. El derecho mercantil contemporáneo está fuertemente influído por la Convención suscrita en Viena en 1980 bajo los auspicios de la UNCITRAL, relativa a los contratos de compra venta internacional de mercaderías. Este instrumento, que a la fecha cuenta con más de veinte ratificaciones de Estados Contratantes, constituye a su vez el centro de una “galaxia” de convenios internacionales que giran en su torno y entre los cuales desta con una mayor importancia para los iusprivatistas, la Convención sobre Ley Aplicable a los Contratos de Compraventa Internacional de Mercaderías, hecha en la Haya en 1986.
En este mismo nucleo familiar se encuentran la Convención sobre la Prescripción en Materia Compraventa Internacional de Mercaderias y el Protocolo que la modfica, adoptados el 14 de junio de 1974 y el 11 de abril de 1980 en las ciudades de Nueva York y Viena, respectivamente, así como la Convención sobre Representación en la Compraventa Internacional de Mercaderías, adoptada en la ciudad de Gionebra el 17 de febrero de 1983.
En el ámbito de la Comunidad Económica Europea y situados en el campo conflictual tenemos un instrumento que será básico en esta investigación, el Convenio sobre la Ley Aplicable a las Obligaciones Contratuales suscrito en Roma en junio de 1980, mismo que conforme vaya siendo aceptado por los Estados miembros que a su vez lo sean del Convenio sobre la Ley Aplicable a las Ventas de Caráter Internacional sobre Bienes Corporales, hecho también en la Haya en 1955, reemplanzará al citado en segundo lugar.
Por lo que se refiere al derecho uniforme no puede soslayar-se la importancia de los trabajos que desde hace muchos años realiza el Intituto Intrernational para la Unificación del Derecho Privado (UNIDROIT) en esta materia.
Los resultados de dicha labor se plasman en el último proyeto sobre los principios de los contratos mercantiles internacionales de cuyo rico contenido sólo las disposiciones generales que marcan la pauta para uniformar las reglas atinentes en esta materia.”
O autor faz essa digressão para informar mais adiante a tendência também unificadora emanada da CIDIP V – (Convenção Interamericana sobre Direito Internacional Privado), de onde surgiu a Convenção do México em 1994, que é a versão Americana da Convenção de Roma, acerca das regras aplicáveis em matéria de contratação internacional.
Porém, a tentativa mais acentuada de uniformizar as regras de direito internacional aplicáveis aos contratos é aquela do Instituto para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), que ambiciona promover a progressiva codificação sobre comércio internacional, e cujo plano foi apresentado às demais instituições com objetivo semelhante (UNCITRAL, UNCTAD e Comitê Europeu de Cooperação Legal).
O UNIDROIT é uma organização não governamental independente, fundada em 1926 como auxiliar da Liga das Nações, e depois restabelecido em 1940, com base no UNDROIT Statute, que tem por objetivo principal o estudo das necessidades e métodos para modernizar e harmonizar legislações comerciais entre Estados e grupos de Estados.
Com esse objetivo, e principal publicação desse Instituto, foram editados os “Princípios UNIDROIT”, que consistem em 185 artigos dirigidos, distribuídos em capítulos que versam sobre a formação, validade, interpretação, conteúdo, adimplemento, compensação, cessão de créditos, transferência de obrigações, e prescrição.
Esses princípios estão na segunda edição, a primeira edição de 1994 possuía 120 artigos, os quais sofreram o acréscimos de mais 65 artigos, e a revisão dos demais, a partir da comissão criada em 1997, com membros da Comissão das Nações Unidas, UNCITRAL (International Trade Law), ICC – International Court of Arbitration, Academia de Milão de Arbirtragem Internacional e Associação Suíça de Arbitraem.
O princípios, aprovados em 2004 pelo conselho governamental do UNIDROIT, tem por objetivo colocar nos círculos acadêmicos a discussão sobre a unificação das regras em direito contratual internacional, servir como modelo para legislações estatais, ser um guia para negociações contratuais, ou ainda, representar uma norma de regência de contrato por escolha das partes, e, por fim, servir como fonte de orientação para solução de procedimentos judiciais.
Porém, o grande objetivo dos princípios UNIDROIT é se constituir em um Código Internacional aplicável aos contratos, porém, essa ambição não deixa de sofrer críticas, conforme pontua Berger[28]:
“Ao consolidar princípios e regras gerais do Direito Internacional dos Contratos, o UNIDROIT parou no meio do caminho entre a criação de regras diretamente aplicáveis ao Direito do Comércio Internacional e a criação de decisões harmônicas através da unificacao das regras do Direito Internacional Privado. (…)
os princípios [UNIDROIT] indicam a existência de um sistema jurídico transnacional, e são então uma das possíveis fontes da lex mercatoria, mas não devem com ela ser confundidos. É verdade que os princípios não foram adotados pelo Conselho do UNIDROIT com a intenção de ter sua publicação aplicada como a codificação a lex mercatoria pelos árbitros e, assim, consta em seu preâmbulo a palavra“podem” ao invés de “devem” ser aplicadas. A menção das partes a lex mercatoria se refere a um sistema jurídico transnacional que pode ou não estar refletido nos princípios” [do UNIDROIT]
Portanto, mesmo plasmado em uma busca incessante por conter tudo que se discute em matéria de contratos internacionais, os “Princípios UNIDROIT”, não pretendem imbuir-se do título de codificação da lex mercatoria.
Isso leva a crer que a codificação da lex mercatoria está longe de ser realizada, mesmo porque, além da influência do sistema da common law nas opiniões de codificação, até mesmo o mercado internacional não pode renunciar à atualidade e fluidez típica do atual sistema formado pela lex mercatoria.
O professor Irineu Strenger assim se pronuncia acerca do que pode se esperar da lex mercatoria na atualidade [29]:
“É incontestável a vitalidade da lex mercatoria, e sua extensão parece atingir cada vez mais penetrantemente os sistemas nacionais, que vão progressivamente se enfraquecendo como repositórios capazes de tutelar os acontecimentos que envolvem o comércio internacional.
Inegavelmente, a lex mercatoria é hoje extenso conjunto de regras emanado de entidades particulares, organismos internacionais, ou de origem convencional de natreza “quase-legal”, que atua desvinculada das jurisdições específicas ou de sistemas legais de qualquer país.
A lex mercatoria pode ser considerada uma aglomeração coerente de normas, tomadas estas no sentido mais amplo do termo, com força jurídica para resolver as relações de comércio internacional, investindoas de eficácia e coercitividade, destinando-se inclusive a solucionar questões entre particulares e Estados no que concerne aos “mixed State-contracts”.
Todo esse desenvolvimento da lex mercatoria é a confirmação de que futuro não muito longínquo estará apto a proporcionar para o comércio internacional condições aparelhadas de um sistema normativo capaz de atender, até mesmo com jurisdição própria, a todas as injunções que devam ou possam enfrentar os comerciantes, incluindo os mecanismos materiais e formais.”
Conclui-se, portanto, que ao se analisar a lex mercatoria como um sistema de normas de direito internacional, é possível visualizar a tendência unificadora, porém, não se sabe ao certo para onde irá enveredar esse ordenamento.
Pode ser que ao invés de atender ao chamado da codificação, a lex mercatoria acabe por polarizar ainda mais sua regulamentação em direção aos diversos setores do mercado internacional, formando blocos individualizados de regras, mais aperfeiçoados que os hoje existentes, de modo a dar maior respaldo quando se defrontarem com ordenamentos estatais.
Porém, há que se observar a evolução dos procedimentos internacionais, principalmente aqueles derivados da arbitragem, que é a principal fonte de reconhecimento e propagação da lex mercatoria, para depois constatar qual é a melhor maneira de garantir a segurança jurídica almejada pela societas mercatorum.
Só depois de plasmado um conceito coerente e amplamente aceito sobre esse sistema, poderá novamente entrar em voga a codificação da lex mercatoria, ou ainda, a sua adoção por e regulação por uma entidade que regule e de onde emane normas par ao comércio internacional.
6.Conclusão
A visão de Berthold Goldman sobre a lex mercatoria inaugurou uma nova era para o direito internacional privado, trazendo ao comércio internacional a possibilidade de ser regulado por um conjunto de normas próprio, desvinculado das normas estatais, e suficientemente moderno para atender as evolução constante desse setor.
Apesar de ainda indefinida, a discussão acerca da existência um não de um sistema jurídico de direito internacional privado constituído pela lex mercatoria parece dominar a doutrina internacional privada, havendo raras, porém construtivas dissidências, que cobram uma maior legitimidade da lex mercatoria.
Essa legitimidade tem sido buscada por meio das tentativas de codificação, ou ainda, pela criação de um órgão supranacional, amplamente reconhecido e respeitado de onde emane em conjunto as normas do mercado internacional.
Contudo, não há como negar que a lex mercatoria é vigente e por vezes até predomina sobre a legislação estatal, tendo na arbitragem o principal modo de atingir essa penetração.
Também deve se admitir que a lex mercatoria se constitui hoje na melhor forma de regular o comércio internacional, pois possui a atualidade e fluidez necessária para tanto, características ainda sem ressonância nos ordenamentos estatais.
Portanto, o melhor e adaptar sua aplicabilidade, modulando seus efeitos quando exacerbados, ou ainda, coibindo sua aplicação quando em risco a ordem pública ou a soberania de um país.
Em se tratando a lex mercatoria de uma tendência inarredável, cabe aos estados adaptarem-se, e enfrentar sua aplicação da melhor forma, se possível com a edição de leis mais flexíveis, principalmente que contemplem a autonomia das partes em matéria contratos, fato este ainda não admitido no Brasil.
Aliás, em termos de legislação aplicável ao comércio internacional, o Brasil é quem está na idade da pedra, pois a cada legislação que edita, ao invés de avançar, retrocede nesta matéria.
A lex mercatoria, afinal, não é um mal a ser combatido, mas sim um regramento eficaz e coerente que merece reconhecimento, dada a sua larga utilização e ampla aceitação no mercado internacional, merecendo ser recepcionda pela ordenamento estatal.
Advogado, Pós Graduado em Direito Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.
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