Resumo: O Estado como sociedade política e juridicamente organizada, exerce as suas funções através de pessoas, através de seres humanos, que realizam por intermédio de lei, diversos tipos de atividades que visam atender às necessidades do próprio Estado e os interesses da coletividade. Entretanto, dentro do conjunto de instituições que compõem o Estado, faz-se necessário fiscalizar, através de um sistema de orientação e limitação, a atuação das pessoas quem agem em nome do Estado. Nesse sentido, o presente trabalho visa demonstrar não apenas os tipos, as formas e os principais mecanismos de controle, mas também a necessidade do controle de legalidade exercido pelos órgãos judiciais e principalmente a importância que o controle das atividades da Administração, representa nos dias de hoje para o cenário brasileiro.
Palavras – chaves: Estado; importância; controle.
Sumário: 1. Introdução. 2. A necessidade de respeito aos preceitos constitucionais. 3. O controle da administração pública. 3.1. O controle administrativo. 3.2. O controle legislativo. 3.3. O controle judicial. 3.3.1. A convalidação dos atos ilegais. 3.3.2. Anulação x revogação. 3.3.3. O sistema de jurisdição uma. 3.3.4. Limites da atuação judicial. 3.3.5. Meios de controle judicial. A) Habeas corpus. B) habeas data c) mandado de segurança. D) Mandado de injunção. E) Ação popular. 4. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Consoante determina o artigo 2º da Constituição Federal, são poderes da União: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Isso significa que nós temos no Estado 03 funções essenciais: a legislativa, a executiva e a judiciária. A existência dessas três funções traduz a idéia de equilíbrio, onde cada uma dessas funções é executada por cada um dos três poderes. O Executivo realiza a função executiva, ou seja, cabe a ele a administração da coisa pública, sendo essa administração realizada de forma típica. O Legislativo, exerce a função legislativa: o Legislativo é o poder responsável pela criação das leis e normas que regulam a vida em sociedade. Já o Poder Judiciário exerce a função jurisdicional, que será melhor analisada adiante.
Completa o mesmo artigo 2º, que os poderes são independentes e harmônicos entre si, o que é sem dúvida alguma, uma das características mais marcantes da democracia moderna e o que fortifica um verdadeiro Estado Democrático de Direito, como o Estado Brasileiro.
Tal tripartição, devidamente protegida em nível de cláusula pétrea[1], assegurou a cada Poder o direito de exercer as suas funções, livre de empecilhos e com todas as prerrogativas fixadas pelo texto constitucional. Mas, a independência e harmonia indicadas pela ordem constitucional, não podem ser analisadas de forma tão restrita e taxativa, que impeça definitivamente a interferência de um poder sobre o outro.
Conforme já anotado, o Poder é um só, porém, dividido em três funções: a executiva, legislativa e jurisdicional. A melhor denominação deveria ser: “Tripartição de funções” ao invés de “Tripartição de poderes”. Corroborando esta interpretação, o mestre José Carlos Tosetti[2], menciona que:
“Constitui erronia falar em tripartição de poderes estatais, uma vez que eles são fruto de um mesmo poder. O Poder é um só, quaisquer que sejam as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado”.
Completando este entendimento, o Prof. Pedro Lenza[3], justifica em sua obra que:
“Isto porque o Poder é uno e indivisível. O poder não se triparte. O poder é um só, manifestando-se através de órgãos que exercem funções”.
Sanada esta controvérsia, e entendida como deveria ser interpretada a expressão constitucional, faz-se necessário mencionar outra interpretação que também deve ser observada sobre o mesmo artigo 2º da Constituição Federal. Conforme já mencionado, o art. 2º nos informa que:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
De fato, os Poderes são realmente independentes e harmônicos entre si, mas em determinadas situações é possível uma “quebra” desse conceito. Em certos casos é admitida uma atenuação desta independência. Isso porque ao longo da carta constitucional, encontramos várias disposições que autorizam a interferência de um poder sobre o outro, o que caracteriza um verdadeiro sistema de freios e contrapesos.
Através deste sistema, um Poder do Estado pode controlar os abusos cometidos pelo outro Poder, de forma que se equilibrem. O contrapeso, na verdade, pode ser analisado em várias concepções. Analisado de forma bem sucinta e objetiva, significa que apesar de cada Poder ser independente, tendo autonomia para exercer com liberdade as suas funções, um Poder pode fiscalizar o outro, desde que, um “não mande” no outro, desde que um não interfira diretamente e bruscamente sobre as atividades exercidas pelo outro. Mas, apenas verifique supostas arbitrariedades cometidas pelo outro poder e tome as medidas cabíveis a fim de sanar tais irregularidades.
Assim, o sistema de freios e contrapesos autoriza um Poder a conter os abusos cometidos pelo outro, devendo sempre ser mantida a harmonia fixada pelo artigo 2º da Constituição Federal. Em sede de Direito Administrativo, tal interferência é comumente conhecida como “controle da administração”.
Levando-se em conta que a expressão “controle da administração” denota um conceito amplo e divergente, o objetivo precípuo deste estudo não é discorrer sobre a abrangência e diversidade do controle sofrido e realizado pela administração, mas tão somente, expor de forma sucinta a visão doutrinária acerca dos principais meios de controle de legalidade exercido sobre as atividades administrativas, mostrando os instrumentos utilizados pelo Poder Judiciário e a limitação de sua atuação indicada pela Constituição Federal.
2. A NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS
É cediço que o Poder Judiciário tem a missão institucional de “examinar a legalidade e a constitucionalidade de atos e leis, aplicando o direito criado pelo Poder Legislativo, a um caso concreto que lhe seja submetido a julgamento”. Sem dúvida alguma, a principal intenção do Poder Judiciário é garantir a aplicação das leis que determinam os direitos, as vedações e as imposições aos indivíduos.
A sua missão institucional é manter a paz social. E para alcançar os seus objetivos, ele tutela direitos, preserva interesses e restringe comportamentos, assumindo para tanto, a posição de “garantidor da justiça social”, sempre pautando sua conduta nos preceitos estabelecidos pelas leis e principalmente pela Constituição Federal.
Não só o Poder Judiciário, como também os Poderes Executivo e o Legislativo devem assumir a função de “garantidor da justiça social”, visando sempre preservar os interesses postos como relevantes pela Carta Constitucional.
A Constituição Federal, lei fundamental de nosso país, é a base e o fundamento de todas as demais espécies normativas. É a lei suprema da nação brasileira, que está acima de tudo e deve ser respeitada por todos.
A Constituição deve estar presente no dia-a-dia de todos os poderes constitucionais. Todos os poderes têm a obrigação de respeitar os ditames fixados pelo texto constitucional, eles têm o dever de pautar as suas condutas na lei e de zelar pelo seu cumprimento. É por isso que existe o controle: Se algum dos poderes desrespeitar alguma lei, ele estará afrontando diretamente a Constituição, sujeitando o seu ato a anulação, se dele resultar alguma ilegalidade.
Desta forma, mesmo que seja uma simples ofensa a uma lei infraconstitucional, haverá com essa simples ofensa, uma violação direta à lei maior, pois como se extrai do art. 37, caput da Constituição Federal, um dos princípios que devem nortear a Administração Pública é o princípio da legalidade. Desrespeitado o princípio da legalidade, automaticamente estará desrespeitada a Constituição Federal.
Para corroborar ainda mais essa visão, pense em uma licitação. Imagine que um determinado administrador público, ao invés de escolher a melhor proposta para a administração, por razões pessoais, escolheu uma proposta diversa. Foi escolhida uma proposta que não era a mais vantajosa para a Administração. Nesse caso, o ato do administrador está eivado de ilegalidade, eis que violou alguns dos princípios licitatórios previstos na lei n. 8.666/93, como por exemplo, o princípio do julgamento objetivo.
Mas na verdade, ao praticar a conduta ilícita, o administrador feriu diretamente a Constituição. E não foi uma ferida reflexa, foi uma ferida direta e objetiva, pois a indisponibilidade do interesse público deve nortear a realização das atividades administrativas.
O agente ao exercer o múnus público, deve verdadeiramente atuar em nome do povo. Ele não pode agir como bem entender, ele precisa respeitar as regras previstas no instrumento convocatório, de forma a atender a finalidade prevista na lei. Afinal, a finalidade é um elemento do ato, que se não for observada gera a sua invalidade.
O princípio da indisponibilidade do interesse público está diretamente relacionado ao princípio da finalidade. Empregando as palavras de Dalmo de Abreu Dallari: “Estado é ordem soberana, que tem por finalidade o bem comum de um povo situado em certo território”.[4]
Para alcançar o bem comum é indispensável buscar e agir dentro dos estritos termos da lei. Desta forma, voltando ao exemplo da licitação, o administrador tem o dever de escolher a melhor proposta para a Administração e ao escolher a proposta mais conveniente de acordo com os seus interesses pessoais, ele estará “dispondo” do interesse público, ele estará “desviando” a finalidade do ato, fazendo cair por terra, toda a essência que deve ser extraída da Constituição.
Por isso, há sempre a necessidade de respeito aos preceitos constitucionais. Violado quaisquer desses preceitos, violada estará a Constituição, inválido será o ato e punido será o administrador. Eis aí a importância do controle.
3. O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Com o advento do Estado Democrático, que deixou para trás a administração patrimonialista tornou-se claro que os bens e receitas do Estado não seriam mais vistos como pertences do soberano, mas como pertencente a toda coletividade para atendimento das necessidades desta. Assim sendo, o controle assumiu um papel importante na administração, impondo limites à atuação do governo e orientando a melhor utilização dos recursos disponíveis de forma organizada e ponderada.[5]
A Reforma Administrativa Federal instrumentalizada pelo Decreto-Lei 200/1967, elegeu o “controle” como um dos princípios fundamentais da Administração[6]. Tal inclusão evidenciou mais ainda a importância do tema.
Analisando a expressão “controle” no contexto administrativo, fica fácil perceber que a nomenclatura indica fiscalização, orientação, correção e direcionamento das atividades administrativas, a fim de levar à extinção dos atos ou atividades que estejam desrespeitando as leis ou a Constituição Federal, além de buscar resguardar a moralidade que deve sempre reinar dentro da Administração.
O controle visa “adequar” as funções administrativas ao ordenamento jurídico. O administrador deve agir segundo as previsões da lei. Administrar é atividade daquele que não é o senhor, mas sim, atividade daquele que tem o dever de zelar pela coisa pública de forma que atenda aos interesses da coletividade.
Enquanto na iniciativa privada o particular pode fazer “quase” tudo o que ele quiser, na Administração Pública, o administrador “só” pode fazer o que a lei autorizar. Essa é a noção que se extrai do princípio da legalidade. Desta forma, o administrador não pode agir conforme o impulso da sua vontade, dentro da Administração o que deve existir é LEGALIDADE e não autonomia de vontade. Por isso, o administrador durante toda a sua vida funcional, deve restringir a sua atuação aos ditames da lei, vinculando-se a uma previsão normativa dentro do ordenamento jurídico. O controle sobre os seus atos é inerente a própria razão de ser da Administração Pública.
A finalidade do controle é verificar a legalidade, a legitimidade, a atuação, a adequação do ato ao ordenamento jurídico. O controle pressupõe ao mesmo tempo uma proposta de uma legalidade ampla e estrita. E também pressupõe a observância de todos os princípios conformadores do regime jurídico administrativo: de todos os valores que compõem o sistema jurídico brasileiro.
O controle é extremamente necessário, pois através dele, o DONO do patrimônio público (coisa pública), que é o povo, tem a oportunidade de saber como a Administração está cuidando dos seus interesses. Por sermos um Estado Democrático de Direito, nada mais justo do que oferecer à coletividade, a oportunidade de verificar se a Administração está realmente buscando o “bem comum”, que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira.[7]
A idéia central, quando se fala em controle da Administração Pública, reside no fato de que o titular do patrimônio público (material e imaterial) é o povo, e não a Administração, razão pela qual ela se sujeita, em toda a sua atuação, sem qualquer exceção, ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Assim, na qualidade de mera gestora da coisa alheia, sem que dela possa dispor, deve a Administração pautar a integralidade de suas condutas pela mais ampla transparência, a fim de que o efetivo titular da coisa pública possa, a todo o tempo, ter condições de verificar se esta – a coisa pública – está realmente sendo gerida de forma mais adequada ao interesse público.[8]
Levando-se em conta que toda a atividade estatal deve ser fiscalizada, de forma a verificar a sua compatibilidade com a ordem constitucional, doutrinariamente, o controle da administração é conceituado como:
“O conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria Administração, os Poderes Judiciário e Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder-dever ou a faculdade de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas do Poder. Garante-se, mediante o amplo controle da Administração, a legitimidade de seus atos, a adequada conduta funcional de seus agentes e a defesa dos direitos dos administrados”. [9]
Consoante a doutrina da Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a finalidade do controle é assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação e impessoalidade.[10]
Quando uma lide é gerada na Administração, seja ela exercida pelo Legislativo, Executivo ou Judiciário, a própria Constituição indica os possíveis mecanismos que podem ser adotados pelo Poder para a solução da questão. Caso ela não indique o mecanismo, certamente ela direcionará o administrador à correta solução do caso concreto.
Algumas vezes, a lide é solucionada pela própria Administração, quando ela exerce o controle interno sobre as suas próprias atividades, se valendo para tanto, dos instrumentos indicados pela lei. Outras vezes, a Constituição autoriza a intervenção de um Poder sobre o outro, para que haja a correção das eventuais ilegalidades e/ou para que a ordem institucional seja preservada, ocorrendo neste caso o controle externo da Administração.
Desta forma, segundo a classificação doutrinária mais comum, quanto à origem, o controle pode ser interno ou externo. Será interno quando realizado pela própria entidade responsável pela atividade controlada, ou seja, quando exercido dentro de um mesmo Poder por meio dos órgãos integrantes de sua própria estrutura. É, por exemplo, o controle que as chefias exercem sobre os atos de seus subordinados dentro do próprio órgão que realiza as atividades.
Tal controle é fruto do art. 74 da Constituição de 1988, e dispensa lei expressa. O art. 74 determina que os Poderes mantenham sistema de controle interno dentro da sua própria estrutura, veja:
“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.”
Em suma, o controle interno é aquele que a própria Administração exerce sobre ela mesma. É um controle prévio ou concomitante, pode ser de mérito ou de legalidade e que pode ser provocado ou de oficio. Esse controle decorre da hierarquia ou da tutela administrativa.
A hierarquia é um poder inerente ao controle interno. O poder hierárquico é interno, ele só se manifesta dentro de uma MESMA pessoa jurídica, entre órgãos e agentes de uma mesma pessoa. Não existe hierárquica externa: não existe hierarquia entre pessoas jurídicas diferentes.
Diz-se externo o controle exercido por um Poder sobre o outro. É aquele realizado por uma entidade diversa daquela que praticou o ato. Ele ocorre quando o órgão controlador pertence à estrutura de outro Poder, ou seja, quando o órgão fiscalizador estiver situado em Administração diversa daquela de onde a conduta administrativa se originou.
Diferentemente do controle interno, no Brasil o controle externo depende de previsão normativa, sendo indispensável previsão constitucional expressa. Nesse sentido, assim como a Constituição Federal estabeleceu que os poderes são independentes e harmônicos entre si, só ela pode admitir eventuais interferências de um poder sobre o outro: Todo controle externo depende de previsão constitucional. O controle é uma mitigação à independência prevista na Constituição Federal. Somente o próprio texto constitucional pode mitigar, somente a lei fundamental pode criar um controle externo, um controle que tem o condão de permitir a interferência direta de um poder sobre as atividades realizadas por outro poder.
Vários são os casos que traduzem o controle externo exercido entre os Poderes constitucionais. Para exemplificar, o Executivo, controla o Legislativo através do veto aos projetos oriundos desse Poder (art. 66, § 1º da CF). O Legislativo, por sua vez, através do Congresso Nacional, controla o Executivo quando autoriza o Chefe do Executivo Federal a se ausentar do país, quando a ausência exceder a 15 dias (art. 49, III da CF).
3.1 O Controle Administrativo
Ainda em sede de classificação e conceitos doutrinários, a expressão “controle da administração” não deve ser confundida com “controle administrativo”. em que pesem posições contrárias, a expressão “controle da administração” denota a administração em sentido amplo, abrangendo os mais variados tipos de controle que são exercidos dentro da Administração Pública.
Levando-se em conta que a Administração Pública é exercida por todos os Poderes Constitucionais, e não apenas pelo Poder Executivo, obviamente a expressão “controle da administração” refere-se ao controle exercido pelos Três Poderes. Tal controle consiste, pois, em um conjunto de mecanismos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e revisão das atividades realizadas em qualquer das esferas do Poder.
Quando o próprio Poder exerce pessoalmente a fiscalização sobre os seus próprios atos administrativos, anulando os atos ilegais e revogando os inconvenientes e inoportunos, estamos diante do “controle administrativo”. Assim, a última expressão é bem mais restrita que a primeira.
Este controle é um verdadeiro controle interno, pois consiste no poder de fiscalização e correção que a Administração Pública exerce quando pratica a autotutela sobre os seus próprios atos. Ou seja, deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre os seus próprios atos.
O Mestre José dos Santos Carvalho Filho menciona que:
“O Controle Administrativo é o que se origina da própria Administração Pública. Significa aquele poder que têm os órgãos que a compõem, de fiscalizarem e reverem os seus próprios atos, controle, aliás, normalmente denominado de autotutela. A revogação de um ato administrativo serve como exemplo desse tipo de controle”.[11]
Como o controle administrativo é aquele que permite que a Administração fiscalize e reveja os seus próprios atos, em regra, o controle administrativo é exercido através da fiscalização hierárquica, que ocorre quando os órgãos superiores fiscalizam os inferiores, tendo como fundamento o exercício do poder hierárquico.
Mas também pode ser exercido em razão da apresentação de recursos administrativos, que geralmente são interpostos pelos próprios administrados, como um pedido de reconsideração, uma reclamação administrativa ou ainda, um recurso hierárquico. Através da interposição dos recursos, o interessado pleiteia, junto aos órgãos públicos, a revisão de determinado ato administrativo que lhe prejudica, para que o ato seja revisto pela própria Administração. Os recursos administrativos podem ter efeito devolutivo ou suspensivo, sendo o efeito devolutivo o efeito normal de todos os recursos, só cabendo o suspensivo nos casos expressamente indicados pela lei.
Insta salientar, que o direito de solicitar uma pretensão face à Administração, não se esgota com na via administrativa. Muitas vezes as decisões administrativas fazem coisa julgada, o que impossibilita uma revisão da decisão dentro da própria Administração, mas a coisa julgada administrativa produz efeitos internos, apenas para a Administração e não para o Poder Judiciário. Seria inadmissível que uma decisão da Administração impedisse a atuação jurisdicional posterior. A imutabilidade da decisão administrativa pode ser alterada pelo Judiciário, desde que verificada a ilegalidade da decisão.
A Profª. Maria Sylvia Zanella di Pietro, nos ensina que:
“Na função administrativa, a Administração Pública é parte na relação que aprecia; por isso mesmo se diz que a função é parcial e, partindo do princípio de que ninguém é juiz e parte ao mesmo tempo, a decisão não se torna definitiva, podendo sempre ser apreciada pelo Poder Judiciário, se causar lesão ou ameaça de lesão. Portanto, a expressão coisa julgada, no Direito Administrativo, não tem o mesmo sentido que no Direito Judiciário. Ela significa apenas que a decisão de tornou irretratável pela própria Administração”. [12]
Assim, a expressão coisa julgada administrativa não deve ser interpretada de forma taxativa, que impeça definitivamente a alteração da decisão administrativa. A decisão pode ser modificada pelo Judiciário, desde que sejam atendidos os pressupostos legais, autorizadores do controle judicial.
3.2 O controle legislativo
O controle legislativo, também conhecido como controle parlamentar é um controle externo, pois é exercido pelo Legislativo sobre os demais poderes (Executivo e Judiciário).
Como o Legislativo espelha a representação popular, materializando a vontade do povo, esta vontade também é manifestada quando o Legislativo fiscaliza os demais Poderes. Só que não é um controle ilimitado, pois o Poder Legislativo deverá estar autorizado a exercê-lo. Ele deverá restringir a sua atuação aos casos previstos e delimitados na Constituição Federal.
A sua atuação deve ser mais restrita, pois estamos diante de um controle mais invasivo, constituindo uma verdadeira exceção à regra da separação e independência dos Poderes, prevista no art. 2º da Constituição Federal.
O controle em tela alcança os órgãos do Poder Executivo, as entidades da Administração Indireta e inclusive, o próprio Judiciário, quando executa função administrativa. O controle parlamentar pode ser direto ou exercido com o auxílio do Tribunal de Contas. O controle legislativo pode então, ser realizado sob o aspecto político ou financeiro.
O aspecto político confere ao Legislativo a prerrogativa de analisar a legalidade e também o mérito dos demais poderes. É interessante, que apesar do controle legislativo ser restrito quando ao âmbito de sua atuação (pois só pode ser aplicado nos casos expressamente delimitados pelo texto constitucional), ele consegue ser mais abrangente que o controle judiciário, pois quando o Legislativo exerce o controle político, ele pode analisar não só a legalidade dos atos realizados pelos demais poderes, como também o mérito (ou seja, a discricionariedade), pois em determinadas situações é possível que o Legislativo analise a conveniência e oportunidade da realização de atos dos outros poderes constitucionais.
Para ilustrar este entendimento, podemos citar como exemplo a competência exclusiva do Congresso Nacional e do Senado para apreciar a priori ou a posteriori atos do Poder Executivo, como a autorização dada pelo Congresso ao Presidente da República, para que este se ausente do país por período superior a 15 dias, ou ainda o poder que possui o Congresso de sustar os atos normativos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar. (art. 49, I à V e 52, III, IV, V e XI da CF).
Já o controle financeiro, é aquele exercido pelo Poder Legislativo nos termos dos arts. 70 a 75 da Constituição Federal. Tal controle cuida da fiscalização contábil, financeira e operacional e patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das Entidades da Administração Direta e Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicabilidade das subvenções e renúncia de receitas.
De acordo com a Constituição Federal, prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.[13]
Esta fiscalização financeira é exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo (com auxílio do Tribunal de Contas da União), e pelo sistema de controle interno de cada poder. A própria Constituição indica quais são as atribuições do Tribunal de Contas da União. Veja:
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (…)
VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
§ 1º – No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º – Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º – As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.”
O controle financeiro, em relação aos atos que fiscaliza, verifica sua legitimidade, economicidade a fidelidade funcional dos agentes públicos responsáveis por bens e valores públicos e os resultados de cumprimento de metas e programas de trabalho.
3.3 O controle judicial
O controle judicial ou judiciário consiste no poder de fiscalização e correção que os órgãos do Poder Judiciário exercem sobre os atos administrativos dos demais poderes. O controle de legalidade realizado pelo Judiciário exerce uma significativa importância, merecendo este ser o foco central deste trabalho, pois se não existisse esse controle, de nada adiantaria à submissão da Administração Pública à lei.
Pelo princípio da legalidade, toda a atuação administrativa deve pautar a sua conduta na lei, mas repita-se: “de nada adiantaria tal sujeição se não existisse na ordem pátria um poder dotado de garantias de imparcialidade que pudesse verificar se a Administração está ou não pautando suas atividades na lei”.
Esse poder dotado de garantias de imparcialidade é o Judiciário, que tem autorização constitucional para apreciar os atos praticados pelos demais Poderes e se for o caso, invalidar os atos ilícitos praticados pela Administração. Entenda-se: atos ilícitos praticados por TODA Administração Pública.
O controle judicial é um verdadeiro poder jurídico, pois o Poder Judiciário ao atuar não leva em conta a conveniência política que normalmente figura na atuação do Legislativo e do Executivo. Ele realiza o controle pautado na preservação da legalidade.
Em regra, o controle judicial é exercido a posteriori, ou seja, depois que os atos são realizados pelos demais poderes. Ele é a posteriori, porque somente depois que os atos são produzidos e ingressam no mundo jurídico é que o Judiciário entra em ação e realiza a fiscalização, combatendo eventuais irregularidades cometidas quando da edição do ato administrativo.
Devidamente provocado, frise-se que o Judiciário só atua se for provocado, conforme já apontado, ele restringe a sua atuação aos aspectos de legalidade do ato, decretando a sua nulidade, caso se depare com alguma ilegalidade.
A anulação (e nunca a revogação) somente pode ocorrer nos casos de comprovada ilegalidade. A invalidação (ou anulação) consiste em uma declaração de que o ato desrespeitou a lei em algum dos seus elementos.
Sabendo que o ato administrativo é composto pelos elementos: Competência, finalidade, forma, motivo e objeto, toda vez que for comprovada alguma ilegalidade na sua formação ou até mesmo na execução, se for devidamente provocado, o Judiciário pode agir, decretando a imediata anulação do ato.
Esta forma de invalidação opera efeitos retroativos, ex tunc, visto que retroage à origem do ato, desfazendo as relações dele resultantes. Desta forma, toda vez que Para ilustrar este entendimento, imagine que um determinado servidor público foi demitido pela prática de ato ilegal. O simples fato de o servidor ter que devolver aos cofres públicos a quantia desviada de forma ilegal, já indica a idéia do efeito ex tunc.
3.3.1 A convalidação dos atos ilegais
Caso o defeito presente no ato tenha como ser corrigido (ou seja, convalidado), não cabe ao Judiciário realizar a convalidação dos atos ilícitos praticados pelos outros Poderes. Este instituto somente pode ser utilizado pela própria Administração, pois, se trata de um juízo de oportunidade e conveniência, conforme descrito no art. 55 da lei n. 9.784/99. A convalidação é uma tentativa se salvar o ato. É a maneira encontrada pela Administração de manter no sistema jurídico, um ato que apesar de inválido, está atendendo ao interesse público.
Parece um pouco estranho, mas é exatamente assim: de um lado temos o princípio da legalidade pedindo a anulação do ato e do outro lado temos o interesse público pedindo a manutenção do ato. O administrador coloca os dois princípios em uma balança e verifica qual dos princípios deve prevalecer. Se o administrador através do seu juízo de discricionariedade[14] entender que o interesse público precisa ser resguardado, a própria lei lhe oferece o caminho da convalidação. Então não parece muito correto dizer que a convalidação ofende o princípio da legalidade, pois se ela tem previsão legal, não é coerente afirmar que o instituto denota uma ilegalidade.
Portanto, em que pese a Administração ter a obrigação de anular seus atos ilegais (tendo em vista o princípio da legalidade, devidamente retratado nas súmulas 346 e 473 do STF), a Administração determinará a convalidação se entender necessária a realização desse procedimento administrativo.
É importante destacar que convalidar não significa confirmar um ato ilegal[15]. A convalidação deve ser vista como sinônimo de correção. Convalidar é corrigir. Convalidar é retirar a ilegalidade do ato. Seria transformar um ato ilegal em legal. Seria sanar a ilegalidade do ato deixando-o totalmente válido, em conformidade com o ordenamento jurídico. Seria aproveitar atos viciados, mas com vícios superáveis.
Então se, por exemplo, um determinado ato ilegal, que apesar de ilegal esteja atendendo ao interesse público, apresentar vício no elemento competência, a autoridade competente poderá baixar um ato de convalidação (que nesse caso seria a ratificação), corrigindo o vício existente naquele ato.
Conforme já apontado, a convalidação está prevista no art. 55 da lei n. 9.784/99 que tem a seguinte redação:
“Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”.
Conforme se depreende da redação, a convalidação só será possível se não acarretar lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros. Essa é uma característica marcante do instituto. Isso significa dizer que se a convalidação puder resultar em qualquer prejuízo ou dano à coletividade, ela não poderá ser realizada em hipótese alguma, sob pena de responsabilização.
Em suma, a convalidação pode ser entendida como uma providência realizada pela Administração Pública que visa, através de um ato válido, suprir o vício existente no ato ilegal, dando àquele efeitos retroativos à data em que este foi praticado. Apesar da obrigatoriedade ou não de convalidar ser amplamente discutida na doutrina, somos adeptos ao entendimento de que a Administração não é obrigada a convalidar, visto que, discricionariamente ela tem o poder de decidir o que é mais oportuno diante do caso concreto. Caso ela entenda que a convalidação é necessária, de acordo o seu exclusivo interesse, ela procederá à correção do ato viciado. Caso contrário, cabe a ela determinar a anulação.
Quanto à natureza do ato a ser convalidado, não importa se o mesmo é discricionário ou vinculado. Porém, em caso de provocação, se o ato apresentar algum vício de ilegalidade, o Judiciário apenas poderá anulá-lo para preservar a ordem jurídica e não revogá-lo ou convalidá-lo.
Os atos discricionários são atos onde o administrador público exerce o seu mérito, a sua discricionariedade. O administrador edita o ato se entender conveniente e oportuno ao interesse público. Já os atos vinculados são atos ditados pela lei, neste tipo de ato o administrador público tem uma atuação vinculada, só podendo realizar o ato se a lei o autorizar.
O controle judicial, conforme apontado anteriormente não analisa o mérito administrativo, apenas analisa os aspetos de legalidade do ato. Podemos extrair então que:
Conforme se depreende do quadro acima, se um ato administrativo apesar de válido, se tornar inoportuno: O Judiciário não poderá proceder à revogação. Ele não tem autorização legal para proceder à revogação. No entanto, caso apresente algum vício de legalidade, o Judiciário poderá realizar a anulação. Se não existisse essa premissa, o princípio da legalidade cairia por terra, visto que ninguém restringiria a atuação ilegal da Administração. Não faria sentido algum o instituto da anulação, muito menos ainda o próprio controle judiciário.
3.3.2 Anulação x Revogação
Conforme mencionado, o controle judicial restringe-se aos aspectos de legalidade do ato administrativo. Nesse passo, caso o Judiciário se depare com alguma ilegalidade, ele procederá à anulação. A anulação juntamente com a revogação, constituem as figuras da “retirada”, que é uma das categorias de extinção do ato administrativo. A retirada em breve análise, seria a extinção de um ato “A” pela prática de um ato “B”, sendo que esse ato “B” é um ato secundário, praticado exclusivamente para a extinção do ato primário.
A anulação é representada por um ato secundário chamado de ato anulatório. Ela deve ocorrer quando há vício no ato administrativo e configura um verdadeiro controle de LEGALIDADE, o que difere da revogação, que configura um controle de MÉRITO.
O Judiciário não está autorizado a revogar atos administrativos de outros poderes. Já foram abordado os motivos pelos quais existe essa limitação do controle judicial, mas é sempre bom frisar, que se o Judiciário estivesse autorizado a revogar atos administrativos de outro Poder, o juiz deixaria de lado a função de julgador e passaria a ocupar o cargo de administrador, pois caberia a ele o reexame da oportunidade e conveniência dos feitos administrativos. O princípio da tripartição de funções estatais estaria prejudicado, toda a atuação executiva perderia a independência e ocorreria um verdadeiro caos no Judiciário, visto que haveria a necessidade de triplicar o número de juízes, pois aumentaria o rol de suas atribuições.
No cenário atual, cada poder revoga os seus próprios atos administrativos, quando no exercício atípico de função administrativa. Nesse sentido, o Judiciário até pode revogar atos administrativos, desde que sejam os seus próprios atos e não os atos de outros poderes. Portanto, “a faculdade de revogar está fundada no poder genérico de agir de dado órgão da Administração Pública. Mas só se encontra onde existe a prerrogativa de modificar ulteriormente a relação jurídica oriunda do ato anterior”.[16]
A revogação é um juízo de mérito, por isso somente o próprio Poder pode realizá-la. Revogar significa retirar do sistema jurídico um ato que apesar de legal, se tornou inconveniente / inoportuno. Em um primeiro momento a Administração realizou o ato acreditando ter adotado a medida certa, mas depois, por motivos supervenientes, o ato deixou de atender aos interesses da coletividade, não havendo mais motivos para mantê-lo em vigor. Essa é a idéia de revogação: um ato que apesar de válido, tornou-se desnecessário por motivos supervenientes.
3.3.3 O sistema de jurisdição una
Dentro do controle de legalidade realizado pelo Poder Judiciário, faz-se necessário tecer algumas observações sobre o sistema de jurisdição una, devido a importância que ele representa para a facilitação do controle judicial.
Dispõe o texto constitucional em seu art. 5º, XXXV, que:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.[17]
Tal dispositivo consagrou o princípio da Inafastabilidade da tutela jurisdicional, também conhecido como sistema de unidade de jurisdição, ou ainda, jurisdição una. Segundo este sistema, o Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional. Ele não só pode apreciar como também pode decidir com definitividade, a lesão ou ameaça a direitos individuais e coletivos, passando as suas decisões a terem força de coisa julgada.
Na verdade, o art. 5º, XXXV, que consagrou o sistema de unidade de jurisdição, tem uma dupla interpretação. Num primeiro momento podemos dizer que o texto constitucional proibiu a lei de impedir e/ou atrapalhar a atuação jurisdicional. Em outras palavras, ao determinar que “a lei não excluirá …”, a Constituição Federal na verdade quis dizer: “a lei não impedirá” a atuação do juiz toda vez que ele tiver que agir, tiver que atuar, a fim de exercer a jurisdição, para proteger um direito já lesado ou ameaçado de sofrer uma lesão.
Como somos um Estado regido por leis (Estado de Direito), a regra é que qualquer pessoa (em sentido amplo, face ao princípio da isonomia) que tenha um direito lesado ou ameaçado de lesão, poderá provocar o Poder Judiciário, para ter resguardado o exercício de tal direito.
Em uma segunda interpretação, que na verdade já foi mencionada acima, podemos dizer que tal princípio também reconhece que o Judiciário é o único dentre os poderes constitucionais, que decide com força de coisa julgada, somente as suas decisões são realmente definitivas.
De acordo com o mestre José dos Santos Carvalho Filho:
“Pelo sistema da unidade de jurisdição, todos os litígios, administrativos ou de caráter privado, são sujeitos à apreciação e à decisão da Justiça comum, vale dizer, a que é composta de juízes e tribunais do Poder Judiciário. No sistema da unidade de jurisdição – una lex una jurisdictio – apenas os órgãos do Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões com o caráter de definitividade. Mesmo as raríssimas exceções contempladas na Constituição, conferindo essa função ao Congresso Nacional, não servem para desfigurar o monopólio da jurisdição pelo Judiciário”.
Por estas razões, não só a lei está impedida de excluir determinadas matérias da apreciação do Judiciário, como também, o princípio foi inserido como garantia fundamental, gravada pelo art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal, como cláusula pétrea, insuscetível de qualquer tipo de alteração, não podendo sequer ser objeto de proposta de emenda constitucional.
3.3.4 Limites da atuação judicial
Assim como os demais poderes, o Judiciário também está sujeito a limites. A sua atuação deve ocorrer em conformidade com a lei e com os preceitos fixados na Constituição Federal.
Em diversos momentos foi mencionado que o controle judicial se restringe aos aspectos de legalidade dos atos administrativos. O Judiciário não pode invadir o mérito de outro poder. Invadir o mérito significa discutir ou até mesmo modificar as razões que levaram o administrador a editar o ato.
O mérito consiste no juízo de oportunidade e conveniência que permite que o administrador tome a melhor decisão diante do caso concreto que está sendo analisado.
O próprio administrador, diante da situação que lhe é posta a julgamento é quem vai avaliar discricionariamente a situação e tomar a melhor decisão dentre todas as admitidas pelo direito. Se o juiz pudesse analisar a conveniência e oportunidade dos atos praticados por outro Poder, como o Poder Executivo, por exemplo, ele estaria atuando como administrador público e não como juiz, deixando de lado as suas atribuições jurisdicionais.
Se a lei autorizasse que juiz apreciasse o mérito de outro Poder, nós encontraríamos dentro do Judiciário, uma categoria vitalícia de administradores públicos e não aplicadores do direito.
Outra limitação imposta ao Judiciário é a impossibilidade de invalidação de atos normativos do Poder Executivo, como as resoluções, regulamentos e portarias. A única maneira que o Judiciário tem de invalidar esse tipo de ato é através da ação direta de inconstitucionalidade, cujo julgamento é de competência do STF, quando se tratar de lei ou ato normativo federal ou estadual que contrarie a Constituição Federal.
Quando se tratar de lei ou ato normativo estadual ou municipal que contrarie a constituição do Estado, a competência para efetuar o julgamento passa a ser do Tribunal de Justiça.
Insta salientar, que nos casos concretos, poderá o Poder Judiciário apreciar a legalidade ou a constitucionalidade dos atos normativos do Poder Executivo, mas a decisão produzirá efeitos apenas entre as partes, devendo ser observada a norma do artigo 97 da Constituição Federal, que exige a maioria absoluta dos membros dos Tribunais para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público[18].
Quanto aos atos classificados como interna corporis, que são aqueles praticados dentro da competência interna e exclusiva dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, em regra eles não são apreciados pelo Judiciário, porque são destinados a estabelecer regras sobre o funcionamento interno dos seus órgãos, assim, o juiz não poderia substituir os critérios internos e exclusivos concedidos pela Constituição aos Poderes. No entanto, como toda regra tem uma exceção, caso exorbitem em seu conteúdo, desrespeitando preceitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, poderão ser apreciados pelo Judiciário.
Por fim, quanto aos atos políticos, nada obsta a apreciação judicial, caso haja uma ilegalidade evidente. Os atos políticos não são atos propriamente administrativos, mas sim atos de governo, então em tese, não poderiam ser controlados pelo Judiciário. Mas, já é pacífica na doutrina a posição de que quando tais atos ofenderem direitos consagrados pela lei, gerando um vício de ilegalidade, é possível a sujeição ao controle judiciário. Veja:
“Com relação aos atos políticos, é possível também a sua apreciação pelo Poder Judiciário, desde que causem lesão a direitos individuais ou coletivos. Houve um período no direito brasileiro, na vigência da Constituição de 1937, em que os atos políticos eram insuscetíveis de apreciação judicial, por força de seu artigo 94. Essa norma ligava-se à concepção do ato político como sendo aquele que diz respeito a interesses superiores da nação, não afetando direitos individuais; como o exercício do direito de ação estava condicionado à existência de um direito individual lesado, não ocorrendo essa lesão, faltava o interesse de agir para o recurso às vias judiciais. Pela atual Constituição, existe mais uma razão para admitir o controle judicial dos atos políticos; é que o art. 5º, XXXV, proíbe que seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça a direito, sem distinguir se ele é individual ou coletivo; previu ainda, além da ação popular, outras medidas judiciais cabíveis para a defesa dos direitos e interesses coletivos, como a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo. Com isso, ampliou também a possibilidade de apreciação judicial dos atos exclusivamente políticos”.[19]
3.3.5 Meios de controle judicial
A Constituição Federal, com o intuito de facilitar o acesso à justiça, de forma a permitir que qualquer pessoa procure o Judiciário para promover a defesa de seus direitos, estabeleceu ações específicas, que são os meios processuais de que se vale o titular de um direito lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ato ilegal em ação própria ajuizada contra a Administração Pública, como a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade ou ainda os conhecidos remédios constitucionais.
Os remédios são ao mesmo tempo “direitos” e “garantias” constitucionais. São direitos, pois são bens declarados pela norma jurídica que tem a proteção constitucional. E são garantias porque visam garantir, proteger o exercício dos aludidos direitos.
São garantias porque têm o objetivo de resguardar outros direitos fundamentais. Como o próprio nome bem indica: são “garantias”, ou seja, GARANTEM o adimplemento de alguma coisa, que seriam o próprio exercício dos direitos fundamentais, quando estes sofrerem limitações.
Como exercem significativa importância dentro do tema controle, nada mais justo do que mencionar algumas de suas peculiaridades:
a) Habeas Corpus
Determina a Constituição Federal em seu art. 5º, LXVIII que “conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Com esta determinação constitucional, temos uma das maiores e mais importantes garantias individuais que se pode ter dentro de um Estado Democrático de Direito[20]. Através do habeas corpus, procura-se tutelar a liberdade de locomoção, que está preconizada no art. 5º, XV da própria Constituição Federal.
Não precisamos nem mencionar a importância que representa a plena liberdade de locomoção para os indivíduos. Sem tal liberdade, o indivíduo deixa de exercer inúmeras outras liberdades individuais, pois o mesmo fica impossibilitado de se locomover, ocorrendo assim, uma verdadeira restrição no tocante ao exercício de outros direitos fundamentais, daí a necessidade de se promover o habeas corpus, que devido à importância de sua função, também é conhecido como “Remédio Heróico”.
Apesar de a doutrina apontar que o habeas corpus teve sua origem remota no Direito Romano[21], o certo é que a noção de liberdade começou a surgir muito antes disso. Surgiu quando o ser humano começou a perceber que era “humano”, e que merecia um mínimo de respeito por parte dos detentores do poder. Assim, se torna impossível informar com exatidão em que época o instituto surgiu, pois a “luta pela liberdade” esteve presente desde os primórdios das civilizações, e por incrível que pareça ao que tudo indica, essa luta continua até hoje. O que podemos informar com exatidão são os marcos históricos que materializaram o instituto e o tornaram conhecido.
A título de exemplo, podemos citar a Magna Carta de 1215, que foi outorgada pelo Rei João Sem Terra, por pressão dos barões, em 19 de Junho de 1215, e aqui no Brasil, citamos o Decreto de 23-05-1821, expedido por D. João VI que proibia as prisões arbitrárias.
Antes de chegar ao Brasil, o habeas corpus sofreu uma evolução. Após a Magna Carta de 1215, ainda na Inglaterra, adquiriu várias modalidades, como: “habeas corpus ad prosequendum”, “habeas corpus ad satisfaciendum”, “habeas corpus as deliberandum”, “habeas corpus ad faciendum et recipiendum” e etc. [22]
Após séculos de existência, o atual habeas corpus garantido pela Constituição Federal de 1988, é muito diferente dos Writs apontados acima que marcaram a história da sociedade. Só para se ter uma idéia da brutal diferença, antigamente admitia-se habeas corpus para tutelar outras violações, além da locomoção, como por exemplo, violações de direitos civis. Hoje em dia, isso não é possível, o campo de atuação deste remédio constitucional é restrito e objetivo: O habeas corpus apenas tutela a liberdade de locomoção do indivíduo, não sendo cabível para tutelar outro direito que não seja o de ir, vir e permanecer, constitucionalmente garantido pelo art. 5º, no seu inciso XV.
Por exercer tamanha importância, o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa que tiver a sua locomoção violada ou ameaçada de violação, por ilegalidade ou abuso de poder. O conceito de qualquer pessoa é amplo, abrangendo pessoas físicas, nacionais, estrangeiras, residentes ou não residentes no Brasil.[23] Não abrange, porém, pessoas jurídicas, pois estas não exercem a liberdade de locomoção (elas não podem se locomover, transitar, como pode fazer uma pessoa física).
Quanto à natureza jurídica, o habeas corpus configura uma verdadeira ação constitucional de caráter penal, regulada por lei e isenta de custas judiciais[24]. Em que pesem posições em contrário, o habeas corpus não é um recurso[25], é uma ação constitucional, que pode inclusive ser impetrada sem a ocorrência da violação direta à liberdade de locomoção, pois o indivíduo “ameaçado” de sofrer uma futura lesão já pode proteger a sua liberdade de locomoção por intermédio do habeas corpus, ele não precisa esperar a violação se concretizar (ou seja, ser privado da sua liberdade), para impetrar esta ação constitucional. Se o habeas corpus fosse um recurso criminal, o indivíduo não poderia impetrá-lo antes da ocorrência da violação na sua liberdade de locomoção.
Quanto às modalidades, o habeas corpus pode ser: preventivo ou repressivo. Será preventivo quando houver uma ameaça de violação ao exercício do direito de locomoção de alguém. Nesta modalidade, a pessoa que sente ameaçada, deverá embasar o seu pedido com a comprovação do “justo receio” de a qualquer momento sofrer uma violação na sua liberdade de locomoção. Neste caso, o juiz expedirá um documento chamado “salvo-conduto”, que impedirá que a ilegalidade se concretize.
Quando o habeas corpus for repressivo (liberatório), o juiz emitirá um documento chamado “alvará de soltura”, que determinará o fim da violação da liberdade de locomoção do indivíduo que foi preso por ilegalidade ou abuso de poder.
Por fim, é importante destacar que como típico direito fundamental de primeira geração, o habeas corpus somente protegerá a liberdade de locomoção dos indivíduos, se for por meio de uma ordem emanada de uma autoridade judiciária competente (por meio de um juiz / tribunal), que seja um dos órgãos componentes da estrutura do Poder Judiciário.
b) Habeas Data
O Habeas Data é um instrumento jurídico constitucional que se destina a proteção do direito de informações de caráter pessoal. O habeas data possibilita aos indivíduos a obtenção e retificação de dados e informações constantes de entidades governamentais ou de caráter público.
De acordo com o art. 5º, LXXII da Constituição de 1988, este remédio constitucional será concedido:
“a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.”
Além de estar previsto no texto constitucional, este remédio encontra-se regulado pela Lei nº. 9.507, de 12 de Novembro de 1997, que acrescentou outra hipótese de cabimento da medida, além das constitucionalmente previstas, veja:
“para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas, justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável”.[26]
Portanto, o habeas data é uma ação colocada à disposição de qualquer pessoa que esteja sendo impedida de conhecer, retificar ou complementar (anotar) seus dados pessoais registrados em banco de dados de caráter público. Portanto, toda vez que alguma entidade possuidora de banco de dados oficial IMPEDIR alguém do:
a)Direito de conhecer seus dados pessoais
b) Direito de retificar o seu registro ou ainda do
c) Direito de complementar o seu registro, a pessoa interessada poderá ajuizar o habeas data, para que sejam respeitados os direitos acima mencionados, assegurados pela lei e Constituição Federal.
O habeas data pode ser impetrado por qualquer pessoa física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, desde que o impetrante seja o próprio lesado, ou seja, não é possível ingressar com esta ação para obter informações pessoais de uma terceira pessoa que não seja o impetrante.
Como regra geral, trata-se de uma ação personalíssima, cuja tutela se restringe exclusivamente a pessoa do impetrante, mas, excepcionalmente é possível a impetração por terceiros, de forma a preservar outros direitos assegurados pela lei, como o pedido apresentado por parentes de falecido, a fim de evitar o uso indevido de dados do de cujus[27], ou ainda o pedido impetrado por cônjuge de falecido, a fim de evitar prejuízo ao patrimônio financeiro da família interessada na obtenção das informações.[28]
Como legitimados passivos podem figurar entidades governamentais da administração pública direta ou indireta ou pessoas jurídicas de direito privado, desde que sejam possuidoras de banco de dados de caráter público. Não interessa se a entidade é pública ou privada, o que importa para fins de cabimento do habeas data é que a entidade possua um banco de dados oficial, aberto ao público, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e o SERASA.
É importante salientar, que a jurisprudência já tem admitido como legitimado passivo, partidos políticos e universidades particulares.[29]
Por fim, deve ser ressaltado que:
– O habeas data é uma ação de natureza mandamental;
– Em regra, como é ação personalíssima, não admite pedido de terceiros, nem sucessão no direito de pedir (mas existem exceções);
– Assim como o habeas corpus, não há custas na ação desse writ. Trata-se de ação gratuita, consoante regra expressa do texto constitucional em seu art. 5º, LXXVII [30] e art. 21 da lei nº. 9.507/97[31].
c) Mandado de Segurança
O Mandado de segurança é um remédio constitucional judicial que poderá ser impetrado toda vez que ocorrer lesão ou ameaça a direitos líquidos e certos não amparados por habeas corpus ou habeas data. O mandado de segurança configura um verdadeiro mecanismo de proteção dos indivíduos contra atos ou ameaças de atos arbitrários do Poder Público, que não sejam amparados por outros remédios constitucionais.
Trata-se de uma ação constitucional de rito sumário especial, a ser utilizada por qualquer pessoa que se sinta prejudicada face à violação ou evidente ameaça de direitos líquidos e certos assegurados pela lei.
Um direito líquido e certo é um direito que resulta de fato certo, que facilmente pode ser comprovado pelo seu titular, por intermédio de uma documentação inequívoca que não desperte dúvidas. Doutrinariamente direito líquido e certo é todo aquele cuja titularidade possa ser inequivocamente demonstrada por quem o pretende (certo) e que esteja delimitado em sua extensão, ou seja, que se tenha exatamente dimensionado o alcance do direito pretendido (líquido)[32].
O mandado de segurança é um remédio constitucional assegurado pelo art. 5º, incisos LXIX e LXX do texto constitucional e regulamentado pela lei nº 12.016 de 07 de Agosto de 2009, que revogou a antiga lei regulamentadora, lei nº 1.533 de 31 de Dezembro de 1951.
Nos termos do art. 1º da nova lei do mandado de segurança (Lei 12.016/09), “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
Conforme pode ser observado, qualquer pessoa física ou jurídica pode ser legitimado ativo da ação de mandado de segurança, desde que a violação ou ameaça ao direito líquido e certo tenha sido decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.
Consoante determina o art. 6, § 3º da nova lei de mandado de segurança, “considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática”. Apesar da nova lei não ter evoluído no conceito de autoridade coatora, podem figurar no pólo passivo do mandado de segurança, além das autoridades públicas propriamente ditas, administradores de autarquias ou de entidades paraestatais e também pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas pelo poder público.
Porém, cabe destacar que a nova lei em seu art. 1º, § 2º não admitiu mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e das concessionárias de serviço público.
O mandado de segurança é uma ação de cabimento residual, visto que é subsidiária. Portanto só será possível impetrá-la quando o direito líquido e certo violado ou ameaçado de lesão, não for protegido por habeas corpus ou habeas data. Em outras palavras, podemos dizer que o mandado de segurança configura a “sobra”, o “resto”: primeiro deve ser analisado se é cabível o habeas corpus ou habeas data, se no caso concreto não for cabível nenhuma dessas ações e desde que trate-se de um direito líquido e certo, caberá então o mandado de segurança.
A doutrina admite, quanto ao momento da impetração, duas modalidades de mandado de segurança: o repressivo e preventivo. Será repressivo o mandado de segurança destinado a reparar uma lesão já ocorrida. Será preventivo quando impetrado para evitar que a lesão ocorra e prejudique direito líquido e certo do impetrante.
O mandado de segurança poderá ser ainda individual ou coletivo. O individual é aquele impetrado pelo próprio prejudicado, devidamente representado por um advogado ou pela Defensoria Pública. Já o coletivo, que está previsto no art. 5º, LXX da Constituição Federal, é direcionado à defesa de direitos coletivos. Consoante indica o art. 21, § único da nova lei de mandado de segurança, os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
“I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II – individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
Ainda nos termos do art. 21 da nova lei, o mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Quando o mandado de segurança for coletivo, estaremos diante de uma substituição processual (ou extraordinária), visto que os legitimados ativos indicados acima, apenas substituirão em juízo, a coletividade de pessoas prejudicadas pela violação indevida de seus direitos líquidos e certos.
Para que haja a substituição processual não se faz necessária a autorização expressa dos titulares do direito, bastando apenas uma previsão genérica no estatuto. Haveria necessidade de autorização expressa dos associados, se fosse um caso de representação, como ocorre no caso do art. 5º, XXI da Constituição Federal.
Cumpre observar ainda, que em relação aos prazos para impetração, a nova lei em seu art. 23, manteve o prazo de 120 dias contados da data em que o interessado tomar conhecimento do ato impugnado. A nova redação é equivalente a antiga redação do art. 18 da lei nº. 1.533/51.
d) Mandado de Injunção
Trata-se de uma ação constitucional de caráter civil e procedimento especial utilizada para suprir a ausência de norma regulamentadora que esteja inviabilizando o exercício de direitos assegurados pelo texto constitucional. Conforme indica a própria Lei Maior em seu art. 5º, LXXI, o mandado de injunção tem por objeto a tutela dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
O mandado de injunção, inovação da Constituição de 1988, não é uma ação constitucional destinada a criar um novo direito, mas tão somente permitir que alguém exerça um direito existente, mas que devido a ausência de regulamentação específica, não pode ser exercido por seu titular.
É um remédio constitucional colocado à disposição de qualquer pessoa que esteja impedida de exercer direitos constitucionais pelo fato de tais direitos não se encontrarem regulamentados por lei. Assim, toda vez que um indivíduo que possuir algum direito assegurado pela Constituição, estiver impedido de exercê-lo pelo simples fato deste direito não se encontrar regulado por lei, a solução indicada é a impetração do mandado de injunção.
O mandado de injunção apresenta alguma semelhança com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADInPO). Ambas as ações tem o intuito de suprir omissões legislativas. Porém, o mandado de injunção é utilizado num caso concreto, individualmente considerado, pela própria pessoa que esteja inviabilizada de exercer o direito constitucional por ausência de norma regulamentadora, já a ADInPO, é uma das formas de controle concentrado do STF, em que a legitimação não cabe ao próprio prejudicado, mas sim aos legitimados ativos enumerados no art. 103 da Constituição Federal.
Pode impetrar o mandado de injunção qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira. A legitimação ativa é atribuída ao titular de direitos constitucionais, cujo exercício esteja inviabilizado por falta de norma que o regulamente. Já na legitimação passiva podem figurar órgãos ou autoridades públicas que estavam obrigados a legislar, mas não legislaram. Ou seja, que se mantiveram inertes em relação às suas obrigações, prejudicando os titulares de direitos constitucionalmente protegidos.
Assim como acontece no mandado de segurança, em sede de injunção, é possível a tutela de direitos individuais ou coletivos. O próprio STF já admitiu a possibilidade de mandado de injunção coletivo, por aplicação análoga do art. 5º, LXX da Constituição Federal[33].
Cabe ainda destacar, que um dos assuntos mais polêmicos dos remédios constitucionais, sem dúvida alguma é conteúdo da decisão em mandado de injunção. A natureza jurídica da decisão é palco de divergências doutrinárias e jurisprudenciais face ao princípio da independência e separação dos poderes.
De fato, é notório que o Judiciário está impedido pela sistemática constitucional de determinar que o Executivo ou Legislativo elabore a norma faltante. Diante deste impedimento e com o intuito de solucionar a questão foram criadas algumas correntes. Para a posição não-concretista, que já foi muito utilizada pelo STF até o ano de 2006 em reiterados julgados, o Poder Judiciário deve apenas reconhecer formalmente a inércia e comunicar a omissão ao órgão competente para que este tome as devidas providências a fim de editar a norma faltante. Assim, haveria apenas um reconhecimento formal da inércia do órgão omissor.
A corrente concretista, por sua vez, seja ela geral, individual ou intermediária admite a possibilidade de concretização judicial do direito constitucional, com a finalidade de viabilizar o seu exercício.
Com a mudança da composição do STF, alguns entendimentos foram reformulados, como a posição sobre a eficácia das decisões em mandado de injunção. Alguns julgados recentes tem admitido o caráter mandamental e não meramente declaratório da decisão judicial do mandado de injunção[34].
e) Ação Popular
Consoante determina o art. 5º, LXXIII da Constituição Federal, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
A Ação popular é um meio de controle judicial das atividades administrativas, que pode ser impetrada por qualquer cidadão, conforme indica a própria Constituição.
Regulamentada pela lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, a ação popular tem o intuito de proteger a coisa pública, preservado desta forma, os princípios constitucionais de legalidade e moralidade que devem reinar dentro da Administração Pública.
Consoante lição do Prof. José Afonso da Silva, a ação popular pode ser definida como ação constitucional brasileira outorgada a qualquer cidadão, como garantia político-constitucional, para a defesa dos interesses da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural[35].
Decorrência do parágrafo único do art. 1º do texto constitucional, que diz que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente nos termos desta Constituição”, a ação popular acaba por valorizar a participação popular na gestão pública, pois ao permitir que o cidadão fiscalize os atos e contratos lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio público, histórico e cultural, a Magna Carta colocou nas mãos do povo a privilégio de exercer o seu próprio poder.
A legitimação ativa cabe somente ao cidadão. Desta forma, estariam impedidos de impetrar esta ação, todos aqueles que não desfrutam desta posição, como os estrangeiros, apátridas, pessoas jurídicas e etc.
É importante observar, que nada impede, que o português. o português equiparado que esteja em pleno gozo dos direitos políticos impetre uma ação popular. Nada impede também, que os maiores de 16 anos desfrutem desta prerrogativa, desde que alistados como eleitor e mediante a comprovação desta situação[36].
O cidadão atua como substituto processual, visto que ao ingressar com esta ação, ele defende os interesses de toda a coletividade. Daí ser a ação popular uma garantia coletiva, pois o autor da ação popular procura defender a coisa pública e não os seus interesses pessoais.
Conforme indica o texto constitucional, o autor da ação popular é isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência, mas caso seja comprovada a sua má-fé, ele ficará responsável por estas obrigações.
O intuito desta determinação foi o de evitar que o cidadão impetre a ação popular com fins baixos, não-escusáveis, agindo de forma leviana e abusiva.
De acordo com o art. 6º da lei nº 4.717/1965, podem figurar no pólo passivo da ação popular:
“As autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”.
Portanto, poderão figurar no pólo passivo da ação popular, não só o agente que ordenou ou praticou o ato, mas também as pessoas omissas que ensejaram a lesão.
4 Conclusão
Levando-se em conta todos os pontos que foram abordados no decorrer deste trabalho, a conclusão não poderia ser outra: todos os meios de controle exercem um papel extremamente relevante dentro do sistema pátrio, havendo tão somente a necessidade de reformular alguns e aprimorar outros, mas a sua essência, a sua finalidade institucional é totalmente válida, eficaz e deve cada vez mais ser incentivada e posta em prática para alcançar verdadeiramente os objetivos a que se propõe.
É sabido que a função administrativa muitas vezes não é realizada em perfeita consonância com a lei, afinal, inúmeros são os órgãos e agentes, inúmeras são as atividades e funções, e assim, dentro da estrutura que temos hoje no Brasil, seria impossível falar em uma Administração verdadeiramente equilibrada e perfeita. Daí surge a necessidade de fiscalizar o exercício das atividades administrativas. A possibilidade da análise dos atos administrativos, com base nos princípios e regras que regem a atuação da Administração Pública, revela-se atrelada à própria noção de Estado Democrático de Direito.
O controle administrativo exercido internamente pela própria Administração necessita apenas de menor rigor formal para atender melhor à finalidade ao qual se destina. Já o controle legislativo apesar de mais estrito, se opera por mecanismos condizentes com a sistemática que é adotada hoje no Brasil.
Em relação ao controle jurisdicional (que mereceu destaque neste trabalho), concluímos que as decisões oriundas desse controle surtem efeitos imediatos, que muitas vezes inibem o exercício de atividades irregulares, desrespeitadoras dos princípios impostos pela Constituição Federal. Porém, para equilibrar um pouco a harmonia que deve existir entre os Poderes, o controle jurisdicional recebeu da lei algumas limitações, que a grosso modo entendo como necessárias, visto que tem o intuito de evitar lesões ao princípio da Tripartição das Funções Estatais.
Não podemos negar que algumas limitações precisam ser urgentemente revistas, pois restringem demais a atuação judicial, havendo inclusive discussões doutrinárias nesse sentido. Muitas vezes tais limitações acabam por conceder ao administrador a fortificação da sua discricionariedade, que indevidamente ele utiliza como uma “capa” para cobrir a verdadeira finalidade dos seus atos.
Assim, em decorrência dessa impossibilidade (entenda-se: deficiência) do sistema jurisdicional, há sim necessidade de aprimorar um pouco mais os métodos e meios de controle realizado pelos órgãos judiciários e também por toda Administração Pública.
Advogada militante Professora de Direito Administrativo e Constitucional em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas, militar e fiscal / RJ Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá e Direito do Estado e Administrativo pela Universidade Gama Filho
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