Mecanismos de Valoração da Prova do Segurado Especial na Atualidade

Resumo: O presente artigo científico concentra sua pesquisa na Valoração da Prova do Segurado Especial para fins de concessão do benefício previdenciário. Assim, a luz da doutrina, legislação e entendimentos jurisprudenciais, direciona-se o estudo para a concessão do Benefício Previdenciário a aposentadoria especial rural, considerando os princípios constitucionais e direitos fundamentais ao trabalhador rural. Ademais, é realizada uma análise atual visando os aspectos práticos enfrentados pelo trabalhador rural quando do seu pedido de reconhecimento do período trabalhado na lavoura, a exemplo de inúmeros indeferimentos, não reconhecendo o período trabalhado na lavoura ou zona rural inviabilizando a concessão do benefício para este tipo de trabalhador. Dessa forma, demonstra-se outro enfoque da prova material, ou seja, de início de prova e uma interpretação crítica sobre o tema, a fim de demonstrar o direito ao beneficio previdenciário aos trabalhadores rurais.[1]

Palavras-chave: Segurado Especial. Mecanismos de Valoração da Prova. Conceitos. Requisitos.

Abstract: This research paper focuses his research on the Valuation of Special Insured test for the pension benefit grant purposes. Thus, the light of doctrine, legislation and jurisprudence understandings, directs the study for granting the Pension Benefit rural special retirement, considering the constitutional principles and fundamental rights of rural workers. In addition, it held a current analysis aimed at the practicalities faced by rural workers when its application for a period worked in the fields, like countless rejections, not recognizing the period worked in agriculture or rural precluding the grant of benefit to this type of worker. Thus it shows up another focus of the test material, ie initial evidence and a critical interpretation of the theme in order to demonstrate the right to social security benefits to rural workers.

Keywords: Insured Special. Valuation Mechanisms of Evidence. Concepts. Requirements.

Introdução

Inicialmente, observa-se que o início de prova material para a comprovação de tempo de serviço de atividade rural, inclusive em regime de economia familiar, exigido para a concessão do benefício previdenciário, mostra-se uma exceção ao princípio do livre convencimento do Juiz nos casos levados a apreciação do Poder Judiciário.

Essencial observar que, segundo a Lei nº 8.213/1991, conhecida também como Lei de Benefícios da Previdência Social pelas siglas LBPS, o segurado especial tem o direito ao reconhecimento e deferimento a aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão e pensão por morte, independente do recolhimento de contribuições, a um salário mínimo. Assim, a concessão ao benefício se dá apenas pela necessidade do indivíduo, sem qualquer outro requisito.

Aproximando esses segurados especiais, num primeiro momento, aos dos benefícios assistenciais, sendo para idosos e pessoas com deficiência física, que também não se exige qualquer contraprestação do beneficiário. Entretanto, para os trabalhadores de atividade agrária especialmente em regime de economia familiar, exige-se para a concessão do benefício previdenciário pelo menos o início de prova material da atividade rural.

Contudo, Nossa Carta Magna, a Constituição Federal brasileira, em seus princípios constitucionais através da Seguridade Social possibilita a entrega do mínimo necessário para a subsistência do Cidadão, sem necessidade de qualquer contribuição do beneficiário, configurando o Estado Assistencialista, o quê não ocorre com o trabalhador rural, pela exigência da prova material.

Ainda, se esbarra na grande divergência de entendimento jurisprudencial em definir qual seja este início de prova material na prática, pois quase sempre envolve períodos muito antigos que á época não continham qualquer requisito formal para tal exigência.

Sob esse enfoque, o presente artigo abordará a valoração da prova material, analisando os precedentes jurisprudenciais, voltados aos casos práticos do Poder Judiciário Federal.

1 Dos princípios e objetivos da seguridade social inserida na constituição federal

A Constituição Federal, em seu artigo 194, “caput”, conceitua a seguridade social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social[2]”, o qual traz em seu parágrafo único e incisos os objetivos da seguridade social do mesmo Diploma Legal, interessando mais especificamente o inciso II que trata da “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais[3]”.

Acerca do tema, o Nobre Doutrinador Sergio Pinto Martins conceitua a Seguridade Social:

“O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”[4].

Uma visão observadora do tema é externada por Miguel Horvath Junior:

“Qualquer que seja a posição que se adota em relação ao conceito da Seguridade Social deve-se sempre entendê-lo como fenômeno social fundamental, como fundamental é a própria evolução das sociedades”[5].

     Para Wladimir Novaes Martinez:

“Seguridade social é técnica de proteção social, custeada solidariamente por toda a sociedade segundo o potencial de cada um, propiciando universalmente a todos o bem-estar das ações de saúde e dos serviços assistenciários em nível mutável, conforme a realidade sócio-econômica, e os das prestações previdenciárias”[6].

Oportuno esclarecer melhor acerca do inciso II do artigo 194 da Constituição Federal, o qual intrinsecamente retrata um importante princípio, pois trata de equiparar qualquer direito do trabalhador urbano ao trabalhador rural, objetivando impedir qualquer possibilidade de distinção entre eles. Já externava o Nobre Doutrinador Sergio Pinto Martins que, o referido princípio mencionado aqui na verdade nada mais é que uma extensão ao princípio da igualdade.

Colaciona assim os ensinamentos do doutrinador Marcelo Leonardo Tavares:

“As diferenças históricas existentes entre os direitos do trabalhador urbano e rural devem ser reduzidas paulatinamente até a extinção. A legislação previdenciária posterior à Constituição de 1988 adequou-se ao princípio, sem fazer discriminação entre trabalhadores urbanos e rurais, exceto pelo tratamento diferenciado do segurado especial, devido a características particulares desta espécie de segurado”[7];

Conforme dito anteriormente e na mesma linha de pensamento de Sergio Pinto Martins, Rui Barbosa ensina ser o principio de igualdade tratar desigualmente os desiguais na proporção de suas diferenças, estando tal conceito presente no inciso II do §7º do artigo 201 da Constituição Federal, no qual reduziu a idade para aposentadoria especial dos trabalhadores rurais independentemente do sexo em 05 (cinco) anos. Ademais, nesse contexto o trabalhador rural por si só é mais exposto as temperes do clima e principalmente da nocividade do sol que os demais trabalhadores urbanos, independente de suas funções, geralmente não são acometidos por tais fatores.

Desta feita, verifica-se que o Poder Público deve garantir cobertura e atendimento aos hipossuficientes, mas, do mesmo modo, outorga poderes para que o Estado selecione qual risco será resguardado e para qual pessoa será proporcionado. A partir desse enredo principiológico é possível compreender a regra contida no artigo 203 da Constituição Federal.

Com a Seguridade Social inserida em Nossa Lei Maior, importante observar os princípios de forma a concretizar seus objetivos em prol da saúde e condição favorável aos trabalhadores rurais, primando pela justiça social.

2 Dos aspectos legais do segurado especial

Importante entender a definição de segurado especial sendo uma pessoa física, a qual mora na zona rural ou ainda próxima a esta em aglomerado urbano ou rural, que labora na terra utilizando-se dos recursos da terra para seu próprio sustento ou de sua família. Assim, vale transcrever o inciso VII do Artigo 11 da Lei de benefícios 8.213/91[8]:

“Art. 11. […]

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)[9].

E, para a comprovação da Atividade Rural são necessários alguns documentos, os quais estão previstos também na Lei 11.718/08 em seu artigo 106, sendo exigidos pelo Órgão Administrativo, 03 (três) documentos, no ato do pedido do beneficio previdenciário na esfera administrativa.

“Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:

I – contrato individual de trabalho ou carteira de trabalho e Previdência Social;

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;

IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, no caso de produtores em regime de economia familiar;

V – bloco de notas do produtor rural;

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (NR)”[10].

Contudo, por se tratar da Zona Rural, onde prevalecem as relações interpessoais, nas quais a palavra dada vale mais que documento escrito, imperando a confiança entre os indivíduos, estas pessoas quase sempre não dispõem de documentos escritos, como aqueles previstos no artigo transcrito acima, ou ainda que existam, por ser antigos, muitos se desfaz com o passar dos anos, dificultando a prova da atividade rurícola dos segurados.

Ademais, como o Órgão Administrativo exige 03 (três) documentos, como visto anteriormente, e, os trabalhadores rurais muitas vezes são pessoas simples com baixa instrução educacional, sem conhecimento de seus direitos, principalmente no futuro com a idade já avançada e saúde comprometida, torna-se impossível dar total cumprimento a referida exigência pelo citado órgão.

Assim, nesse sentido perde-se a efetivação dos direitos assegurados na Constituição Federal, em seu artigo 5º, que são os direitos e garantias fundamentais, sociais e direitos humanos, estabelecendo aplicabilidade imediata.

Entretanto, no caso em estudo, essa aplicabilidade não se percebe na maioria das vezes, onde o órgão administrativo tem essa função em aplicar o quê foi instituído pelo poder legislativo, porém pela dificuldade de reunir os documentos necessários e dar integral cumprimento a referida exigência, na esfera administrativa se indefere o benefício previdenciário, restando ao trabalhador rural se socorrer da Justiça, através do Poder Judiciário.

3 Da exigência do início da prova material

A Lei 8.213/91 também conhecida como a Lei dos Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece alguns benefícios previdenciários, inclusive de forma assistencial também, conforme visto no tópico introdutório. Já para o trabalhador rural conseguir seu benefício, lhe é exigido um início de prova material.

Essa exigência de início de prova material pode ser entendida pelo aspecto de exclusão, ou seja, o quê não é prova testemunhal é material, apesar de se aceitar a prova testemunhal como colaboradora das demais provas materiais, estando esta condicionada à existência da prova material.

Daí o grande problema que envolve este instituto da prova material, pois até mesmo no próprio Poder Judiciário o segurado especial encontrará certa dificuldade, de ver seu direito a aposentadoria especial condicionada a prova da comprovação do período trabalhado na lavoura, quando este apesar de possuir alguns documentos referentes à zona rural, não são aceitos como início de prova material, ou por estar fora do período pleiteado ou por faltar a homologação do Ministério Público à época.

Para o tema da prova material importante transcrever algumas normas, jurisprudências e entendimentos acerca do assunto.

Uma delas é a Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“Súmula 149 STJ. A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário”[11].

E, a Súmula 27 do Egrégio Tribunal Regional Federal da Primeira Região diz:

“Súmula 27 TRF. não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural”[12].

O artigo 55, § 3º da LBPS estabelece que:

“Art.55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado.[…]

§3º. A comprovação do tempo de serviço para efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”[13].

A exceção a esta exigência é no caso da ocorrência de caso fortuito ou força maior, ambos os institutos fogem da vontade do trabalhador rural.

Oportuno esclarecer ainda, que tais provas materiais devem ser contemporâneas à época a que se deseja provar, assim está disposto no artigo 62 do Decreto 3.048/99:

“Art. 62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do art. 60, observado o disposto no art. 19 e, no que couber, as peculiaridades do segurado de que tratam as alíneas j e l do inciso V do caput do art. 9º e do art. 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi prestado”[14].

Sob este prisma acerca da época da prova, o órgão responsável para uniformizar a interpretação da Lei Federal nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário no âmbito do Juizado Especial Federal é a TNU (Turma Nacional de Uniformização), na qual em suas Súmulas 14 e 34 dispõe:

“Súmula 14/TNU. Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”[15].

“Súmula 34/TNU. Para fins de comprovação de tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar”[16].

Portanto, tanto pela própria legislação Previdenciária, como também pela jurisprudência para o trabalhador rurícola é necessário se ter um início de prova material do período que se pretende provar, podendo só assim se utilizar da prova testemunhal, ou seja, esta para ser utilizada ou considerada válida fica na dependência não somente da existência de prova material, como também que esta materialidade da prova seja referente ao período pleiteado do respectivo benefício.

Ainda, no que diz respeito à prova material como documentos a TNU também já se posicionou a respeito elencando alguns documentos aceitos como início de prova, inclusive aceitando documentos que não são do próprio segurado, mas de terceiros, fazendo ou não parte do grupo familiar, assim vejamos:

“a) Certidão do Incra e guia de recolhimento de ITR[17] em nome do pai do requerente; b) Matrícula, certidão de registro imobiliário, escritura[18] e documento comprobatório de posse de imóvel rural[19]; c) Certidões de nascimento e casamento da parte interessada[20] e d) Certidão da Justiça Eleitoral ou título de eleitor com indicação do exercício de atividade rural”[21].

Flexibilizando assim o texto contido na LBPS (Lei de Benefícios da Previdência Social) no já mencionado artigo 106.

4 Reflexao acerca da não aceitação da prova exclusivamente testemunhal

A não aceitação da prova exclusivamente testemunhal no Direito Previdenciário permite questionar acerca de sua legalidade e constitucionalidade, pois a base adotada no sistema processual brasileiro está codificada no Atual Código de Processo Civil, servindo inclusive tanto para o processo Trabalhista como para o processo Previdenciário, seja este judicial ou administrativo, e, no tocante a prova testemunhal, esta está prevista nos artigos 400 a 419 do Código Processual Civil.

No campo laboral envolvendo a justiça trabalhista, onde a celeridade impera e a realidade dos fatos se sobrepõe a forma em si, pois há a persecução da verdade real, observa-se um dos meios de prova mais utilizados é a prova testemunhal. Traçando um paralelo necessário para o sistema processual no ramo previdenciário, mais precisamente no âmbito rural, onde a informalidade impera, e a base do local é a inocência, a confiança mútua, e, o homem da terra, que planta o quê produz para a sua própria necessidade e de sua família, indevido, neste contexto, não valorar a prova testemunhal como muitas vezes sendo a única prova existente nessa relação do campo.

Nesse diapasão, os Tribunais Brasileiros vem entendendo a possibilidade da prova exclusivamente testemunhal para comprovar o tempo de serviço laborado na lavoura do segurado especial para fins previdenciário.

Vale Transcrever algumas jurisprudências acerca desse enfoque:

“A exigência de prova escrita, com relação aos rurícolas, deve ser abrandada, sobretudo quando a alegação da parte vem respaldada por depoimentos coerentes, firmados por pessoas idôneas, e o réu, presente a todos os atos, não refutou a prova apresentada[22].

Os depoimentos testemunhais, que revelam o período trabalhado pelo autor na condição de rurícola, permitem que o julgador, aplicando o princípio da livre convicção, forme seu juízo quanto ao cabimento do direito pleiteado, sendo dispensável para tanto o início de prova material[23]

O princípio do devido processo legal pressupõe um juiz imparcial e independente, que haure sua convicção dos elementos de prova produzidos no curso do processo. O artigo , inc. LVI, da CF admite quaisquer provas, desde que não obtidas por meios ilícitos. Assim, a prova testemunhal não pode ter sua eficácia limitada por não vir acompanhada de início da documental, sob pena de cercear-se o poder do juiz, relativamente à busca da verdade e sua convicção quanto a ela”[24]

Conforme colacionados acima referidos entendimentos jurisprudenciais demonstram uma evolução de entendimento em nossos Tribunais diante de casos práticos na esfera previdenciária, para o trabalhador rural que não consegue reunir provas documentadas, ou, por não existirem, ou pelos anos passados dificultando sua localização, ou ainda serem de períodos distintos daqueles pleiteados na justiça, ver a prova testemunhal ser plenamente aceita e valorada conforme a necessidade do caso tratado.

Nesse raciocínio o julgador não necessita ficar restrito ao requisito formal de exigência de início de prova material para que seja aceita a prova testemunhal produzida em juízo.

Considerando assim o meio de prova testemunhal como eficaz para a comprovação do tempo de serviço do segurado especial rural.

5 Da valoração da prova

Conforme explanado no item anterior e demonstrado com entendimentos jurisprudenciais a prova testemunhal produzida em juízo principalmente quando o caso concreto envolve trabalhador rural na função de bóia fria, deve ser valorada e considerada de forma que a prova material fique em segundo plano, ou seja, esta não seja decisiva para a análise da prova testemunhal.

Isto, porque muitos indeferimentos administrativos por parte do órgão competente (INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social) para aposentadoria por tempo de serviço para o segurado especial rural são com base na falta de prova material.

Assim, a prova testemunhal idônea ouvida em juízo deixa de ser considerado apenas como complementar de uma prova material e passa a ser considerada robusta consistente para se comprovar o tempo de serviço laborado na lavoura.

Inclusive, no que se refere ao início de prova material, como os requisitos constantes no artigo 106 da Lei de Benefícios Lei 8.213/91 não são taxativos e sim exemplificativos, ou seja, comporta outras ferramentas que ali não estão descritos. Como também se pondera acerca da dificuldade de se obter as provas documentais, admitindo como prova aqueles em nome de terceiros e não contemporâneos do período pleiteado.

Para tanto vale transcrever outros entendimentos, corroborando com referida visão.

“EMENTA PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL BOIA-FRIA E EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS.

1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 2. Cumprido o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 21 de janeiro de 2015. Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA. Relatora

Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental – Súmula 73 do TRF 4ª Região)

Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de bóia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao bóia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.

A respeito do trabalhador rurícola bóia-fria, caso alegado nos autos, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493/PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, definiu a imprescindibilidade da apresentação de prova material do exercício da atividade rural nessas condições, ainda que não abranja todo o período postulado:

‘RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3°, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais bóias-frias. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (‘A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário’) aos trabalhadores rurais denominados ‘bóias-frias’, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os ‘bóias-frias’, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ’.” (REsp/1.321.493/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 10/10/2012)[25].

Dessa forma, a tendência das decisões judiciais para casos semelhantes que envolva esta dificuldade do segurado especial rural em apresentar as provas documentais, será dada a prova testemunhal sua necessária valoração para o caso em concreto.

Considerações finais

Importa esclarecer que o presente artigo científico pretendeu demonstrar a grande dificuldade do segurador especial rural em ver seu benefício previdenciário deferido, mais especificamente em relação a prova produzida seja na esfera administrativa ou na esfera judicial, no qual trazendo uma visão mais coerente do caso concreto é possível numa analise crítica valorar a prova, seja ela testemunhal ou não, no direito previdenciário.

Referências
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: ed. Jus PODIVM, 2007, v. 2
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
_____. Congresso Nacional. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei n.º 8742 de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, DF, 7 dez 1993. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8742.htm>. Acesso em: 28 jul. 2015.
_____. Turma Nacional de Uniformização. Previdenciário. PEDILEF 2009.36.00.70.2396-2. Relator: Juiz José Antônio Savaris, DOU 13.11.2011.
______. Lei de Benefícios da Previdência Social. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 07 de julho 2015.
______. Regulamento da Previdência Social. Disponível em: <www4.planalto.gov.br/legislação>. Acesso em: 07 de julho 2015.
BRASIL. Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região. <www.trf4.jus.br/trf4/institucional/sumulas>. Acesso em: 08 de agosto de 2015.
SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2012, 472p.
Notas:
[1] Projeto de Pesquisa na modalidade de Artigo Científico como requisito para obtenção do Título de Especialista em Seguridade Social. Orientador: Professor Doutor Carlos Alberto Vieira de Gouveia.
[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[3] BRASIL. 1988, op. cit.
[4] MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. .
[5] JUNIOR, Miguel Horvath. Direito Previdênciário. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2002
[6] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito Previdênciário. 4. ed. São Paulo: LTR, 2001, p. 390
[7] TAVARES. Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário, 4. ed. Rio de Janeiro: Luem Juris, 2002.
[8] BRASIL. Lei Ordinária: Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providencias Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 28 jul. 2015.
[9] BRASIL. Lei Ordinária: Lei 11.718 de 20 de junho de 2008. Acrescenta artigo à Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo; estabelece normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural; prorroga o prazo de contratação de financiamentos rurais de que trata o § 6o do art. 1o da Lei no 11.524, de 24 de setembro de 2007; e altera as Leis nos 8.171, de 17 de janeiro de 1991, 7.102, de 20 de junho de 1993, 9.017, de 30 de março de 1995, e 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_ato2007-2010/2008/Lei/l11718.htm>. Acesso em 28 jul. 2015.
[10] BRASIL. Lei Ordinária: Lei 11.718 de 20 de junho de 2008. Acrescenta artigo à Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo; estabelece normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural; prorroga o prazo de contratação de financiamentos rurais de que trata o § 6o do art. 1o da Lei no 11.524, de 24 de setembro de 2007; e altera as Leis nos 8.171, de 17 de janeiro de 1991, 7.102, de 20 de junho de 1993, 9.017, de 30 de março de 1995, e 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_ato2007-2010/2008/Lei/l11718.htm>. Acesso em 28 jul. 2015.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência do STJ, Súmula 149 órgão julgador s3 – terceira seção. Publicado em 07 de dezembro de 1995. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=SUMU&p=true&I=&I=10&i=2>. Acesso em 07 de agosto de 2015.
[12] BRASIL. Tribunal Regional Federal 1ª Região. Súmula 27. Fonte: DJU 08 de dezembro de 1994, p. 72.002. Referências: Constituição Federal art. 88, 202, I, Lei nº 8213/91, art. 55, §3º, Lei nº 5.890/73, art.10, §8º, Decreto nº 83.080/79, art. 57 e 58. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/sumula-organizada/trf1-sumula-27,11717.html>. Acesso em 07 de agosto de 2015.
[13] BRASIL. Lei Ordinária: Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providencias Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em 07 de agosto de 2015.
[14] BRASIL. Decreto 3048 de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccvil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em 07 de agosto de 2015.
[15] Disponível em: < http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/juizado-especial-estadual-federal/cartilhas/projeto-juizado-especial/Enunciados%20da%20Turma%20Nacional%20de%20Uniformizacao%20de%20Juizados%20Especiais%20Federais%20-TNUJEFs.pdf>. Acesso em 08 de agosto de 2015.
[16] Disponível em: < http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/juizado-especial-estadual-federal/cartilhas/projeto-juizado-especial/Enunciados%20da%20Turma%20Nacional%20de%20Uniformizacao%20de%20Juizados%20Especiais%20Federais%20-TNUJEFs.pdf>. Acesso em 08 de agosto de 2015.
[17] PEDILEF nº 2008.72.55.007778-3/SC, Rel. Juiz Fed. José Eduardo do Nascimento, DJ 15 de dezembro de 2010.
[18] PEDILEF nº 2004.83.20.00.3767-0/PE, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 13 de outubro de 2009.
[19] PEDILEF nº 2005.80.13.500614-7/AL, Rel. Juiz Fed. Élio Wanderley Filho, DJ 24 de dezembro de 2007.
[20] PEDILEF nº 2003.70.01.002333-4/PR, Rel. Juiz Fed. Guilherme Bollorini Pereira, DJ 14 de novembro de 2005.
[21] PEDILEF nº 2004.43.00.901645-6/TO, Rel. Juiz Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior, DJ 07 de novembro de 2007.
[22] BRASIL. Tribunal Regional Federal. Benefício previdenciário, 3ª Região, 2ª Turma. Relator: Desembargador Federal Célio Benevides. Brasília, j. 03 de junho de 1997, DJ 25 de junho de 1997, p. 48.227.
[23] BRASIL. Tribunal Regional Federal 3ª Região, AC 95.03.014921 -5, 5ª Turma, Relator. Desembargadora. Federal Suzana Camargo, j. 24.02.1997, DJ 22.07.19997, p. 55.908
[24] BRASIL. Tribunal Regional Federal 3ª Região, AC 2000.03.99.046646 -5, 5ª Turma, Relator. Desembargador Federal André Nabarrete, j. 15.10.2002, DJU 10.12.2002, p. 467
[25] BRASIL. REsp/1.321.493/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 10/10/2012


Informações Sobre o Autor

Suylan Abude de Sousa

Advogada inscrita na OAB/SP. n 187.927 graduada pela Universidade Faculdade de Direito São Judas Tadeu em 12.1998/1999 Examinadora do Exame da OAB/SP desde 2002 Membro do Tribunal de Ética e Disciplina de São Paulo 5Turma – TED V desde a sua criação até 2011 e pós graduanda pela Faculdade Legale em Previdenciário


Equipe Âmbito Jurídico

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