Todo ano, no dia 8 de março, observamos grande quantidade de eventos e festividades celebrando o dia internacional de mulher, que é descrita com belas palavras e cores em todas as páginas de jornais e telas de televisão.
Convém se questionar, todavia, se, por trás de toda a festa e circunstância deste dia festivo, a mulher vem, deveras, recebendo tratamento digno por parte da nossa sociedade. Se ela vem, ao menos, sendo tratada com verdadeira isonomia com relação ao homem, seu colega no mercado de trabalho.
Nada mais pertinente, nesse sentido, do que analisar as recentes mudanças ocorridas no trabalho de mulher, no Brasil, para notarmos que, de fato, ela vem recebendo cada vez mais atenção por parte do nosso legislador.
No entanto, será que essa crescente atenção não seria, ela mesma, indício de que há ainda um caminho a trilhar rumo à igualdade entre os sexos, seja este caminho longo ou curto?
Sem se pretender chegar a uma posição definitiva sobre o tema, estudemos as principais etapas deste caminho trilhadas ultimamente.
1. Da extensão da licença-maternidade às mães adotivas
A licença-maternidade surgiu, no Brasil, como um típico direito das mães biológicas, daquelas responsáveis pelos maiores esforços e cuidados com a criança, ainda em seu ventre ou já nascida[1].
Assim, foi previsto um período durante o qual a mãe teria direito de se licenciar do trabalho sem perder a sua remuneração, podendo cuidar do seu filho nos seus primeiros meses de vida.
De início, foi natural se deduzir que tal direito deveria ser garantido às mães biológicas, até porque a adoção não era comum no Brasil. Mas, com o tempo, tendo esta se tornado habitual, surgiram questionamentos sobre eventual direito das mães adotivas à licença-maternidade.
Após natural processo de amadurecimento, a idéia da licença-maternidade para a mãe adotiva acabou se tornando realidade através da lei 10421/02, que inseriu o artigo 392-A na CLT, garantindo o direito à mãe adotiva, ainda que de modo criticado por não raros doutrinadores[2].
2. Da garantia de emprego à doméstica gestante
Outro direito, sempre mencionado ao lado da licença-maternidade, é a garantia de emprego da gestante, garantia que lhe alberga de eventual dispensa discriminatória.
Ocorre que tal direito, até pouco tempo, não era garantido à empregada doméstica, que se via, portanto, sujeita a uma dispensa imotivada justamente num dos momentos mais delicados da sua vida, a saber, o da gestação[3].
Com a promulgação da Lei 11324, em 2006, foi inserido o artigo 4º-A na Lei 5859/72, a lei do empregado doméstico, prevendo período de garantia de emprego nos seguintes termos :
É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.
Desde 2006, portanto, a empregada doméstica passou a ter o mesmo período de garantia de emprego de que goza a empregada comum[4], desde a confirmação da gravidez[5] até cinco meses após o parto.
Aliás, sempre que se menciona este período de garantia de emprego, convém recordar que a jurisprudência vem, majoritariamente, estendendo o início do período estabilitário além da confirmação da gravidez por laudo médico, considerando o seu marco inicial, em verdade, a concepção da criança[6]. Mais um direito garantido à mulher no mercado de trabalho, destarte.
3. Da extensão do prazo de licença-maternidade
Nesse mesma linha de extensão de direitos à mulher no mercado de trabalho, tramita no Congresso Nacional projeto de lei – de nº 2513/07[7] – que visa estender o período da licença-maternidade da mulher.
Após ter permanecido longo período com duração de 84 dias[8], a Constituição Federal de 1988 estendeu o prazo da licença-maternidade para 120 dias[9], não sem gerar cizânia doutrinária e jurisprudencial[10].
A idéia, então, era a de que a empresa não poderia ser responsabilizada pelos salários durante este período de licença, o que garantiu o pagamento dos mesmos pelo INSS, conforme sistema de compensação entre esta autarquia federal e o empregador[11].
Retorna essa discussão, atualmente, com o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional. Já aprovado no Senado Federal[12], a proposta encontra-se, atualmente, em discussão na Câmara dos Deputados, já tendo ultrapassado as etapas iniciais nesta casa do Legislativo Federal[13].
Bastante interessante, o projeto apresenta algumas particularidades que merecem destaque.
3.1. Do direito ao prazo dilatado
O prazo da licença-maternidade, pelo projeto de lei, passa de 120 (cento e vinte) para 180 (cento e oitenta) dias.
Sublinhe-se, de pronto, que a extensão está prevista, no projeto de lei, tanto para as mães biológicas quanto para as mães adotivas[14], mantendo a tendência já descrita acima de uma extensão geral dos direitos da mulher no mercado de trabalho.
Outro ponto importante do projeto : a mulher mantém, durante o período complementar, a sua remuneração integral, ainda que esta seja superior ao teto do salário-de-contribuição do INSS[15].
Ainda relevante de ser salientado o fato de que a Administração Pública, direta, indireta e fundacional, estará autorizada, pelo projeto de lei, a instituir programa que garanta a mesma licença estendida às suas servidoras[16].
Tal aumento do prazo de licença-maternidade encontra-se, de fato, em perfeita sintonia com o que órgãos especializados entendem ser o período mais conveniente para a licença materna, quando do nascimento do filho.
Nesse sentido é a posição da OMS (Organização Mundial de Saúde), assim como do Ministério da Saúde, ou ainda de outros especialistas da área[17], que afirmam ser necessário, para o prefeito desenvolvimento do bebê, um período de seis meses de amamentação, tendo em vista os adequados estímulo e nutrição ao cérebro da criança.
Nutrido, portanto, de belos ideais, o projeto não deixa de encontrar, apesar de tudo, fortes resistências de parte da sociedade brasileira, que utiliza argumentos semelhantes aos usados quando da extensão anteriormente citada, pela Constituição Federal de 1988.
Essencialmente em função dessas críticas, previsíveis, o projeto adotou formato possivelmente capaz de dirimir os seus mais ácidos detratores : o seu caráter facultativo.
3.2. Do caráter facultativo
Uma interessante particularidade deste projeto de extensão do período da licença-maternidade é justamente o seu caráter facultativo.
Facultativo, primeiramente, com relação ao empregador, que poderá ou não optar pelo novo prazo; em caso de opção positiva, deverá aderir ao programa do governo federal chamado de “Empresa Cidadã”. Ele poderá, por conseguinte, permanecer vinculado ao sistema atual, de 120 dias, caso decida não ser interessante aderir ao programa governamental.
A empregada, igualmente, poderá ou não optar pelo prazo dilatado. Se essa opção pode parecer, à primeira vista, um tanto irreal, convém recordar que muitas mulheres modernas encontram-se em posição de destaque na empresa, não tendo interesse em permanecer “longos” seis meses afastadas do posto de trabalho, tempo que poderia ser “fatal” para eventual promoção e ascensão na empresa[18].
A empregada deverá fazer tal opção até o fim do primeiro mês após o parto. Ela não poderá, todavia, abusar do direito : é proibido exercer qualquer atividade remunerada durante o período, assim como manter a criança em creche ou entidade similar. Nada mais coerente, pois o intuito da extensão é o de aumentar o período de contato entre mãe e filho, não o de conceder férias simuladas ou um acréscimo de renda à mãe durante o período de licença[19].
Há, ademais, vantagens econômicas para o empregador que aderir ao novo prazo de licença-maternidade.
3.3. Das vantagens econômicas
O empregador será devidamente auxiliado na sua opção de aderir ou não ao programa “Empresa Cidadã”: ele não terá de arcar com esses 60 dias suplementares de licença-maternidade.
Foi previsto, nesse sentido, um inovador sistema de compensação para desonerar o empregador[20] : ele pagará os 2 meses suplementares do salário da empregada licenciada, mas compensará os dois salários integralmente das suas contribuições à Receita Federal do Brasil[21].
Não haverá, destarte, nenhum prejuízo para o empregador que decidir aderir ao programa de extensão da licença-maternidade, que poderá, ademais, contar com empregadas mais motivadas quando do retorno ao emprego, após os 180 dias de licença.
4. Da isonomia absoluta?
Seria possível afirmar, com base na evolução que acaba de ser analisada, que a evolução dos direitos da mulher indicaria uma isonomia absoluta entre os sexos no mercado de trabalho?
Infelizmente, temos de ser realistas e reconhecer que ainda há um longo caminho a ser trilhado, as mulheres sofrendo principalmente na questão salarial de discriminação persistente, recebendo, freqüentemente, salários menores para as mesmas funções do homem.
Não há como negar, entretanto, que a tendência dos últimos anos é animadora. E é justamente no bojo desta tendência que se insere a prorrogação do período de licença-maternidade, de 120 para 180 dias, contida em projeto de lei que se espera seja aprovado, no mais breve prazo possível, pelo Congresso Nacional.
Mestre e Doutor pela Université de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, Juiz Federal do Trabalho da 8ª Região
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