Resumo: O acesso à justiça é um direito fundamental – o mais básico dos direitos humanos –garantido pela Constituição Federal de 1988. Mais do que alcançar a justiça, se pretende garantir um acesso célere e efetivo. Todo cidadão prima por uma resposta rápida do Poder Judiciário, o que o atual modelo de jurisdição não tem garantido. Porém em face da crise que o Judiciário brasileiro atravessa atualmente é visível a necessidade de busca de alternativas que possam responder de forma célere e, principalmente, eficaz a vasta gama de conflitos existente na sociedade atual. Assim, deve se assegurar a participação popular na distribuição da justiça, no intuito de democratizar o acesso, através da mediação, considerada forma de tratar os conflitos que, paralelamente ao Judiciário, poderá oferecer resposta mais adequada aos problemas da população. Assim, a mediação se apresenta como alternativa à jurisdição, na concretização dos direitos fundamentais sociais.
Palavras-chave: Mediação. Alternativa. Jurisdição. Concretização dos direitos fundamentais sociais.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Crise da Jurisdição Centrada no Monopólio Estatal. 3. Breves Considerações sobre os Direitos Fundamentais. 4. A Mediação. 5. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
O acesso à justiça traduz-se como um direito fundamental de extrema relevância em um Estado que se afigure democrático e que pretende promover, e não apenas proclamar, os direitos dos cidadãos. Entendido não apenas como o acesso ao Judiciário, mas, sobretudo, como o acesso a uma ordem jurídica justa, este importante direito tem sido progressivamente aceito como o mais básico dentre todos os direitos, eis que imprescindível à satisfação dos demais direitos fundamentais cristalizados no texto constitucional.
Assim, para que tais direitos não figurem apenas como meras previsões constitucionais, a Constituição Federal de 1988 assegurou expressamente em seu artigo 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Tais diretrizes colocam em evidência a questão do acesso à justiça, que passa a ser vislumbrado como pedra fundamental do Estado Democrático de Direito e como um dos componentes do núcleo da dignidade humana, eis que dele depende a efetividade dos direitos elencados no texto constitucional e através dele é que se assegura a satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Entretanto, apesar de sua notória relevância, até mesmo para o próprio funcionamento da ordem democrática – que se ancora na perspectiva de ampla e efetiva proteção e concretização dos direitos fundamentais -, a realidade do acesso à justiça em muito diverge daquela objetivada e propagada por nossa Carta Magna, o que acaba por refletir, inegavelmente, a inoperância estatal no que tange a sua promoção.
Diante de tal quadro, a superação dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça torna-se um desafio inadiável sob pena de se colocar em risco o próprio desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, posto que ele só é implementado por meio do resguardo dos direitos fundamentais.
Como se vê, o atual modelo de jurisdição voltado para a aplicação do que determina a lei ao caso concreto, tendo o Estado assumido a função de monopólio da Jurisdição como meio legítimo de tratamento dos conflitos não tem mais espaço diante das novas necessidades sociais.
Diante dessa situação, o surgimento de novas possibilidades de tratamento dos conflitos torna-se inevitável. Nesta perspectiva, o presente estudo pretende mostrar a crise da concepção atual de jurisdição e a possibilidade de incluir a mediação de conflitos como alternativa à jurisdição na promoção e concretização dos direitos fundamentais sociais.
2 A Crise da Jurisdição Centrada no Monopólio Estatal
A jurisdição é o poder que o Estado tem de impor o direito ao caso concreto de forma impositiva, promovendo a efetividade da lei. Sua função é ser o pacificador da sociedade, decidindo o conflito que gerou a manifestação do Estado. Assim, o Estado tomou para si a função de monopolizar a jurisdição.
O Poder Judiciário – detentor do monopólio jurisdicional – é a tradicional instituição designada pelo Estado para resolver os conflitos. Porém é visível a crise pela qual atravessa a Jurisdição.
Todas as considerações sobre a jurisdição e suas crises, surgidas a partir da globalização cultural, política e econômica, são consequências da crise estatal. Nascida de um deliberado processo de enfraquecimento do Estado, a crise se transfere para todas as instituições.
Por isso é que se deve discutir a tão aclamada crise da jurisdição a partir da crise do Estado, observando sua gradativa perda de soberania, sua incapacidade de dar respostas céleres aos litígios atuais, sua fragilidade nas esferas legislativa, Executiva e Judiciária, enfim, sua quase total perda na exclusividade de dizer e aplicar o direito. Nessa esteira, o Judiciário se torna uma instituição que precisa enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, modernizar suas estruturas organizacionais e rever seus padrões funcionais para sobreviver como um poder autônomo e independente.
O Poder Judiciário anda de forma lenta, longe está de superar a crise. A expansão da informática, das comunicações, dos transportes e dos atores econômicos interferem diretamente na denominada crise.
Em termos organizacionais, o Poder Judiciário foi estruturado para atuar sob a égide dos códigos, cujos prazos e ritos são incompatíveis com a multiplicidade de conflitos surgidos no decorrer dos tempos, razão pela qual o Judiciário é atravessado por formas “inoficiais” de tratamento de conflitos.
Ainda, para o Judiciário faltam meios materiais de dispor de condições técnicas que tornem possível a solução dos conflitos em curto espaço de tempo, dado o surgimento dos novos direitos. As causas de uma jurisdição morosa e atrasada não param por aí. Excesso de recursos processuais e de processos, número insuficiente de juízes ou de servidores do Poder Judiciário, legislação ultrapassada, sobrecarga de trabalho para os magistrados, demandas inúteis ou desnecessárias, etc.[1] também contribuem para tal crise.
Diante de tais circunstâncias, a jurisdição torna-se alvo de uma preocupação constante voltada para a aplicação do direito e, especialmente, da estrutura funcional necessária para a sua realização. Todavia, a estrutura funcional do Estado, que deveria possibilitar a realização da jurisdição, também se encontra em crise. Isso permite o surgimento de instâncias alternativas de resolução de conflitos, o que se dá em âmbito nacional e internacional.
Nesse contexto, demonstrada a incapacidade do Estado de monopolizar a jurisdição, tendem a se desenvolver procedimentos jurisdicionais alternativos, como a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação, almejando alcançar a celeridade, como garantia constitucional inserida no inciso LXXVIII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.[2]
Paralelamente, surgem novas categorias de direitos e de sujeitos jurídicos legitimados a pleiteá-los. São os direitos coletivos, individuais homogêneos e os difusos. Esses novos direitos produziram novos atores, provocando também uma explosão de litigiosidade significativa, contribuindo ainda mais para a incapacidade e as deficiências da estrutura judiciária.
Isso permitiu que se colocasse em pauta o problema da efetividade da prestação jurisdicional, buscando estratégias para o caráter cada dia mais agudo e insuficiente das respostas dadas aos conflitos pelo aparelho jurisdicional do Estado. Deve-se ter presente, também, que as crises por que passa o modelo estatal de dizer o direito – jurisdição – refletem não apenas questões de natureza estrutural, fruto da escassez de recursos, como inadaptações de caráter tecnológico – aspectos relacionados às deficiências formativas dos operadores jurídicos – que inviabilizaram o trato de um número cada vez maior de demandas, por um lado, e de uma complexidade cada vez maior de temas que precisam ser enfrentados, bem com pela multiplicação de sujeitos envolvidos nos pólos das relações jurídicas, por outro.
Assim, as crises da Jurisdição fazem parte de um quadro maior de problemas que dizem respeito às crises do Poder Judiciário, enquanto poder estatal.
Devemos, portanto, entender esta crise sob diversas perspectivas: Para José Luis Bolzan de Morais[3], as crises do Estado se dividem em conceitual, estrutural, constitucional, funcional e política.
Uma das crises que assolam o Estado diz respeito à infra-estrutura de suas instalações, pessoal, equipamentos, custos efetivamente despendidos, como também o custo diferido que se reflete em razão do alongamento temporal das demandas, que é denominada de crise estrutural.[4]
Outra, diz respeito a aspectos pragmáticos da atividade jurídica, englobando questões relativas à linguagem técnico-formal utilizada nos rituais e trabalhos forenses, a burocratização e lentidão dos procedimentos e, ainda, o acúmulo de demandas. É a crise objetiva ou pragmática.[5]
Para José Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler,[6] a terceira crise – denominada de subjetiva ou tecnológica – se vincula à incapacidade tecnológica de os operadores jurídicos tradicionais lidarem com novas realidades fáticas que exigem não apenas a construção de novos instrumentos legais mas, também, a reformulação das mentalidades, em especial aqueles que envolvem interesses transindividuais.
Por fim, insta referir a crise paradigmática que diz respeito aos métodos e conteúdos utilizados pelo direito para a busca de um tratamento pacífico para os conflitos a partir da atuação prática do direito aplicável ao caso concreto, em razão do conteúdo das demandas, dos sujeitos envolvidos ou, ainda, diante do instrumental jurídico que se pretende utilizar – analogia, costumes, princípios gerais do direito, equidade, etc.
Quando se fala que o Estado detém o monopólio da Jurisdição significa dizer que ele é responsável pela aplicação do direito ao caso sub judice.
Assim, quando se fala em crise do Estado, este tema está intimamente relacionado à crise da Justiça e do próprio direito, e quando se fala em um repensar das funções estatais, automaticamente este se projeta sobre a aplicação do direito. Nesse sentido:
“O conflito entre as condições existenciais e as normas jurídicas vigentes propicia a perda da confiança nas soluções normatizadas, gerando a crise do direito. A crise do direito, como crise das instituições relaciona-se com a inadequação da ordem jurídica às exigências de Justiça, em crescente insatisfação”.[7]
Como se vê, o Estado, como instância central de regulação social, passou a orientar as condutas humanas enfrentando hoje, uma crise que o atinge como um todo, e particularmente como expressão jurídica[8] onde os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de regulação padecem de efetividade em decorrência dessa inevitável perda da soberania e autonomia do Estado, em decorrência da globalização, por um lado, como também pela falta de instrumentos de legitimação interventiva, por outro.
A causa dessa inadequação encontra-se na complexidade das relações sociais, com o conseqüente alargamento dos interesses do homem, que de individualista passa para uma dimensão coletivista e o Estado se vê com o compromisso constitucional de oferecer os meios necessários para a concretização desses interesses e valores.
3. Breves Considerações sobre os Direitos Fundamentais
Em uma breve análise histórica, os direitos fundamentais inicialmente podem ser vistos como forma de garantir ao homem seus direitos, pois este era criatura vista como imagem e semelhança de Deus, como menciona o autor Jorge Miranda:[9]
“É comum apontar-se a doutrina do cristianismo, com ênfase especial para a escolástica e a filosofia de São Thomas, como antecedente básico dos direitos humanos. A concepção de que os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem alto valor intrínseco e uma liberdade inerente à sua natureza, anima a idéia de que eles dispõem de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política, Santo Tomás de Aquino defendia um direito natural, fundada na concepção do homem como criatura feita à semelhança de Deus e dotada de especiais qualidades. Esse direito subordinava o direito positivo e a discrepância entre um e outro autorizaria o direito de resistência do súbito.”
Dentro do contexto da historicidade dos Direitos fundamentais um nome chama a atenção John Locke, que abria um pensamento partindo do pressuposto de que os homens se reúnem e vivem em sociedade para se protegerem, sendo que a liberdade e a propriedade deveriam ser oponíveis até mesmo ao próprio soberano.
O autor Paulo Gustavo Gonet Branco[10] preleciona com relação a essa teoria:
“Essa teoria iria inspirar as Declarações de Virgínia de 1776 e na francesa de 1789. Com efeito, o art. 1º da Declaração dos Direitos de Virgínia, proclamava que todos os homens são por natureza livres e têm direitos inatos, de que não se despojam ao passarem a viver em sociedade.O art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aponta que o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. E o art. 4º da mesma Declaração afirma que os direitos naturais de cada homem não tem por limite senão as restrições necessárias para assegurar os outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.”
Mas, existem outros pontos importantes da história que retratam momentos e conquistas além dos já citados, como lembra o autor Ingo Sarlet[11]:
“Na Inglaterra em 1215, os bispos e barões ingleses obtêm do Rei João Sem-Terra a Magna Carta, pacto que assegura alguns privilégios feudais aos nobres, não chegando, entretanto, a alcançar o conjunto da população. Outras delcarações de direitos são conhecidas, como a petition of Rights, de 1628, o habeas corpus act, de 1679. Nesses documentos, são assegurados direitos aos cidadãos ingleses, com a proibição de prisão arbitrária, o habeas corpus e o direito de petição. Tais documentos, porém, se é verdade que limitavam o poder monárquico, não tinham o condão de vincular o próprio parlamento. Esses direitos eram assim fundamentais, embora não constitucionalizados.”
Questão importante também é ter em mente que os direitos com índole constitucional, vinculando poderes e dando o poder de serem exigidos judicialmente se deram com a Declaração de Virgínia, sendo que foram os referidos direitos acolhidos e positivados pela Constituição Americana.
Norberto Bobbio[12] ensina:
“Os direitos do homem ganham relevo quando se desloca do Estado para os indivíduos a primazia na relação que os põe em contato. A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado Moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/ cidadão ou soberano/súdito, relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade (…) no inicio da idade moderna.
Os direitos fundamentais alcançam o auge quando se compreende que a sociedade possui primeiramente direitos e depois deveres para com o Estado, se reconhece que o indivíduo tem primeiramente uma série de direitos e depois de deveres e que ao contrário, o Estado tem para com o individuo primeiramente deveres para depois deveres.
Uma outra perspectiva histórica aponta para as gerações de direitos, onde o autor Norberto Bobbio[13] refere para uma evolução dos direitos, passando por várias gerações. Sobre o assunto o autor José Alcebíades de Oliveira Junior[14] destaca:
“Primeira geração, os direitos individuas, que pressupõe a igualdade formal perante a lei e consideram o sujeito abstratamente. Tal como assinala o professor italiano, esses direitos possuem um significado filosófico-histórico da inversão, característica da formação do Estado Moderno, ocorrida na relação entre Estado e cidadãos: passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional.”
Nesta seara estão englobados nesta nova geração de direitos todos os tidos como indispensáveis aos homens, com uma visão universalista, mas no acompanhar de todo o estudo aqui traçado irá se analisar alguns momentos em que os direitos fundamentais deixam de tecer o universo de todos os cidadãos.
Traçados tais aspectos introdutórios, percebe-se o relevante compromisso com os direitos fundamentais, que devem ser encarados como postulados éticos ligados à dignidade da pessoa humana[15] e, portanto, invioláveis, cabendo ao intérprete e aplicador do direito a tarefa de concretização de tais paradigmas. Há que se privilegiar a eficácia concreta dos direitos fundamentais e sua máxima proteção.
4 A Mediação
Desde os primórdios da civilização sabemos que o processo é o instrumento da jurisdição. O Estado detém o monopólio estatal da força como meio legítimo de tratamento dos conflitos. Todavia, esse modelo de jurisdição tradicional está em crise, abrindo a possibilidade para o desenvolvimento de outras formas de resolução de conflitos. Por isso, em termos de conflito, temos que voltar nosso olhar para outras possibilidades de acesso à justiça, preferencialmente antes mesmo que tenha se instaurado um processo. Impõe-se propiciar ao próprio cidadão, no seio da sua comunidade, encontrar espaço de atendimento ao conflito.
A mediação como instituição para resolução de conflitos desenvolveu-se a partir dos anos 70, nos Estados Unidos, como ADR (Alternative Dispute Resoution), porém cada vez mais se observa que a mediação não é “alternativa”, mas outro modo de tratar os conflitos, que exige a articulação de diferentes saberes. A interdisciplinaridade faz a diferença nessa modalidade de tratamento de conflito, ou seja, são várias áreas do conhecimento envolvidas em cada caso.
A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, poderia ser definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal.[16]
Nesse sentido, preleciona Jean-François Six,[17] “mediação não é utopia”. Ela propõe a dignidade da distinção de cada pessoa, de cada povo, é única, convida à pesquisa constante. Afastando-se da binariedade, a mediação suscita e faz nascer o “3”, pois impulsionada por um terceiro que faz nascer o diálogo.
A prática da mediação se apresenta como um processo em que um terceiro, neutro, por assentimento das partes, a assiste de forma colaborativa. As diferenças são recolocadas em termos de interesses a fim de que os próprios interessados possam tomar uma decisão satisfatória para eles.[18]
Observa-se, assim, que a mediação ajuda na aproximação das partes, no diálogo, na comunicação, no consenso e na solução do seu caso concreto. As próprias partes com a ajuda do mediador decidem o seu conflito. Inúmeros conflitos podem ser resolvidos fora do sistema jurídico regular, fazendo-se uso da mediação. Muitas demandas sequer chegarão ao Poder Judiciário, pois serão resolvidos antes mesmo da instauração de qualquer processo. Aí está a efetividade no tratamento dos conflitos.
A medição é uma técnica de tratamento (resolução) de conflitos que pode não levar ao consenso, mas prepara melhor os envolvidos para a atuação no processo judicial, visto que faz com que os envolvidos fiquem focados nos interesses precípuos em discussão.
A mediação possui basicamente três elementos: as partes, a disputa e o mediador.[19] As partes são essenciais para que a disputa venha ocorrer, uma vez que conflitar é algo que faz parte dos seres humanos. Na mediação, ocorre uma tentativa de restabelecimento da comunicação entre os participantes, com vistas a um acordo que satisfaça a concepção de justiça para ambas as partes. As próprias partes interessadas constróem a solução do seu conflito, que pode resultar em um acordo. A ampla liberdade de comunicação[20] abre canais de atuação, pois resulta em solução legitimada pelo entendimento, não coativa, mas de caráter emancipatório com a utilização do espaço democrático, que dá legitimidade ao que for acordado.
A busca do consenso não deve se transformar em arbítrio a ferir garantias constitucionais e o direito de acesso ao devido e justo processo.[21]
Vale ressaltar que a mediação visa atingir a satisfação dos interesses e das necessidades dos que estão envolvidos na disputa.
A mediação é definida como a interferência de um terceiro com poder de decisão limitado ou não autoritário, que ajudará as partes envolvidas a chegarem voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às questões em disputa.[22] Sua missão fundamental é (re)estabelecer a comunicação.
Através deste instituto, busca-se solucionar conflitos mediante a atuação de um terceiro desinteressado. Este terceiro denomina-se mediador e exerce uma função como que de conselheiro, pois pode aconselhar e sugerir, porém, cabe às partes constituir suas respostas.
Com o auxílio do mediador, os envolvidos buscarão compreender as fraquezas e fortalezas de seu problema, a fim de tratar o conflito de forma satisfatória.
Na mediação, por constituir um mecanismo consensual, as partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal tradicional na qual este poder é delegado aos profissionais do direito, com preponderância àqueles investidos das funções jurisdicionais.
Um dos grandes benefícios da mediação é que não há ganhadores e perdedores, diferentemente do que ocorre na esfera processual. A ausência de custos e de recursos para as partes são elementos a favor da mediação.
A redução de processos com a sistemática da mediação não é significativa. Significativa, porém, é a possibilidade de encontro, de restauração de relações e, do ponto de vista individual, o aumento do protagonismo.
Como característica da mediação destaca-se a privacidade, uma vez que o processo de mediação é desenvolvido em ambiente secreto e somente será divulgado se esta for a vontade das partes. Em casos de interesse público o referido princípio será desconsiderado, quando a quebra da privacidade for determinada pro decisão judicial.
A mediação só tem início com a vontade das partes que concordam em desenvolver tal processo. È iniciado pelo consentimento de todos os envolvidos e, claro, sem que qualquer destes possa impô-la aos demais.
A finalidade principal da mediação é a reaproximação das partes. O instituto da mediação, ao contrário da jurisdição tradicional, busca aproximar as partes. Trabalha-se para resolver as pendências através do debate e do consenso, tendo como objetivo final a restauração das relações entre os envolvidos.
Também a economia financeira e de tempo está entre as suas características. Em contrapartida aos processos judiciais que, lentos, mostram-se custosos, os litígios levados à discussão através da mediação tendem a ser resolvidos em tempo muito inferior ao que levariam se fossem debatidos em Corte tradicional, o que acaba por acarretar uma diminuição do custo indireto, eis que, quanto mais se alongar a pendência, maiores serão os gastos com a sua resolução.[23]
A mediação também é um processo informal,[24] no qual as partes têm a oportunidade de debater os problemas que lhes envolvem, visando a encontrar a melhor solução para eles.
A demanda gera um mal-estar de litigiosidade e de exercício de poder,[25] um jogo de interesses, uma relação de ganhador-perdedor. Para evitar essa relação de conflito e litígio, se impõe uma política pública de atendimento aos conflitos que supere a intervenção judicial. A justiça pode ser alcançada fora do processo. Também nada impede que a demanda quando já instaurada seja canalizada sob a ótica da mediação, desde que os casos sejam indicados pelos magistrados e haja a concordância das partes.
No processo de mediação, importante é a disposição das partes à autocomposição, com a observância da autonomia dos interessados.
Há conflitos que jamais podem ser tratados através da mediação, dependendo portanto da atuação judicial. A venda de bem de menor, usucapião e os procedimentos de jurisdição voluntária em geral exigem a intervenção judicial.
Sempre que for possível prevenir a demanda judicial ou facilitar a solução de conflitos e crises, sem que haja processo judicial, a mediação se impõe como possibilidade de tratamento do conflito, ou como estratégia para afastar a litigiosidade existente.
A mediação é muito adequada nos conflitos familiares, de vizinhança, de relações continuativas, em que há prevalência da necessidade de convivência. Nesses casos a mediação é um bom instrumento que pode ser usado nas relações sociais.
Nessa perspectiva, a criação de núcleos comunitários de mediação, com a prévia preparação de mediadores ligados a comunidade, é uma proposta que merece investimento não apenas do sistema, mas a partir das próprias comunidades. O importante é a participação do cidadão e das comunidades na solução de seus problemas através de uma rede de voluntariado. Entre as finalidades está a de prevenir ou tratar os conflitos do interesse da comunidade.
A mediação comunitária é uma forma de atendimento de conflitos entre pessoas de uma comunidade sem a necessidade de acesso imediato à via judicial. A perspectiva é a redução de conflitos mediante a restauração do diálogo, escuta e compreensão de interesses.
Com a inserção da mediação na comunidade, prima-se, acima de tudo, pela cultura da paz, possibilitando a criação de espaço de tratamento de conflitos na comunidade. Os conflitos da comunidade serão tratados e solucionados na comunidade, contribuindo, através dessa política pública, para a minimização de processos no Poder Judiciário.
O Poder estatal ficará encarregado de resolver as demandas mais complexas, em que o diálogo, a comunicação não pode resolver.
Prima-se pela participação de todo cidadão, da comunidade em que vive na tomada de decisões, tornado-se responsável pelas decisões. Ser cidadão não significa apenas desfrutar de direitos, mas assumir obrigações, com o compromisso de construir soluções.
O direito fundamental social de acesso à Justiça constitucionalmente garantido significa alcançar a efetividade dos direitos violados ou ameaçados de lesão e não pode ficar restrito ao processo judicial.
5 Considerações Finais
Em restritas linhas, se observa que o processo necessita de maior atenção, ou seja, sendo o processo instrumento da jurisdição é necessário dar-lhe maior efetividade e celeridade, no sentido de tornar concreto o princípio da duração razoável do processo, incluído em nossa Carta Magna.
O processo estatal como instrumento de solução de conflitos ainda é um lugar de atuação de demandas conflitivas. Todavia, apesar das diferentes propostas de alterações processuais e as recentes reformas legislativas não foram suficientes para dar uma resposta estatal rápida, célere e eficiente.
Frente a isso, há outras possibilidades de tratamento de conflitos, dentre elas, a mediação se mostra possível na sociedade atual. Entende-se por mediação, o processo pelo qual, um terceiro neutro tratará de interferir em um conflito para harmonizar as partes com a finalidade de possibilitar o diálogo, a comunicação, a aproximação das partes, e quem sabe, a construção de um acordo.
O importante da mediação é que as próprias partes envolvidas no conflito vão tentar construir a solução do seu problema, ao invés de deixar a cargo do juiz através da sentença.
A mediação contribui para a efetividade no tratamento dos conflitos já que impede a propositura da demanda judicial. Os conflitos são tratados e resolvidos na comunidade, na escola, com a ajuda dos próprios cidadãos. A mediação pode prevenir a demanda judicial. Também nada impede que a mediação seja alcançada depois de ajuizado o processo judicial. Mas, a justiça pode ser alcançada fora do processo, colaborando a mediação como uma alternativa ao atual modelo de jurisdição.
Assim, a mediação como procedimento de resolução de disputas, de conflitos, de crises é um importante canal de comunicação entre as partes. O mediador, faz o papel de um facilitador, minimiza os ruídos, com a finalidade de estabelecer uma comunicação que flua de forma dinâmica e conduza a um acordo que será desenhado pelas partes. Não é função do mediador criar os acordos, este simplesmente cria meios para que as partes consigam enxergar alternativas para uma composição.
Em síntese, no que tange a resolução de conflitos, a mediação se apresenta como uma alternativa à jurisdição na promoção e concretização dos direitos fundamentais sociais, importando na visão de escuta, de diálogo, de construção de caminho elaborado pelos próprios interessados e, com possibilidade de êxito.
É possível admitir uma maneira diferenciada de tratar os conflitos, representada pela técnica da mediação através de mediadores e não juízes, a oferecer, com a informalidade, a possibilidade de atuação das partes, viabilizando a aproximação das partes ao espaço da decisão. A mediação, em outros termos, faz com que as próprias partes decidam o seu caso.
A mediação não precisa ser utilizada somente pelo Poder Judiciário, pode ser utilizada na própria comunidade, na escola, como espaço de criatividade, de realização e cidadania.
Nessa perspectiva, a crise do atual modelo de jurisdição deve ser superado, buscando na mediação nova estratégia de tratamento de conflitos, como também contribuindo para a minimização das demandas judiciais, para a humanização do processo e acesso a uma ordem jurídica justa.
Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, UNISC. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Ritter dos Reis, Canoas, RS. Professora da Graduação e Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA – Campus Santa Maria. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil e do Núcleo de Prática da Ulbra – Santa Maria/RS. Advogada
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