A licitação sob a modalidade pregão, consolidada na edição da Lei 10.520/2002, por certo, ocasionou celeridade aos trâmites do procedimento licitatório (precipuamente tendo em vista a inversão de fases do certame), bem como permitiu maior disputa entre os licitantes e, não raro, economicidade ao erário, tendo em vista a possibilidade dos licitantes apresentarem lances verbais, a partir da proposta de menor preço.
Especificamente no que se refere à apresentação dos referidos lances verbais, é conveniente destacar que a disputa entre os licitantes cinge-se ao preço, vale dizer, ao conteúdo econômico da proposta apresentada, partindo-se daquela de menor valor.
Mas, quando o licitante concorre ao lance, não está, com isso, vinculando-se ao conteúdo da proposta escrita de seu concorrente.
Assim por exemplo, imaginemos que a Administração pretenda adquirir equipamentos de informática, tendo definido as especificações do objeto, sem indicar marca ( o que guarda consonância com a lei), mas solicitando que o licitante defina, em sua proposta, a marca do equipamento cotado.
Pois bem, neste caso, o licitante, indicando marca do equipamento para o qual apresenta sua oferta, vincula-se ao conteúdo de sua proposta, obrigando-se a entregar o bem daquela marca.
Veja que a proposta ofertada vincula as partes contratantes, à luz do art. 54, §1º da Lei nº 8.666/93, de tal sorte que a entrega de produto diverso do efetivamente cotado, pode ensejar a rescisão do ajuste, na forma do art. 78, inc. I, desse diploma legal.
A respeito, pondera Jessé Torres Pereira Júnior:
“A regra da proibição à indicação de marca não impede a exigência, lançável em ato convocatório, de o licitante explicitar, em sua proposta, a marca do produto que está a cotar. Nenhuma a vedação na lei a tal respeito. A exigência é legítima porque propicia à Administração verificar, quando do acompanhamento da execução do contrato, como de seu dever (arts. 58, III, e 67 e segs.), se o contratado emprega na execução da obra ou do serviço os materiais que especificou em sua proposta, posto que a esta está vinculado (art. 54, §§1º e 2º), impondo-se à Administração determinar os reparos e substituições, ou proceder à rejeição, do que houver sido executado em desacordo com o especificiado, incluindo os materiais empregados (arts. 69 e 76)” (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, Renovar, 6ª ed.,, 2003, p. 134).
Vale dizer, ainda que o edital não exija marca, uma vez que a licitante consigne, em sua proposta, a marca do equipamento que está cotando, a ela se vincula e é este o equipamento que deverá ser entregue.
Dita exegese não resta afastada no caso de licitação sob a modalidade pregão. Por certo, os dispositivos legais acima mencionados aplicam-se à esta modalidade, à luz dos comandos do art. 9º da Lei 10.520/2002.
Logo, cada licitante concorre dentro dos limites de sua proposta escrita.
Como bem afirma Marçal Justen Filho:
“Será ignorada proposta condicionada ao conteúdo da oferta dos concorrentes. Qualquer cláusula nesse sentido será reputada inexistente. Proposta desta ordem não é seria e efetiva” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 5ª ed., Dialética, p. 415).
A peculiaridade afeta à modalidade pregão, que permite a disputa de preço a partir da proposta de menor valor, derroga, a nosso ver, apenas parcialmente essa assertiva, porquanto não se estende às especificações das ofertas escritas. Em outras palavras: a empresa se baseia apenas nos valores da oferta de seu concorrente para, querendo, diminuir o preço de sua própria proposta. Não passa a ser, portanto, signatária do conteúdo da proposta de seu concorrente.
Reiteramos: a empresa está vinculada à oferta que apresentou no certame. Esta é a inteligência do art. 54, §1º da Lei de Licitações.
Recorrendo, novamente, aos ensinamentos de Jessé Torres Pereira Júnior, na obra mencionada, assim reforçamos nossa tese:
“Vale dizer que o ato convocatório e a proposta vinculam o contrato que se lhes seguirá, tanto para a Administração contratante, que não poderá inovar em suas cláusulas, quanto para a empresa contratada, que não se poderá esquivar de atender aos termos da convocação e de sua própria proposta” (p. 558).
As especificidades atinentes à esta nova modalidade licitatória, que mitigariam os efeitos da parte final do art. 44, §2º da Lei 8.666/93 ( uma vez que, nos lances, as empresas baseiam-se no preço de seus concorrentes), não pode ser invocada no que tange às demais especificações das ofertas.
Em suma, as peculiaridades que norteiam os trâmites do pregão, a nosso ver, não legitimam que a empresa vencedora pretenda entregar o equipamento cotado por seu concorrente, com quem disputou o preço, na fase dos lances verbais.
Advogada militante no campo do Direito Administrativo, tendo iniciado a carreira em renomada empresa de consultoria jurídica nesta área, posteriormente trabalhado em escritório, advogando para empresas participantes de licitações e, atualmente, assessora da diretoria jurídica da Cohab/Campinas.
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