Resumo: O presente trabalho versa acerca da proteção animal que vem sendo violada há séculos devido o descaso do homem em prosseguir com a prática de maus tratos contra animais. Este tema se revela de grande importância pois os animais são passáveis de direitos tendo em vista que são seres vivos e têm sensações físicas e emocionais semelhantes ás humanas. Assim o referido assunto se reveste de demasiada importância visando o aprimoramento das leis de proteção ambiental principalmente no que tange aos animais demonstrando a necessidade de uma punição mais compatível com a gravidade dos crimes cometidos contra estes seres para que o homem perceba que não lhe à permitido torturar e matar um ser pelo simples fato dele não poder exprimir palavras. Existem diversas formas mais saudáveis de distração à nossa disposição não necessitando que se fira os animais ou os agrida em rinhas de briga ou arenas de rodeio. O ser humano pode apreciar a natureza sem que para isto tenha que capturar animais selvagens e submetê-los ao cárcere. Uma pessoa tem a possibilidade de se alimentar sem que uma criatura tenha que viver precariamente e morrer submetido a um sofrimento intenso. É admissível e até mais seguro para o próprio homem testes de remédios novas práticas de cirurgias e métodos de ensino sem que para isto animais inocentes tenham que morrer ou sofrer traumas que perdurarão pelo resto de suas vidas. Portanto este estudo visa a defesa daqueles que merecem tanto respeito quanto o próprio homem que se apossa do direito mais importante e inerente à todos os seres vivos a vida.
Palavras chave: maus tratos contra animais; vivisseção; animais domésticos; animais domesticados
Abstract: This study speaks about animals protection that has beenviolatedfor centuries due to theneglectof the man whopursuesanimalmaltreatment. This topic shows itself of the great importance because the animals have rights as they are lives and have physical and emotional sensations as the humans. Then this subject reveals itself of the great importance because it speak about the fight for improvement of laws of environmental protection principally the laws of protection animals emphasizingthe need forpunishment more compatible with the severity ofcrimes committed against this lives for that the readers of this work perceive that them dont have the right to torture and kill a life by simple fact her dont can to communicate itself with words. There are many forms more healthy of distraction to our disposition dont it need that hurt or kill him in rings or arenas of rodeo. The human canapreciate the nature without to need capture several animals and put them in a jail. A people don't have the necessity of eat animals that have feeling things like us doing that a creature live precariously and die subject to intense suffering. The medicines tests new surgical practices and method of teaching are important but all they can exist without that innocents animals lose your life or have irreversible hurt. Then this study has the finality of defends all that deserve as respect as the self man who take the right more important and basic of all the creature the Life.
Key words: bad tracts against animals; vivisection; domestic animals; domesticateanimals.
Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica da proteção animal.2.1. A proteção dos animais no direito.2.2. A proteção dos animais no direito brasileiro.3. Vivissecção.3.1. A pratica da vivissecção no mundo. 3.2. A discutida legalidade da vivissecção.4. Atos que configura maus tratos e suas punições.4.1. Penalidades para os crimes de maus tratos. 4.2. Algumas espécies de crimes contra animais. 5. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre o tema relativo à prática de diversos tipos de crueldades as quais os animais são submetidos pelo homem, a forma errônea comosão tratados, seja servindo de alimento para o ser humano ou vistos por este, como objetos, ou máquinas, e a evolução de uma ideia que vem modificando tal perspectiva.
O presente trabalho tem a finalidade de incutir no pensamento dos leitores a igualdade e o dever de proteção que os seres humanos têm em relação aos animais de todas as espécies. Também objetiva reforçar os movimentos de defesa do ambiente, no que tange aos animais, não apenas silvestres ou exóticos, mas, principalmente, os domésticos e domesticados, pois estes são menos resguardados e poucos são os homens que consideram tais espécies seres necessitados de cuidados. Não é pelo fato de não estarem em extinção que não merecer ser preservados.
Nos tempos atuais, é imprescindível que se mude esta visão pré-histórica de que os animais existem para nos servir, que somos donos de seus destinos e que eles não possuem alma, sentimento ou estímulos físicos, como frio, calor, fome, sede, dor, dentre outros. Esta questão já se mostra incontroversa por médicos e cientistas renomados. Todavia, o que se discute, é se estes seres têm, ou não, direitos. O argumento é se possuem sensações semelhantes às nossas, eles devem ser tratados como iguais.
Tal questão gera controvérsia, pois enquanto alguns se baseiam no fato de que necessitamos dos corpos, da carne, do serviço destes animais, outros acreditam que não é preciso explorar as várias espécies para satisfazer nossos prazeres.
Estas divergências se fundamentam nas diversas interpretações dadas às normas ditadas pela Constituição Federal e as inúmeras legislações infraconstitucionais, sejam federais, estaduais ou municipais.
Observa-se então como são explanadas tais disposições nas visões de Chefes do Poder Administrativo das cidades e dos Estados, os pensamentos de doutrinadores, legisladores, juízes e tribunais, inclusive alguns entendimentos do Supremo Tribunal Federal, das entidades de proteção aos animais e da população.
O primeiro capítulo se refere à história, à evolução das leis de proteção animal, os vários pensadores famosos de épocas remotas que, mesmo quando não havia nenhum resquício de zelo pelos animais, eles revolucionavam o pensamento predominante e se punham contrários a eles, expondo suas próprias visões e impondo seus ideais. São intelectuais como Voltaire, Charles Darwin, Albert Einstein e até mesmo o filósofo Pythagoras.
As legislaçõesvisando resguardar os animais, surgiram primeiramente em países estrangeiros. Pouco depois, o Brasil se tornou adepto a tal pensamento passando a editar leis visando o bem estar dos animais. O número de normas com este objetivo evoluiu após o grande progresso da Unesco em instituir a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que perdura até os dias atuais com o respeito de seus signatários.
Após este acontecimento, o reconhecimento dos direitos dos animais no Brasil evoluiu até alcançar um espaço na Carta Magna Brasileira, impondo a obrigação de cuidado, respeito e penalidades para aqueles que praticam as condutas descritas como crimes ambientais.
Em seguida, o segundo capítulo aborda o tema relativo à vivissecção, uma prática ainda muito utilizada, que é o uso de animais em experiências e estudos. Neste, conta-se o início desta prática, quem eram os adeptos desta corrente e quais os pensamentos os levavam à este tipo de comportamento. Quando e qual o motivo do surgimento da corrente contrária, ou seja, os antivivissectores, aqueles que vão de encontro à ideia da intervenção em animais vivos.
Ainda no segundo capitulo serão dadas algumas explicações e opiniões sobre a Lei Auroca que regula, no Brasil, este processo, prevendo penalidades para aqueles que ultrapassam suas determinações.
Neste capítulo também serão feitas considerações acerca da efetividade da utilização de animais em aulas de medicina ou veterinária. Discussões acerca dos efeitos que a prática de vivissecção pode gerar a um estudante, seja referente a eventuais abalos psicológicos ou aquilo que aprenderá sobre o corpo humano tendo como base os órgãos de animais.
O trabalho prossegue com o advento do terceiro capítulo, que se refere à algumas condutas que podem ser consideradas maus-tratos e suas punições. Procura-se mostrar, neste ponto, as penalidades ínfimas impostas pela Lei a crimes tão graves, a responsabilidade do Ministério Público e da população e os meios que podem se valer para coibir está prática tão vil.
A responsabilidade da Administração Pública ao praticar maus-tratos visando controle populacional de cães e gatos de rua. Permitir que ocorram shows, festas, até mesmo culturais, se valendo da violência contra animais, dentro das cidades com alvarás das Prefeituras. Até que ponto a cultura é mais importante que a vida, e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca deste tema.
Discute-se aqui, a importância da denuncia contra aqueles que praticam maus-tratos, esclarecendo o poder de todos neste sentido e a obrigação da autoridade policial em lavrar o relato e tomar as devidas providências, sob pena de ser responsabilizado por sua omissão.
A configuração do crime ambiental por escravizar os animais, obrigando-os ao trabalho forçado, poucas, ou nenhuma condição higiênica, comida insuficiente, algumas vezes até a ausência completa de refeições por dias. O espancamento, as queimaduras, dentre outras covardias praticadas em animais compelidos a trabalhos forçados, em sua maioria dos de grande porte.
O tráfico de animais no Brasil, a captura e morte de alguns até mesmo em extinção, terminam por serem mortos no caminho pois são levados para fora do país em condições absolutamente impróprias. As penalidades para quem efetivamente tira o animal de seu habitat, e também para aqueles que possuem em casa animais silvestres ou exóticos.
Ainda este mesmo capítulo se refere ao abate cruel de animais, a tortura que estes seres, considerados meros alimentos, vivem desde seu nascimento até sua morte, sendo cada minuto de suas vidas passado com medo, desconforto, dores, estresse, dentre inúmeros atos de violência que estes animais são submetidos para agradar ao paladar humano. Demonstra-se a desnecessidade de se alimentar de outros seres vivos.
Assim, nota-se que o respectivo trabalho se preocupa em demonstrar ao leitor que a vida de um animal vale tanto quanto a de qualquer pessoa. Sendo que aqueles tem por Lei o direito de serem respeitados e tutelados pela população e pelo Estado.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO ANIMAL
2.1 A proteção dos animais no direito
No início da relação entre animais e seres humanos, estes vem se julgando superiores a toda e qualquer espécie distinta da sua, e graças a tal pensamento egocêntrico, explora todos os recursos naturais, sem discernimento algum.
Desde Sócrates, em meados do século V a.c, criou-se o antropocentrismo, momento em que o homem acreditava-se governante de todos os demais seres vivos, pois apenas ele se beneficiava do poder da fala.
Tempos depois, inicia-se o racionalismo de Descartes (1596/1650), que coloca o ser humano no auge de sua soberania, mostrando que sua superioridade advinha da capacidade de pensar, aptidão esta descartada das características animais.
Logo após surge a teoria de Locke (1632/1704) que consistia na ideia de que tudo aquilo que não fosse de natureza humana seria de sua propriedade, pois não possuía vontades ou direitos, tornando os animais recursos a serem utilizados pelo homem.
Pouco depois nasce na França, século XVII o iluminismo com uma linha de raciocínio completamente inversa das anteriores, um grande exemplo foi Voltaire (1694/1778), conhecido não só por suas críticas religiosas e políticas, mas também por aquilo que pensava à respeito dos animais.
“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento.Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objectivoalgum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.”[1](VOLTAIRE, 2002, pg. 232)
Ainda no século XVIII, surgiu Jeremy Bentham (1748/1832) filósofo e jurista britânico, criador da teoria política chamada utilitarismo. Ficou conhecido não só por seus ideais de vida maximizando a felicidade ou por definir os princípios éticos nas atividades profissionais, mas também por ser um verdadeiro amante dos animais. É considerado um dos escritores que iniciaram a elaboração dos direitos dos animais. Um dos dizeres mais conhecidos de Bentham é:
“Chegará o dia em que o restante da criação vai adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido tirados deles senão pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adultos são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria o fato? A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento” ( MASCHIO, 2002)[2]
Charles Darwin (1809/1882) segue a mesma linha de raciocínio, afirmando não haver grandes diferenças entre homens e animais, pois demonstram os mesmos sentimentos de dor, prazer, felicidade, etc. Pensamento este muito avançado para a época, visto que não se conheciam muitas formas de provar tais afirmações, diferente dos dias atuais, em que se sabe até mesmo por meio da ciência que todos os seres vivos são passíveis de tais sensações.
Albert Einstein (1879 a 1955) ia mais além: demonstrava seu posicionamento de igualdade entre homens e animais ainda mais coerente. O físico reconhecia tanto nossas semelhanças com tais seres, que pregava sua dieta vegetariana: afinal, qual o sentido de se alimentar da carne de um igual? Conforme o pensamento do cientista“nada beneficiará mais a saúde da humanidade e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra quanto a dieta vegetariana.” (DEFENSORES DOS ANIMAIS, 2010)[3]
O pensamento “preconceituoso” de que todos os seres vivos foram criados para satisfazerem os prazeres humanos ainda predomina na mente de muitos homens.Entretanto, mesmo no passado, quando não havia nenhum resquício de proteção ambiental, existiam aqueles que pensavam e agiam diferente. É o caso do filósofo e matemático Pythagoras (570/496 a.c) também vegetariano, que dispunha acerca dos animais da seguinte forma: "enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor.” (DEFENSORES DOS ANIMAIS, 2010)[4]
Todavia a proteção animal não era reconhecida apenas no meio filosófico. Em 273 a 232 a.c, o Rei Ashoka, da dinastia Maurya, da Índia, instituiu a primeira lei de proteção ao meio ambiente, que proibia a morte e mutilação desnecessária de todos os membros do reino animal para a caça esportiva e branding ferros de gado, determinando até mesmo a criação de um hospital de animais.
Assim seguiu, sucessivamente, por todo o mundo as demais criações de leis visando a proteção ambiental, e principalmente o tratamento adequado aos animais.
Entretanto o avanço no sentido de resguardar as espécies da natureza deve-se primordialmente às criações de associações de proteção aos animais e organizações não-governamentais, como: o Fundo Mundial para a Preservação da Vida Selvagem (ou World WildlifeFound – WWF), o Greenpeace, a União Vegetariana Internacional e o Movimento pelos Direitos dos Animais.
Um dos países que se desenvolveu mais rápido na questão ambiental foi a Inglaterra, que após o surgimento do iluminismo mudou a perspectiva de muitos acerca dos animais.
Em 1781 foi criada, pela primeira vez em Londres uma lei visando a proteção animal referente ao tratamento dispensado ao gado de Smithfield, e em 1786 regulamentando a licença para abate.
Já em 1822 surgiram os primeiros movimentos protecionistas e pouco mais tarde, em 1824 foi criada, na Inglaterra, a Sociedade para a prevenção de crueldade contra animais, que em 1835 foi ampliada para incluir proteção a todos os animais domésticos.
A primeira associação de proteção animal que se tem notícia surgiu na Inglaterra, em 1824, denominada Society for de PreservationofCrueltytoAnimals.
Tempos depois surgiu a Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais, criada em 1866, e a partir de então apareceram diversas outras com a mesma finalidade.
Foi também na Inglaterra que Mary Talby fundou o Lar Temporário para cães, o primeiro estabelecimento para abrigar animais que viviam nas ruas.
Em 1906, aconteceu em Londres o famoso evento denominado Caso do Cachorro Marrom, quando estudantes de medicina praticaram, em público, procedimentos experimentais em cachorros adotados em instituições médicas para este fim. Logo após o Conselho Antivivissecção Internacional montou a estátua de um cachorro marrom no Battersea Park. Um ano depois cem alunos de medicina tentaram tirar a estátua de lá, todavia moradores defenderam o símbolo contra a vivissecção. A estátua desapareceu em 1910, ano em que foi feita, no mesmo lugar, um protesto contra a utilização de animais em experiências, o que gerou grande discussão sobre o assunto.
A Lei de proteção aos animais foi aprovada pelo Reino Unido em 1911, o que alcançou toda a legislação existente para este fim.
A sociedade Compassion in World Farming, fundada por Peter Roberts em 1960, ao tornar-se pública a excessiva crueldade nas criações intensivas de animais para o consumo humano visava protestar contra o abuso de animais de produção, o que gerou maior conscientização nos cidadãos e no governo. Todavia não houve grandes progressos legislativos.
No ano de 1970 surgiu um grande número de manifestações, com passeatas, protestos, incluindo a remoção de animais usados em pesquisas e fazendas de criação intensiva, incluindo sabotagens a praticas de caça, laboratórios e criadouros. Momento em que a proteção animal passou a se dividir em duas categorias: a de bem-estar, que aceitava que os animais servissem para o uso do homem, porém de forma humanitária. E a corrente que acreditava no direito dos animais estes lutavam para que acabasse de vez a exploração deles em favor dos humanos.
A União Europeia incluiu em 1997 um Protocolo ao seu Tratado de Fundação estabelecendo que as instituições deveriam respeitar o bem-estar dos animais ao legislar nas áreas de pesquisa, transporte, agricultura, dentre outras que se utilizavam de algum tipo de animal para suas finalidades.
Foi proclamada pela Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (UNESCO), em 15 de outubro de 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Este texto foi revisto pela Liga Internacional do Direito dos Animais, somente em 1989, e foi à público em 1990, expondo que qualquer ser vivo possui direitos naturais, propugnando pela igualdade entre animal e homem e a obrigatoriedade de respeito e cuidados deste para com aquele, mostrando que maus tratos aos animais constitui infração. Porém, esta Declaração apenas demonstra tais obrigações, não impondo penalidade alguma para aquele que as descumpre.
A Alemanha foi a primeira nação europeia a incluir a proteção animal em sua Constituição, ao estabelecer que “O Estado tem responsabilidade de proteger os fundamentos básicos da vida e dos animais em prol das gerações futuras”. E logo após a Suiça também reconheceu os animais em sua Carta Política através de emenda constitucional.
2.2 A proteção dos animais no direito brasileiro
A primeira legislação de proteção aos animais, em âmbito federal, no Brasil foi o Decreto 16.590, de 1924, que regulamentava as atividades das Casas de Diversões Públicas. Na referida norma proibia-se as corridas de touros, garraios e novilhos, brigas de galos e canários, dentre outras diversões que causassem sofrimento aos animais.
Porém o verdadeiro reconhecimento da proibição de maus-tratos contra animais teve início em 10 de julho de 1934, no Governo Provisório de Getúlio Vargas, ao ser promulgado o Decreto Lei n° 24.645, que tornava contravenção os atos de maus tratos aos animais. Já em 1941, esta proibição foi incluída na Lei Federal n° 3.688, que disciplina acerca das Contravenções Penais.
No ano de 1967 foi editado o Decreto-lei n° 221/67, denominado Código de Pesca, versando acerca da tutela dos animais aquáticos. Em 05 de janeiro do mesmo ano surgiu também o Código de Caça Proteção a Fauna.
A Lei Federal n° 6638, que instituiu as Normas para a Prática Didático-científica da Vivissecção de Animais, foi criada em 08 de maio de 1979 e revogada pela Lei Federal nº 11.794, de 08 de outubro de 2008, que dispõe acerca da permissão da prática de vivissecção de animais para fins didáticos, disciplinando as condições para sua realização, como por exemplo: permitindo a experimentação animal somente em casos de não haver qualquer outro meio, e quando se permite que ocorra, faz-se necessário que o animal seja anestesiado, somente sendo sacrificado se não houver forma de salvá-lo, e se podendo permanecer vivo após o procedimento, o animal será doado para quem possa dispensar-lhe os cuidados necessários.
Todavia a criação desta lei foi uma decepção legislativa muito criticada, pois se trata de um pensamento retrógrado e uma grande amostra de ignorância não justificada, tendo em vista todas as modernas técnicas científicas de que dispomos.
Em 1981, promulgou-se a Lei Federal 6.938/81, de Política Nacional do Meio Ambiente, trazendo em seu conteúdo definições acerca do que seria o meio ambiente, poluição, recursos ambientais, disciplinou a ação governamental, a responsabilidade civil e administrativa pelos danos causados ao meio ambiente. Também instituiu o estudo prévio de impacto ambiental (EIA), e o relatório deste estudo (RIMA). Definiu também os animais não humanos como parte do meio ambiente, tornando-os assim, bens públicos de interesse difuso.
Quatro anos depois foi instituída a Lei Federal 7.347, que versava acerca da proteção dos interesses difusos e instituindo a ação civil pública, por danos ocasionados ao meio ambiente, no qual incluísse a fauna.
No ano de 1988, a legislação brasileira deu um grande passo, que apesar de ainda não ser o pensamento inteiramente correto, foi uma amostra de que o Poder Legislativo começava a se interessar pelo bem estar animal, ao passar a caracterizar crimes inafiançáveis os atentados aos animais silvestres nativos, com a alteração dos artigos 27 e 28 da Lei Federal 5.197/67, dentro do “Programa Nossa Natureza”. Porém, os maus tratos cometidos contra animais domésticos e exóticos permaneciam como contravenções. O que foi um grande erro, pois todos deveriam ser tratados da mesma forma tendo em vista que a conduta do autor é a mesma, ainda que se tratando de espécies diferentes, o que deveria gerar a mesma punição.
A maior organização de bem estar animal do mundo é a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA) representada por mais de mil afilhados em diversos países. E foi em 1989 que ela passou a atuar no Brasil, quando apoiou a Santa Catarina na luta contra a Farra do Boi e divulgou esta prática internacionalmente.
Desde 1991 quando instalou no País seu primeiro escritório, a WSPA realizou diversos projetos de grande impacto, como por exemplo a libertação do golfinho Flipper, o último que permanecia em cativeiro no Brasil.
Pouco depois, na cidade de São Paulo ocorreu um grande marco da história da proteção animal, foi discutido na primeira Conferência Internacional Pet Respect, no ano de 1995, o controle humanitário de população de cães e gatos.
Em meados de 1993, advogados ambientalistas, discutindo acerca dos direitos dos animais, entenderam que o meio ambiente demandava um interesse maior, sendo assim formada uma comissão interministerial composta pelos mais ilustres advogados ambientalistas e penalistas, vinculada aos Ministérios do Meio Ambiente e Justiça, sob a presidência do Desembargador Gilberto Passos de Freitas.
A Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal (LPCA) enviou a esta comissão uma proposta de projeto de lei para criminalizar os maus tratos contra animais, independentemente de sua natureza, e editou o livro “Liberticídio dos animais”, onde os crimes cometidos contra os animais foram relatados com mais de cem legendas e fotos. Esse material foi distribuído não só à comissão de juristas, como aos Deputados e Senadores, que depois votariam o projeto de lei.
Uniram-se, com vistas à inclusão da proteção aos animais na Constituição Federal de 1988, a LPCA, com a União dos Defensores da terra (OIKOS), presidida por Fábio Feldman, Deputado Federal eleito por São Paulo, e ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), e à Associação Protetora dos Animais São Francisco de Assis (APASFA), visando um abaixo-assinado com 30.000 assinaturas.
Todavia não houve necessidade, pois o legislador constitucional, consciente da grande diversidade que o Brasil possui em ecossistema, fauna e flora, dedicou um capítulo inteiro da Constituição à preservação do meio ambiente, dentro do qual estabeleceu no artigo 225, §1, VII, a proteção animal, imputando ao Poder Público a função de curador da fauna e da flora, proibindo quaisquer atos que prejudiquem o ecossistema ou que submetam animais a crueldade.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. (CRFB, 1988) [5]
Para a criação deste artigo, foi realizada uma cerimônia no dia 5 de junho de 1987, em Brasília, no auditório Nereu Ramos, onde o Deputado Fábio Feldman designou um ecologista de cada região do país para defender o referido artigo.
Entretanto se trata de um preceito constitucional irrisório, diante do objeto que este artigo protege, pois o planeta deve ser considerado como um grande ser vivo, devendo-se respeitar todos que vivem nele, independente se trata de homens ou animais.
Desde então, seguiu-se a criação de diversas leis versando acerca dos direitos dos animais e disciplinando as diversas formas de punições para os infratores.
Foi promulgada em 1998 a Lei Federal n° 9.605, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais (LCA), dispondo sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estipulando penas para quem as descumpre.
Reza o artigo 32 da referida lei, acerca das punições para aqueles que praticam qualquer tipo de maus tratos contra animais, sejam eles domésticos, domesticados, nativos ou exóticos.
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.” (Lei Federal 9.605, 1998) [6]
Dentre seus oitenta e dois artigos, tomamos como exemplo o fato de considerar como agravante de pena a infração cometida com emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais. Ou determinando que os animais apreendidos serão libertos em seu habitat ou entregues a zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, sob a responsabilidade de técnicos habilitados. Tornando crime a introdução de animais no País, sem a devida autorização, os maus-tratos, as experiências dolorosas ou cruéis praticadas em animais vivos, aumentando a pena se ocorrer morte do animal, dentre outras providências. Todavia as penas aplicadas a tais crimes são, vergonhosamente, insignificantes, todas passíveis de Suspensão Condicional do Processo.
E assim foram sendo criadas normas pelos Estados que passaram a disciplinar suas próprias regras de proteção ambiental.
O Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado a instituir um Código Estadual de Proteção aos Animais, através da criação da Lei Estadual nº 11.915 em 21 de maio de 2003.
Em São Paulo foram sancionadas diversas normas, como a Substitutiva ao Projeto de Lei Estadual 116/2000 disciplinando a criação, propriedade, posse, guarda, uso e transporte de cães e gatos no Município de São Paulo. E sendo mais um Estado a criar um Código de Proteção aos animais, projeto de lei n° 707 de 2003, criado pelo deputado Ricardo Trípoli, que em 25 de agosto de 2005 se tornou a Lei Estadual n° 11.977.
O Estado de São Paulo aprofundou ainda mais os mecanismo de proteção, sendo que em 05 de março de 2010 foi criada, na cidade de Campinas, a Primeira Delegacia de Proteção aos Animais. Numa cerimônia realizada no Salão Azul da Delegacia Seccional da Polícia Civil, o Delegado Geral Adjunto, Dr. Paulo Bicudo, assinou o documento normatizando a criação da Delegacia. Esta funcionaria no 4º Distrito Policial (Taquaral), sob o comando da Delegada Dra. Rosana Mortari, e concentraria todos os casos envolvendo maus tratos aos animais de Campinas.
Em 22 de julho de 1992 foi criada, no Rio de Janeiro, a Lei Estadual 2.026, proibindo em todo o território fluminense espetáculos e atividades que implicassem maus tratos aos animais. Ainda no mesmo Estado, foi instituída a Lei Estadual 3351 de 05 de janeiro de 2000, autorizando a criação do Fundo Estadual de Proteção Animal (FEPA), para auxiliar as atividades relacionadas aos fins específicos de defesa animal pelos órgãos públicos e privados. Além destas, foram criadas, ainda no Rio de Janeiro, diversas leis visando o bem estar animal, como a Lei Estadual 3.692 de 26 de outubro de 2001, dispondo acerca da permanência de veterinários em locais de exibição e exposição de animais; a Lei Estadual 3.714 de 21 de novembro de 2001, proibindo, assim como em vários outros Estados e Municípios, a participação de animais em circos, dentre outras. E em meio a várias outras normas de proteção aos animais, o Rio de Janeiro, foi mais um dos muitos Estados a criar um Código Estadual de Proteção aos Animais, através da Lei 3.900 de 19 de setembro de 2002.
No Estado de Minas Gerais não podia ser diferente. Em Belo Horizonte, foi criada a Lei Estadual 10.148 de 24 de março de 2011, disciplinando acerca, principalmente, do estímulo à adoção de animais domésticos, em que o Estado disponibilizaria praças e parques para realização de feiras em que estariam à mostra animais sujeitos a adoção, promoveria palestras para conscientização da população acerca do correto tratamento a ser dispensado aos animais, realizaria programas para controle de população de gatos e cachorros através de esterilização, dentre outras propostas de apoio aos direitos dos animais.
Os Estados, em geral, vêm se mobilizando por uma causa em comum. Em todo o Brasil se encontram leis, sejam feitas pelos próprios Estados, ou pelos Municípios, proibindo que se instale em seu território circos que tenham participação de animais. Estas legislações estão se tornando cada vez mais comuns, como, por exemplo, a Lei Estadual 2.746, de 22 de agosto de 2007 em Tangará da Serra (MT); em Curitiba (PR), a Lei 12.467, de 25 de outubro de 2007 ;em São Paulo (SP) a Lei 14.014, de 30 de junho de 2005; em Santos Dumont (MG), a Lei 3.859, de 28 de novembro de 2006; Porto Alegre (RS), a Lei Complementar 479, de 30 de setembro de 2002, dentre outas tantas criadas por todo o país. Isto faz com que a maioria dos circos se preocupe em planejar apresentações que interessem à população sem incluir animais em seus espetáculos, tendo em vista que hoje em dia proteção aos animais tem cada vez mais importância e ganha força de lei.
Atualmente se encontra em discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 7291/2006 visando o fim do uso de animais em circos em todo o território brasileiro, para que os Estados e Municípios que ainda não instituíram normas neste sentido se utilizem desta para proibir que espetáculos com animais continuem ocorrendo nesses lugares.
O Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) enfatizam seu posicionamento contra a utilização de quaisquer espécies, exceto a humana, em circos. Tal Projeto de Lei conta, ainda, com o apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que já se posicionam publicamente a favor da proibição federal do uso de animais em circos.
O Projeto foi aprovado por unanimidade em três comissões da Câmara dos Deputados: Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), Comissão de Educação e Cultura (CEC) e Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Para que esta ideia seja concretizada, se faz necessário, apenas, a conclusão do trâmite no Congresso Nacional e a apreciação pelo Presidente da República.
O Procurador de Justiça licenciado, e então Deputado Estadual, Fernando Capez, escreveu um artigo para a associação do Ministério Público de São Paulo tratando do projeto de Lei Federal n 4.548/98 que propõe a modificação da redação do artigo 32 da Lei dos crimes ambientais. Pretende-se, com esta propositura, que o referido artigo deixe de considerar criminosos os atos de maus-tratos conferidos aos animais domésticos e domesticados, somente mantendo a proteção em favor dos animais silvestres, nativos ou exóticos. A justificativa é de que a proteção aos animais domésticos e domesticados está ferindo as tradições culturais e econômicas, como a farra do boi, por exemplo.
Tal dispositivo não faz sentido, pois ambos sentem as mesmas dores e sofrimentos. Além disso, tradições e valores econômicos não são suficientes para justificar a morte de seres inocentes. Nas palavras de Capez:
“Por que proporcionar tratamento díspar a situações assemelhadas? A reprovabilidade da conduta do autor não é a mesma em ambas as formas de crueldade praticadas, isto é, não estaríamos diante do mesmo desvalor da ação, o que conduziria a idêntica punição?” (CAPEZ, 2011)[7]
Até mesmo o Ministro do Meio Ambiente à época, Carlos Minc, se posicionou contra o referido projeto do ex-Deputado José Tomaz Nonô, alegando que deve haver incentivo à cultura; todavia, não se pode permitir abusos contra animais.
Ainda no ano de 2010, Fernando Capez formulou pedido ao Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo que encaminhasse à Assembleia Legislativa daquela unidade da federação um projeto de lei visando a criação da primeira Promotoria de Defesa Animal, visto que a Promotoria do Meio Ambiente estaria de atribuições referentes à todo o meio ambiente, prejudicando a efetiva proteção aos animais.
Com o implemento da referida Promotoria esta terá como função proteger os animais domésticos, domesticados, nativos e exóticos, obedecendo, assim, os preceitos constitucionais do artigo 225 § 1°, VII e artigo 32 da Lei Federal 9.605/98.
Além destas, existem muitas outras leis por todo o Brasil reconhecendo os direitos dos animais. E dada a evolução que o país segue, a passos largos, neste sentido, o que se espera é que ocorram, em números cada vez mais elevados, leis que não só protejam os animais, mas também reconheçam seus direitos perante os seres humanos.
3.1 A pratica da vivissecção no mundo
Vivissecção literalmente significa “cortar vivo”. Este termo é usado ao se referir a qualquer forma de experimentação animal que implique em intervenção, com objetivo de observar um fenômeno, uma alteração fisiológica ou estudo anatômico.
Esta prática é demasiada antiga. Estudos mostram que, provavelmente, Galeno (129-210 d.c), em Roma, foi o primeiro a realizar vivissecção com objetivos experimentais, ou seja, testar variáveis através de alterações provocadas nos animais. Todavia, a ideia da semelhança entre o corpo humano e o de animais já era considerada desde Hipócrates (450 a.C.), o pai da medicina ocidental, que relacionava este aspecto, alegando propósitos didáticos.
Posteriormente, com o início das religiões judaico-cristãs, a vivissecção se tornou algo permitido pela própria bíblia, de acordo com interpretações errôneas que colocavam os animais em situação de inferioridade ante os seres humanos, pois eles teriam sido criados por Deus para servir os homens, criaturas à sua imagem e semelhança.
Finda a Idade Média, surge, então, o Renascimento, época que tornou o antropocentrismo mais aparente, visando o bem-estar apenas do ser humano, utilizando-se todos os recursos da natureza para atingir tal objetivo.
No século XVII, com o racionalismo moderno, surgiu a teoria do animal-máquina de René Descartes.
Descartes acreditava que a natureza agia nos músculos e órgãos dos animais como as molas de um relógio, fazendo com que eles se movimentassem. Também achava que estes seres eram desprovidos de alma, razão, linguagem, pensamento e consciência e que os sons que produziam, muito embora se assemelhassem ao choro, gemido ou grito de dor de um ser humano, não eram da mesma natureza, assemelhando-se muito mais a ruídos e sons de objetos em atritos.
O químico francês Gallien, no século XIX, foi um dos pioneiros na prática da vivissecção, tendo como um de seus muitos seguidores o médico francês Claude Bernard, que escreveu a “Introdução à medicina experimental”, considerada a “bíblia dos vivissectores”. Bernard teorizava acerca da lógica científica do uso de cobaias, afirmando que “faz parte da postura do cientista a indiferença perante o sofrimento das cobaias”.
Todavia, até mesmo o próprio autor do livro mais lido da época pelos cientistas a favor da experimentação animal, reconhecia as grandes possibilidades de falha desta prática:
“É realmente certo que, para problemas de aplicação imediata à prática médica, as experiências feitas no homem são sempre as mais concludentes. Nunca ninguém disse o contrário; somente, como não é permitido pelas leis da moral nem pelas do Estado realizar no homem experiências imperiosamente exigidas pelo interesse da ciência, proclamamos bem alto a experimentação em animais (…)” ( BERNARD, 1978 apud TINOCO, 2008)[8]
Bernard mantinha um laboratório e um biotério nos porões de sua residência, de onde se podia ouvir, dia e noite, os gritos desesperados dos animais que eram ali diariamente torturados. Por este motivo, acredita-se que sua filha e esposa, Marie Françoise Bernard, verdadeiras amantes de animais, fundaram a primeira sociedade antivivisseccionista francesa, após abandonarem-no em reação aos horrores que presenciavam em sua própria casa.
Esta idéia persiste até os dias atuais, com a criação de movimentos antivivisseccionistas por todo o mundo, inclusive no Brasil, tendo como uma das pioneiras do movimento, desde 1983, a advogada ambientalista Edna Cardozo Dias. O argumento dos filiados a esta corrente se baseia na inutilidade das experiências feitas em animais, no atraso e prejuízos causados à ciência por utilização de tais práticas, e principalmente, no desrespeito aos animais, pois acreditam que os seres humanos não têm o direito de sacrificar vidas em benefício próprio.
É praticada no Brasil a vivissecção ou a matança de animais para fins didáticos em cursos de Medicina, Medicina Veterinária, Biologia, dentre outros voltados para a área científica. Porém, há uma tendência mundial para a substituição dos animais vivos por cadáveres, o que já ocorre em inúmeras Universidades.
Na Europa já são utilizados, nas salas de aulas, métodos alternativos, como vídeos demonstrativos e programas de computador, produtos e modelos sintéticos do corpo humano ou de animais.
Nos Estados Unidos, quase 70% das Universidades, incluindo Harvad, não utilizam animais vivos. Na Itália grande parte também já excluiu de suas aulas tais práticas de intervenção. Na Inglaterra e Alemanha já foi totalmente abolido. Formam-se grandes profissionais sem uso de vivissecção. Na Grã Bretanha, Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda, quem pratica experiência com animais vivos está infringindo a lei, inclusive estudantes de medicina, veterinária e outros cursos.
O Brasil se mostra um país atrasado e de terceiro mundo neste sentido, pois grande parte das suas universidades ainda se utilizam de animais para teste em aulas. Todavia, há exceções: desde 2000, a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (USP) trocou a vivissecção por animais mortos devido a causas naturais, e realizam castração em cães e gatos levados por seus proprietários. Ou seja, além de não torturar ou matar seres vivos, eles ajudam na redução de procriação destes animais.
Esta troca proporcionou aos alunos maior desempenho profissional, pois possibilita que os estudantes foquem sua atenção na tarefa que estão efetuando, sem a pressão de estar provocando sofrimento em um animal, ou até mesmo tirando uma vida, ao invés de salvá-la, já que este é o verdadeiro ofício para o qual estão se formando.
Foram feitas várias pesquisas e notou-se que os estudantes que utilizaram os métodos alternativos alcançaram o mesmo ou até mais alto nível de aprendizado que os alunos que usaram os métodos convencionais de vivissecção, visto que o corpo, sistema nervoso, ossos, circulação sanguínea, etc, dos animais, são muito diferentes do ser humano. Raramente possuímos a mesma resposta fisiológica que um animal frente a um mesmo estímulo, por exemplo, a aspirina, que é usada como analgésico para o homem causa teratogênese em ratos, uma doença que causa anomalias no útero levando à malformações dos fetos. A beladona, veneno para os seres humanos é inofensiva para cabras e coelhos, a morfina, que provoca sedação em pessoas causa excessiva excitação em cães e gatos. O que consideramos alimentos para nós, como a salsa e a amêndoa são fatais para alguns animais, a primeira mata papagaios, e a segunda é toxica para cães.
É importante salientar que veterinários, médicos e educadores, de todo o mundo, são contra a vivissecção, tanto pelo lado científico quanto pelo lado emocional dos estudantes que participam desta prática, pois como se esperar que jovens cirurgiões desenvolvam sensibilidade se os é ensinado tirar a vida de animais saudáveis. Afinal, se um futuro médico está aprendendo seu ofício matando criaturas, dificilmente terá incentivo necessário para salvar alguém. Tal ato é tão brutal que a lei 11.794, de 8 de outubro de 2008veda a vivissecção em estabelecimentos de ensino de 1° e 2° grau e em quaisquer lugares frequentados por menores de idade.
Os professores concordam que todo aluno de medicina deve ter contato com um tecido vivo em uma operação. Todavia, deve ser o tecido vivo de um ser humano, e em uma operação real com auxílio de um cirurgião experiente.
Dr. Stefano Cagno, médico cirurgião na Itália, membro do Comitato Scientifico Antivivisezionista em Roma, autor do livro "Sobre animais e pesquisa", perguntado a respeito do tema, assevera;
“O uso de animais na pesquisa médica e científica não traz nenhum benefício ao progresso científico. Os animais possuem uma anatomia diferente da do homem e uma consistência/estrutura dos tecidos também diferente. O cirurgião depois de ter experimentado as técnicas nos animais, passa para o homem que será a verdadeira cobaia experimental. Os cirurgiões experimentais, convencidos que aquilo que viram nos animais tem validade para o homem, no momento que passam para este último, se tornam menos prudentes do que deveriam ser, e consequentemente fazem mais danos.” (CAGNO, 1999 apud GREIF, TRÉZ, 2000, p.16)[9]
De acordo com Rita Leal Paixão, professora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense, pesquisadora de ética aplicada e bioética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz: “A questão é moral. Se há um dilema em usar animais, então temos de buscar alternativas. Mas, se os usamos sob o argumento de que não há alternativas, então nunca vamos encontrá-las”. (PAIXÃO, 2001)[10]
A utilização de animais para descoberta de drogas objetivando a cura de doenças humanas é falha. Pode-se verificar na própria história desta prática, inúmeras mortes de pessoas por se medicarem com remédios que nem se quer afetaram as cobaias utilizadas para testes, como, por exemplo, a diabetes, a vacina contra poliomelíte, que resultou em perda irreversível do olfato de crianças que foram imunizadas pelo remédio. Mesmo os transplantes de órgãos, que embora, exaustivamente testado em animais, não evitou que as primeiras aplicações a pacientes humanos fossem mal-sucedidas, causando morte ou sofrimento prolongado aos receptores.
3.2 A discutida legalidade da vivissecção
A vivissecção embora retrógrada e reconhecidamente falha por médicos e veterinários renomados, e em desacordo com o art. 225 §1º, VII CF, que veda qualquer tipo de crueldade contra animais, encontra apoio na legislação brasileira, através da Lei Federal n°11.794, de 8 de outubro de 2008.
Tal lei, apesar de ser conivente com a vivissecção, estabelece normas para que esta prática seja controlada no país, como a instituição das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) e do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), que têm a finalidade de verificar se a lei está sendo cumprida, credenciar as instituições que terão permissão de criar e utilizar animais para pesquisas, cadastrar os procedimentos e as pesquisas realizadas ou em andamento, avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais para pesquisas, dentre outras normas de fiscalização dispostas na Lei. Todavia, estes órgãos tem sua imparcialidade discutida, pois os pesquisadores persistem na ideia de necessidade de utilização animal para experimentos. Portanto, dificilmente será feito um trabalho voltado a substituição do uso de animais.
A referida lei também dispõe acerca dos estabelecimentos que poderão utilizá-la, e, de forma contraditória, determina que a morte dos animais se dê por meios “humanitários”, envolvendo um mínimo de sofrimento mental e físico. Ora, como unir os termos “permitir a morte dos animais” com “mínimo de sofrimento”? O que poderá significar estes “meios humanitários”? Seria engaiolar seres vivos, criá-los em cativeiros até que chegue o momento em que serão entregues nas mãos de seus executores para que sirvam de experiências frustradas ou para que sua morte seja usada como espetáculo para alunos em cursos de medicina ou veterinária? Ao estabelecer que sejam utilizados meios que minimizem a dor, o legislador acredita estar fazendo um favor aos seres que serão sacrificados? Ao invés de diminuir o sofrimento, este deveria ser extinto. Em pleno século XXI o homem já tem conhecimento suficiente para não mais tratar os animais como objetos e reconhecê-los como seres dotados de sensibilidade, deixando de usar suas vidas em serviço dos humanos.
Uma lei criada para regulamentar a morte já é algo desumano e pré-histórico. Se ainda fosse permitido que estes assassinatos ocorressem de formas ainda mais dolorosas e excessivamente agoniantes, sem uso de anestésicos, nem se importando com o sofrimento dos animais, estaríamos contradizendo o artigo 5°, XLIII, da nossa Constituição, que trata, dentre outros, a prática da tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Pois, se consideramos tal atitude algo tão cruel para ser praticado contra as pessoas, também deveríamos ver o fato de torturar animais como uma prática absurda, tendo em vista que sentem tantas dores quanto nós, pois se não fosse desta forma, não haveria que se falar em testar em animais medicamentos para seres humanos.
Não podemos considerá-los nossos semelhantes apenas no momento de usar sua vida a nosso serviço. Temos que tê-los como iguais também na hora de evitar a eles qualquer situação pela qual não submetemos o homem.
Neste contexto, o advogado Daniel Braga Lourenço, escritor do livro Direito dos Animais: Fundamentação e Novas Perspectivas, em uma entrevista para o Observatório Eco, posicionou-se da seguinte forma:
“A pesquisa científica que faz uso de animais convive com um paradoxo insolúvel, qual seja: ou os animais são iguais a nós em todos os aspectos biológicos relevantes e não devemos levar adiante a pesquisa não consentida pelas mesmas razões pelas quais não a conduzimos em seres humanos, ou os animais são diferentes de nós nesses mesmos aspectos e, por esse motivo, pela impossibilidade real de extrapolação e derivação de resultados, a pesquisa seria igualmente injustificável do ponto de vista técnico.” [11]
A Lei n°11.794, em seu art. 14, ainda dispõe que a prática da eutanásia só deve ser utilizada quando não for possível salvar o animal após o procedimento. Deve-se filmá-las para que não precise repeti-las desnecessariamente, utilizar o mínimo de animais e o menor tempo de duração possível para concluir a pesquisa, proibir que se utilize o mesmo animal depois de atingido o objetivo desejado. Mas este dispositivo só será válido quando o procedimento for considerado traumático, porém não define qual será o limite.
Os experimentos podem ser feitos no mesmo animal, observando o tempo de duração de apenas uma anestesia, devendo ser sacrificado antes de recobrar a consciência. Tudo isso, obrigatoriamente, deverá ocorrer estando a cobaia sedada, com o uso de analgésicos ou anestésicos adequados, sendo vedada a substituição destes por relaxantes musculares ou derivados. Todavia esta sedação não impede o sofrimento do animal, pois na maior parte das vezes envolve um angustiante período pré e pós operatório, que pode levar meses para melhorar, ou em alguns casos, ser tão intenso que leve o animal ao óbito. Ademais, a própria lei determina a adoção dos chamados métodos alternativos, que por sinal já existem, de modo que o uso de animais pode ser considerado crime, levando-se em conta sua desnecessidade ante a existência de outras fontes. Em outras palavras, nota-se que a vida destes seres é desprovida de importância, pois não se fala em anestesiar seres humanos e depois matá-los se uma cirurgia para algum tipo de demonstração ou experiência lhes causar tormentos tais que lhes seja mais vantajosa a morte.
Ainda no artigo 14, em observação ao § 2º, dispõe que quando os animais usados nas pesquisas ou demonstrações não forem submetidos á eutanásia, eles poderão sair dos biotérios após a intervenção e serem entregues aos cuidados de pessoas idôneas ou entidades de proteção animal, devidamente legalizadas, que se responsabilizem por seus cuidados. Todavia, ignora-se o quanto estas experiências podem ser dolorosas para estes seres, que terão toda uma vida pela frente para se acostumarem a dores que talvez não cessem, somados os demais traumas causados pelas intervenções.
Na visão Constitucional, como dito anteriormente neste capítulo, a Lei nº 11.794/08, também chamada de “Lei Auroca”, está em desacordo com o disposto no artigo 225 §1º, VII, que veda os atos abusivos ou cruéis contra os animais, tendo em vista que é de conhecimento geral que as experiências realizadas em laboratórios geram sofrimento aos seres aos quais são submetidos. Utilizá-los para introduzir vírus que não são comuns à sua espécie, instalar dispositivos dentro de seus órgãos, cortar seus corpos para demonstrações, aplicar-lhes excessivas doses de anestésicos e analgésicos para aliviar-lhes as dores causadas pelas intervenções, todas estas e várias outras práticas afrontam diretamente nossa Carta Magna.
A própria “Lei Arouca”, em seu artigo 14, § 3º, e a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), em seu artigo 32, § 1º, estabelece o princípio de que a experimentação em animais é atividade excepcional, que nunca deve ser realizada se existirem métodos substitutivos à prática. Todavia, o entendimento que prevalece é de que estas experiências são tidas como um “mal necessário”,o que para os atuais tempos não se justifica, tendo em vista que este pensamento não passa de comodismo, pois não se vê importância suficiente na vida destes seres para que os cientistas e pesquisadores se mobilizem para descobrirem outros meios de aperfeiçoarem seus experimentos. O que resulta em uma verdadeira involução para a ciência, tendo em vista que alguns prejuízos causados ao organismo humano como os provocados pelo álcool, fumo, amianto, metanol, dentre outros não puderam por muitos anos ser considerados danosos, pois não produziam qualquer efeito em animais.
O próprio legislador trata dos animais como bens móveis ou semoventes, propriedades dos seres humanos, e nos coloca como únicos sujeitos de direito, sem se aterem ao significado implícito na Constituição Federal reconhecendo os animais como seres possuidores de direitos ao vedar os maus tratos a eles. Desta forma, pode-se notar certa conveniência na criação destas leis que protegem e, ao mesmo tempo, expõe a vida dos animais, pois foram instituídas não para proteção destes seres desprovidos de fala, e sim para atenderem as necessidades humanas.
A ética para com os animais é um tema bastante visado, e vem tomando proporções cada vez maiores nos tempos atuais. Todavia, a preocupação com estes seres já causa discussões filosóficas há anos atrás.
Idéia bastante conhecida é a chamada reformista (Welfarista), ou corrente do bem-estar animal, iniciada em 1926 com a fundação da University of London Animal Welfare Society (ULAWS) pelo prefeito Charles Hume, baseada na doutrina utilitarista de Jeremy Bentham que visava a maior felicidade, não do próprio agente, mas do maior número de seres envolvidos. Os seguidores se preocupam em utilizar o mínimo de animais em experiências e adotar todas as formas possíveis para diminuir seu sofrimento.
A teoria dos 3R’s, proposta por Burch e Russel em 1959, é compartilhada por muitos cientistas. Ela se refere, respectivamente, às expressões:
– Replacement: procura substituir animais por outros métodos que utilizem materiais que não tenham sensibilidade.
– Reduction: busca diminuir o uso de animais em experimentos, utilizando outros meios, como análises estatísticas mais apuradas, programas em computador e outros.
– Refinement: visa minimizar ao máximo o sofrimento do animal, se valendo de drogas anestésicas.
Como dito anteriormente, a experimentação animal, embora reconhecida legalmente, se trata de um procedimento cruel, e, de certa forma, contrário ao ordenamento jurídico e à ética profissional. Nota-se que tal procedimento leva nossa ciência para caminhos obscuros, em que utilizam vidas alheias para testar medicamentos, aulas práticas de cirurgia e, até mesmo, produtos de beleza. Em outras palavras, mata-se para descobrir formas de embelezar os humanos.
Esta não deveria ser uma prática reconhecida por lei, tendo em vista que todos os dispositivos legais, e até mesmo a própria lei Auroca, determinam que as experiências só poderão ser efetuadas em animais quando necessárias e não havendo outros meios. A procura excessiva dos seres humanos pela juventude não pode ser vista como algo necessário, ao menos não ao ponto de decretar a morte de um ser. A criação de produtos de beleza e higienização são importantes para a população. Porém, não se faz necessário exterminar vidas para atingir esta finalidade, levando-se em conta que o homem possui diversos meios mais eficientes para tais descobertas. A Inglaterra, por exemplo, proíbe o teste em animais desde 1993 e a importação e comercialização de cosméticos testados nesses seres desde o início deste ano. No Canadá é proibido, desde 2010, qualquer experiência feita em animais e a União Europeia vai pelo mesmo passo. Ora, se tantos países conseguem sobreviver sem esta prática hedionda, qual seria o motivo de continuar utilizando-a em outros? Se já existem diversos países que não mais utilizam tais meios é sinal de que existem alternativas eficazes, por isso a proibição já deveria existir em todo o mundo.
Ao realizar os experimentos em laboratórios ou em salas de aulas, os cientistas e professores não podem esquecer da determinação legal para apenas utilizar os animais em caso de não existir outros meios, como dispões o artigo 32° §1 da Lei de Crimes Ambientais, tendo em vista que não é bem verdade que tais atos carecem de outros meios para serem realizados, pois como já exposto acima, se tratando de estudos ministrados em cursos são evidentes os vários meios disponíveis, e para pesquisas em laboratórios não é diferente.
Os cientistas e demais profissionais das áreas de medicina e veterinária têm o dever de procurar por tais alternativas, de criar novas formas de efetuar suas experiências, visto que se sabe que a vivisseção não é o meio mais seguro e desprovido de erros. Muito pelo contrário, são cada vez mais claras suas falhas.
Assim o ordenamento jurídico não pode continuar permitindo que tal fato ocorra, pois se não for através do reconhecimento dos direitos dos animais, ao menos por saber que o referido meio acarreta prejuízo para os homens.
A situação é tão grave que já há relatos de estudantes que se sentiram tão incomodados em realizar experiências em animais que recorreram à justiça para conseguir o direito de não participar das aulas em que fossem praticadas vivissecção, como Robér Bachinsk da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E seguindo o exemplo dos alunos que se viam prejudicados ao serem coagidos pelas técnicas de ensino utilizadas, a própria Universidade gaúcha aboliu o uso de animais em sala.
Ora, como se falar em legalidade de uma norma que abre brecha para que pessoas possam requerer ao Poder Judiciário que as livrem de cumprirem-na, valendo-se do argumento de que seu conteúdo vai de encontro com os princípios éticos da própria matéria utilizada como fundamento para sua permissão.
Boa parte dos profissionais voltados à área médica, e de juristas, doutrinadores dentre outros diversos estudiosos de legislação e ética concordam com a extinção de tal barbárie, tanto que os alunos que requereram seu afastamento de aulas envolvendo vivissecção obtiveram êxito, fato que demonstra o quão desnecessária e contrária ao ordenamento é a autorização concedida pela lei 11.794/08.
Ao estabelecer na Constituição, em seu artigo 225 §1°, VII, que não se deve usar de maus tratos contra animais, o legislador pretende deixar claro à todos o erro que perdura há anos, a visão equivocada de que animais foram criados para nos servirem, e demonstrar que estes seres existem no mundo para serem respeitados. Fazem-se, até mesmo, leis para protegê-los e a maior prova disto é a proteção deles estar disposta na própria CF. Mas o legislador infraconstitucional parece não se ater a este fato e cria normas permitindo o abuso contra os animais, negando-lhes um direito que lhes pertence, aquele inerente a todo ser, a vida.
O tratamento destinado, pelos seres humanos aos animais, pode-se dizer, equivale ao racismo, como diz Peter Singer, autor do livro Animal Liberatiom, tal discriminação configura especismo. Nas palavras do filósofo:
“Há animais cujas vidas, por quaisquer critérios, são mais valiosos que as vidas de alguns seres humanos. Um chimpanzé ou um porco tem um grau mais alto de autoconsciência e uma maior capacidade de relações significativas do que uma criança com uma doença mental séria (…) Ou seja: quem admite cortar um macaco em nome da ciência teria que admitir também cortar uma criança com paralisia cerebral, por exemplo.” [12]
Alguns defendem a lei Auroca argumentando que trouxe formas de diminuir o uso de animais em pesquisas. Todavia, observa-se um grande retrocesso na legislação brasileira, posto que a ideia da criação de uma nova lei dispondo acerca da vivissecção gerou inúmeras expectativas aos antivivisseccionistas, que tendo acesso ao conteúdo da norma, se revoltaram com o pensamento primitivo do legislador ao implementar uma norma regulando maus-tratos, deformações, formas de levar um animal a sentir dor, adquirir doenças, perder movimentos, prendendo-os, ferindo, quebrando, escalpelando, queimando, seccionando, mutilando ou, finalmente, uma lei que regulariza a morte.
Para um ordenamento jurídico que se baseia na vida, na conservação de um meio ambiente saudável, respeitando todos os seres vivos, muito se contradiz ao sancionar uma lei permitindo tamanho desrespeito aos animais. O caso não seria diminuir as intervenções em animais, e sim extingui-las por completo.
Muito surpreende que até os dias atuais ainda se vote a favor da implementação de uma norma que não reconheça a crueldade da experimentação animal.
É inacreditável como pode haver pessoas que defendam um pensamento de indiferença quanto aos animais, considerando-os iguais apenas em seu interior físico, só para servirem aos humanos.
Como se não bastasse utilizarem de sua carne para comer, de sua pele para vestir, também é preciso abrir seus corpos para estudar meios de beneficiar a ciência, pois o ser humano não aceita usar métodos alternativos.
Quão démodé é este pensamento, pois até mesmo em meados dos anos de 1700, já havia quem discordasse de ideia tão precária. François Marie Arouet, conhecido como o filósofo Voltaire, já dizia:
“Algumas criaturas bárbaras agarram nesse cão, que excede o homem em sentimentos de amizade; pregam-no numa mesa, dissecam-no vivo ainda, para te mostrarem as veias mesentéricas. Encontras nele todos os órgãos das sensações que também existem em ti. Atreve-te agora a argumentar, se és capaz, que a natureza colocou todos estes instrumentos do sentimento no animal, para que ele não possa sentir? Dispõe ele de nervos para manter-se impassível? Que nem te ocorra tão impertinente contradição na natureza.”(VOLTAIRE, 1978, p. 97) [13]
Os vivissectores utilizam-se de uma frase bastante conhecida para justificar seu posicionamento favorável à experimentação animal, qual seja: “Você prefere salvar seu filho ou um rato de laboratório?” tal indagação encontra resposta bastante peculiar de Stefano Cagno, médico cirurgião italiano, que diz:
“Preferimos salvar tanto a criança quanto o rato porque, além das explicações científicas segundo as quais a experimentação animal pode causar também a morte da criança, é importante entender que uma ciência que adota o princípio de que os fins justificam os meios é uma ciência doente, para a qual qualquer atrocidade, até contra o homem, poderá ser legitimada” (…) [14]
Stefano foi muito sábio ao usar tais palavras, pois, além de ser provado cientificamente que testes feitos em animais são muito propensos a erros, o que se falar de uma sociedade que defende uma teoria tão ultrapassada como a de Maquiavel? Até que ponto chegarão aqueles que acreditam que um ser deve morrer para satisfazer nossos desejos e curiosidades científicas?
Estamos próximos de abolir tal pensamento retrógrado, tendo em vista que grande parte de médicos, cientistas e veterinários já abriram seus olhos e se opõem a este ato. Faltam agora, alguns poucos que insistem em continuar sem enxergar algo tão claro que é a senciência dos animais e a diferença entre os corpos deles e dos humanos.
Já nosso ordenamento jurídico, embora ainda se baseie em ideias controversas e errôneas, traça o início desta mudança através da Constituição Federal, vedando maus tratos e agressões contra nossa fauna, nela se incluindo todos os tipos de animais, desde os propensos à extinção aos domésticos, domesticáveis, exóticos ou silvestres. Ou seja, em tese, nossa legislação já proíbe a vivissecção; basta apenas que o legislador infraconstitucional se convença disso e reconheça a inconstitucionalidade de tal norma.
Como já dizia o anatomista Charles Bell (1774 à 1842), que estudou as funções neurológicas do organismo vivo sem se valer da vivisseção, procedimento muito utilizado na época:
“Pensarão que sou tolo, mas não me arrisco a convencer-me de que esteja autorizado pela natureza ou pela religião a praticar esta crueldade. Para quê? Por nada mais do que um pouco de egoísmo e de auto-exaltação. A meu ver, a vivissecção é reprovável – 1) porque é inútil; 2) porque despreza outros métodos mais precisos baseados na observação e na reflexão, métodos esses que possuem maior importância e contra os quais não se pode levantar nenhuma crítica; 3) porque é expressão de força bruta uma vez que utilizando-a devemos renunciar ao sentimento de piedade.” [15]
Nosso século já não abarca mais tanta ignorância por parte de profissionais e legisladores que realizam ou permitem que sejam feitas tais experiências que há muito já se provou ineficaz e passível de falhas, tendo em vista as diversas diferenças comportamentais entre o organismo humano e o animal, e a falta de ética e profissionalismo daqueles que se creem “pesquisadores”, o que já não são há tempos, pois com tantos avanços técnicos ainda carecem de capacidade para descobrir, ou se quer utilizar métodos alternativos já existentes e abandonar meio tão cruel e contrário ao progresso científico.
4 ATOS QUE CONFIGURA MAUS TRATOS E SUAS PUNIÇÕES
4.1 Penalidades para os crimes de maus tratos
Atualmente a utilização do Direito Penal para garantir a proteção efetiva do meio ambiente se torna cada vez mais necessária, pois as penalidades decorrentes dos maus tratos contra animais não são suficientes para dar fim a tal prática, visto que as normas que tratam deste tema apresentam pena extremamente irrisória em contrassenso ao caráter ilícito do fato.
Tomamos por base a própria Lei Federal n° 9.605/98, que em seu artigo 32 impõe àqueles que praticam maus tratos contra qualquer tipo de animal, a pena de detenção de três meses a um ano e multa. No caso de ocorrer morte, a sanção será aumentada de um terço a um sexto. Ora, sabemos que em casos que o crime tem penalidade máxima inferior a dois anos, e tendo, o acusado, bons antecedentes, o Ministério Público poderá propor o benefício da transação penal, por tratar-se de menor potencial ofensivo. Instituto este que, se aceito pelo réu, e acolhido pelo juiz, aplicar-se-á, de imediato, pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência; apenas não permitirá que ocorra o mesmo benefício em cinco anos, como trata o artigo 76 da Lei Federal 9.099/95.
Todavia em 2012 foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, por unanimidade, o Projeto de Lei 2833/2011, de autoria do Deputado Federal Ricardo Tripoli, o qual aumenta as penalidades para quem comete maus tratos contra animais, em especial, cães e gatos. Hoje tal Projeto de Lei está em deliberação no congresso já em regime de urgência desde outubro de 2013.
As penas passaram a ser de cinco a oito anos de reclusão para quem provoca a morte de animais e tem como agravante, nos casos da morte ser cometida com emprego de veneno, fogo, asfixia, espancamento, arrastamento, tortura ou outro meio cruel, o aumento da pena para seis a dez anos de reclusão, sendo esta dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou pelo responsável pelo animal, e sendo o crime culposo a pena cai para três à cinco anos de detenção.
O abandono de animais ou a promoção de luta entre eles incorre em pena de três à cinco anos de detenção. Expor a vida, a saúde ou a integridade de um animal á perigo será de dois à quatro anos. A penalidade para aqueles que mantém animais presos à correntes ou cordas em propriedade particular é de um à três anos de detenção.
Desde o dia 17 de fevereiro de 2014 ativistas passaram a acampar em frente o Congresso Nacional para a aprovação não só do Projeto de Lei 2833/11, mas também de outros Projetos de Lei, como o n° 1376/03, que regula a esterilização de cães e gatos, o n° 7291/06, que proíbe animais de circo em todo o país, do n° 6602/13 que proíbe testes em animais para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético e higiene, ou o Projeto de Resolução que defende a instalação de uma CPI, para investigar prefeitos denunciados por casos de maus tratos em seus mandatos.
Enquanto esses projetos não são aprovados a impunidade permanece, nossas leis retrógradas continuam valendo, como no caso da Lei Federal n° 3.688/41, que em seu artigo 64 prevê a aplicação da pena a prisão simples de dez dias a um mês, ou multa de cem a quinhentos mil réis que, convertida em real seria, aproximadamente, R$ 8.928.571, 43, para quem tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo. Essa pena poderá ser aumentada pela metade se tais atos forem cometidos em exibição ou espetáculo, sendo incluídos também aqueles que realizam vivissecção em público. Todavia, também neste caso, ocorrerá o mesmo fim dito anteriormente, ou seja, haverá a possibilidade de converter a penalidade imposta em sursis processual.
Na maior parte das vezes os crimes contra animais nem se quer chegam ao conhecimento das autoridades, seja devido ao medo de denunciar, ou por ignorância da população que considera tal fato normal, e até mesmo porque desconhecem os procedimentos.
A denúncia por crimes de maus tratos contra animais poderá ser feita por qualquer pessoa, não sendo necessária a intervenção de ONGs ou associação.
Todos têm o dever legal e moral de delatar qualquer caso de violência ou agressão contra um animal, até mesmo ameaças podem ser comunicadas à polícia, pois ficar em silêncio ao presenciar a ocorrência de tais fatos acarretará omissão.
Cabe à autoridade policial transcrever o termo circunstanciado de ocorrência – TCO, e instaurar o inquérito policial. Ele não poderá se eximir desta obrigação, pois, se o fizer, será responsabilizado por crime de prevaricação e negligência, previstos no artigo 319 do Código Penal que disciplina:
“Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, de quinhentos mil réis a dois contos de réis.” (Decreto-Lei 2.848, 1940)[16]
Caso o atendimento são seja satisfatório tem-se a opção de recorrer ao Ministério Público identificando a autoridade que se recusou a tomar as medidas cabíveis e encaminhando a queixa ao Promotor de Justiça.
O cidadão que relatou o ato criminoso à autoridade não será autor do eventual processo judicial, e sim o Ministério Público, pois o meio ambiente, incluindo os animais, está sobre a tutela do Estado.
Já se o crime for contra animais silvestres, àqueles pertencentes a espécies nativas, migratórias, ou quaisquer outras aquáticas ou terrestres que vivam, naturalmente, em território brasileiro, a denúncia poderá ser feita às mesmas autoridades policiais, mas, também, e principalmente, à Polícia Florestal e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Os crimes cometidos contra animais acontecem todo momento praticados por pessoas e em lugares que a população é levada a crer que esteja em conformidade com as estipulações constantes da Carta Magna, das Constituições dos Estados e leis orgânicas dos Municípios. Como, por exemplo, são comuns relatos de tais ocorrências nas próprias prefeituras, praticados por funcionários públicos.
De acordo com a União Internacional Protetora dos Animais – Uipa, a matança de cães e gatos de rua ocorre sem os devidos cuidados, pois não se valem de um veterinário, e nem mesmo de anestesias, e algumas vezes são os próprios funcionários da Prefeitura que os sacrificam. Este conjunto de atos é proibido pelo artigo 32 da Lei Federal 9605/98 e pela própria Constituição Federal em seu artigo 225 §1°, VII, pois se caracteriza maus tratos, tendo em vista que a morte de um ser sem utilização de nenhum tipo de anestésico e feita por pessoa não especializada tende a ser lenta e dolorosa. Fato como este não é permitido nem em casos como a vivissecção, em que extraordinariamente se permite o sacrifício da cobaia.
É estritamente necessário o uso de analgésicos e anestésicos para qualquer intervenção em animais, todavia no caso em questão, tais procedimentos não são nem mesmo legalizados, pois não há que se falar na existência de uma lei municipal que se sobreponha às disposições constitucionais e permita a matança cruel de animais.
Alguns Estados como a Bahia e São Paulo utilizavam a eutanásia como meio de controle populacional de animais de rua ou erradicação de zoonoses[17], porem não se valendo dos métodos cruéis e ilegais transcritos à cima. Todavia após constatarem a inutilidade de sacrificar animais com o intuito de evitar doenças passaram a se valer de meios mais éticos e eficazes de alcançar estes objetivos como a vacinação e esterilização dos animais.
Em todo lugar ocorrem problemas de infração das Leis Infraconstitucionais e até mesmo da Constituição Federal pela Administração Pública ao praticar ou aceitar que se realizem maus tratos contra animais de rua. O dever de fiscalizar e tomar providências contra tais atos ilegais é de todos os interessados utilizando-se dos meios disponibilizados pela Carta Constitucional. Ou seja, o povo também tem que participar ativamente quanto aos devidos cuidados a serem tomados para um meio ambiente saudável, o que inclui a proteção animal.
Para tais casos em que a própria Administração Pública realiza os crimes de maus tratos, o Ministério Público deverá interpor Ação Civil Pública.
Contudo a legitimidade passiva da referida ação não é apenas das pessoas jurídicas de direito público, mas também das pessoas jurídicas de direito privado e, até mesmo, pessoas físicas. Em outras palavras, o Ministério Público pode impetrar Ação Civil Pública contra qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, de direito público ou privado, que cometa crime de maus tratos contra animais.
Quanto à legitimidade ativa, esta não pertence somente ao órgão ministerial. Também podem ingressar com tal ação a União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações, de acordo com os artigos 129, §1°, CF e artigo 5º da Lei Federal n° 7.347/85, Ou seja, um particular não poderá se valer da Ação Civil Pública.
Na referida ação a responsabilidade do réu é objetiva, ou seja, independe da comprovação de dolo ou culpa, como preceitua a Lei Federal 6.938/81, devendo demonstrar apenas o dano ambiental. Tendo como objetivo a reparação ou indenização, que terá cunho tanto de repressão quanto de sanção para o infrator.
Pode-se interpor Ação Civil Pública cumulada com pedido de liminar, e em casos de proteção ambiental, esta é, quase sempre, indispensável. Possuindo sua sentença, em regra geral, efeitos erga omnes, contra todos.
Embora a Ação Civil Pública não possa ser interposta por particulares, estes têm outro meio de coibir os atos lesivos praticados pela Administração Pública, qual seja a Ação Popular.
Neste caso qualquer cidadão, individualmente, poderá propô-la com o objetivo de impugnar atos administrativos causadores de lesão ou ameaça ao meio ambiente, seja de forma repressiva ou preventiva.
A Lei Federal n° 4.717/65 oferece aos particulares estímulos para que interponham a ação, dando-lhes a facilidade de não arcar com as custas e ônus de sucumbência em caso de improcedência da mesma. Além disso, oferece a colaboração do Ministério Público na função de fiscal da lei.
Ou seja, nesses casos, a Administração Pública ou o particular responderá civilmente o que gerará reparação do dano, ou na impossibilidade de fazê-lo, indenização em dinheiro. Todavia, nem sempre estes meios atingem seus fins, ou quando o fazem, em alguns casos não acontece com a celeridade que o fato necessita. Um exemplo é o caso do Município de Viamão, no Rio Grande do Sul, onde foram realizados, de acordo com estudos feitos por Ana Laura Lima Gomes (2011)[18], disponível no site Âmbito Jurídico, levantamentos de Ações civis públicas tratando de crimes ambientais. Encontrou-se falhas nas petições iniciais, a maioria das ações tendo como réu o próprio município, que firmava acordos com o Ministério Público e não os cumpria. Quanto ao tempo de duração, notou-se que 80% (oitenta por cento) das ações em curso estariam há mais de cinco anos em trâmite, o que atrasa as providências a serem tomadas e os infratores persistem praticando seus crimes. E o mais grave é que dos trinta e cinco processos pesquisados, foram eficazes apenas três, sendo que dois eram de poluição sonora e somente um tratava de maus tratos contra animais.
Ao tomar conhecimento de dados como estes, é notável o total descaso ao meio ambiente, e principalmente, no que se refere aos animais. Nem mesmo depois de tantos anos os seres humanos enxergam a importância deles para o equilíbrio ambiental. E pior, não percebem que por serem seres sencientes, têm tanto direito como nós a uma efetiva proteção legal.
4.2 Algumas espécies de crimes contra animais
Um das ocorrências mais comuns que caracteriza maus-tratos e violência é o abandono, que acontece em várias circunstâncias como: quando o animal, por ser muito novo e ainda não adestrado faz bagunças pela casa, ou brinca o tempo todo, e algumas pessoas não tem paciência e os largam nas ruas.
Há outras pessoas que gostam de seus animais quando ainda são filhotes, mas quando se tornam adultos os donos simplesmente perdem o interesse e o abandonam.
Entretanto a maior parte dos animais abandonados são aqueles que ficaram velhos demais e incapacitados para o trabalho forçado a que eram submetidos, e como não servem mais para satisfazer as necessidades de seus donos, são soltos na rua ou nas estradas.
Também é muito comum, em finais de ano, quando as famílias vão viajar e não querem gastar dinheiro deixando seus animais em hotéis para cães ou gatos. Então os colocam para fora de casa, e, ao voltar das férias, pegam outro animal que terá o mesmo destino.
Outras formas de covardia, também bastante usuais contra animais domésticos ou domesticados são: manter o animal preso por muito tempo sem comida e contato com seus responsáveis; deixá-lo em lugar impróprio ou anti-higiênico; envenenamento; agressão física exagerada; mutilação; utilizar animais em espetáculo, apresentações ou trabalho que possa lhe causar pânico ou sofrimento; não recorrer à veterinários em caso de doença, dentre diversas formas que os levam a sofrimentos intensos.
Crime muito comum de maus tratos é o tráfico de animais silvestres, que hoje é o terceiro maior comércio ilegal do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas. Sendo que, de acordo com estudos, o Brasil possui 15% (quinze por cento) da participação neste mercado.
Em consonância com o que preceitua o artigo 29 da Lei Federal n° 9.605/98, configura tráfico de animais: matar, perseguir, caçar, utilizar, dentre outras condutas que sequestrem animais de seu habitat, sejam eles nativos ou em rotas migratórias, entendidos estes como aqueles que embora não tenham nacionalidade brasileira, passem ciclos migratórios em vários países. Tal conduta enseja a pena de detenção de seis meses a um ano, e multa que pode variar de R$500,00 (quinhentos reais) à R$5.000,00 (cinco mil reais).
Nota-se que o legislador equipara o ato de extinguir a vida de um ser com persegui-lo e utilizá-lo de alguma forma. Nesse ínterim temos que não foi observado os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, posto que a morte de um animal não pode ser considerada tão ausente de importância para reprimi-lo com a mesma penalidade das outras condutas.
Também incorrerá em tais penalidades aqueles que destroem ninhos, impedem a procriação, quem se utiliza de ovos, larvas ou espécimes sem a devida autorização, incluindo os casos de vender objetos produzidos com penas ou peles de animais.
Aqueles que possuem como domésticos animais silvestres, não considerados em extinção, estão incluídos no tipo penal. Todavia, de acordo com o Decreto n° 3.179/99, se o entregarem voluntariamente ao órgão ambiental competente, não lhes serão empregadas as punições administrativas previstas, facultando ao juiz se abster de aplicar a pena criminal.
A sanção descrita no texto legal pode ser aumentada pela metade se o crime for praticado contra animais em extinção, durante a noite, com abuso de licença, em unidade de conservação com emprego de métodos que possam causar destruição em massa. E se tratando de caça profissional, a pena poderá aumentar até o triplo.
O desconhecimento da lei não será motivo para afastar a punição, isso está disposto no artigo 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, tendo em vista que a vida em sociedade não seria possível se fosse permitido alegar ignorância quanto à existência da Lei. Um exemplo consiste no Acórdão n° 0000343-04.2006.8.19.0059 a seguir:
O desconhecimento da lei não será motivo para afastar a punição, isso está disposto no artigo 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, tendo em vista que a vida em sociedade não seria possível se fosse permitido alegar ignorância quanto à existência da Lei. Um exemplo consiste no Acórdão n° 0000343-04.2006.8.19.0059 a seguir:
“ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO NAO CONFIGURACAO MEIO AMBIENTE. CAÇA E CATIVEIRO DE PÁSSAROS. GUARDA DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. MUNIÇÃO. MATERIAL DE RECARGA E ANIMAIS SILVESTRE.A autoria, a materialidade e a culpabilidade de ambos os delitos restaram comprovadas, não só pela confissão parcial do apelante, como pela prova testemunhal e documental, em especial a informação técnica do IBAMA.A tese defensiva de erro sobre a ilicitude do fato por desconhecimento da lei não é aceitável, pois os crimes ambientais têm sido amplamente veiculados nos jornais e televisão, não podendo ser alegado o desconhecimento da lei.Correta a dosimetria da pena, merecendo reparo tão-somente, no sentido de se aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Estando presentes os pressupostos objetivos (quantidade da pena) e subjetivos (culpabilidade e circunstâncias) previstos no art.44, do CP, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a critério do Juízo da Vara de Execuções Penais.PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, definidas pelo Juízo da execução. Leg: art.12, da lei 10826/03 e 29, § 1º, III da lei 9605/98 n/f do 69, do CP.” (TJRJ, APELAÇÃO 2008.050.03574, Sétima Câmara Criminal, Rel. p/ ac. Des. Alexandre H. Varella, DJ 07/10/2008)[19]
No crime de tráfico de animais, não são apenas as penalidades irrisórias estipuladas pelo legislador que tornam esta prática tão utilizada no país. Todos os anos são tirados mais de trinta mil animais de seu habitat natural, e 40% (quarenta por cento) conseguem ser exportados. Portanto entende-se que também há carência de maior eficiência na fiscalização.
Mesmo na cultura brasileira encontra-se apoio aos maus tratos, como a Vaquejada ou os rodeios, mais comuns no nordeste do país.
A vaquejada constitui em dois vaqueiros montados a cavalo que visam derrubar um boi, dentro de limites demarcados, puxando o animal pelo rabo. Para que o boi, animal manso e vagaroso saia desenfreadamente pela arena, confinam o animal em um pequeno cercado, onde o atormentam, espancam com pedaços de madeira, investem contra ele utilizando choques elétricos e mecânicos, objetos pontiagudos como pregos, pedras ou alfinetes, a introdução de pimenta e mostarda via anal, amarram seu pênis ou saco escrotal com o chamado sedenho, uma corda feita de coro ou crina, que é puxado no momento em que soltam o animal na arena. Além disso, é comum que se provoquem rupturas viscerais, ósseas, hemorragias subcutâneas, dentre outras, que dependendo do tempo que o animal permanecerá no “show” será levado ao óbito.
De acordo com o regulamento da vaquejada é comum que a cauda do boi seja arrancada como medida para pontuação das duplas concorrentes, de acordo com o “Regulamento do IV Potro do Futuro ABQM de Vaquejada”:
“[…] E – Caso o rabo ou a maçaroca do boi parta-se no momento da queda, e o boi não cair, o mesmo será julgado de acordo com os critérios abaixo, tanto na fase de classificação como na fase final:
– Primeira quebra: caso o boi não caia, a dupla competidora terá direito a um boi extra;
– Segunda quebra: o boi será julgado, caindo ou não; a dupla competidora não terá direito a boi extra;
– Terceira quebra: a dupla competidora terá nota zero, independente do julgamento do boi.”[20]
O que se alega para que esta barbárie continue acontecendo é a defesa da cultura e da renda financeira que ela acarreta, tendo em vista que o artigo 215 §1° da Constituição Federal dispõe que será garantido pelo Estado o pleno exercício dos direitos culturais apoiando suas manifestações.
Todavia, a cultura não pode ser motivo para sacrificar vidas, estando tal entendimento consubstanciado na própria Constituição, em seu artigo 225 §1°, inciso VII e no entendimento do Supremo Tribunal Federal, que decidiu em Recurso Extraordinário nº. 153.531-8/SC, e em diversas outras ações, acerca da prática de “manifestações culturais” como a vaquejada, rodeios ou a farra do boi, neste caso, fundada na Ação Civil Pública nº 023.89.030082-0 dispondo:
“COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’.” (STF, RExt 153531, Segunda Turma, Rel. p/ ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 13/03/1998) [21]
Na visão de Paulo Affonso Lemes Machado[22],(1998), não só aqueles que praticam os crimes ambientais, considerados como atrações culturais, devem ser punidos, mas também aqueles que assistem que incitam de alguma forma, considerando-os co-autores do fato.
De acordo com o Decreto 24.645/34, ainda em vigor, incorrerá em multa e prisão celular de dois a quinze dias aquele que em lugar público ou particular praticar maus tratos a animais seja o infrator proprietário ou não, sem prejuízo de eventual ação civil.
A referida norma, no parágrafo terceiro do artigo 2° enumera algumas formas de maus tratos e, explicitamente, se refere à vaquejada, considerando também como maus tratos os atos de abuso ou crueldade como, golpear, ferir, mutilar, realizar lutas entre animais da mesma ou de diferentes espécies, touradas ou assemelhadas a elas, seja em público ou particular.
Tais atrocidades acontecem nos municípios através da concessão de alvarás pelas prefeituras. Portanto estas também deverão ser responsabilizadas pelo crime praticado, levando-se em conta que os prefeitos não permitem que ocorram eventos em suas cidades sem verificar a devida legalidade, segurança da população, dentre outros cuidados que são deveres inerentes do poder público. Assim as prefeituras devem ser consideradas có-rés por omissão de seu poder de polícia, bons costumes e moral da coletividade.
Existem ainda diversas outras práticas que o homem insiste em utilizar, que provocam sofrimento intenso em animais, o que poderia deixar de fazer ou se valer de métodos diferentes.
Temos como exemplo as rinhas de galo, que alguns consideram até mesmo como atividade de preservação das raças e aprimoramento zootécnico das aves usadas, como dispunha a Lei 1.416/95, do município de Quaraí, suspensa no ano de 2004, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 70009169624, proposta pelo procurador geral Roberto Bandeira Pereira, cujo relator era Luiz Ari Azambuja Ramos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.416/95, DO MUNICÍPIO DE QUARAÍ. LEI QUE INSTITUI O COMBATE GALÍSTICO COMO ATIVIDADE DE PRESERVAÇÃO DAS RAÇAS E APRIMORAMENTO DO PADRÃO ZOOTÉCNICO DAS AVES USADAS. INCONSTITUCIONALIDADE SUBSTANCIAL. DEVER DO MUNICÍPIO DE PROMOVER A PROTEÇÃO AMBIENTAL, PROTEGENDO A FAUNA E EVITANDO A SUBMISSÃO DE ANIMAIS À CRUELDADE. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIO DA CARTA ESTADUAL (ART. 13, V). COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CE, ART. 95, XII, D). PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO PROCEDENTE.(TJRS, ADIM nº 70009169624, Tribunal Pleno, Rel Luiz Ari Azambuja Ramos, DJ 06/12/2004)”[23]
A ideia atribuída à referida lei se mostra um pensamento ignorante e precário, pois não há que se falar que incitar animais a brigarem até a exaustão ou à morte, para preservação de raças. Ora, se essa ideia fosse aceita, então estaríamos justificando o holocausto, pois o Deputado Rosinha, autor da referida lei, usa os mesmos argumentos de Adolf Hitler, ou seja, que os mais fracos morram enquanto os fortes sobrevivem para que existam apenas seres perfeitos.
O Decreto Federal 24.645/34 proíbe que se promovam lutas, sejam entre mesmas ou diferentes espécies. Portanto está enquadrado em maus tratos e considera-se crime ambiental, acarretando todas as penalidades previstas na Lei Federal 9.605/98.
Ainda há os casos de caça abusiva, levando-se em conta que apesar de ser tolerada a caça, o que constitui um erro grave na legislação, considera-se que ao praticar tal fato fora da época estipulada, perseguindo animais que a lei proíbe, utilizando-se de meios excessivamente cruéis, dentre outros atos que configuram abuso, está entre os crimes ambientais.
Também incorre em maus tratos contra animais os desmatamentos, incêndios criminosos e poluição ambiental, pois além de destruir a flora, tira os animais de seu habitat, destrói suas moradias, leva-os a ocupar lugares impróprios, mudar sua forma de alimentação, tornando-a imprópria e, até mesmo, levando um grande número deles ao óbito. Em outras palavras, infringe diversos artigos da Lei Federal n° 9.605/98, como os de números 29, 45, 49, 54, dentre outros, que punem aqueles que destroem a mata e ferem os animais.
O trabalho forçado de animais é muito comum de se ver mesmo nas ruas ou em fazendas, sítios, pequenas empresas, nas casas. Enfim, é considerado algo comum colocar um ser para trabalhar sem as mínimas condições de alimentação ou higiene, não permitindo que o animal descanse. Pelo contrário, a maioria é explorada até o desgaste total; e quando não mais aguentam são açoitados por chicotes ou varas, arrastados pelo solo, largados no lugar onde caírem e não mais são capazes de se levantar. Esta prática é muito comum, pois muitos consideram algo normal ver um cavalo, boi ou um jumento, animal de pequeno porte, que é obrigado a andar por horas debaixo de sol sendo flagelados, carregando mais que o dobro de seu peso. Muitos desconhecem o caráter ilegal deste ato. Todavia, embora devesse ser totalmente proibido esse tipo de exploração, há lei que regulamenta esta utilização de animais para tração. Qual seja o Decreto Federal 24.645/34, em seu artigo 3°, seus parágrafos e incisos.
Sequestram de seu habitat ursos, tigres, leões, todos os tipos de animais e os submetem a prática de exercícios que danificam seus corpos, os quais são visivelmente impróprios para animais, que é o caso dos espetáculos de circos.
A consciência de quão cruel é utilizar animais em shows está cada vez maior, em muitas cidades é proibida a entrada de circos que incluam animais em suas apresentações.
De acordo com reportagem publicada no site Direito à todos (2011)[24], recentemente o Superior Tribunal de Justiça manteve liminar no Estado da Bahia proibindo a apresentação de animais pelo circo Estoril, pois foi constatado por laudo técnico que os animais apresentavam comportamentos atípicos, como o urso utilizado no espetáculo que permanecia trancado em sua jaula diariamente, andando em círculos continuamente. Ou a fêmea do elefante que permanecia sempre no mesmo lugar apenas movendo a cabeça de um lado a outro.
Tais condutas não acontecem apenas entre animais de circos, mas também naqueles enjaulados em zoológicos. Nestes locais há as áreas disponíveis para o público, em que se vê a triste realidade de um ser que deveria estar vivendo em liberdade. Animais de grande porte que ficam trancados em locais pequenos como se fossem meros objetos em galerias para a apreciação do público.
De acordo com a bióloga e professora na Universidade Estadual de Ponta Gossa no Paraná, Marcela Teixeira Godoy, nos locais proibidos para a visitação, em que a passagem é restrita aos visitantes comuns, a situação é ainda mais degradante. Animais que excedem ao número necessário para exposição, ou aqueles que adquiriram doenças como a neurose de cativeiros que causa comportamentos como automutilações, coprofagia, canibalismo dentre outros, são mantidos em jaulas ainda menores e vivendo em circunstâncias desumanas.
Um fato que é de desconhecimento de muitos é que o abate cruel de animais também constitui crime. Esses pobres seres são tirados de suas mães desde muito novos, presos em locais mínimos em que não há capacidade para comportar os inúmeros outros de sua espécie, não permitindo que durmam, fazendo com que estejam sempre em temperaturas altas demais ou demasiadamente baixas, sob luzes acessas e barulhos, vivendo no mesmo lugar onde defecam e urinam vinte e quatro horas por dia, submetidos a um cheiro extremamente desagradável, comendo o tempo todo para que cresçam e engordem rapidamente. Passado o tempo necessário de vida, sujeitos à condições desumanas estes seres então serão levados, dentro de recipientes ainda menores, amontoados uns em cima dos outros, sendo pisoteados, feridos, alguns até mesmo morrem neste momento e com as mais tristes condições de transporte até chegarem ao seu verdadeiro destino, os matadouros, onde serão jogados, enforcados, cortados, queimados, espancados, e todos os tipos de maus tratos mais atrozes que se pode imaginar, para enfim morrerem e se tornarem apenas mais um alimento no prato de alguém.
Além de ser pré-histórico criar animais, seres vivos com nós, para servirem de comida, sendo que comprovadamente, esta não é uma necessidade para a saúde humana, pelo contrário, é um paladar retrógrado e danoso à saúde, os humanos ainda praticam o abate usando de métodos violentos, o que é literalmente vedado pela lei de crimes ambientais em seu artigo 15, inciso II, alínia “m”:
“Art 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: […]
II – ter o agente cometido a infração: […]
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;” (Lei Federal 9.605, 1998)[25]
Também configuram maus tratos os castigos violentos, adestramentos utilizando meios e instrumentos torturantes, seja para animais domésticos, agrícolas ou para exposições. Em suma, todos os fatos que acarretem angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana.
Outra forma de maus tratos tão pouco conhecida que nem se quer foi analisada por lei para que seja extinta, é a criação de filhotes de cães e gatos nas chamadas fábricas de filhotes.
Nestes locais criam-se apenas animais de raça, as cadelas são obrigadas a acasalar todas as vezes que entram no cio, sem descanso, e quando não conseguem mais ter filhotes são sacrificadas. Elas e suas crias geralmente sofrem de desnutrição e não são atendidas por veterinários.
Pelo excesso de criação alguns animais nascem com doenças hereditárias ou sofrem de alguma deformação física ou psicológica. Porém apenas aqueles que são aparentemente saudáveis são levados aos pet shops para serem vendidos.
Estes animais são trancados em gaiolas pequenas e sem o mínimo de higiene, por não serem socializados e sem espaço para se movimentar, a maioria destes cães e gatos são estressados, e ao não corresponder à expectativa de seus donos são abandonados, aumentando assim a população de animais de rua.
Os animais criados nestas “fábricas” vivem expostos ao frio, com feridas e infecções que não são medicadas. Grande parte das cadelas usadas na procriação ficam loucas devido ao confinamento, solidão e maus tratos a que são submetidas.
O transporte destes animais aos pet shops não é muito diferente, pois os filhotes são separados de suas mães e trancados em pequenas gaiolas, levados em caminhões ou aviões, por dias, sem comida, água, espaço para se exercitarem, e muitos deles, devido a falta de ventilação, morrem durante e viagem por superaquecimento ou hiportemia.
Ao chegar nos pet shops os sobreviventes são tirados destas gaiolas para novamente serem trancados em outras, onde permanecem sem espaço e nem contato humano, tendendo a desenvolver comportamentos reprováveis para seus futuros donos, como latir excessivamente, serem anti-sociais e destruidores.
Grande parte dos pet shops não se preocupa se o animal tem alguma doença ou está apto a desenvolvê-la, assim muitos cães e gatos são vendidos sem passarem pelos devidos tratamentos.
Todavia, como dito anteriormente, não temos leis que proíbem estas práticas, e tais locais não são fiscalizados, tornando este um negócio extremamente lucrativo, pois além de não gastar com a saúde ou boa alimentação dos animais, é cobrado um preço exorbitante por cães e gatos de raça.
A fábrica de filhotes é mantida por todos aqueles que se preocupam em adquirir filhotes de raça pura, ao invés de dar seu amor adotando um animal abandonado.
Nos abrigos de animais são encontrados tanto aqueles sem raça quanto os puros por serem abandonados por seus donos. E além de ser um ato de bondade com aqueles que necessitam de amor, é também uma forma de lutar contra uma espécie de maus tratos ainda não regulada por lei.
Estudos feitos pelo Federal Bureau of Investigation – FBI(CAPEZ, 2010)[26], apontam que a violência contra animais pode ser o primeiro ato praticado por aqueles que tendem a se tornarem os chamados serial killers. Geralmente eles têm três comportamentos padrões na infância, é a chamada "Tríade MacDonald": fazem xixi na cama, causam incêndios, e são cruéis com animais.
Este entendimento vem sendo muito estudado, pois a prática de crueldade por crianças é algo incomum, podendo se tornar perigoso. Muitos dos conhecidos assassinos iniciaram seus crimes em animais, portanto este é considerado um sinal de distúrbios psiquiátricos.
De acordo com levantamento feito pela escritora Cláudia Lubrano de Castro (2008)[27], autora do livro “Diário de um Cão”, 80% (oitenta por cento) dos assassinos tinha o hábito de mal tratar e matar animais, quando crianças, e não eram repreendidos por seus pais.
Portanto estes abusos devem ser contidos desde o início pelos pais e também pelo Poder Público, que deve dar aos crimes de maus tratos contra animais a seriedade e punição que merece. Devendo o legislador estipular penas mais coerentes com a gravidade do fato a fim de evitar tais ações reprováveis contra os animais.
O presente trabalho versou sobre a crueldade imposta pelo homem aos animais, se valendo das mais sórdidas e maléficas formas para satisfazer suas vontades, seja utilizando-os como objetos, cobaias, escravos ou, até mesmo, deles se alimentando.
Há muitos séculos o ser humano tem esta visão distorcida sobre os animais. Aqueles se acreditam seres superiores a todas as demais criaturas do planeta. No entanto, este pensamento começa a se modificar aos poucos.
Hoje em dia é comum que pessoas se preocupem com o bem estar dos animais. Isto se torna cada vez mais visível, tendo em vista que o número de associações protetoras e legislações favoráveis aos direitos destes seres estão crescendo.
Entretanto, ainda há aqueles que matem a ideia de superioridade humana, que não respeitam as normas impostas pelo próprio texto constante nas leis do país, como no caso dos torneios e vaquejadas. Estas são práticas que insistem em continuar, devido ao lucro que proporcionam e se valendo do que denominam “pleno exercício dos direitos culturais”, alegando que a própria Constituição lhes assegura este direito em seu artigo 215 §1°.
Ora, tal garantia existe, porém isto não lhes dá o direito de exterminar vidas em nome da cultura. A proteção animal é defendida pelo mesmo instituto legislativo que garante o direito a cultura, quando em seu artigo 225, a própria CF veda qualquer tipo de crueldade contra animais, além do Decreto n 24.645/34 dispondo, expressamente, a ilegalidade de tal ato.
Este entendimento está consubstanciado pelo próprio STF, que não permite a ocorrência de tais atrocidades apenas para o divertimento do público, o enriquecimento dos Municípios, que permitem esta barbárie, e, muito menos, para preservar cultura tão brutal, antiquada e carente de bom senso.
Visando seu próprio bem estar, o homem transgride leis, mata ou mal trata animais, se utiliza deles como escravos, submetendo-os a estados críticos de saúde, enquanto são obrigados a trabalhar durante horas sem intervalo e, algumas vezes, nem mesmo são alimentados.
Esta é uma das ocorrências mais comuns, dada a ignorância do povo, que permanece com o pensamento de que os animais domésticos ou domesticados não são suscetíveis de proteção legal.
Assim, cometem tais atos sem a consciência de que estão praticando uma ação criminosa. Muitas vezes o infrator até mesmo conhece o caráter ilícito de sua conduta, mas insiste em prosseguir com as crueldades. E os demais que assistem a espetáculo tão sórdido desconhecem seu direito de intervir pela proteção das vítimas ou se sentem acuados e desencorajados a denunciar, fazendo com que nunca cessem as atrocidades.
São inúmeros os casos de atos criminosos contra o meio ambiente no Brasil. Um destes é o tráfico de animais, ato ilícito tido no país como um dos mais cometidos. Uma prática que fere animais silvestres em perigo de extinção.
Sequestram seres que têm o habitat natural ao ar livre e os enclausuram em gaiolas. Boa parte destes animais, senão a maioria, morre antes de chegarem a seus compradores, devidas as péssimas condições de transporte.
A doutrina atual vem reconhecendo os animais como sujeitos de direito. Todavia, eles ainda são considerados, pela maioria, meros bens pertencentes aos humanos, e, por isso, continuam sendo utilizados em todos os tipos de maldades e explorações.
Este é o caso dos circos, que utilizam animais. Em diversos municípios já se proíbe sua entrada nas cidades, através de Leis Orgânicas Municipais, e, alguns Estados, também já tem se valido de prática semelhante. Porém, o que se espera é que esta proibição seja estendida para todo o país, como um incentivo para que tais atrocidades deixem de ocorrer.
A maior prova de que os animais continuam sendo tratados como “coisas” é observar que o homem se vale de sua carne para como alimento, porém tal fato não constitui ilícito penal. Todavia, o abate cruel sim. Mas não há providências sendo tomadas para dirimir este tema, pois não é comum que haja fiscalização nos abatedouros ou criadouros. Neste caso, é dever do Ministério Público fiscalizá-los. Todavia, os animais tidos como alimentos, em geral, não apresentam grandes preocupações para os órgãos responsáveis por sua proteção, somente quando põe em risco a qualidade de sua carne, novamente para o benefício dos homens. Portanto, este é um caso de maus tratos que perdurará até que se modifique o pensamento de egocentrismo humano.
É incompreensível que os homens, nos dias de hoje, com tamanha tecnologia ao seu dispor, se valham do corpo de animais para testes ou aulas práticas cirúrgicas, sendo que possuímos um vasto conhecimento de alternativas modernas, como modelos feitos por computação gráfica ou técnicas que imitam o organismo humano, possibilitando um aprendizado mais adequado e de acordo com o que utilizarão profissionalmente, pois restam provadas as importantes diferenças entre os corpos e reações de homens e animais.
Na visão científica, este problema está próximo de chegar ao fim, visto que renomados médicos e professores são contrários à vivissecção, pois além de reconhecer suas falhas, acreditam que esta prática pode prejudicar, psicológica e profissionalmente, os estudantes.
Todavia, no que se refere à nossa legislação o fim desta prática está longe de ocorrer, pois ainda são criadas leis regulamentando a vivissecção, quando o correto seria proibi-la.
Não são as proibições e punições, meios suficientes para exterminar a covardia praticada contra os animais. Também se faz necessária a reeducação da população. As ocorrências de maus tratos são punidas, em sua maioria, com serviços comunitários, em que se aparece a oportunidade de determinar que os praticantes de crueldades contra animais trabalhem para seu bem estar em associações ou Ong’s de proteção destes. No entanto, em alguns casos, a transação penal não obtém os efeitos esperados, o que leva a um verdadeiro fracasso da lei ao não punir os criminosos com a severidade adequada.
As sanções aplicadas continuam sendo absurdamente irrisórias, tendo em vista a gravidade dos crimes praticados, que é desconsiderada pela Lei ao desdenhar a vida, integridade e saúde de seres tão sencientes quanto nós.
Diante do exposto nota-se que os seres humanos, embora estejam se encaminhando para uma evolução no que tange aos direitos dos animais, ainda estão muito aquém do que deveria, pois criam leis que regulamentam situações em que é possível a exploração de animais. Alguns até mesmo os reconhecem como seres passíveis de direitos, mas os homens insistem em não respeita-los, em continuar se utilizando destes seres para o próprio bem estar, ignorando o fato de que os animais merecem tratamento tão digno quanto cada um de nós.
Bacharel em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC/MG. Advogada.
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