Mudanças trazidas ao poder de polícia das forças armadas por intermédio da Lei Complementar 136, de 25 de agosto de 2010

Resumo: Este artigo tem a finalidade de demonstrar as mudanças trazidas ao Poder de Polícia das Forças Armadas, por intermédio da Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, que alterou a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999. De acordo com esta lei, o poder de polícia que era destinado apenas ao Exército Brasileiro para combater os delitos transfronteiriços e ambientais agora foi estendido à Marinha do Brasil e à Força Aérea Brasileira.


Palavras-chave: Forças Armadas. Poder de polícia. Alterações.


Abstract: This paper aims to demonstrate the changes brought to the Police Power of the Armed Forces, through the Complementary Law No. 136 of August 25, 2010, amending the Complementary Law No. 97 of June 9, 1999. According to this law, the police power that was intended only to Brazilian Army to fight border crime and environmental now been extended to the Navy of Brazil and the Brazilian Air Force.


Keywords: Armed Forces. Police power. Changes.


Sumário: 1. Introdução; 2. Poder de Polícia; Poder de Polícia na Faixa de Fronteira; 4. Crimes Transfronteiriços e Ambientais; 5. Conclusão; 6. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Em 25 de agosto próximo passado o Presidente da República sancionou a Lei Complementar 136, que altera a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999.  A lei Complementar 136 de 2010, com apenas  4 artigos, modificou a redação dos artigos 2o, 4o, 7o, 9o, 11, 12, 15 e 18, acrescentou os artigos 3o-A, 11-A e 16-A bem como revogou o artigo 10 e o inciso IV do artigo 17-A, todos da Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999. As mudanças trazidas pela LC136 foram basicamente quanto à estrutura do Ministério da Defesa, à estrutura e política de Defesa Nacional e o Poder de Polícia das Forças Armadas.


Neste trabalho abordaremos apenas as alterações relativas ao Poder de Polícia das Forças Armadas, principalmente no que diz respeito ao combate aos crimes transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira.


2. PODER DE POLÍCIA


Muito se fala a respeito de Poder de Polícia e muitos confundem este poder com a atribuição das Polícias Militar, Civil e Federal. Devemos lembrar que estes três órgãos tem sim poder de polícia, mas não são os únicos a terem este poder, visto que muitos outros órgãos governamentais possuem esta prerrogativa, porém com outras atribuições. Sempre que uma pessoa tem que submeter seu interesse à administração pública assim o faz devido ao poder de polícia daquele órgão. Podemos citar vários exemplos: obrigação de fazer vistoria para receber o documento anual do veículo, nos Estados que assim determinam; a obrigação dos donos de estabelecimentos que trabalham com alimentos de se submeterem à inspeção dos órgãos de saúde pública; a obrigação da obtenção de licenças para a construção de um imóvel, dentre vários outros exemplos onde o cidadão deve seguir as regras ditadas pela administração pública, mesmo contra a sua vontade. O dispositivo legal que define Poder de Polícia é o Código Tributário Nacional:


“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”


3. PODER DE POLÍCIA NA FAIXA DE FRONTEIRA


A Lei Complementar 136, de 2010, de iniciativa do Presidente da República, alterou a Lei Complementar 97 de 9 de junhode 99, que trata do preparo e emprego das Forças Armadas.


A Lei Complementar 97 de 99 já havia sido alterada pela Lei Complementar 117, de 2004, alteração esta que, por intermédio de seu artigo 17-A, deu o poder de polícia ao Exército Brasileiro para atuar na Faixa de Fronteira brasileira contra os crimes transfronteiriços e ambientais, conforme podemos observar no texto legal:


“Art. 17-A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:


I – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre;


II – cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante;


III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;


IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:


a) patrulhamento;


b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e


c) prisões em flagrante delito.”


Antes da promulgação da LC 136, apenas o Exército Brasileiro tinha o poder de polícia para combater os crimes transfronteiriços e ambientais, poder este que foi entendido à Marinha do Brasil e à Força Aérea Brasileira, conforme observamos no Art 16-A da referida lei:


“Art. 16-A.  Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: 


I – patrulhamento; 


II – revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e 


III – prisões em flagrante delito. 


Parágrafo único.  As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo.” 


Antes da redação atual de LC 97 de 1999, existia uma dúvida quanto à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito, quando a lei ditava que seria possível a realização de prisões em flagrante delito por parte dos militares em relação a pessoas que estivessem cometendo delitos transfronteiriços e ambientais, uma vez que, segundo Art. 301 do Código de Processo Penal, qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Assim a lei apenas passou a exigir que os militares prendessem quem estivesse em flagrante delito, cometendo delitos transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira. A nova redação da lei mantém essa situação, porém foi mais explicita quanto à lavratura do APF, quando, no caput de seu art 16-A dispõe que serão preservadas as competências da polícia judiciária.


Uma vez que a lavratura dos Autos de Prisão em Flagrante Delito dos crimes julgados pela Justiça Federal são de competência da Polícia Federal e no caso dos crimes julgados pela Justiça Estadual são de competência da Polícia Civil da Unidade da Federação onde o crime ocorrer, a situação foi realmente mantida, ficando os militares apenas obrigados a realizar a prisão captura e fazer a entrega dos presos à autoridade policial competente para a lavratura dos respectivos APF.


Uma inovação trazida pela lei foi o dispositivo que dá às atividades de combate aos crimes transfronteiriços e  ambientais, às atividades de apoio aos pleitos eleitorais, bem como ao apoio prestado pelas Forças Armadas durante as ações de Defesa Civil, o caráter de atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal:


“Art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”


Desta forma, a Lei Complementar 136 passa para a Justiça Militar da União a competência para o julgamento de uma gama de delitos tipificados no Código Penal Militar que podem ser praticados contra os militares que estiverem exercendo as operações agora designadas operações militares. Antes desta redação tais crimes eram considerados crimes comuns, uma vez que se entendia que estas atividades não tinham o cunho de atividades militares, assim os delitos eram considerados comuns e eram julgados pela Justiça Federal.


Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:


I – os crimes de que trata Este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;


II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: (…)


III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:


a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;


b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;


c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;


d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.”


Verificaremos abaixo um quadro comparativo, com exemplos de possíveis condutas praticadas em uma operação na faixa de fronteira, a tipificação dessas condutas pelo Código Penal e a tipificação das mesmas condutas pelo Código Penal Militar:



Verificamos que todas as condutas utilizadas como exemplo são tipificadas tanto no Código Penal como no Código Penal Militar e, no caso de operações na Faixa de Fronteira contra os crimes transfronteiriços e ambientais eram julgadas pela Justiça Federal por se entender que os militares não estavam no desempenho de funções de natureza militar citadas no artigo  9º, inciso III, alínea d) do Código Penal Militar, porém, com a redação do artigo 15, § 7o  da Lei Complementar 136 passarão a ser julgados pela Justiça Militar da União.


“§ 7o  A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal.”


4. CRIMES TRANSFRONTEIRIÇOS E AMBIENTAIS


Os crimes transfronteiriços a que nos referimos são aqueles que ocorrem devido à entrada ou saída de produtos dentro do país, sejam estes produtos legais entrando de forma ilegal, ou então produtos ilegais. Como exemplo da entrada de produtos legais entrando no país de forma ilegal temos o crime de descaminho, onde produtos que poderiam entrar normalmente no Brasil, porém após realizados todos os trâmites legais e pagos todos os impostos devidos. Verificamos abaixo a tipificação do crime no Código Penal.


Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:


Pena – reclusão, de um a quatro anos.”


No mesmo artigo acima demonstrado temos a tipificação do crime de contrabando, onde a única diferença é a proibição de entrada daquele produto no país. Dentre os delitos transfronteiriços que as Forças Armadas tem atribuição de combater, os principais são a entrada de drogas e armamentos em nosso país, prática esta que traz vários reflexos negativos para a nossa população como um todo. No entanto podemos ver no quadro abaixo uma relação de crimes transfronteiriços sobre os quais as Forças Armadas tem atribuição legal para combatê-los.



Já em relação aos crimes ambientais, as Forças Armadas tem atribuição para combatê-los, na Faixa de Fronteira, sejam eles transfronteiriços ou não. Como exemplos de crimes transfronteiriços e também ambientais temos os dois últimos exemplos demonstrados no quadro acima e como exemplos de crimes apenas ambientais podemos observar alguns no quadro abaixo:



5. CONCLUSÃO


Ao fim deste trabalho chega-se à conclusão de que a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira, por intermédio da Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, receberam como atribuição o poder de polícia para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira, poder este que, antes da referida lei, era destinado apenas ao Exército Brasileiro. A atuação das Forças Armadas continuará sendo exercida da mesma forma que a Exército já atuava, ou seja, através de ações preventivas e repressivas, podendo realizar uma série de atividades típicas de polícia, tais como realizar patrulhamentos, revistas de pessoas, veículos, embarcações e aeronaves. Contudo a atribuição de combate a esses crimes não foi transmitida para as Forças Armadas em detrimento da obrigação constitucional da Polícia Federal, que é destinada a atuar como polícia de fronteira e com a competência de polícia judiciária exclusiva da União.


 


Referências

BRASIL . Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 out. 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 de setembro de 2010.

______ . Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 de setembro de 2010.

______ . Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 set. 2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 de maio de 2010.

______ . Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999. Dispõe sobre normas gerais

para organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jun. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 de maio de 2010.

______ . Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004. Altera a Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, que dispõe sobre normas gerais para organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para estabelecer novas atribuições subsidiárias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 set. 2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 de maio de 2010.

______ . Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010. Altera a Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, que “dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas”, para criar o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e disciplinar as atribuições do Ministro de Estado da Defesa. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 ago. 2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 04 de maio de 2010.

______ . Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 out. 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 de setembro de 2010.

______ .  Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Estatuto do Desarmamento. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 2003. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 de agosto de 2010.

______ .  Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 ago. 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 de agosto de 2010.

______ .  Lei 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 jan. 1967. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 de agosto de 2010.______ .  Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.  Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 fev. 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 de agosto de 2010.

Informações Sobre o Autor

Bruno Costa Marinho

O autor é oficial do Exército Brasileiro, formado pela Academia Militar das Agulhas, bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco.


Equipe Âmbito Jurídico

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