Liberdade religiosa como direito fundamental legítimo à recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida

Resumo: O objeto do presente artigo consiste no exame da liberdade de religião como fundamento legítimo para a recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida. O problema central deste estudo, portanto, é o seguinte: há legitimidade na recusa de tratamento de saúde necessário à preservação da vida com apoio exclusivamente em fundamento religioso? De modo a responder a referida problemática e, consequentemente, nortear o desenvolvimento do artigo vertente, foram delimitados os seguintes objetivos: inicialmente, analisar no cenário constitucional contemporâneo pátrio os contornos da aplicabilidade dos direitos fundamentais no plano horizontal; e, em seguida, examinar a legitimidade da recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida, com base exclusivamente em fundamento religioso – tendo em conta os principais aspectos legais e éticos envolvidos. Logo, a metodologia manejada é de natureza exploratória, a fim de instrumentalizar uma reflexão teórica da bibliografia relacionada com o tema proposto. Em função das conclusões extraídas, demonstrou-se a necessidade da aplicação imediata dos direitos fundamentais no plano horizontal, desde que respeitada a autonomia da vontade do indivíduo como fruto da dignidade da pessoa humana, de maneira especial, nas hipóteses em que mais próxima a ação jurídica estiver da esfera privada. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser diretamente resguardado, no presente caso, por meio da escolha existencial da recusa de tratamento de saúde com fundamentação na liberdade religiosa. Por fim, o paciente voluntariamente poderá manifestar, de forma legítima, a recusa ao tratamento de saúde com fundamento religioso após os devidos esclarecimentos, além da prestação das informações relacionadas com os procedimentos diagnósticos.


Palavras-chave: direitos fundamentais; relações privadas; liberdade religiosa.


Abstract: The purpose of this Paper consists in exams freedom of belief religion as a legal basis for refusing to be subject to health treatment essential for life preservation. Major issue of this study, therefore, it is the follows one: Is there a legitimate behavior for refusing health treatment essential to conserve life based solely on religion beliefs? In an effort into answering referred problematic and, consequently, to guide the development of this Paper, the following objectives were defined: In the first place, analyzes in Brazilian contemporaneous constitutional context applicability shapes of fundamental rights in horizontal plan; and, then, exams the legitimation of refusal health treatment needed to preserve life, based exclusively in religion belief – taking as an effort major ethics and legal aspects involved. Soon, used methodology is from an explorative nature, in order to instrumentalist theoretical thought of literature related to suggested subject-matter. Due to extracted conclusions, it seems to be evident that it is necessary to immediately apply fundamental rights in horizontal plan, since individual freedom of choice is being respect as a result of human being dignity right, in a special view, in hypotheses, in which legal actions are closer of personal private sphere. Thus, dignity human being principle must to be directly kept , in this case, through existential choice of to refuse health treatment based on religion belief. Ultimately, patient can willing shows, in a legal way, to refuse himself of being submitted to a health treatment based on his religion beliefs, as long as He have previously been properly informed, besides had received all information related to the diagnostic procedures.


Keywords: fundamental rights; private relations; freedom of religion belief.


Sumário: Nota introdutória. 1. Panorama da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. 2. Liberdade religiosa como fundamento legítimo para a recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida. 2.1 Aspectos Legais; 2.2 Aspectos Éticos. 3. Nota conclusiva.


Nota introdutória


As revoluções liberais ocorridas a partir dos séculos XVIII e XIX, especialmente as Norte-Americana (1776) e Francesa (1789), representaram movimentos de reação e limitação do amplo poder envergado pelo absolutismo monárquico que, à época, controlava com “mãos de ferro” as atividades sociais e econômicas. Tais revoluções encampadas, sobretudo pela classe burguesa, tiveram como norte tanto políticas de natureza libertárias quanto ideais de esclarecimento e racionalidade com ênfase no progresso e na perfectibilidade humana traçada pelos filósofos Iluministas.


No referido período, aliás, foram erigidos os direitos fundamentais[1] de primeira geração (negativos ou de defesa)[2], tendo em conta que a ideologia no período liberal consistia, em especial, na liberdade da sociedade conduzir as suas atividades em função da amplitude do direito de propriedade e de contratar, bem como da possibilidade dos agentes de mercado traçarem as regras no campo da economia, sendo resguardado ao Estado, portanto, bases mínimas de atuação.


Contudo, a partir do século XIX os ideais libertários pregados em contrariedade ao absolutismo monárquico começaram a entrar em declínio, na medida em que a burguesia passou a exercer um verdadeiro monopólio das atividades sociais e econômicas, o que, consequentemente, resultou em um franco sistema de dominação.


Nesse contexto, o discurso revolucionário burguês assim que posto em prática, revelou-se dissociado da libertação social inicialmente cobiçada, isto é, da busca pela limitação das amarras impostas pelo Estado monarca absolutista. Ao contrário da expectativa de libertação, o que ocorreu, de fato, foi a consolidação de um sistema de exploração mais contumaz da classe econômica menos desfavorecida pelos agentes com maior poderio econômico – a classe burguesa[3].


Daí porque e, não à toa, tendo em conta o naufrágio da política do Estado mínimo, notadamente com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 e o trauma gerado, posteriormente, com a ocorrência das duas grandes guerras mundiais, foi desconstituída a visão de que tanto a sociedade quanto os mercados tinham plena capacidade de exercer, sem mazelas, a vertente da autorregulação[4].


Ante a retomada do constitucionalismo no âmbito do Estado Social (Welfare State), a cultura dos direitos fundamentais entre os particulares começou a ser realmente difundida, uma vez que, segundo apontado por Jane Reis Gonçalves Pereira, diversos postulados representaram um rompimento de obstáculos à materialização dos direitos fundamentais na senda privada, com destaque para três: “i) a estanque separação entre Estado e sociedade civil; ii) a noção de igualdade formal; iii) a neutralidade do Estado em face da dinâmica social”[5].


No cenário estatal contemporâneo, por sua vez, não mais se debate a aplicação direta dos direitos fundamentais[6] perante o Estado[7] (plano vertical), mas sim os limites que devem ser observados na aplicação das normas de direito fundamental nas relações entre privados (plano horizontal).


Assentadas tais premissas e, considerando as concepções envolvidas na aplicabilidade dos direitos fundamentais no plano horizontal, o objeto deste estudo consiste especificamente na análise da liberdade de religião como fundamento legítimo para a recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida.


Nesse passo, o problema que se apresenta, portanto, é o seguinte: é legítima a recusa de tratamento necessário à preservação da vida com base exclusivamente em fundamento religioso?


O presente estudo tem como objetivos: primeiro, analisar no cenário constitucional contemporâneo pátrio os contornos da aplicabilidade dos direitos fundamentais no plano horizontal; e, ato contínuo, examinar a legitimidade da recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida, com base exclusivamente em fundamento religioso.


Para tanto, a metodologia utilizada no vertente trabalho é de natureza exploratória[8], de modo a instrumentalizar uma reflexão teórica da bibliografia relacionada com o tema proposto.


1. Panorama da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares


Os direitos fundamentais, como mencionado, surgiram por meio do ideal presente na tradição clássica liberal, tendo como único destinatário o Estado. Mas a complexidade da sociedade moderna também originou frequentes debates em torno da aplicação dos direitos fundamentais nas relações mantidas apenas entre atores privados.


Por tal razão o debate em torno da aplicabilidade horizontal dos direitos fundamentais na seara privada, notadamente no panorama estatal contemporâneo, começou a ganhar força. Isso porque, pelo menos em tese, há uma relação entre iguais e, na mesma proporção, titulares dos direitos fundamentais.


Seria um contrassenso, pelo menos numa análise objetiva, permitir sem qualquer embargo ou baliza a aplicação dos direitos fundamentais entre atores privados, já que, do contrário, estar-se-ia legitimando uma substituição irrestrita por parte dos particulares de uma posição originalmente destinada ao Estado.


É digno de nota que o debate em torno da aplicabilidade horizontal dos direitos fundamentais perpassa, especialmente, pelas teorias da eficácia mediata ou imediata. A primeira tem como escopo a necessidade de o Estado[9] atuar na função de efetivar os direitos fundamentais nas relações privadas, por intermédio do manejo das cláusulas “abertas” ou “gerais”, tais como: boa-fé, função social, moral, bons costumes, dentre outras.


De outro lado, a teoria da eficácia imediata estabelece que a efetivação dos direitos fundamentais não depende de uma técnica específica tampouco da interpretação de cláusulas gerais. Isto, pelo fato de que no âmbito privado os referidos direitos decorrem do exercício de um direito subjetivo erga omnes e, dessa forma, destaca-se a autonomia da vontade e a liberdade dos particulares.


No ordenamento jurídico estadunidense esta discussão teve azo, sobretudo, com a teoria da “State Action Doutrine”[10], de modo que, os direitos fundamentais só seriam aplicáveis quando houvesse a identificação de uma ação estatal.


A teoria do “State Action Doutrine”, porém, teve um efeito pendular, na medida em que o primeiro ciclo de decisões da Suprema Corte Americana na década de 40 – do século XX – reforçou o seu uso. Já o segundo ciclo de decisões relativizou o uso desta teoria, mormente por meio do clássico exemplo da declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte Americana de uma lei do Texas que vedava a participação de negros nas eleições primárias do partido democrata. Por fim, na década de 70, o terceiro ciclo de decisões voltou a adotar um conceito mais restritivo da aludida teoria.


A fim de ilustrar este efeito pendular, Jane Reis Gonçalves Pereira menciona que:


“A evolução da jurisprudência sobre a incidência dos direitos civis na esfera privada reflete, de forma bastante nítida, as diversas etapas da interpretação constitucional norte-americana em matéria de liberdades, que se iniciou com feição conservadora, assumiu um caráter marcadamente ativista em meados do século XX, e sofreu um novo influxo conservador nas últimas décadas”.


A aplicabilidade mediata ou imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas teve origem no constitucionalismo alemão, em especial, através do caso “Lüth”[11]. A Corte Constitucional Alemã na análise deste caso entendeu pela aplicabilidade mediata dos direitos fundamentais na relação entre os privados[12], pois, segundo Jane Reis Gonçalves Pereira:


“A Corte Constitucional entendeu que os tribunais civis, ao examinar litígios de natureza privada, devem levar em consideração os direitos fundamentais, interpretando os direitos civis de forma a harmonizá-los com os valores que emanam da constituição. A jurisdição constitucional alemã orientou-se, assim, no sentido da eficácia mediata dos direitos fundamentais”[13].


A orientação alemã pode ser justificada, em linhas gerais, primeiro por um apego extremado aos ideais libertários empregados nas revoluções contra os Estados absolutos que, à época, eram os grandes responsáveis pela opressão dos indivíduos. Logo, não haveria justificativa, sob esta perspectiva, que os direitos fundamentais tivessem aplicação direta na relação mantida entre os agentes privados.


Além do mais, outra razão pode ser no tocante à natureza do controle de constitucionalidade e a existência de recurso constitucional, pois, caso fosse admitida a tese da aplicação imediata dos direitos fundamentais entre particulares, o tribunal alemão teria que passar a julgar um número sem fim de ações, o que, por óbvio, desvirtuaria a sua natureza.


Dessa forma, Claus-Wilhelm Canaris menciona, à luz dos direitos fundamentais, na Alemanha quem são os destinatários, o objeto de análise e quais as funções dos direitos fundamentais, conforme se segue:


somente o Estado é destinatário dos direitos fundamentais, de acordo com a opinião prevalente na Alemanha. Não obstante elas também produzem efeitos sobre as relações entre sujeitos jusprivatistas, embora apenas “mediatamente”.


verifica-se que contratos, negócios jurídicos e outros atos de sujeitos jusprivatistas não constituem objeto de um exame direto com base nos direitos fundamentais, pois as pessoas que executam esses atos não são, como já foi exposto, destinatários dos direitos fundamentais.


encontramos uma boa explicação teórica para a assim chamada “eficácia externa mediata”, pois não abandonamos a constatação de que o destinatário dos direitos fundamentais é apenas o Estado (já que a este incumbe um dever de proteção nesta seara). Por outro lado, fica simultaneamente claro por que isso afeta outros cidadãos e por que os direitos fundamentais produzem efeitos também nas relações interprivadas, e isto, de certo modo, por via oblíqua: precisamente porque o Estado ou o ordenamento jurídico estão, em princípio, obrigados a proteger um cidadão contra o outro também nas relações entre si”[14].


No Brasil, por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal historicamente tem firmado a sua orientação no sentido de admitir a eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre privados, como será demonstrado, adiante, em três casos paradigmáticos.


O primeiro caso[15] trata da exclusão de associado à determinada cooperativa por deliberação de assembleia geral, sem a adoção das regras estatutárias alusivas à defesa. Os ministros da Segunda Turma do STF, por unanimidade, muito embora não tenham entrado no mérito da aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações travadas entre particulares, decidiram que deveria se aplicar na relação estabelecida entre privados a garantia do devido processo legal.


O segundo caso[16] se relaciona com reclamação trabalhista movida por empregado brasileiro de companhia aérea francesa, objetivando, dentre outras coisas, fruir de prerrogativas do estatuto pessoal da empresa, o qual era aplicado apenas aos empregados franceses, diga-se de passagem, porquanto realizassem atividades idênticas aos brasileiros. Dessa forma, o acórdão recorrido não acolheu a pretensão do reclamante – empregado brasileiro –, sob o fundamento de que a sua nacionalidade não era francesa e, por tal razão, não lhe assistia direito à aplicação das disposições delineadas no estatuto pessoal da empresa.


No entanto, os ministros da Segunda Turma do STF entenderam que houve, na hipótese, violação do preceito isonômico e, dessa forma, esclareceram que discriminar empregados em virtude do atributo da nacionalidade é inconstitucional. Até porque, os funcionários franceses não exerciam tarefas típicas em relação aos brasileiros que, por si só, justificasse a quebra de isonomia no tratamento dispensado aos trabalhadores das citadas nacionalidades.


Já o terceiro caso[17] diz respeito à legitimidade da exclusão de associado da União Brasileira de Compositores (UBC), sob o fundamento de que teria que ser observado o princípio constitucional da ampla defesa no ato da sua exclusão. E, em que pese a divergência dos ministros da segunda turma do STF, o fato é que, nesta oportunidade adentraram no mérito da aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, os quais concluíram pela eficácia imediata.


Apesar de a jurisprudência do STF considerar que os direitos fundamentais têm eficácia imediata nas relações entre particulares, segundo Jane Reis Gonçalves Pereira, para tanto, as pautas argumentativas assinaladas adiante devem ser observadas:


1) Se a ação violadora do direito puder ser indiretamente imputada ao Estado, os direitos fundamentais, em tese, devem ser aplicados. Assim, as ações de concessionárias de serviços públicos bem como as dos atores privados que ajam com suporte estatal devem observar os direitos fundamentais. Esse ponto não costuma suscitar maiores debates e é razoavelmente aceito em doutrina.


2) As pessoas privadas que se encontram em posição de supremacia devem ter suas ações limitadas pelos direitos fundamentais. Quanto mais intenso o poder da organização privada maior peso terá o direito fundamental que porventura venha a ser violado por suas ações.


3-) (…) Quanto mais próxima à esfera privada revelar-se uma ação jurídica, menor a possibilidade de um direito fundamental vir a prevalecer sobre a autonomia privada.


4-) (…) A incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares não pode conduzir a uma homogeneização da comunidade, ou seja, é preciso preservar a identidade e as peculiaridades dos diversos agentes sociais.”


Como se vê, portanto, não mais se concebe pertinente no cenário constitucional pátrio a visão clássica presente nas revoluções liberais, isto é, de que a aplicação dos direitos fundamentais consiste apenas no plano vertical, tampouco no plano horizontal a aplicação deve se limitar somente quando estiver presente uma atuação estatal (eficácia mediata).


Infere-se, em contrapartida, a possibilidade da aplicação dos direitos fundamentais no plano horizontal desde que respeitada, acima de tudo, a autonomia da vontade do indivíduo como fruto da dignidade da pessoa humana[18]. Isto, principalmente nas hipóteses em que mais próxima a ação jurídica estiver da esfera privada.


2. Liberdade religiosa[19] como fundamento legítimo para a recusa de tratamento de saúde essencial à preservação da vida


A legitimidade da recusa de tratamento necessário à preservação da vida (direito à vida[20]) com apoio em fundamento religioso (liberdade religiosa[21]), ainda é um tema recorrente e que suscita muito debate no campo jurídico, na medida em que traz à tona conflito entre direitos fundamentais. Em que pese existente acalorado debate em torno da prevalência dos direitos fundamentais à vida e à liberdade religiosa, frise-se, oportunamente, que a nosso ver não passa de aparente.


O Boletim Infomativo da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) nº 200, de maio de 2010, evidencia a contenda acera do conflito entre os direitos fundamentais do direito à liberdade religiosa e à vida, tendo em conta a recusa das testemunhas de Jeová realizarem transfusão de sangue humano.


Embora não seja um tema pacífico, o posicionamento conclusivo da PGE-RJ foi esboçado no Parecer nº 01, LRB, de 06.04.2010, da lavra do Procurador do Estado Luis Roberto Barroso – aprovado através do Visto PG (LLGT), de 26.04.10 –, o qual considerou legítima a recusa de transfusão de sangue por parte das testemunhas de Jeová, desde que genuíno. Em outras palavras, válido, inequívoco e produto de uma escolha livre e informada.


Tal linha de raciocínio é vislumbrada no trecho transcrito, abaixo, do citado Boletim:


LIBERDADE RELIGIOSA


1. A liberdade de religião é uma das liberdades básicas do indivíduo, constituindo uma escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade. 2. A recusa em se submeter a procedimento médico, por motivo de crença religiosa, configura manifestação da autonomia do paciente, derivada da dignidade da pessoa humana. 3. A gravidade da recusa de tratamento, sobretudo quando presente o risco de morte ou de grave lesão, exige que o consentimento seja genuíno, o que significa dizer válido, inequívoco, livre e informado[22].”


Percebe-se, por tais razões, que a legitimidade da aplicação dos direitos fundamentais no plano horizontal deve estar condicionada à autonomia da vontade do indivíduo como fruto da dignidade da pessoa humana, tal como demonstrado no ponto anterior.


Assim, pelo menos em tese e, sem uma análise mais profunda a respeito do assunto, é cabível deduzir que, eventualmente, um médico ou enfermeiro, por exemplo, estariam impossibilitados de realizar qualquer tratamento de saúde em determinado paciente que fundamente a sua recusa sob um argumento de natureza religiosa.


Não custa frisar, também, que os direitos fundamentais quando em posição de conflito, devem ser ponderados, de tal forma que a dignidade da pessoa humana deve ser diretamente resguardada, como assevera Ana Paula de Barcellos: “Assim, em suma, verificando-se um conflito que exija ponderação, terão preferência as normas que atribuam direitos fundamentais ou diretamente resguardem a dignidade humana”[23].


De acordo com Cláudio da Silva Leiria ao citar Ana Carolina Dode Lopez:


Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados, desprezados. A pergunta que se faz é a seguinte: adianta viver sem dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria pessoa prefere a morte é porque o desrespeito às suas convicções espirituais configura uma morte pior: a morte de seu espírito, de sua moral.


O Direito quer proteger a vida humana à custa da dignidade da pessoa? Quer proteger a vida de um indivíduo mesmo que isto represente ferir profundamente a sua dignidade? A resposta certamente é negativa para o Direito Brasileiro, do que se infere do art. 1º, III, da CF, caso contrário este artigo teria proclamado como fundamento do Estado Democrático de Direito a vida humana, e não a dignidade da pessoa humana, como fez.[24]


Logo, o assunto analisado neste ponto também merece ser enfatizado sob a ótica dos estatutos internacionais e, sobretudo, contemplado e aprofundado em vista dos aspectos legais pátrios e de questões relacionadas com a ética profissional.


2.1. Aspectos Legais


No plano internacional a liberdade de religião foi sobremaneira enfatizada, tendo em vista a diversidade de diplomas que consagram a vedação de medidas que tenham por finalidade limitar os indivíduos de conservarem suas religiões ou crenças. Merecem destaque, nesse sentido: a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948[25], o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966[26], a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969[27], a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação Baseadas em Religião ou Crença de 1981[28].


Já na ordem jurídica pátria, ressalta-se que, conquanto o Brasil não tenha adotado uma religião oficial, a Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, ante a promulgação da Carta Constitucional invocou a proteção de Deus, conforme se verifica através de mera interpretação literal do preâmbulo[29]. Isto, ainda que superficialmente, faz crer a importância da religiosidade e da espiritualidade.


Aliás, a questão ainda pode ser enfrentada à luz do que dispõe a Constituição Federal de 1988 em consonância com os diplomas infraconstitucionais. O princípio constitucional da legalidade que disciplina à conduta dos particulares, estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, salvo em virtude de lei[30].


Ou seja, de modo geral não há no campo jurídico pátrio legislação que imponha ao paciente a obrigatoriedade de realizar tratamento de saúde contra a sua vontade, apesar de essencial à preservação da vida. Muito pelo contrário, conforme se verifica através de simples interpretação literal dos artigos 17 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso)[31], 10 da Lei nº 9.434/97 (Lei dos Transplantes) com a redação dada pela Lei nº 10.211/01[32] e, principalmente, do artigo 15 do Código Civil de 2002. Dispositivo, este, que não deixa margem a dúvidas, na medida em que expõe: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.


E não é só, o parágrafo único do artigo 3º da Lei nº 8.080/90 (Lei do Sistema Único de Saúde) estabelece que as ações de saúde não devem apenas garantir condições de bem-estar físico, mas também mental e social.


Ademais, o artigo 146 Código Penal[33] tipifica o crime de constrangimento ilegal e, no parágrafo 3º, inciso I, traça uma ressalva no seguinte sentido: “§ 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida”.


O fato é que, a interpretação da aludida ressalva que melhor se coaduna com a lisura da autonomia do indivíduo como fruto da dignidade da pessoa humana, é aquela que o profissional de saúde ao realizar uma intervenção médica ou cirúrgica só não será responsabilizado pelo crime de constrangimento ilegal quando houver iminente perigo de vida para o paciente e, se não for crível ante as circunstâncias fáticas do caso, a obtenção livre e esclarecida do seu consentimento.


Em contrapartida, se for possível o paciente sustentar de forma livre e consciente a recusa de tratamento com base em fundamento religioso, embora ciente de que a sua vida corre risco e, ainda assim, o profissional de saúde realize a intervenção, cogita-se a responsabilidade penal deste profissional. Isto se justifica, uma vez que a autonomia do paciente como fruto da dignidade da pessoa humana, também deve ser vista sob o prisma do respeito à sua vida íntima e privada, frise-se, assegurada pela Carta Constitucional[34].


Não deve ser olvidado que a recusa dos indivíduos para não se submeter a tratamento de saúde, embora este se revele essencial à preservação da sua vida, deve ser fruto de uma decisão livre, voluntária e esclarecida dos procedimentos que serão adotados, em conformidade com o disposto na Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/GM de 2006)[35] e na Lei Estadual (RJ) nº 3.613/01[36].


Aliás, trata-se de direito personalíssimo, não havendo possibilidade de delegação aos familiares, conforme revela a ementa fruto do julgamento pela Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do agravo de instrumento nº 2004.002.13229, abaixo transcrita:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Testemunha de Jeová. Recusa à transfusão de sangue. Risco de vida. Prevalência da proteção a esta sobre a saúde e a convicção religiosa, mormente porque não foi a agravante, senão seus familiares, que manifestaram a recusa ao tratamento. Asseveração dos responsáveis pelo tratamento da agravante, de inexistir terapia alternativa e haver risco de vida em caso de sua não realização. Recurso desprovido”[37].


Por essas razões, apenas o paciente voluntariamente poderá manifestar – de forma válida – a recusa ao tratamento de saúde com fundamento religioso, por óbvio, após o devido esclarecimento e por meio das informações relacionadas com os procedimentos diagnósticos – preventivos e terapêuticos. Não cabe, assim, o profissional de saúde reavaliar a escolha existencial do paciente sobre o próprio corpo e, em consonância com a sua convicção religiosa.


Registre-se, ainda, que a qualquer tempo o paciente também de forma livre e esclarecida, como na manifestação da recusa ao tratamento de saúde, poderá decidir revogá-la, sem que, com isso, sejam imputadas quaisquer sanções de natureza moral, administrativa ou legal[38].


2.2. Aspectos Éticos


Por certo que a relação entre os profissionais de saúde e o paciente deve ser pautada na ética, notadamente através dos preceitos do esclarecimento, informação e transparência, tendo como objetivo salvaguardar a autonomia do paciente.


Este cenário, a título exemplificativo, é corroborado através do Código de Ética Médica vigente (Resolução CFM nº 1931/09[39]), como se nota nos considerandos deste diploma, por meio da seguinte premissa: “a busca de melhor relacionamento com o paciente e a garantia de maior autonomia à sua vontade”.


Além disso, e, ainda em conformidade com os preceitos éticos, o médico deverá guardar absoluto respeito ao ser humano[40] e na tomada das suas decisões deverá aceitar as escolhas de seus pacientes[41]. Por aí já é válido inferir que a postura ética do médico deve ser lastreada no respeito à autonomia do paciente, a fim de permitir que este conduza seus próprios comportamentos e faça as escolhas que melhor lhe convier.


Logo, o médico não deve opor quaisquer obstáculos à liberdade do paciente recusar quaisquer tratamentos de saúde (ou escolher dentro dos possíveis, o que julgar mais apropriado), ainda que este tenha por apoio apenas fundamentos religiosos.


Traduzindo a importância da autonomia no contexto médico do direito norte-americano, Ronald Dworkin tece as seguintes considerações:


“Nos contextos médicos, essa autonomia está frequentemente em jogo. Por exemplo, uma Testemunha de Jeová pode recusar-se a receber uma transfusão de sangue necessária para salvar-lhe a vida, pois as transfusões ofendem suas convicções religiosas. Uma paciente cuja vida só pode ser salva se suas pernas forem amputadas, mas que prefere morrer logo a viver sem as pernas, pode recusar-se a fazer a operação. Em geral, o direito norte-americano reconhece o direito de um paciente à autonomia em circunstância desse tipo”[42].


Mas o que, de fato, ratifica a autonomia do paciente, possibilitando a recusa a tratamento de saúde perante o médico, encontra-se na vedação consignada no artigo 31 do diploma ético citado, o qual explicita que é proibido ao médico: “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte” [43].


Também merece relevo o disposto no artigo 32 do estatuto ético em destaque: “Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.


Como se vê, a própria ética médica estabelece que a vida do paciente não é mais importante do que a vida com dignidade, pois, em determinados casos – os cientificamente comprovados – os médicos poderão deixar de realizar todos os diagnósticos e tratamentos existentes quando não puderem suscitar nenhum benefício em prol do paciente.


É digno de nota, ainda, que a interpretação literal tanto do item XXII do Capítulo I[44] quanto do artigo 41, parágrafo único[45], ambos do Código de Ética Médica, evidencia que o médico no exercício profissional deve buscar a preservação da vida do paciente tendo como objetivo, principal, o respeito à dignidade da pessoa humana. Isto é, nota-se que o fator da preservação da vida, isoladamente, não se coaduna com o espírito consolidado no diploma ético em destaque.


Ao que tudo indica o Código de Ética de Enfermagem (Resolução COFEN nº 311/2007), por exemplo, também norteia os profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) por meio de princípios fundamentais que disciplinam a preservação da autonomia, da dignidade e dos direitos humanos em todas as dimensões dos pacientes, nomeadamente a promoção do ser humano na sua integralidade[46].


Nesse sentido, o artigo 18 do estatuto ético dos profissionais de enfermagem dispõe que: “Respeitar, reconhecer e realizar ações que garantam o direito da pessoa ou de seu representante legal, de tomar decisões sobre sua saúde, tratamento, conforto e bem estar”.


Não é de todo despropositado deduzir, assim, que os profissionais de enfermagem devem garantir o respeito à autonomia dos pacientes, especificamente em relação às decisões sobre quais tratamentos devem ser realizados.


3. Nota conclusiva


Os objetivos do presente estudo foram respondidos de forma satisfatória, pois, foi verificado que no cenário constitucional pátrio a aplicação dos direitos fundamentais não ocorre apenas no plano vertical, tampouco no plano horizontal a aplicação deve se limitar apenas por intermédio da atuação estatal (eficácia mediata).


Logo, demonstrou-se a necessidade da aplicação imediata dos direitos fundamentais no plano horizontal, desde que respeitada a autonomia da vontade do indivíduo como fruto da dignidade da pessoa humana, de maneira especial nas hipóteses em que mais próxima a ação jurídica estiver da esfera privada. Não à toa, a dignidade da pessoa humana deve ser diretamente resguardada, no presente caso, por meio da escolha existencial da recusa de tratamento de saúde com fundamentação na liberdade religiosa.


Os Códigos de Ética Médica e dos Profissionais de Enfermagem, como foi examinado, estabelecem como norte o absoluto respeito ao ser humano e à tomada de decisões pautadas nas escolhas existenciais dos pacientes, a fim de permitir que conduzam seus próprios comportamentos e façam as escolhas que julgarem mais apropriadas – tal como recusar tratamento de saúde com base em fundamento religioso. Logo, não cabe uma reavaliação da escolha existencial do paciente sobre o próprio corpo, em consonância com a sua convicção religiosa respectiva.


Além do mais, tendo em vista as disposições do ordenamento jurídico registradas no presente estudo e, sobretudo, o que prevê a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/GM de 2006) e a Lei Estadual (RJ) nº 3.613/01, apenas o próprio paciente voluntariamente poderá manifestar, validamente, a recusa ao tratamento de saúde com fundamento religioso. Isto, por certo, após o devido esclarecimento e com apoio em informações relacionadas com os procedimentos diagnósticos.


Não é demais lembrar, por fim, que poderá o paciente a qualquer tempo também de forma livre e esclarecida, assim como na manifestação da recusa ao tratamento de saúde, decidir revogá-la, sem que sejam imputadas quaisquer sanções de natureza moral, administrativa ou legal.


 


Referências

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Notas:

[1] Na perspectiva de Ingo Wolfgang Sarlet: “Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo)”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 89.

[2] De acordo com Paulo Bonavides: “Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 563-564.

[3] Nas palavras de Jane Reis Gonçalves Pereira: “A despeito disso, no século XIX operou-se um processo de total distanciamento entre os direitos fundamentais e o direito privado. O Estado Liberal de Direito, embora erigido a partir da mudança de paradigma operada pelas revoluções, veio a engendrar uma concepção dos direitos e liberdades bastante diversa daquela que viabilizou o seu nascimento”. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderações, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 126.

[4] Segundo José Carlos Vieira de Andrade: “A regra formal da liberdade não é suficiente para garantir a felicidade dos indivíduos e a prosperidade das nações e serviu por vezes para aumentar a agressividade e acirrar os antagonismos, agravar as formas de opressão e instalar as diferenças injustas. A paz social, o bem-estar colectivo, a justiça e a própria liberdade não podem realizar-se espontaneamente numa sociedade economicamente desenvolvida, complexa, dividida, dissimétrica e conflitual. É necessário que o Estado regule os mecanismos econômicos, proteja os fracos e desfavorecidos e promova as medidas necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assumida de progresso, de justiça e de bem estar”. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 243.

[5] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. Cit., p. 143.

[6] Aqui não só os direitos fundamentais de primeira geração (delineado na nota 1), mas também os de segunda, terceira geração e os novos direitos que, na perspectiva de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, definem-se: “Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titularidades indivíduos singularizados. Já os direitos chamados de terceira geração peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural. (…). Pode ocorrer, ainda, que alguns chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento assim, por exemplo, a garantia contra certas manipulações genéticas muitas vezes traz à baila o clássico direito à vida, confrontado, porém, com os avanços da ciência e da técnica. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 234.

[7] Até porque, frise-se, como dito os direitos fundamentais de primeira geração surgiram exatamente com esta proposta, isto é, limitar as atividades arbitrárias constantemente praticadas pelos monarcas absolutistas.

[8] Maria Margarida Andrade define a pesquisa exploratória como sendo o primeiro passo do trabalho científico e, dentre as finalidades deste tipo de pesquisa, registra as seguintes: proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de um tema de trabalho; definir os objetivos ou formular as hipóteses de uma pesquisa ou descobrir novo tipo de enfoque para o trabalho que se tem em mente. ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

[9] Por exemplo, o Poder Legislativo quando dá concretude à norma constitucional fundamental através da sua atividade típica legiferante, ou quando o Poder Judiciário (atividade típica) e o Executivo (atividade atípica) interpretam o direito privatístico sob a perspectiva dos direitos fundamentais.

[10] “A despeito disso – e numa tentativa de simplificação – o conceito de state action busca responder à questão sobre se uma conduta praticada por um particular pode ser considerada equivalente a uma ação estatal para efeito de incidência da 14ª Emenda. A Suprema Corte tende a reconhecer esta equivalência quando o ato lesivo é praticado com algum tipo de participação ou influência do Estado, bem como quando os poderes privados, em seu conteúdo, mostram-se semelhantes às ações praticadas pelo Estado”. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. Cit., p. 169.

[11] A fim de esclarecer o caso “Lüth”, Claus-Wilhelm Canaris esposa as seguintes considerações: “Uma sentença do Tribunal Constitucional Federal, que versou sobre uma colisão entre o direito delitivo (da responsabilidade por atos ilícitos) e a liberdade de opinião, passou a ser de fundamental importância para o tratamento da relação entre os direitos fundamentais e Direito Privado na Alemanha. No caso em exame, um particular (um cidadão de nome Lüth, que ingressou por força dessa sentença na história do direito alemão) apelara, em 1950, aos proprietários e frequentadores de salas de cinema ao boicote de um novo filme, argumentando que o diretor do mesmo rodara um filme antissemita durante o período nacional-socialista. Os tribunais cíveis consideraram o apelo um ato ilícito, por ofensivo aos bons costumes no sentido do estabelecido pelo § 856 do BGB [Código Civil Alemão] condenando, por conseguinte, o Sr. Lüth a não repeti-lo. Em resposta ao recurso constitucional impetrado pelo Sr. Lüth, o Tribunal Constitucional Federal cassou a sentença do tribunal cível, pois este teria, na aplicação do § 826 do BGB, violado o direito fundamental à liberdade de opinião do Sr. Lüth, assegurado pelo artigo 5º, inciso I, da LF. CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 208.

[12] Inclusive, esta concepção também foi adotada em Portugal, conforme esclarece José Carlos Vieira de Andrade, quando menciona que: “Esta é uma das soluções possíveis: aceitar a liberdade de actuação individual, mas só desde que não se prejudique intoleravelmente a ideia de dignidade da pessoa humana. Outra seria a inversa: subordinar constitucionalmente os indivíduos aos princípios da igualdade e da sujeição aos direitos fundamentais como imperativos, que só deveriam ser afastados no caso de a imposição prejudicar intoleravelmente a liberdade do agente. Optamos pela primeira, até porque não se trata da afirmação de um princípio absoluto. Estas considerações só valem quando não exista preceito legal expresso que regule o caso, impondo certas obrigações e deveres ou proibindo especificamente a discriminação a ou contra certas categorias de pessoas. A o legislador ordinário fica assim atribuída uma margem de actuação que lhe permite fazer variar, conforme as necessidades públicas e a opinião geral, o espaço de liberdade dos indivíduos nas relações de direito privado – desde que, é evidente, não atinja o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias, nem destrua a autonomia individual”. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. Cit., pp. 258-259.

[13] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. Cit., p. 165.

[14] CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. Cit., pp. 214-216.

[15] EMENTA: DEFESA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS – EXAME – LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito – o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA – EXCLUSÃO DE ASSOCIADO – CARÁTER PUNITIVO – DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. RE 158215/RS – Min. Rel. Marco Aurélio – Julgamento: 30/04/1996 – Órgão Julgador: Segunda Turma.

[16] EMENTA: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. – Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. – A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. – Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. – R.E. conhecido e provido. RE 161243/DF – Min. Rel. Carlos Velloso – Julgamento: 29/10/1996 – Órgão Julgador: Segunda Turma.

[17] EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. RE 201819/RJ – Min. Rel. Ellen Gracie – Min. Rel. p/ Acórdão: Gilmar Mendes – Julgamento: 11/10/2005 – Órgão Julgador: Segunda Turma.

[18] É importante não olvidar que, em conformidade com o disposto no art. 1º, inc. III da Carta Constitucional de 1988, a dignidade da pessoa humana representa um fundamento da República, assim como a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o pluralismo político.

[19] A noção de espiritualidade neste estudo será evidenciada sob a mesma perspectiva de religiosidade. Todavia e, apenas com o escopo de assinalar que não são encaradas da mesma forma, religião na visão – sociológica – de Otto Maduro, pode ser vista como: “Religião é uma estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo social referentes a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos crentes com anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados etc.) e diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento em sociedade com seus semelhantes”. MADURO, Otto. Religião e luta de classes. 2ª.ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1983, p. 31. Já a noção espiritualidade, segundo Robert C. Solomon pode ser entendida da seguinte forma: “A fusão de espiritualidade e religião por vezes é baseada na idéia de que ambos consistem fundamentalmente em crenças. Mas a espiritualidade, pelo menos, não é fundamentalmente uma questão de crenças (embora certamente as envolva). É antes uma maneira (ou um enorme número de maneiras) de experimentar o mundo, de viver, de interagir com outras pessoas e com o mundo. Envolve um conjunto de práticas e rituais, não necessariamente prece, cultos, meditação ou rituais prescritos de purificação, mas um sem-número de maneiras, individuais ou coletivas, de pensar, olhar, falar, sentir, mover-se e agir”. SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e racionalidade no século XXI. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 44.

[20] “Art. 5º, caput, da CRFB/88 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (…)”.

[21] “Art. 5º, inc. VI, da CRFB/88 – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

[22] Vide PGE-RJ. Pareceres do Gabinete do Procurador Geral. Liberdade Religiosa. Boletim Informativo nº 200 – Maio de 2010. Disponível em <http://www.pge.rj.gov.br/Boletins/Boletim200_mai2010.pdf> Acesso em 14 ago. 2010.

[23] BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderações, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 111.

[24] LEIRIA, Cláudia da Silva. Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunhas de Jeová: uma gravíssima violação dos direitos humanos. Rev. Jus Vigilantibus. 2009. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39291> Acesso em 12 ago. 2010.

[25] “Artigo XVIII – Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

[26] “Art. 18 – 1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. 2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.

3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. 4. Os estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais – e, quando for o caso, dos tutores legais – de assegurar aos filhos a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

[27] “Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crença, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.

[28] “Artigo 1º – §1º. Toda pessoa tem o direito de liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito inclui a liberdade de ter uma religião ou qualquer convicção a sua escolha, assim como a liberdade de manifestar sua religião ou suas convicções individuais ou coletivamente, tanto em público como em privado, mediante o culto, a observância, a prática e o ensino. §2º. Ninguém será objeto de coação capaz de limitar a sua liberdade de ter uma religião ou convicções de sua escolha. §3º. A liberdade de manifestar a própria religião ou as próprias convicções estará sujeita unicamente às limitações prescritas na lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais”.

“Artigo 2º – §1º. Ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicções por parte de nenhum estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares. §2. Aos efeitos da presente declaração, entende-se por “intolerância e discriminação baseadas na religião ou nas convicções” toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na religião ou nas convicções e cujo fim ou efeito seja a abolição ou o fim do reconhecimento, o gozo e o exercício em igualdade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”.

“Artigo 3º – A discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos e enunciados detalhadamente nos Pactos internacionais de direitos humanos, e como um obstáculo para as relações amistosas e pacíficas entre as nações”.

“Artigo 4º – §1º. Todos os estados adotarão medidas eficazes para prevenir e eliminar toda discriminação por motivos de religião ou convicções no reconhecimento, o exercício e o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em todas as esferas da vida civil, econômica, política, social e cultural. §2. Todos os Estados farão todos os esforços necessários para promulgar ou derrogar leis, segundo seja o caso, a fim de proibir toda discriminação deste tipo e por tomar as medidas adequadas para combater a intolerância por motivos ou convicções na matéria”.

[29] “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

[30] II, da CRFB/88 – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

[31] “Art. 17, da Lei nº 10.741/03 – Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável”.

[32] “Art. 10, da Lei nº 9.434/97 – O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)”.

[33] “Art. 146, do CP – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”.

[34] “Art. 5º, inciso X CFRB/88 – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

[35] “Terceiro Princípio, item VI – a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas de acordo com sua condição clínica, considerando as evidências científicas e a relação custo-benefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha”.

[36] “Art. 2º São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Rio de Janeiro: VI – receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre: a) hipóteses diagnósticas; b) diagnósticos realizados; c) exames solicitados; d) ações terapêuticas; e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas; f) duração prevista do tratamento proposto; g) no caso de procedimentos de diagnósticos e terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e consequências indesejáveis e a duração esperada do procedimento; h) exames e condutas a que será submetido; i) a finalidade dos materiais coletados para exame; j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes, no serviço de atendimento ou em outros serviços; e l) o que for necessário;

VII – consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem realizado”.

[37] Agravo de instrumento TJ/RJ nº 0009813-13.2004.8.19.0000 (2004.002.13229) – des. Carlos Eduardo Passos – Julgamento: 05/10/2004 – Décima Oitava Câmara Cível.

[38] Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria nº 675/GM de 2006). “Terceiro Princípio, item VI – o consentimento ou a recusa dados anteriormente poderão ser revogados a qualquer instante, por decisão livre e esclarecida, sem que lhe sejam imputadas sanções morais, administrativas”.

[39] Publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90. Retificação publicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173. “Art. 3º. O Código anexo a esta Resolução entra em vigor cento e oitenta dias após a data de sua publicação e, a partir daí, revoga-se o Código de Ética Médica aprovado pela Resolução CFM n.º 1.246, publicada no Diário Oficial da União, no dia 26 de janeiro de 1988, Seção I, páginas 1574-1579, bem como as demais disposições em contrário”.

[40] Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/09). “Capítulo I (princípios fundamentais). VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade”.

[41] Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/09). “Capítulo I (princípios fundamentais). XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas”.

[42] DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: Aborto, Eutanásia e Liberdades Individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 319.

[43] Neste ponto, da mesma forma como defendemos no caso da ressalva contida no crime de constrangimento ilegal, a exceção (“salvo em caso de iminente risco de morte”) prevista na segunda parte do artigo 31 do Código de Ética Médica – Resolução CFM nº 1931/09 –, deve ser interpretada como dispensa da obtenção de consentimento, tão somente quando impossível em virtude do estado de inconsciência do paciente.

[44] Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/09). “Capítulo I (princípios fundamentais). XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”.

[45] Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/09). “Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.

[46] Código de Ética de Enfermagem (Resolução COFEN nº 311/2007). “PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – O profissional de enfermagem participa, como integrante da equipe de saúde, das ações que visem satisfazer as necessidades de saúde da população e da defesa dos princípios das políticas públicas de saúde e ambientais, que garantam a universalidade de acesso aos serviços de saúde, integralidade da assistência, resolutividade, preservação da autonomia das pessoas, participação da comunidade, hierarquização e descentralização político-administrativa dos serviços de saúde”. “O profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões”. “O profissional de enfermagem exerce suas atividades com competência para a promoção do ser humano na sua integralidade, de acordo com os princípios da ética e da bioética”.

Informações Sobre o Autor

Thiago Gomes do Carmo

Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho. Pós-Graduado em Direito do Estado e da Regulação pela FGV Direito Rio. Advogado do Instituto de Resseguros do Brasil S.A. (IRB-Brasil Re)


Equipe Âmbito Jurídico

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