Sumário: I. Intróito; II. Mito e Utopia no Âmbito do Atual Modelo Processual; III. Efetividade do Processo e sua Aferição; IV. Empecilhos à Efetividade do Processo Trabalhista; V. Conclusões e Sugestões.
I. INTRÓITO
Mesmo na mais harmoniosa das sociedades do homem, o conflito é um elemento inevitável. A comunidade em permanente paz, sem conflitos internos, é um mito[1]. Como o é a idéia de uma ordem jurídica capaz de conter o surgimento de lides, simplesmente por ser formada por normas imperativas e de ordem pública. Se assim fosse, a pena do legislador seria o mais poderoso dos instrumentos do homem.[2]
A lei material não muda a realidade dos fatos sociais. Não estabelece o “ser”. Apenas define o “dever ser”. Apenas a vontade dos homens, quando bem dirigida, é capaz de transformar a realidade social em algo melhor, evoluir em direção àquele mundo que todo homem de bem deseja deixar como herança para os seus filhos.
A visão do mito do sistema normativo auto-suficiente, capaz por si só de evitar conflitos, consegue apenas alienar o homem, frustrado com a realidade de conflitos que caracteriza a vida social desde os primórdios da humanidade. Acreditar cegamente na perfeição de um modelo jurídico é, certamente, o primeiro passo em direção ao fracasso. Visualizar um sistema melhor dentro das possibilidades da condição humana, por outro lado, é de fundamental importância para a evolução do homem, pois o pensamento utópico serve não apenas para favorecer a crítica consciente da realidade, mas igualmente representa uma fórmula de agir, ou melhor, um poder progressista do homem em busca da realização de suas aspirações. Inclusive quanto a modelos jurídicos.[3]
A utopia de uma sociedade menos conflituosa, regida por um sistema normativo mais próximo ao ideal de justiça social, é, portanto, um projeto concretizável. No âmbito das relações de trabalho, é perfeitamente viável um modelo de proteção (à relação de emprego) de maior eficiência, capaz de oferecer ao hipossuficiente uma garantia mais eficaz em face da eventual tirania patronal. Um sistema formado não apenas por normas materiais que controlariam de modo mais rigoroso o direito de despedir do empregador[4], mas também por normas processuais aptas a assegurar a aplicação coercitiva daquelas regras substanciais, assegurando a efetividade do direito ao emprego daquele empregado ilegalmente despojado do seu posto mediante o célere acesso a uma tutela jurisdicional adequada.
Dentro desse contexto, o mito descomprometido deve ser enterrado e a utopia consciente e concretizável deve ser elevada para servir de norte aos agentes de transformação social. Esse novo paradigma de proteção à relação de emprego, como conseqüência, deve servir de fonte de inspiração para todos, para em seguida transformar tais aspirações em uma nova realidade, concretizando o concretizável.
Até evoluir do modelo atual para aquele que deseja o homem consciente e defensor dos valores de justiça social, entretanto, um longo caminho precisa ser percorrido e muitos obstáculos precisam ser superados, notadamente aqueles criados pelos interessados na manutenção do sistema atual ou, ainda, dos que desejam mudanças, mas para pior, com a flexibilização de normas protecionistas em sentido prejudicial aos hipossuficientes[5].
II. Mito e Utopia no Âmbito do Atual Modelo Processual
Durante o percurso desse caminho evolutivo, na busca por um sistema mais eficaz, os instrumentos de tutela atualmente disponíveis não podem ser relegados, pois no decorrer dessa caminhada os conflitos trabalhistas continuarão a surgir e as medidas jurisdicionais encontradas no atual modelo processual serão os únicos meios capazes de promover o “justo possível” de hoje, enquanto não chegam as ferramentas imprescindíveis à produção do desejado “justo possível” de amanhã.
No plano do processo jurisdicional, no entanto, surge outro mito. É o do sistema processual perfeito, plenamente capaz de atender adequadamente aos anseios da população em toda e qualquer circunstância. Um instrumento capaz de cumprir com maestria todos os seus objetivos, inclusive o de restabelecer a harmonia social, satisfazendo a todos que o utilizam na defesa de seus interesses.
Outro sonho impossível, fora do alcance da condição humana. Uma miragem. E que, como conseqüência de qualquer fantasia descomprometida com a realidade, acaba alienando aqueles que o acolhem.
Como instrumento criado pelo homem, o processo jurisdicional é, naturalmente, tão falível quando o seu criador. E mais. Além de ser uma ferramenta concebida pela mente humana, e, portanto, ser marcada pela falibilidade do legislador que transformou o projeto teórico em um modelo dogmático, o sistema processual somente é desenvolvido através da necessária intervenção do homem, mediante as figuras dos sujeitos processuais, surgindo como conseqüência outra esfera humana de falibilidade, sucessiva à primeira. Criado e manuseado pelo homem, a imperfeição do modelo processual é inevitável. Em virtude de tais limitações, derivadas diretamente da própria condição humana, não há como esperar outro resultado.
A falibilidade, destarte, como característica inerente ao homem, também se reflete no sistema processual, seja qual for o modelo a ser adotado. Agora, tal quadro de limitações não significa que o sistema atual não pode ser aperfeiçoado. Longe disso.
O momento contemporâneo da doutrina processual, chamado de fase instrumentalista[6], é caracterizado pela postura de forte crítica ao modelo brasileiro de processo jurisdicional, procurando mostrar o completo divórcio existente entre o sistema na teoria e aquele vivenciado na prática perante os tribunais. Procura promover a sua evolução, mas não mais no sentido técnico-dogmático e sim na sua missão institucional de restabelecer a paz e produzir justiça. Trata-se de uma fase da história do direito processual que revela como traço marcante a preocupação com os resultados práticos do modelo processual e com a satisfação dos seus destinatários, almejando atender aos anseios tanto dos pelos operadores do direito como, especialmente, os consumidores dos serviços judiciários.[7]
O atual modelo brasileiro é, natural e evidentemente, impregnado de defeitos, quase sempre marcas de uma tendência a favorecer determinados segmentos da sociedade no país[8]. Mas, mirando na utopia de um sistema processual mais apto a promover a justiça social desejada pela população como um todo, mesmo que com as deficiências naturais ao homem, há espaço para uma grande evolução.[9]
O direito do cidadão ao acesso à justiça[10], destarte, não pode prescindir desse instrumento conhecido como o processual jurisdicional, no seu modelo atual, mesmo em face das deficiências deste. Faz parte da concepção ampla de cidadania[11]. Uma vez corporificado o conflito e reconhecida a inviabilidade dos demais meios alternativos de composição, é unicamente através desse caminho de heterocomposição assegurado pelo Estado que o prejudicado poderá ver legitimamente resolvida a controvérsia.
Modernamente, o processo jurisdicional é concebido como o instrumento através do qual o Estado-Juiz exerce o seu dever jurisdicional, tendo por escopo magno a função de, após materializada a lide, promover a paz na sociedade afetada pelo conflito, resolvendo este à luz de critérios de justiça. Pacificação com justiça é a sua missão primordial. Corresponde, pois, a um instrumento de acesso à justiça, como meio de assegurar a efetividade das normas adotadas pela comunidade ao qual serve, concretizando coercitivamente o direito abstrato mediante a intervenção provocada do Estado e instruindo a todos acerca da conduta correta a ser observada no meio social. Como conseqüência da sua instrumentalidade, portanto, serve ainda às tarefas de aplicar o direito material ao caso concreto, conservar o ordenamento jurídico e educar os litigantes e toda a comunidade envolvida. São esses, conforme anteriormente examinado, os seus escopos jurídico, político e social.[12]
A pacificação com justiça, entretanto, é a sua missão maior. Servir adequadamente ao cidadão como instrumento de acesso à justiça é a sua meta cardeal. O sistema processual, portanto, se apresenta como uma ferramenta à disposição do lesado (ou ameaçado de sofrer lesão), utilizável para assegurar a correção do desvio e a reparação do dano à luz das diretrizes da respectiva ordem jurídica.
Consciente das limitações de qualquer modelo processual, como conseqüência inevitável da condição humana, os principais doutrinadores da fase instrumentalista no Brasil passaram a desenvolver uma utopia processual, ou seja, um modelo ideal, mas concretizável, de processo jurisdicional. Sem serem abalados pelo desafio herculiano, nomes como Cândido Rangel Dinamarco[13], Ada Pelegrini Grinover[14], José Carlos Barbosa Moreira[15] e Kasuo Watanabe[16], assumiram a frente no desenvolvimento de uma utopia processual, enquanto sistema idealizado mas concretizável, capaz de servir norte para um novo modelo brasileiro de processo jurisdicional. Por meio de críticas construtivas e sugestões expostas em suas obras, procurando diagnosticar os “pontos sensíveis” do sistema e oferecer propostas para o seu aperfeiçoamento, os respectivos doutrinadores da instrumentalidade e defensores de um processo jurisdicional de resultados satisfatórios deram um novo rumo aos estudos processuais, visando tornar o modelo pátrio um sistema de real efetividade na consecução dos seus escopos.
III. Efetividade do Processo e sua Aferição
A efetividade do modelo processual, destarte, corresponde ao seu grau de eficiência na consecução de tais metas, ou seja, o nível de sua verdadeira eficácia na realização dos seus objetivos. Se apto, concretamente, a cumprir os seus escopos, autêntica será a sua efetividade.[17]
A efetividade do sistema processual enquanto instrumento de acesso à justiça, por sua vez, não é apenas útil, é absolutamente imprescindível à efetividade da própria ordem jurídica[18]. Os direitos materiais do cidadão somente terão garantia de aplicabilidade na medida em que o processo jurisdicional oferecido pelo Estado for realmente eficaz. Sem a efetividade do modelo processual, não há como assegurar a efetividade das regras do direito material. Este não pode prescindir daquele.
Não se limita, contudo, apenas à capacidade do modelo processual de proporcionar resultados que satisfaçam a pretensão de direito material deduzida em juízo e preservem a legitimidade do ordenamento jurídico, isto é, não se restringe à eficiência da execução das funções jurídica e política do sistema processual, de aplicar o direito material e conservar a ordem jurídica. Abrange também a sua aptidão para atingir os seus escopos sociais, servindo de canal de instrução aos litigantes e aos demais membros da sociedade, e, acima de tudo, ratificando a aptidão do modelo processual de concretizar a sua meta maior de pacificar com justiça, amparando adequadamente ao cidadão como instrumento assecuratório do acesso à justiça.[19]
Por isso a relevância em avaliar constantemente o nível de aptidão do sistema processual adotado em qualquer sociedade, de forma a acompanhar a evolução (ou involução) de sua eficiência. E a medição do grau de eficiência de qualquer modelo processual, segundo a melhor doutrina[20], deve ser realizado mediante a aferição dos óbices encontrados em quatro “pontos sensíveis”: a) admissão ao processo; b) modo-de-ser do processo; c) justiça das decisões; e d) utilidade das decisões.
O primeiro ponto refere-se à questão do ingresso em juízo, do grau de dificuldade que um indivíduo enfrenta para propor uma ação perante o Judiciário. Para de fato servir de meio à pacificação com justiça, o modelo processual deve assegurar a facilidade de admissão na máquina judiciária, neutralizando os obstáculos que regularmente dificultam a propositura de postulações no âmbito jurisdicional do Estado[21]. O modo-de-ser do processo, por sua vez, corresponde à dinâmica normativa processo, ou seja, à legislação procedimental na seara do processo jurisdicional, destacando-se os institutos colocados à disposição dos sujeitos processuais para promover a marcha do processo segundo as garantias do devido processo legal. Para assegurar a real efetividade do processo, a sua dinâmica deve observar a fórmula de agir prevista em lei como a adequada para produzir o resultado almejado (paz e justiça), considerando como suficientes e eficazes as ferramentas processuais previstas pelo legislador[22]. O terceiro “ponto sensível”, a justiça das decisões, se refere à qualidade dos julgados proferidos pelos juízes, que devem sempre se pautar pelo critério da justiça durante o exercício da função judicante, mesmo que forçados a julgar de forma aparentemente antagônica à vontade do legislador[23]. E, por fim, a utilidade das decisões[24], correspondendo ao grau de serventia do provimento judicial concedido, avaliando o nível de satisfação produzida pela tutela jurisdicional na parte vencedora, que deve receber tudo e exatamente aquilo que deve receber segundo o ordenamento jurídico, como se nunca tivesse existido o litígio[25].
Considerando tais pontos sensíveis de aferição, à luz do atual contexto social brasileiro, o presente modelo processual pátrio sofre fortes restrições da maior parte dos juristas e da quase totalidade dos consumidores do serviço jurisdicional do Estado. Inúmeras pesquisas[26] de opinião evidenciam o desalento dos operadores e dos consumidores do processo com o atual sistema jurisdicional brasileiro. Perguntar qual o grau de eficiência do atual modelo processual no país a um juiz, a um advogado, a um membro do ministério público ou a qualquer das partes processuais, é quase um convite ao insulto.
Efetividade do processo jurisdicional no Brasil? Não, na voz da população a qual serve.[27]
São tantas as deficiências que se torna difícil enumerá-las sem cometer uma falha por omissão. Mesmo a tarefa de relacionar, de forma concisa, os principais problemas, se torna árdua, em virtude da dimensão destes, oriundos de todas as ordens. Problemas de cunho social, desde o simples desconhecimento dos seus direitos básicos por parte da população mais humilde (os “excluídos”), até os obstáculos financeiros como a cobranças de despesas processuais (custas e honorários advocatícios, por exemplo) como pressupostos de admissibilidade da ação judicial, passando ainda pela deficiência nos serviços de assistência judiciária na maior parte dos estados da federação. Problemas técnicos, pertinentes a questões procedimentais que dificultam a defesa de interesses em juízo, desde o excesso de formalismo exigido através de requisitos dispensáveis, até a simples inaptidão de certos remédios processuais para cumprir adequadamente as suas funções. Problemas estruturais, como o reduzido número órgãos jurisdicionais e, especialmente, o quadro insuficiente de operadores especializados (juízes, membros do ministério público, defensores públicos e serventuários da justiça). Problemas de ordem institucional, tanto de fundo interno, como o exagerado e normalmente maléfico “espírito de corpo” das respectivas categorias de profissionais, como os de origem externa, como as injunções políticas indevidas dos demais Poderes na seara do Judiciário, cuja independência financeira existe apenas em tese. Problemas de cunho ético e índole moral, como os abusos cometidos pelos profissionais dos direitos com o intuito de intencionalmente procrastinar os feitos judiciais, quando não usam de má fé o processo como instrumento de injustiça[28].
Incontáveis problemas, de imensuráveis dimensões.
O atual modelo processual brasileiro, evidentemente, se encontra em crise. Criticado pelos seus operadores, rejeitado pelos seus destinatários. Defendido, mesmo que discretamente, apenas pelos poucos privilegiados pelas deficiências do sistema.
O seu processo de aperfeiçoamento, entretanto, está em curso. Mudanças estão ocorrendo em todos os planos, mesmo que de forma mais tímida em algumas esferas mais “delicadas”. A reforma do atual modelo está em curso, com a utopia de um sistema mais efetivo lhe servindo de paradigma.[29]
IV. Empecilhos à Efetividade do Processo Trabalhista
No âmbito da Justiça do Trabalho, constata-se o mesmo cenário duplo, de crise e de mudanças.
Quanto à crise, a insatisfação com o desempenho de tal ramo do Judiciário assume proporções ainda mais acentuadas em virtude da natureza das lides submetidas à sua apreciação, quase sempre envolvendo verbas de natureza alimentar. Por maior que seja a dedicação daqueles que atuam no âmbito da Justiça do Trabalho (juízes, servidores, advogados e membros do ministério público), é simplesmente impossível oferecer um serviço genuinamente eficiente em todas as etapas processuais, em virtude de óbices que fogem ao controle dos respectivos operadores.
Como o número de ações trabalhistas ajuizadas todos os dias, de forma absolutamente desproporcional ao número de órgãos jurisdicionais existentes[30]. Objeto de grande insatisfação, tal quadro de carência é, contudo, apenas mais um dos problemas gerais do Judiciário. E sequer o principal. Não será mediante a simples criação de mais varas e novos tribunais que será resolvido o quadro de deficiências do modelo processual trabalhista. O acréscimo em um quadro com deficiência quantitativa será certamente bem vindo, mas não será decisivo, per si, para melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Além dos problemas genéricos que afetam todo o sistema processual brasileiro, existem outros peculiares à seara trabalhista, notadamente os relacionados à sistemática dos seus procedimentos, ricos em entraves que provocam lerdeza e morosidade na entrega da tutela jurisdicional, defeitos imperdoáveis para um modelo que almeja efetividade.
Apesar de ter servido com inspiração para a formulação de novos ritos processuais no âmbito do processo civil (como ocorreu com o procedimento dos juizados especiais cíveis, criado pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), o processo trabalhista sofre de males intrínsecos, como as deficiências envolvendo o seu sistema recursal e a sua fase de execução. O brilho da normalmente célere fase cognitiva originária das ações individuais propostas perante as Varas do Trabalho, um dos principais trunfos do Judiciário Trabalhista, acaba sendo ofuscado pela lentidão provocada a partir da fase sentencial, quando entra em cena um cenário de múltiplos recursos e, em seguida, um procedimento executório lerdo, amplamente favorável ao devedor, em detrimento do empregado credor de verbas de natureza alimentar e do próprio Estado, enquanto credor previdenciário.
Nos últimos anos, as principais inovações promovidas pelo legislador no âmbito do atual modelo processual trabalhista, a introdução do procedimento sumaríssimo e das comissões de conciliação prévia[31] e a ampliação da sua competência[32], passaram ao largo de suas principais deficiências[33]. Muito mais importante seria (ou, espera-se, será) uma radical modificação nos sistemas recursal e de execução da já ultrapassada legislação processual trabalhista[34].
O sistema recursal no âmbito do processo laboral pátrio revela um aparente paradoxo. Consagra o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias[35], o que enseja a presunção de que os recursos não seriam um empecilho para a celeridade do processo. Mas, na prática, os tribunais do trabalho enfrentam diariamente uma verdadeira avalanche de remédios recursais, muitos dos quais interpostos contra sentenças e acórdãos em perfeita sintonia com a jurisprudência do TST. E quando negado seguimento a tais recursos meramente procrastinatórios, o agravo de instrumento[36] surge como remédio heróico para “destrancar” aqueles e forçar o seu prosseguimento.[37]
É consenso entre os profissionais que atuam no âmbito da Justiça do Trabalho que o seu sistema recursal deve ser modificado, mas não é tanto o número excessivo de recursos previstos na legislação, mas o estímulo implícito ou explícito ao uso desenfreado de tais remédios, que provoca o estrangulamento do sistema judiciário. Mesmo o empregador ciente da inviabilidade de obter uma reforma do julgado e da possibilidade (remota) de ser enquadrado como litigante de má fé se encontra impulsionado a recorrer da decisão, a partir do momento no qual se conscientiza da realidade amarga do seu adversário: o recurso interposto irá provocar, certamente, o enfraquecimento do hipossuficiente, que será obrigado a aguardar meses ou mesmo anos para que a sentença venha a transitar em julgado, tornando-o presa fácil para uma eventual proposta (vantajosa para o empregador; sofrível para o empregado) de conciliação judicial, camuflando verdadeira renúncia de direitos trabalhistas.
Na execução trabalhista, o cenário é ainda mais crítico. “Ganhar e não levar” é um lema comum nos corredores das cortes laborais, levantado indistintamente por credores frustrados, sem esperança de receber os seus créditos após anos de um procedimento lento e doloroso, e por devedores esperançosos, com um novo “trunfo” para pressionar o empregado a ceder à sua proposta de “acordo”, verdadeira renúncia parcial camuflada como proposta de conciliação judicial.
Um quadro de desalento para todos os que desejam um modelo processual trabalhista verdadeiramente efetivo, enquanto instrumento de acesso à justiça social para os trabalhadores do país.
V. Conclusões e Sugestões
É possível alterar tal realidade? Sim. E de forma bastante simples, desde que o legislador tivesse a coragem de desafiar os interesses da classe patronal. Suficiente seria a atribuição ao modelo processual trabalhista, como regra geral, de eficácia imediata às sentenças judiciais, de forma que a interposição de recursos não impedisse a plena efetividade da decisão, ainda que não revestida da imutabilidade inerente à res iudicata.[38]
A produção imediata dos efeitos do julgado, à semelhança da sistemática própria das sentenças mandamentais, seria uma mudança simples, pela pena do legislador, mas de profunda repercussão no modelo processual e sua efetividade.
Com tal alteração, a eficácia natural de qualquer sentença condenatória seria equiparada à eficácia natural de uma decisão concessiva de uma antecipação de tutela, garantindo ao respectivo provimento jurisdicional a produção imediata de seus efeitos materiais, ou seja, uma eficácia instantânea. Estaria superada, assim, um dos maiores paradoxos do atual sistema processual, que confere eficácia imediata a uma decisão interlocutória de cognição não exuariente (no caso da antecipação de tutela) e restringe a produção dos efeitos de uma decisão produzida ao final da fase de conhecimento, quando houve cognição exauriente (na sentença de mérito).
Utopia? Sim, por ser um projeto idealizado, mas concretizável. Não se trata de um mito, mas de algo perfeitamente alcançável, desde que haja vontade política para tanto. Não é a atual realidade do modelo processual trabalhista, mas pode vir a ser. Agora, a espera pode vir a ser longa, mas, mesmo sem a vontade política do legislador, o sistema atual pode evoluir, desde que haja uma mudança real na postura mental dos operadores do direito.
O cenário de hoje, pois, pode ser modificado. A utopia de uma sistemática processual de maior efetividade pode vir a ser corporificado em um novo modelo de processo do trabalho, mas será necessário ir além de modificações legislativas.
Acima de tudo, será necessário proceder à modificação na postura dos próprios operadores do direito processual, mudando a sua mentalidade, excessivamente vinculada ao formalismo da lei processual … numa atuação presa à literalidade da dogmática … numa posição comodista e pouco dinâmica … numa postura conservadora e pouco humanista, simplesmente sem qualquer criatividade e incapaz de suprir as omissões ou corrigir as eventuais injustiças do legislador[39].
Os modelos normativos existentes na ordem jurídica, tanto no plano material como no âmbito processual, não se limitam à lei. O direito é mais amplo que esta, e a justiça é ainda maior de que o direito. O verdadeiro defensor da efetividade dos modelos jurídicos é o operador do direito que, ciente das limitações e omissões do legislador, utiliza o seu conhecimento e a sua habilidade, com criatividade, para extrair o máximo de proveito dos instrumentos existentes e superar as lacunas do sistema.
Apenas com a plena conscientização dos profissionais do direito acerca da relevante função que desempenham como agentes de transformação social, portanto, será possível explorar todo o potencial dos instrumentos existentes e, quando diante de situações imprevistas pelo legislador, ultrapassar a sua “timidez” e antecipar a concretização da utopia de um modelo processual trabalhista de real efetividade. [40]
Tal mudança de postura mental é tão importante que, mesmo enquanto se aguarda a evolução formal do modelo atual, será possível diminuir as suas deficiências através do uso alternativo mas adequado dos instrumentos que já estão à disposição dos sujeitos da relação processual.
Enquanto não vier a transformação maior, incumbe aos operadores conscientes de sua missão social tentar superar os obstáculos por meio da criatividade peculiar aos homens de bem, explorando ao máximo a capacidade e alcance das ferramentas processuais para tornar de fato efetivo o direito ao acesso à justiça.
Juiz do Trabalho, mestre e doutor em Direito (UFPE) professor adjunto da UNICAP, da FDR/UFPE e da FBV, coordenador científico dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da ESMATRA/FBV, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual
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