Mãe crecheira, mãe substituta, mãe social e o não pagamento de horas extras

Resumo: Para a função de mãe social também chamada de mãe crecheira ou mãe substituta não é devida as horas extras em razão de restrições legais da Lei nº 7.644/87. O contrato existente entre a mãe social e a instituição, que exerce atividade não lucrativa, possui uma forma especial. Mesmo sendo uma profissão antiga e pouco conhecida da maioria da população houve uma evolução legal muito tímida na ampliação de garantias trabalhistas, onde até hoje não existe a previsão do pagamento do adicional de horas extras.

Palavras Chaves: Mães crecheira, mãe social, Lei nº 7.644/87, contrato especial, horas extras.

Abstract: For the function of a social mother, also called a mother-in-creche or a surrogate mother, no overtime is owed due to legal restrictions of Law 7,644 / 87. The existing contract between the social mother and the institution, which exercises a non-profit, has a special form. Even though it was an old and little known profession of the majority of the population, there was a very timid legal evolution in the expansion of labor guarantees, where to date there is no provision for the payment of additional overtime.

Keywords: Mothers day-care center, social mother, Law nº 7.644 / 87, special contract, overtime.

Sumário: Introdução. 1. Mãe crecheira, mãe substituta, mãe social no Brasil.  2. Requisitos para trabalhar como mãe social 3. As atribuições da mãe social 4. Garantias da mãe social 5. Das Horas extras 6. Das penalidades. Conclusão. Referências.

Introdução:

Historicamente a figura da mãe social surgiu pós a Segunda Guerra Mundial, foi criada na Europa para minimizar as situações de desamparo de muitas crianças que ficaram sem um lar os "Órfãos da Guerra” que foram amparados em consonância com os objetivos de proteção trazidos pelos direitos humanos sendo assim, o Estado criou a figura da mãe social.

A função de mãe social está além do esperado para uma simples cuidadora. Dessa forma o caráter psicológico de cuidados e atenção que, somente uma “mãe “ possui está nitidamente atrelado à função da mãe social.

Tendo em vista, a situação de abandono, desamparo e carência, a figura da mãe social possui vital importância para a inserção destes “filhos” na sociedade.

1.Mãe crecheira, mãe substituta, mãe social no Brasil.  

No Brasil surgiu primeiro a figura da “mãe crecheira” que exercia a sua atividade em creches ou também em instituições assistenciais públicas como: Legião Brasileira de Assistência (LBA) e Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM) e instituições privadas, como forma de remuneração lhes eram fornecidas alimento no período do trabalho e também o auxílio transporte, contudo sem existir um vínculo empregatício.

A falta de amparo legal tornava a profissão desprotegida da esfera trabalhista e previdenciária. A jurisprudência trabalhista possuía o seguinte posicionamento “ a mãe crecheira não é empregada, porque não tem contraprestação ajustada e paga mensal e, mesmo em havendo uma pequena ajuda de custo, esta é eventual, não gerando vínculo de emprego.”. (BOMFIM, 2015, p.329).

Com a evolução da legislação surgiu a Lei 7.644/87, garantindo alguns direitos a mãe crecheira e consolidando o nome de mãe social no ordenamento jurídico.

Na referida Lei em seu art.2º explica o que é mãe social “ aquela que dedicando-se à assistência ao menor abandonado, exerce o encargo em nível social, dentro do sistema de casas-lares”. (Grifo).

Essas casas-lares recebiam crianças e adolescentes de faixas etárias diversas. Nas palavras de Maurício Goldinho Delgado (2017.p.390):

“ As casas-lares são unidades residenciais “ sob a responsabilidade de mãe social”, abrigando até 10 menores (art.3, caput). Essas casas-lares, quando agrupadas, formarão uma “ aldeia assistencial ou vila de menores” (art.3, § 1º). Tratando-se de jovens com mais de 13 anos, serão abrigados e organizados nas Casas de Juventude, em moldes semelhantes, porém com o objetivo adicional de encaminhar os adolescentes ao ensino profissionalizante (art.11, caput, Lei nº 7.644/87) ”.

Diante dessa atividade de caráter social em sua origem “ a mãe social é uma empregada especial, pois o contrato de trabalho que lhe confere essa condição também é especial” (CAIRO, 2017 p.347).

Nesse sentido, cito o seguinte precedente: "FEBEM MÃE CRECHEIRA OU SUBSTITUTA VÍNCULO EMPREGATÍCIO POSSIBILIDADE. A Lei no 7.644/87, ao regulamentar a atividade de mãe social, deixou claro que se trata de um contrato especial de trabalho (art, 13), no qual: a) figura como empregador a instituição sem fins lucrativos ou de utilidade pública que se dedica à assistência ao menor abandonado (arts, 1°, 3'°, § 3°, 7°, 10, § 1°, 13, 14 e 20); b) são assegurados ã mãe social direitos típicos trabalhistas, como registro na CTPS, salário mínimo, descanso semanal remunerado, férias, 13° salário, FGTS e reajuste salarial (arts, 5°, 7° e 19); c) só o período de treinamento e estágio como mãe social não gera vínculo empregatício (arts, 8°, § 2°, e 9°); e d) as controvérsias são dirimidas pela Justiça do Trabalho (art, 20), Ora, tanto o Programa de Colocação Familiar em Lares Substitutos quanto a FEBEM, que o desenvolve, se enquadram perfeitamente na descrição que a lei faz do trabalho desenvolvido pelas mães sociais (art, 4°), chamado,, no programa, de mãe crecheira ou substituta. Assim sendo, caracterizado resta o vínculo empregatício. Recurso de revista e provido," (TST-RR514131/98,8, Ac. 4a Turma, Rei. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ de 14/06/2002). RR – 3045700-60.2002.5.04.0900 Data de Julgamento: 09/04/2008, Relator Ministro: Pe dro Paulo Teixeira Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DJ 18/04/2008.)

Logo se depreende que lhe foi garantido o mínimo possível dentro do contrato especial de trabalho.

2.Requisitos para trabalhar como mãe social

Para exercer a atividade de mãe social a candidata deve atender aos seguintes requisitos da Lei nº 7.644/87 em seu artigo 9º: idade mínima de 25 anos; boa sanidade mental e física; ter o ensino fundamental; ter sido aprovada no treinamento; boa conduta social; aprovação em teste psicológico.

Será realizado um processo de seleção onde receberá um treinamento especifico (art. 8º) para exercer a função.

“Art. 8º – A candidata ao exercício da profissão de mãe social deverá submeter-se a seleção e treinamento específicos, a cujo término será verificada sua habilitação.

§ 1º – O treinamento será composto de um conteúdo teórico e de uma aplicação prática, esta sob forma de estágio.

§ 2º – O treinamento e estágio a que se refere o parágrafo anterior não excederão de 60 (sessenta) dias, nem criarão vínculo empregatício de qualquer natureza.

§ 3º – A estagiária deverá estar segurada contra acidentes pessoais e receberá alimentação, habitação e bolsa de ajuda para vestuário e despesas pessoais.

§ 4º – O Ministério da Previdência e Assistência Social assegurará assistência médica e hospitalar à estagiária” (grifou-se).

A estagiária deverá estar segurada contra acidentes pessoais e receberá alimentação, habitação e bolsa de ajuda para vestuário e despesas pessoais.

Obtendo êxito será habilitada para exercer a atividade profissional de mãe social.

3.As atribuições da mãe social

No desempenho de suas funções que são de dedicação exclusiva a mãe social deverá residir na casa-lar onde prestará do serviço assim, um trabalho mais centrado nos menores que estão sob a sua assistência. Vejamos os artigos relacionados da Lei nº 7.644/87

“Art. 4° – São atribuições da mãe social:

I – propiciar o surgimento de condições próprias de uma família, orientando e assistindo os menores colocados sob seus cuidados;

II – administrar o lar, realizando e organizando as tarefas a ele pertinentes;

III – dedicar-se, com exclusividade, aos menores e à casa-lar que lhes forem confiados.

Parágrafo único. A mãe social, enquanto no desempenho de suas atribuições, deverá residir, juntamente com os menores que lhe forem confiados, na casa-lar que lhe for destinada”

Para o seu descanso lhe é assegurado o repouso semanal remunerado.

4. Garantias da mãe social

Mesmo diante da restrição contratual da mãe social, o diploma legal garante a os seguintes direitos:  anotação da carteira de trabalho, férias remuneradas, gratificação natalina, benefícios previdenciários, repouso semanal indenização ou levantamento do FGTS quando a demissão não foi ocasionada pela justa causa.

O art. 5º da Lei nº 7.644/87:

“Art. 5º – À mãe social ficam assegurados os seguintes direitos:

I – anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – remuneração, em valor não inferior ao salário mínimo;

III – repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas;

IV – apoio técnico, administrativo e financeiro no desempenho de suas funções;

V – 30 (trinta) dias de férias anuais remuneradas nos termos do que dispõe o capítulo IV, da Consolidação das Leis do Trabalho;

VI – benefícios e serviços previdenciários, inclusive, em caso de acidente do trabalho, na qualidade de segurada obrigatória;

VII – gratificação de Natal (13º salário);

VIII – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou indenização, nos termos da legislação pertinente”.

Contudo não existe a menção do pagamento das horas extras.

5.Das Horas extras

A  Constituição Federal, limitou  a jornada de trabalho em no  máximo 08 horas diárias e  44 horas semanais.com adicional de, no mínimo, 50% para as horas extras (art. 7º, XIII e XVI, CF/88).

A mãe social não recebe horas extras porque o contrato de trabalho é intermitente. “ O trabalho desenvolvido pela mãe social é de caráter intermitente, realizando-se pelo tempo necessário ao desenvolvimento de suas tarefas” (LEITE,2007, p.232).

“Art. 6º – O trabalho desenvolvido pela mãe social é de caráter intermitente, realizando-se pelo tempo necessário ao desempenho de suas tarefas. Quando a trabalhadora ingressa na justiça do trabalho para pleitear horas extras, não consegue lograr êxito por falta de previsibilidade legal.”

No tocante a jurisprudência:

“[…] RECURSO DE REVISTA. MÃE SOCIAL. HORAS EXTRAS. Não prospera o posicionamento da Corte Regional, no sentido de que a jornada máxima prevista no artigo 7º, XIII, da Constituição Federal se aplica à mãe social. Com efeito, a restrição dos direitos da mãe social, conforme disciplina da Lei nº 7.644/87, justifica-se pela finalidade especial dos serviços dessa trabalhadora, que se dedica aos cuidados de menores abandonados, abrigados em entidades sem fins lucrativos, propiciando-lhes um ambiente semelhante ao familiar. Tal atividade não se mostra compatível com a fixação de jornada e de horários de trabalho, razão pela qual a mencionada legislação não garantiu à mãe social o direito de receber horas extras e estabeleceu que seu trabalho terá caráter intermitente e será realizado pelo -tempo necessário ao desempenho de suas tarefas-. Acórdão reformado, no particular. […]” (TST – RR – 141500-57.2008.5.02.0466, 7ª Turma, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, DEJT 19/04/2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MÃE SOCIAL. HORAS EXTRAS. INDEVIDAS. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. ” (TST – AIRR – 811244-26.2001.5.01.5555, 2ª Turma, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, DJ 06/12/2002) .

RECURSO DE REVISTA. PAI SOCIAL. LEI Nº 7.644/87. HORAS EXTRAS. ART. 7º, XIII, DA CF/88. INDEVIDAS. Foram recepcionadas pela Carta Magna as restrições de direitos trabalhistas em relação à atividade da Mãe Social, regulamentada pela Lei nº 7.644/87, em face da peculiaridade da relação de trabalhado ali prevista. Revista provida. (RR – 514833-93.1998.5.05.5555, Relator Ministro: Rider de Brito, Data de Julgamento: 20/02/2002, 5ª Turma, Data de Publicação: 05/04/2002)

“VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MÃE CRECHEIRA. FEBEM. 1. A prestação de serviços nos moldes da Lei nº 7644/87, consistente no atendimento de crianças da comunidade, gera vínculo empregatício entre as partes. A expressa e restritiva indicação, na referida lei, de quais os dispositivos celetistas aplicáveis à espécie (artigos 5º e 19) apenas indica a existência de contrato especial de emprego. 2. Tratando-se de contrato de trabalho especial, a empregada somente se beneficia dos direitos assegurados em lei, taxativamente. Assim, não faz jus a mãe crecheira a aviso prévio e horas extras. 3. Embargos conhecidos e parcialmente providos para restringir a condenação ao pagamento das verbas previstas no artigo 5º da Lei nº 7644/87. ” (E-RR 402.216/97, SBDI-1, Rel. Min. João Oreste Dalazen , , DJU de 15/03/2002).

Pela excepcionalidade da função o pagamento de horas extras não é devido tendo em vista o enquadramento da função na lei 7.764/87

6. Das penalidades

Sobre as penalidades impostas a mãe social temos a advertência, suspensão e demissão no art.14 da Lei 7.764/87:

Art. 14 – As mães sociais ficam sujeitas às seguintes penalidades aplicáveis pela entidade empregadora:

I – advertência;

II- suspensão;

III- demissão.

Contudo não existe previsão de incentivos para permanecer na função.

Conclusão

Apesar a Constituição de 1988 ter disposto no seu artigo 7 º sobre algumas garantias para as diversas categorias, a atuação da mãe social não foi incluída em sua integralidade dentro das normas constitucionais. Sendo que até hoje a legislação para o caso em que envolve mãe social é utilizada a Lei nº 7.644/87.

A tendência e que esta atividade ser torne ultrapassada e que a presença de atividades semelhantes com uma legislação mais protetiva venha ocupar este espaço da mãe social, talvez não de forma integral, mais assemelhada.

No tocante as alterações da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e as alterações da Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, não haverá uma repercussão na atividade da mãe social pelo que já fora relatado anteriormente sobre a utilização da lei especifico quanto a essa função.

 

Referências
BRASIL, Lei nº 7.644, de 18 de dezembro de 1987, dispõe sobre a Regulamentação da Atividade de Mãe Social e dá outras Providências. Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7644.htm> Acesso em 26/09/2017.
BRASIL, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm> Acesso em 25/09/2017.
Bomfim, Vólia Cassar, Direito Trabalho, 11ª ed. rev.e atual, Rio de Janeiro: Forence: São Paulo: Método, 2015.
Cairo Jr., José, Curso de direito do trabalho, 13. ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017
Delgado, Mauricio Godinho, Curso de direito do trabalho, 16. ed. rev. e ampl., São Paulo: LTr, 2017.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de Direito do trabalho, 8º ed, São Paulo: Saraiva, 2017.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO-Consulta jurisprudência unifica.
Processo: RR-1260-84.2012.5.12.0050 Data de Julgamento: 23/11/2016, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/11/2016. Acesso em 26/09/2017.

Informações Sobre o Autor

Rosemary Gomes da Silva

Bacharel em Direito no Centro Universitário Projeção Especialista em Direito Penal e Processo Penal na Faculdade Processus e Direito Civil Universidade Paulista


Equipe Âmbito Jurídico

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