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Ministério Público: sobre simplificações e reducionismos

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Chamou-me a atenção o artigo escrito pelo ilustre subprocurador-geral de Justiça para assuntos institucionais do Ministério Público, publicado na imprensa na semana passada, na esteira, acredito, do chamado “Manifesto de promotores e procuradores de Justiça criminais em defesa da sociedade brasileira”, levado a efeito pelos participantes do “II Encontro Criminal” daquela honrada Instituição.

Começou o doutor Mauro Renner por afirmar não se confundir o direito penal com política criminal e que, no país, “instalou-se uma aparente ideologia majoritária no sistema penal, perceptível em dados legislativos e decisões jurisprudenciais, que tem praticamente impossibilitado a eficaz resposta estatal ao crime. Leis brandas, confusas, casuísmos, penas mínimas, presídios lotados…” Disse, depois: “Há que se construir uma política criminal operacional para o Brasil, que não se comprometa, em abstrato, com as querelas entre o Direito Penal mínimo e o Direito Penal máximo.”

Ouso discordar: o direito penal tem sim muito a ver com política criminal, dentre outras coisas porque, ao julgar, aplica o magistrado, de acordo com a sua visão de mundo e nos limites da lei, política criminal ao caso concreto (ver ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal, trad. Luís Greco, Ed. Renovar, Rio, 2002). É, portanto, diz a melhor doutrina, atividade de criação a do juiz, por quatro razões, ao menos (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, p. 268, trad. Zilda Silva, Ed. Landy, S. Paulo, 2001): 1)a incerteza da linguagem jurídica; 2)a possibilidade de conflitos entre normas; 3) a ocorrência de lacuna da lei; 4) a possibilidade, em casos especiais, de se tomar decisões contra a letra da lei.

Portanto, não há como,    modernamente, se deixar de dar um caráter interdisciplinar ao saber jurídico. Diante disso, como poderia a política criminal abster-se do enfrentamento da importantíssima “querela” entre direito penal mínimo e direito penal máximo? A questão sobre qual o tipo de sistema é demandado por um estado constitucional e democrático de direito (como quer para o Brasil a Constituição Federal) é, sem dúvida, matéria a ser objeto de análise também pelo aplicador da lei. Não se fala aqui em ausência de repressão penal: diz-se, apenas, que esta deve ser utilizada tão-somente de maneira subsidiária, em último caso, quando não se possa resolver o conflito por outros ramos do ordenamento jurídico (ver HASSEMER, Winfried. “Três Temas Penais”, Publicação da Fundação Escola Superior do Ministério Público, Porto Alegre, 1993), e visar, fragmentariamente, apenas a comportamentos absolutamente inaceitáveis (ROXIN, ob. cit.; SEBASTIAN Scheerer, www.direitopenal.adv.br). E se a pena criminal “é coação legítima”, como diz o ilustre articulista –  o que não se refuta -, é importante lembrar ter a lei também o escopo de impedir a imposição de sanções desproporcionais (por todos, FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.­).

Por outro lado, uma das razões para estarem os “presídios lotados” é justamente a ideologia proposta como ideal na matéria em questão, que apóia posições segundo as quais, dependendo da conjuntura em que for preso, um jovem usuário, encontrado com pequena quantidade de droga, pode permanecer encarcerado durante toda a instrução (meses), em face da absurda presunção de ser ele um traficante.

No que se refira a “casuísmos”, não há melhor exemplo em tal campo do que a lembrança da forma de criação da chamada Lei dos Crimes Hediondos, a qual foi promulgada em razão do seqüestro de importante empresário do centro do país e depois determinou o etiquetamento, dentro dos seus tipos penais, do crime de homicídio qualificado em face da pressão da autora de novelas Glória Peres.

Com todo o respeito que nos merece o Ministério Público, “simplificações” e “reducionismos”, termos utilizados no escrito prefalado para adjetivar o ponto de vista de quem defenda uma posição garantista e equânime com a Lei Maior, melhor se aplicam à visão daqueles que – a partir de argumentos “ad terrorem”, sem qualquer cunho científico – continuem pretendendo resolver os problemas da criminalidade a partir de uma posição fascista (Movimento da Lei e da Ordem), comprovadamente fracassada nos seu país de origem (EUA), sendo aqui também um fracasso em todos os níveis em que foi implantada (Lei dos Crimes Hediondos, por exemplo).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

César Peres

 

Advogado em Porto Alegre. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na ULBRA/Gravataí – RS

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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