Moeda, Correção Monetária e o Valorismo no Direito Tributário Brasileiro

Pedro Mandello Campos – Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Resumo: O presente artigo visa analisar a relação entre o valorismo e a correção monetária no direito tributário brasileiro. Para tanto, este trabalho objetivou responder sobre o que seria de fato a moeda; sobre as teorias de como se dá a sua atribuição de valor, analisando o valorismo e o nominalismo como teorias de valor da moeda, a sua influência histórica no sistema jurídico-positivo nacional e sobre qual teoria foi adotada pelo ordenamento pátrio a partir do Plano Real, em especial pelo sistema tributário nacional e as suas consequências na correção monetária da base de cálculo dos tributos. A relevância da pesquisa se dá pelo fato do entendimento predominante no Fisco e no Judiciário sobre a impossibilidade de correção monetária dos elementos que compões a base de cálculo dos tributos sem lei que o determine, afetando diversos contribuintes. Os resultados, em resumo, foram pelo entendimento de que, o Plano Real não pode ser considerado verdadeiramente nominalista e que valorismo foi adotado tanto pelo direito tributário nacional como pelo constituinte, de modo que a correção monetária não deve ser apenas permitida, mas é obrigatória para fins de garantia do princípio da capacidade contributiva. Esta é uma pesquisa bibliográfica, realizada a partir do levantamento qualitativo das leis e da doutrina, utilizando-se também o método dedutivo.

Palavras-chave: Valorismo. Correção Monetária. Direito Tributário.

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Abstract: The present article aims to analyze the relation between the valorism and the monetary correction in Brazilian Tax Law. Therefore, this works has, as specifics objectives, to answer about what is a currency; about the currency value theories; to analyze the valorism and nominalism as currency value theories and its historical influence in the national legal system; about which theory were adopted in the national legal system since the Plano Real, especially in the Brazilian Tax System and its consequences on the monetary correction of the tax calculation base. The relevance of this work is that the revenue entities and the Judiciary do not allow the monetary correction of the elements that compose the tax calculation base without legal prevision, harming several contributors. The results, in resume, are that the Plano Real cannot be considered as nominalist and the valorism were adopted by the national tax system and by the constituent, so that the monetary correction not only is allowed in the tax system, but is mandatory in order to preserve the contributory capacity principle. This work is a bibliographic research, carried out from a qualitative analysis of laws and doctrine, also using the deductive method.

Keywords: Valorism. Monetary Correction. Tax Law.

 

Sumário: Introdução. 1. A Moeda. 2. Nominalismo Versus Valorismo e A Correção Monetária. 3. A Correção Monetária na Ordem Jurídica Brasileira e no Plano Real. 4. A Legalidade e O Valorismo no Direito Tributário. 5. O Princípio da Capacidade Contributiva Absoluta e O Valorismo no Direito Tributário. Conclusão. Referências.

 

Introdução

As obrigações tributárias estão intimamente ligadas à moeda, seja porque só podem, via de regra, serem pagas por ela, seja porque o fato gerador do imposto deve ser monetariamente avaliável, presumindo alguma riqueza do individuo. Sabe-se que, com o passar do tempo, por diversas razões, pode haver uma variação no poder aquisitivo das moedas, denominando-se inflação, quando há a perda do poder aquisitivo, ou deflação, quando há ganho de poder aquisitivo. Nesse contexto, torna-se essencial avaliar a questão de como o valor da moeda se modifica no tempo e como o direito considera essas alterações para fins obrigacionais tributários.

Tal circunstância se torna bem relevante quando se considera que a Receita Federal e os tribunais negam o direito de os contribuintes corrigirem monetariamente os custos de aquisição dos seus bens e direitos. Caso o façam, haverá incidência de imposto de renda, acarretando tributação sem que haja ganho real. Esse fato termina por afetar também a apuração do ganho de capital na alienação desses bens e direitos, o qual fica vinculado a um custo de aquisição absolutamente desatualizado, de modo que parcela do ganho de capital se trata meramente de recomposição da perda inflacionária, o que é ignorado pelas autoridades fazendárias sob o argumento de que não há previsão legal para a correção monetária desses valores, defendendo a tese de que todo o ganho de capital deve ser tributado pelo imposto de renda.

Dessa forma, o presente trabalho objetivou analisar sobre o que seria, de fato, a moeda; sobre as teorias de como se dá a sua atribuição de valor, analisando o valorismo e o nominalismo como teorias de atribuição de valor à moeda e as suas influências históricas no sistema jurídico-positivo nacional. Além disso, buscou-se responder também sobre qual teoria, a partir do Plano Real, foi adotada pelo ordenamento pátrio, em especial pelo sistema tributário nacional e quais as suas consequências para a concepção da correção monetária dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos.

A pesquisa constou basicamente de levantamento normativo e bibliográfico, utilizando-se também o método dedutivo, por entender ser mais adequado aos fins pretendidos.

 

  1. A Moeda

Durante muito tempo, o principal meio para pagamento de obrigações e “compra” de produtos foi a permuta. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7). As partes trocavam os excessos das suas produções por bens que entendiam como necessários, mas que não eram capazes de produzir. Assim, um fazendeiro que plantava trigo, mas não criava porcos, trocava parte do resultado da sua plantação com um criador de porcos que precisava de trigo, de modo que ambas partes satisfaziam suas necessidades.

 

Com a evolução do comércio, surgiu a necessidade de se ter um outro meio para pagamento das obrigações contraídas, além da simples troca de produtos. Sendo assim, por volta do ano 600 a.C., a partir do povo Lídio, na atual Turquia, surgiram as moedas como forma de dar agilidade e facilitar o comércio. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7).

 

Naquele momento inicial, as moedas desempenharam uma função dupla de meio de troca e de riqueza intermediária, funções que são mantidas até atualmente. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7). Todavia, a ciência econômica atual define em três os principais papeis desempenhados pelas moedas: i) a moeda como meio de troca, ii) a moeda como reserva de valor e iii) a moeda como unidade de conta. Quaisquer das moedas do globo, se não desempenharem adequadamente essas três funções, são chamadas de defectivas. (MANKIW, 2013, p. 311).

 

Como meio de troca, tem-se a moeda como forma para pagamento das obrigações, sendo dotada de poder liberatório, ou seja, capaz de quitar uma obrigação. (MOREIRA NETO, 1994, p. 8). Enquanto depósito de poder aquisitivo, tem-se a moeda como uma forma de se acumular riqueza, função essencial em uma economia capitalista, uma vez que é a poupança de recursos que permite novos investimentos. Por fim, a função de unidade de conta é aquela na qual se tem a moeda como instrumento de mensuração e registro do valor econômico das mercadorias e serviços. (MANKIW, 2013, p. 311).

 

É justamente nessas duas últimas funções, a de reserva de valor e unidade de conta, que se tem um grande problema especialmente relevante para o objetivo deste trabalho. Isso porque, por mais que o Estado juridicamente atribua um valor nominal a uma moeda, é possível que, no mundo dos fatos, ela venha sofrer uma alteração valorativa. A esse fenômeno se dá o nome de inflação, quando a moeda perde poder aquisitivo ou deflação, quando a moeda ganha poder aquisitivo, sendo ambos fenômenos econômicos relacionados com a moeda e com o valor ao longo do tempo. (MANKIW, 2013, p. 333 e 334).

 

Para melhor se entender a questão, entretanto, torna-se válido trazer um breve histórico das teorias de valor monetário, bem como conceituar o que se tem por nominalismo e valorismo, uma vez que são conceitos chaves e serviram de base teórica para a compreensão atual do valor da moeda e, por consequência, para construção de uma teoria da correção monetária.

 

Para este momento, no entanto, vale apenas definir que moeda seria o conjunto de determinados ativos que são usados e amplamente aceitos para se comprar bens e serviços de outras pessoas. (MANKIW, 2013, p. 311).

 

  1. Nominalismo Versus Valorismo e A Correção Monetária

Pode-se atribuir o surgimento do conceito de valor para a moeda aos intelectuais da Idade Média, que precisavam explicar o que ocorria quando o soberano promovia modificações nas peças monetárias, reduzindo a quantidade do metal de que eram cunhadas. (JANSEN, 2013, p. 7). Dessa discussão, surgiu a noção de valor para explicar o que era intrínseco e o que seria extrínseco àquelas peças monetárias.

Nasce, então, a ideia do valor intrínseco, expresso por um número que está relacionada ao preço, no mercado internacional, do metal em que a referida moeda era fabricada. Portanto, uma moeda valeria intrinsecamente, por exemplo, a quantidade de ouro que ela possuía na sua estrutura. (JANSEN, 2013, p. 8). Mankiw (2013, p 311), por sua vez, define como valor intrínseco o fato de um determinado item ter valor ainda que não seja utilizado como moeda.

Além do valor intrínseco, surgiu, no século XIII, o conceito do valor extrínseco, que encontra sua origem a partir de uma norma relativa à cunhagem instituída por Carlos Magno, a partir da qual se estabelece uma relação de valor meramente abstrata entre determinadas peças monetárias. (JANSEN, 2013, p. 8).

Consolidou-se, entretanto, na Idade Moderna, a prevalência da doutrina do valor intrínseco, o que, na prática, não impedia que os soberanos continuassem a promover alterações nas ligas metálicas, sem que houvesse, por força do princípio do valor extrínseco, uma correspondente alteração no valor nominal das moedas. (JANSEN, 2013, p. 18).

Foi justamente em virtude dessas alterações nas ligas metálicas das moedas, em razão das quais, por vezes, a parcela de metais preciosos na sua estrutura, como ouro e prata, era reduzida, que diversas disputas judiciais foram travadas, questionando, no que se refere àquelas obrigações que foram contraídas antes da alteração das ligas metálicas, qual deveria ser o montante pago: i) o valor atual do metal constante nas moedas ou ii) o valor extrínseco, abstrato, independentemente de qualquer alteração nas composição metálica das moedas. (JANSEN, 2013, p. 18).

Como solução para essas disputas, surge, em meados do século XVI, o princípio do valor nominal. A partir desse novo princípio, decorrente do conceito de valor extrínseco acima descrito, o devedor de determinada relação obrigacional, deveria, em moeda, apenas a soma nominal constante do contrato, independentemente de quaisquer alterações que a moeda tenha sofrido em sua composição. (JANSEN, 2013, p. 18). O nominalismo, em simples resumo, pode ser conceituado, portanto, como um princípio da teoria monetária a partir do qual a atribuição legal de um determinado valor nominal à moeda não é suscetível a alterações. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9).

O valorismo, por sua vez, surge por volta do século XIX, indo de encontro ao nominalismo, uma vez que busca manter estável o valor de uma determinada prestação, ainda que haja a desvalorização da moeda. O valorismo acaba por prejudicar uma das três funções da moeda citadas acima: a de unidade de conta, uma vez que elas não mais serviriam para aferir o valor das obrigações ao longo do tempo. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9).

Ou seja, mantém-se a moeda como o meio de troca e forma de quitação das obrigações. Entretanto, pela adoção ao valorismo, há um outro referencial em virtude do qual se manteria o valor orignal de determinada obrigação, denominado de indexador. Assim, o valor nominal da dívida seria periodicamente atualizado pelos indexadores de modo a refletir a variação inflacionária do período, fato que se denomina atualização ou correção monetária. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9). A correção monetária é, portanto, decorrência direta do valorismo, por meio da qual se busca manter determinado padrão de valor, independentemente do valor nominal da obrigação.

Arnoldo Wald (1966, p. 139) discorre sobre três principais teorias jurídicas para execução da correção monetária: a teoria da imprevisão, a teoria das dívidas de valor e a cláusula de escala móvel.

A teoria da imprevisão foi adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002, quando, em seus artigos 478 a 480 estabelece que, em virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível, caso a prestação se torne onerosamente excessiva, a parte prejudicada pode pleitear judicialmente a redução ou alteração na forma de seu cumprimento. (VENOSA, 2011, p. 477 a 479).

Por sua vez, por meio da teoria da escala móvel, transmite-se, para determinado contrato, uma cláusula que prevê um índice de valor, a partir do qual fará variar a quantidade da moeda necessária para o cumprimento da prestação. (MOREIRA NETO, 1994, p. 12). Em virtude da Lei nº 10.192/2001, a terceira lei referente ao Plano Real, há permissão expressa, no seu artigo 2º, para a adoção de cláusula de escala móvel no direito brasileiro, desde que o lapso temporal para atualização da obrigação não seja inferior a um ano.

Por fim, tem-se a teoria das dívidas de valor, por meio da qual se estabelece que as dívidas não fariam referência à uma quantia certa, mas sim um valor certo. Por meio dessa teoria, segundo afirma Moreira Neto (1994, p.12), não haveria um débito de quantum, mas sim de quid. Exemplificando o conceito acima, ter-se ia uma situação em que o conteúdo de terminada dívida não estaria vinculado a uma numerário específico, situação que se dá, por exemplo, no caso de uma indenização na qual o devedor deve restituir a coisa ao estado anterior.

Todavia, é importante destacar que, apesar dessas três hipóteses citadas por Wald, o Brasil, a partir de meados do século XX, passou a adotar o valorismo como regra geral, independentemente do enquadramento ou previsão dessas hipóteses, de modo que a correção monetária foi amplamente adotada no sistema nacional.

Feita essa breve introdução sobre o tópico, bem como sobre as principais teorias que regem a correção monetária, cumpre, para os fins jurídicos deste trabalho, independentemente de estudos econômicos sobre qual dentre os dois sistemas (o valorismo ou o nominalismo) seja o melhor, apenas examinar qual dos dois regimes foi adotado pela República Federativa do Brasil, seja no âmbito constitucional, seja no âmbito legal e, mais especificamente, se há alguma preferência para a adoção de um desses dois regimes nas obrigações tributárias. Para tanto, entende-se importante a narrativa histórica sobre a adoção da correção monetária no Brasil até os dias atuais, o que se fará a seguir.

 

  1. A Correção Monetária na Ordem Jurídica Brasileira e no Plano Real

Apesar de ser possível identificar a previsão legal da correção monetária já na década de trinta, por meio da adoção da teoria da imprevisão pelo Decreto-Lei nº 24.150/1934 (WALD, 1966, p. 141), foi em 1964 que se pode afirmar que a correção monetária se tornou política oficial do governo, especialmente em virtude da Lei nº 4.357/1964, a partir da qual se criou o primeiro, dentre o vários que o sucederam, indexador na economia brasileira: a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional). (MOREIRA NETO, 1994, p. 13). Como consequência disso, tem-se, conforme informado no tópico anterior, uma situação na qual a moeda deixa de exercer a sua função de unidade de conta. Em virtude disso, Letácio Jansen comenta que:

 

“(…)passou-se a agir, na prática, como se houvesse, no Brasil, duas moedas: o cruzeiro, sujeito à deterioração pela inflação, e a ORTN, que muitos chamavam “a moeda dos ricos”, e que era “corrigida” periodicamente para proteger os seus titulares dos efeitos da inflação.” (JANSEN, 2013, p. 54)

 

Após a ORTN, também pode-se citar, sem pretensão de completude, outros indexadores, tais como a UPC (Unidade Padrão de Capital), criada pela Lei nº 4.380/1964 para que corrigisse as prestações devidas ao Sistema Nacional de Habitação; MVR (Maior Valor de Referência), positivado pela Lei nº 6.205/1975; URV (Unidade Real de Valor), por meio da Medida Provisória nº 434/94 e a UFIR (Unidade Fiscal de Referência) criada a partir da Lei nº 8.383/1991.

Independentemente dos diversos indexadores criados, tem-se, entre eles, uma característica em comum: no Brasil, os indexadores nunca foram uniformes para todas as espécies de dívidas, inclusive servindo como forma de manipulação e privilégio a certos entes. Justamente por conta disso, Moreira Neto teceu fortes críticas à URV, como indexador criado especificamente para o ainda incipiente Plano Real, mas que também, como seus antecessores, não abarcou igualmente todos os créditos, mantendo-se ainda a vigência de alguns indexadores, sendo que, parte deles, eram mais benéficos ao credor do que outros:

 

“Como se pode observar, ainda que tenha havido propósito de devolver o País ao nominalismo, a Reforma Monetária em curso continua a tratar, como todas as precedentes, com embaraçosa desigualdade os diferentes tipos de créditos, tendo sido mantidos, por exemplo, os privilégios do setor fiscal (UFIR e unidades locais), mas como resultado de pressões, acabaram sendo discriminados os servidores públicos estaduais e municipais que não ficaram expressamente cobertos pela URV, condenados a perder o “poder aquisitivo” ou o “valor real” de seus respectivos vencimentos, soldos, proventos e pensões.” (MOREIRA NETO, 1994, p. 16).

 

Malgrado a URV não tenha abarcado todos os tipos débitos do sistema jurídico brasileiro, mantendo-se uma atualização desigual para uma parcela das prestações de determinadas naturezas, foi com o desenvolvimento do Plano Real que se teve a desindexação da economia, com eliminação de quase todos os indexadores que interferiam na função da moeda como unidade de conta das prestações no país.

Justamente em razão dessa desindexação, alguns doutrinadores defendem que o Plano Real inseriu, na política monetária brasileira, o nominalismo, como, por exemplo, defende Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p. 945).

Entretanto, importante destacar que o Plano Real jamais poderia ser considerado como um plano monetário de natureza essencialmente nominalista, uma vez que manteve a possibilidade de correções monetárias anuais.[1] Tampouco poderia o sistema jurídico brasileiro pós-Plano Real ser entendido como nominalista puro, uma vez que a própria Constituição Federal prevê a obrigatoriedade de correção monetária de certas obrigações e, como já foi demonstrado acima, só há que se falar em correção monetária a partir de uma óptica valorista.

Em verdade, todas as vezes que o constituinte tratou expressamente sobre obrigações de pagar, foi prevista a correção monetária das obrigações[2], com exceção do artigo 46 da ADCT em que foi expressamente previsto que não haveria incidência de correção monetária em hipótese extremamente limitada, sendo, inclusive, considerada como benefício excepcional dado aos micro e pequenos empresários e produtores rurais. O tratamento excepcional dado a esse artigo faz transparecer, ainda mais, o ideário tipicamente valorista do Constituinte.

Por conta disso, não se pode concordar com a opinião de Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p. 945) ao dizer que atualmente se está em um sistema que adota o nominalismo, uma vez que foi o próprio constituinte originário, em diversas ocasiões, quem previu a incidência, em quase todas as situações em que tratou de obrigação de pagar, da correção monetária, ressalvada uma exceção, que, inclusive, pela forma como foi redigida, confirma a regra.

Dessa maneira, ainda que o Plano Real, medida infraconstitucional, optasse por uma adoção radical ao nominalismo purista, o que, reitera-se, não o fez, jamais poderia fazê-lo para toda a ordem jurídica brasileira, tendo em vista que há expressa disposição constitucional no sentido de garantir o direito constitucional subjetivo à correção monetária em diversas ocasiões.

O mérito do Plano Real não foi, pois, abolir o valorismo do Brasil, mas sim reduzir a profusão de indexadores que habitavam o sistema jurídico nacional, dirimindo, em grande parte, a intensidade da desigualdade que acarretavam. Este trabalho defende, portanto, que, no Brasil, ainda vigora um sistema tipicamente valorista, a partir do qual a correção monetária não deixa de existir, mas passa a ser melhor regulada e mais restrita no que se refere a aplicação de diferentes indexadores.

Além disso, considerando que o âmbito deste trabalho seja o Direito Tributário, salienta-se o fato de que o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 97, §2º, previu a possibilidade de correção monetária da base de cálculo dos tributos independentemente de Lei, uma vez que se trataria de mera recomposição da perda inflacionária. É justamente sobre a correção monetária no direito tributário que tratará o tópico a seguir.

 

  1. A Legalidade e O Valorismo no Direito Tributário

O art. 146, II, dispõe que cabe a Lei Complementar regulamentar, dentre outras questões, as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, sendo essas aquelas normas majoritariamente previstas no Título VI, Capítulo I, Seção II, da Constituição Federal. Dentre as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, vale destacar o art. 150, I, da Constituição Federal, do qual se extrai a norma que a doutrina comumente denomina “princípio da legalidade” ou “regra da legalidade” que, apesar da divergência semântica, tratam, no mais das vezes, da mesma questão. Objetivando-se evitar entendimentos ambíguos, tratá-la-emos, neste trabalho, apenas como legalidade tributária.

Também para fins deste trabalho, considera-se desnecessário o estudo minucioso dessa norma e de todas as duas derivações. Neste momento, entende-se por essencial apenas a definição de seus contornos para melhor desenvolvimento do tema. Traz-se, portanto, para esse fim, a definição de Carrazza, para quem a legalidade significa que:

 

“A lei, em suma, deve indicar todos os elementos da norma jurídica tributária, inclusive os quantitativos, isto é, aqueles que dizem respeito à base de cálculo e à alíquota da exação. Enfatizamos que somente a lei pode (i) criar o tributo e (ii) redimensionar, para mais, o quantum debeatur.” (CARRAZZA, 2013, p. 276)

 

Ou seja, pela legalidade tributária, não basta a lei autorizar a criação ou o aumento do tributo, ela mesmo deve fazê-lo. Por outro lado, como a legalidade é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar, para o integral entendimento da norma, essencial se faz verificar a forma como ela foi regulamentada infraconstitucionalmente. O diploma responsável por isso é a própria Lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional, que, malgrado originariamente seja lei ordinária, foi recepcionado pelo ordenamento jurídico instaurado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar. (SCHOUERI, 2018, p. 75).

Nesse sentido, o artigo 97 pode ser considerado como o principal responsável pela regulamentação da legalidade no Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

 

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

  • 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
  • 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”

 

Sucede que, diante da ênfase constitucional dada ao fato de que não deve haver majoração de tributo sem que a lei assim determine, chama atenção a previsão contida no § 2º do supracitado art. 97 do CTN, ao determinar que a mera atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo não corresponderia a uma majoração. Nesse mesmo sentido, Yonne Dolacio de Oliveira:

 

“A interpretação doutrinária ou jurisprudencial desses parágrafos sempre entendeu que o §1º exigia lei, também, em qualquer alteração da base de cálculo que tornasse o tributo mais oneroso. Todavia, se se tratasse de mera correção monetária do valor da base de cálculo segundo os índices oficiais, haveria apenas atualização do seu valor no tempo, e não aumento.” (OLIVEIRA, 2013, p. 44)

 

Nesse contexto, o §2º do art. 97 do CTN se trata de disposição de índole essencialmente valorista, uma vez que dispõe sobre a possibilidade de correção monetária, o que seria impensável em um ambiente de adoção ferrenha ao nominalismo. Entretanto, a norma extraível do §2º vai muito além da mera permissão de atualização monetária da base de cálculo do imposto sem lei.

Veja-se que não se poderia considerar a permissão da atualização monetária como mera exceção à legalidade. Em verdade, nem poderia o Código Tributário Nacional dispor contrariamente ao que foi determinado pela Constituição. Ao regular a legalidade, o legislador complementar não poderia deturpar a previsão constitucional nem estipular exceções que não fossem aquelas expressamente previstas pelo constituinte. Assim, ao dizer que a correção monetária da base de cálculo do tributo não corresponde a um aumento da carga tributária, fato que exigira lei, o que se explicita, na verdade, é a adesão, pelo do Sistema Tributário Brasileiro, ao valorismo.

O que se defende aqui, portanto, é que o referido dispositivo não pode, em nenhuma hipótese ser interpretado como uma mera exceção à legalidade a favor dos entes estatais. Ao prever a atualização monetária da base de cálculo sem lei, o legislador complementar, na verdade, por não poder atribuir exceção à disposição constitucional, apenas demonstrou, de forma consequencial, a adesão do Sistema Tributário Brasileiro ao regime valorista.

Todavia, a adoção pelo legislador complementar, seja ao regime nominalista, seja ao valorista, não pode ser parcial ou se limitar apenas a parte da obrigação, nem ignorar as consequências jurídicas que acarreta, sob pena de grave incoerência sistêmica e injusto tratamento a polos distintos de uma mesma obrigação.

Assim, uma vez adotado o regime valorista, o Fisco tem, obviamente, a possibilidade de, por mero decreto, ato de vontade da autoridade administrativa, atualizar os elementos que compõe a base de cálculo do tributo, sem que se configure aumento de carga tributária.

Sucede que esse não é o único reflexo do valorismo no direito tributário. Como dito, a adoção ao valorismo não pode ser parcial, beneficiando ou prejudicando apenas um dos lados da obrigação tributária. Na verdade, deve necessariamente afetar igualmente todos os polos que nela se encontram.

Com isso em mente, vale destacar que a adoção ao valorismo tem outros reflexos lógicos curiosos: na hipótese de estar-se em um ambiente de deflação, no qual o poder aquisitivo da moeda cresce com o tempo, a não atualização da base de cálculo para menos por parte do Fisco, acarretaria, sob uma ótica valorista, inequívoco aumento de carga tributária sem que houvesse lei que o previsse, de modo que, ou se deveria publicar lei para se mantivesse o valor da base de cálculo ou, necessariamente, atualizar-se-ia monetariamente a base de cálculo do imposto para menos, sob pena de violação ao art. 150, I, da Constituição Federal de 1988.

Consequência lógica semelhante é analisada por Carrazza, que defende a necessidade de atualização monetária da tabela progressiva no imposto de renda, sob pena de violação ao art. 150, I, da Constituição Federal:

 

Realmente, impedir a correção de tais índices, valores e limites de descontos obrigou os contribuintes a efetuar, sem apoio em lei, desembolsos sempre maiores em relação aos que faziam no exercício de 1996. E não por haverem aumento suas disponibilidades de riqueza nova, senão porque o Governo, cômoda e olimpicamente, ignorou a inflação havida no período. Se preferirmos, a não-atualização dos preditos índices, tabelas e limites de dedução “ampliou” a base de cálculo do IRPF, sem que lei assim o determinasse” (CARRAZZA, 2009, p. 331).

 

Em se tratando de ganho de capital, por exemplo, caso se ignore a inflação de determinado período, diante de uma ótica valorista, evidentemente adotada pelo legislador complementar, estar-se-ia, inconstitucionalmente, ampliando a base de cálculo do Imposto de Renda sem qualquer lei nesse sentido. Nesse caso, é de se entender que o mesmo art. 97, §2º, do CTN que autoriza a atualização da base de cálculo para não acarretar redução real à arrecadação é aquele que, em conjunto do art. 150, I, da Constituição Federal, obriga a sua atualização de modo que não haja acréscimo real sem lei que o preveja, quando assim for o caso.

Nessas hipóteses, não há como prosperar o posicionamento adotado pelo Fisco e pela jurisprudência, nem há como se falar em ausência de disposição legal expressa para a atualização da base de cálculo do imposto. Entende-se que, pelo fato de o legislador complementar ter adotado uma ótica valorista, sempre que a variação do poder aquisitivo das moedas acarretar uma situação de aumento real de carga tributária, a correção monetária é mandatória sob pena de violação da legalidade tributária; ou seja: a regra seria que quando a não atualização da base de cálculo acarretar aumento de carga tributária, a sua não atualização deve ser autorizada por lei. Caso contrário, é mandamental fazê-la. Dessa forma, a correção monetária, portanto, não seria uma alteração no regime jurídico da obrigação tributária, seria apenas a manutenção do montante de imposto que fora decidido democraticamente pelo parlamento.

Todavia, além da evidência do art. 97, §2º, do CTN, este trabalho defende também que a correção monetária é devida inclusive por imperativo constitucional, especialmente como decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva, que será objeto do tópico seguinte.

 

  1. O Princípio da Capacidade Contributiva Absoluta e O Valorismo no Direito Tributário

Como dito no final do tópico anterior, a preferência pelo valorismo no direito tributário, no entanto, não se justifica apenas por disposição legal. O próprio princípio constitucional da capacidade contributiva em sua perspectiva absoluta, faz com que a correção monetária dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos seja regra no sistema tributário nacional. Nesse sentindo, a capacidade contributiva absoluta, para Regina Helena Costa, teria a seguinte definição:

 

“Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial.” (COSTA, 2012, p. 28).

 

Ou seja, a capacidade contributiva, a partir da sua perspectiva absoluta, diz respeito justamente à necessidade de eleição de critérios a partir dos quais se mostra a capacidade financeira de o contribuinte arcar com a obrigações tributárias que dali serão decorrentes. Ora, a ausência, durante um longo período de tempo, de revisões periódicas dos parâmetros utilizados para apuração da base de cálculo dos impostos afetaria justamente o referido princípio da capacidade contributiva, especialmente quando se considera a aptidão para concorrer com as despesas públicas. Isso é evidente ao se considerar que a inflação de determinado período faz com que R$ 100,00 (cem reais) em 2020 tenha um valor muito inferior do que tinha no ano 2000, demonstrando uma capacidade financeira muito menor que, anteriormente, o mesmo valor demonstrava.

Não por outro motivo que Roque Antonio Carrazza defende a obrigatoriedade da atualização da tabela progressiva do imposto de renda, verbis:

 

“No caso do IRPF, a perda do valor da moeda – consequência do nefasto processo inflacionário – leva a rendimentos líquidos só formalmente mais altos, circunstância que obriga o legislador a constantes revisões, a fim de que continuem sendo levadas em conta em cada exigência fiscal, as reais aptidões econômicas do contribuinte.” (CARRAZZA, 2013, p.331)

 

A análise de Carrazza é absolutamente cabível quando se observa que, ainda que haja valores nominalmente maiores, é absolutamente possível que demonstrem capacidade contributiva substancialmente menor. Imagine-se que, em um período de 20 anos tenha havido uma inflação total de 100% (cem por cento). Dessa forma, R$ 100,00 (cem reais) no ano 2000, equivaleria a R$ 200,00 (duzentos reais) em 2020. Sendo assim, muito embora R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) em 2020 seja nominalmente maior que R$ 100,00 (cem reais) em 2000, representa inegavelmente menor riqueza.

É justamente porque há variação da capacidade contributiva ao longo do tempo, como já mencionado por Carrazza, que Regina Helena Costa destaca, como um dos atributos do Princípio da Capacidade Contributiva, a atualidade, uma vez que, segundo a referia autora:

 

“A atualidade da capacidade contributiva, por sua vez, exige que esta esteja presente no momento em que a lei incide sobre o fato. Trata-se, portanto, de uma noção temporal. Se o legislador pretendesse onerar uma capacidade contributiva relevada por fato pretérito, teria de lançar mão de uma presunção de que tal capacidade ainda perdura, seria o caso, mesmo de retroatividade.” (COSTA, 2012, p. 28).

 

O atributo da atualidade, portanto, faz completo sentido, de modo a evitar a escolha de fatos que não mais tenham condão de revelar a real capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Assim, a consequência lógica da proteção desse princípio é a adoção apenas de critérios atuais para a tributação, de modo a garantir que haja real capacidade contributiva. Nesse ponto, tanto Regina Helena como Roque Carrazza parecem convergir no sentido de que os fatos econômicos passados não serviriam para garantir a real capacidade contributiva dos contribuintes, tendo em vista a possibilidade de que infinitos fatores venham a alterá-la, dentre eles, a inflação.

No caso da tributação do ganho de capital, por exemplo, a ausência de correção monetária dos elementos que formam o ganho de capital, como o custo de aquisição, fere o atributo da atualidade do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que se ignora a perda do poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo, aumentando indevidamente a base de cálculo do imposto de renda, sem que haja substrato econômico para tanto. Nessa hipótese, adotar-se-ia um critério que não mais condiz com a verdadeira capacidade econômica do contribuinte, de modo a considerar um acréscimo patrimonial meramente nominal, que inexiste de fato.

A partir disso, poder-se-ia chegar, inclusive, a uma situação em que é possível a tributação, pelo Imposto de Renda, da redução real do patrimônio como no caso, por exemplo, de o ganho de capital ser inferior à variação inflacionária de um determinado período, o que, em suma, significaria a tributação do patrimônio e não da renda.

No limite do exemplo acima, a inexistência de correção monetária na apuração dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos, autorizaria a tributação de fato que presume empobrecimento e não riqueza, o que absolutamente não pode ser aceito sob a ótica do princípio da capacidade contributiva. Além disso, também no que se refere ao imposto de renda, a discussão poderia se alongar ao se indagar se, no conceito de renda, estariam inclusos os valores meramente nominais que não acarretam efetivo ganho real. Todavia, o objeto desse artigo não é a definição do conceito de renda, mas sim defender a necessidade de correção monetária para todo o sistema tributário sempre que a variação inflacionária acarretar variação real da carga tributária.

Dessa forma, entende-se que a correção monetária surge como uma necessidade constitucional para preservação do princípio da capacidade contributiva absoluta. No entanto, como só se pode falar em correção monetária em um regime monetário valorista, o princípio da capacidade contributiva surge, pois, como um verdadeiro fundamento normativo, no âmbito constitucional, para a adoção do valorismo pelo direito tributário brasileiro.

 

Conclusão

Tem-se o conceito de moeda como um ativo amplamente aceito que é utilizado para pagamento de mercadorias e serviços adquiridos ou contratados. As moedas exercem três principais funções: a de meio de troca, a de unidade de conta e a de reserva de valor. Por diversos motivos, entretanto, as economias podem estar sujeitas à inflação ou à deflação, o que acaba por influenciar as funções do instrumento monetário.

A teorias do valor da moeda sofreram grandes transformações ao longo do tempo, iniciando com o valor intrínseco das peças monetárias cunhadas em metais preciosos, a teoria do valor extrínseco, adotada por alguns governantes na idade média para fins de política monetária, o nominalismo, como resposta às discussões obrigacionais que surgiram em virtude das divergências entre o valor intrínseco e o valor extrínseco, e, por fim, o valorismo como contraponto ao nominalismo.

O nominalismo é a teoria monetária pela qual se entende que o valor legalmente atribuído à moeda não é suscetível a alterações. O valorismo, por sua vez, é o contraponto ao nominalismo, figurando como teoria a partir da qual se busca manter estável o valor de uma determinada prestação, ainda que haja a perda do poder aquisitivo da moeda. A correção monetária é decorrência lógica do valorismo, servindo como o instrumento pelo qual o valor nominal das obrigações é periodicamente atualizado de forma a refletir a variação do poder aquisitivo da moeda.

A correção monetária, na história recente brasileira, foi amplamente adotada, em virtude das oscilações inflacionárias às quais o Brasil esteve sujeito no século XX. Nesse contexto, havia uma profusão de diversos indexadores aplicáveis a diferentes tipos de obrigações, o que acabava por acarretar desigualdade e privilégios para determinadas categorias.

A partir do Plano Real, instituído a partir de dispositivos legais, malgrado tenha havido a extinção dos diversos indexadores econômicos vigentes, não adotou e nem poderia ter adotado o nominalismo purista, uma vez que há expressa previsão constitucional para correção monetária em diversas obrigações, e que essa só é possível em um sistema valorista.

Verificou-se também que o art. 97, §2º, do Código Tributário Nacional, não traz consigo uma verdadeira exceção à legalidade, mas, na verdade, trata-se de uma descrição da consequência acarretada pela adoção a um regime valorista. A norma extraível do referido artigo, portanto, é aquela pela qual se entende a adoção do regime valorista para as obrigações tributárias.

Por se adotar um regime valorista no direito tributário, a mera correção monetária, quando se considera um ambiente de inflação, não acarreta aumento de carga tributária. Todavia, em um ambiente de deflação, a ausência de correção monetária implica o seu aumento de modo que deve haver previsão legal para tanto, nos termos do art. 150, I, da Constituição Federal. Ou seja, a regra seria: quando a não atualização da base de cálculo acarretar aumento de carga tributária, a sua não atualização deve ser autorizada por lei. Caso contrário, é mandamental fazê-la.

Por fim, o princípio da capacidade contributiva, em sua perspectiva absoluta, traz consigo a necessidade de eleição de critérios que demonstrem a capacidade de o contribuinte fazer frente às despesas públicas. Além disso, o seu atributo da atualidade exige que haja a eleição de critério atuais para tanto. Dessa forma, a não correção monetária de elementos que formam a base de cálculo dos tributos implicaria violação ao referido princípio, uma vez que se utiliza critério passado para fins de composição da base de cálculo do imposto de renda, o que pode acarretar situações desconexas com o sistema jurídico, como, por exemplo, a tributação da redução real do patrimônio pelo imposto de renda.

 

Referências

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BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso às 10: 15 de 15 de setembro de 2020.

 

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CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto Sobre a Renda: Perfil Constitucional e Temas Específicos. 3a ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

 

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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Estabilização monetária. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 196, p. 7-19, abr. 1994. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46287>. Acesso em: 08 Nov. 2020.

 

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11. Ed. São Paulo: Atlas. 2011.

 

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[1] Como dito em tópico anterior a Lei nº 10.192/2001, uma das principais leis referentes ao Plano Real, expressamente permitiu a correção monetária, desde que não inferiores a um ano.

[2] Sobre isso, pode-se verificar os artigos art. 201, §3º e 202, redação originária, e 100, §20, vigentes, da Constituição Federal de 1988, art. 33, art. 46, art. 57, art. 107, §1º, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

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