Necessidade de se apenar o ilícito fiscal

Resumo: Grande divergência há na
doutrina quanto à necessidade de se punir penalmente o ilícito fiscal, sendo
que muitos crêem que este não deveria ser passível de pena, pois se trata de
uma dívida patrimonial e “dívida não se paga com o corpo”. Os que defendem que
é possível se aplicar pena aos que burlam o sistema tributário dizem que não se
pune o fato de se ter a dívida, mas sim a intenção de agredir os cofres
públicos.

1.
Argumentos contrários à condenação penal do ilícito fiscal

O Estado
que advém da vontade dos homens, é o meio pelo qual os indivíduos se impõem
parâmetros de conduta e, de certa forma, iguala os seres humanos.

Não há
como negar que é através do poder estatal que se materializa a condição do
homem como ser social. Na falta dele teríamos a prevalência do mais forte sobre
o mais fraco, resultado de uma permanente disputa entre estes que, certamente,
o levaria à extinção. O que se observa, portanto, principalmente nos regimes
capitalistas, é a supremacia daquele que detém o poder econômico em detrimento
do menos favorecido.

Por
ocasião desta disparidade é que o Estado, através do legislador, concebe os
tributos. É através dos tributos que se dará a homogeneização da produção do
país, minimizando diversos problemas sociais advindos da desigualdade entre os
cidadãos.

Em
verdade é que, como já dito, o Estado nada mais é que uma vontade dos
indivíduos e, portanto, os tributos nada mais são que uma obrigação criada
pelos próprios indivíduos a si mesmos.

Em certo
momento da história, quando o fato de se insurgir contra o pagamento dos
tributos tornou-se algo que dificultava sobremaneira as ações sociais e a sua
conseqüente função de emparelhar a vida de seus cidadãos, oferecendo
oportunidade a todos, o Estado se viu obrigado a incriminar tais condutas.

Para alguns as normas penais
tributárias imputam alguém por dívida de natureza tributária, e isto não é
crime, pois o devedor de tributos o é por dívida própria. Torna-se, destarte,
inviável a penalização da infração tributária.

A corrente que defende essa tese
fundamenta-se na idéia, que vigora no Direito, há muito tempo, de que dívida
não se paga com o corpo, mas com bens patrimoniais, pois o que interessa e
satisfaz ao devedor é a reposição do seu patrimônio. Dessa forma, a prisão do
devedor por dívida deixou de ser aplicada, exceto alguns casos específicos,
partindo-se para a execução do seu patrimônio.

Além disso, atualmente o Brasil se
encontra num processo de despenalização, isto é, a substituição das penas
restritivas de liberdade por restritivas de direitos.

Vale
citar neste momento o pensamento de 
Miguel Teixeira Filho[1]
sobre esta situação: “Tem se verificado nos últimos tempos um retrocesso no
Direito Penal de nosso país, com a tentativa por parte de alguns órgãos
institucionais de servir-se da Justiça como instrumento para a cobrança de
tributos. Como já disse a respeito do assunto um ilustre Juiz Federal, em voto
proferido no âmbito do Tribunal Federal da Quarta Região (Apelação Criminal n
95.04.06385-3/RS), esta truculência a Idade Média deveria ter sepultado com a
vitória de Robin Hood sobre o nefasto Príncipe João. Ao magistrado não fica bem
o papel de agente do Fisco, a ameaçar com o cárcere aquele que sonhou investir
em atividade produtiva e não logrou êxito”.

Continuando
seu pensamento, diz que o juiz que assim decide “não percebe que tal postura
apenas alimenta a demagogia graciosa de governantes” que, na tentativa de
explorar a ignorância das maiorias mal-informadas, dizem que “lugar de
sonegador é na cadeia”.

Defende
uma relativização da aplicação de pena aos que causam prejuízo ao Fisco.  Aos que dolosamente suprimem ou reduzem
tributos, omitindo informações, prestando declarações falsas, falsificando,
assim verificado após o devido processo legal, considera que deve haver
repressão por parte do Estado sob forma de pena.

Já para
aqueles que apenas deixam de pagar o tributo por não ter possibilidade de
fazê-lo ou porque duvida da legitimidade do tributo lançado contra si, entende
que não deve haver a punição por parte do Direito Penal.

Embora,
no caso de inadimplência por impossibilidade ou dificuldade financeira, por
exemplo, não é aceitável que o contribuinte deva ser encarcerado, como um
criminoso qualquer, como alguns defendem.

Mais
argumentos são apresentados pelo Prof. Miguel Teixeira Filho: “[…] não é
colocando o contribuinte ‘na cadeia’, como se pretende, que se resolverá o
alegado problema da inadimplência tributária. Justiça fiscal não se faz com
terrorismo.”

Continua,
no mesmo texto, trazendo o pensamento de um Desembargador Federal da 2ª Região
que não tem seu nome citado: “A Justiça não é instituição de sadismo e o banco
dos réus não é instrumento de tortura. O processo penal não pode servir para
coagir o contribuinte a pagar tributos, pena de desfiguração das próprias instituições,
uma vez que o Ministério Público não é cobrador de impostos e a Justiça não é
instrumento desta cobrança coativa.”

Por fim, há o argumento de que essas
hipóteses normativas de condutas criminosas chocam-se com o disposto no inciso
LXVII, do art. 5º da CF, o qual proíbe prisão por dívidas, salvo nas hipóteses
que menciona e que certas figuras penais não guardam conformidade com o § 7º do
art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, texto aprovado pelo
Decreto nº 678/92.

2. Argumentos favoráveis à condenação penal do ilícito fiscal

Para os que entendem que pode
haver uma pena aos sonegadores, argumentam que a dimensão desse crime e os
valores a tutelar são muito mais abrangentes, sendo fundamental, para essa
compreensão, distingui-lo do ilícito civil.

O ato ilícito é uma conduta humana
vedada pelo ordenamento jurídico. A diferença entre os atos ilícitos penais e
civis está nos seus efeitos. As condutas definidas como crimes são atos
ilícitos que a política jurídica criminal de um Estado entendeu devessem ser
mais severamente reprimidas.

Dessa forma, quando se tipifica
uma conduta como crime não deixa de existir o ato ilícito civil, porém se
atribui a este um aspecto complementar.

Por este motivo os crimes contra o
patrimônio têm dois efeitos: aplicação de pena criminal e a reparação do dano
causado.

Ocorre o mesmo com os crimes
contra a ordem tributária. O mesmo ato ilícito recebe sanções de caráter
administrativo, exigindo-se multas e juros compensatórios; e de caráter
criminal, aplicando-se penas restritivas de liberdade, quando a omissão de
pagar o tributo provém de um fato vinculado à fraude, de caráter doloso,
empregando para isso a falsidade. Esse ato ilícito tem pena mais grave, é
considerado crime fiscal.

Por conseguinte, a punibilidade dos crimes contra a ordem
tributária está num pressuposto que nada tem a ver com o simples fato de
“deixar de recolher tributo devido”. 
O devedor de tributo não pode ser enquadrado na categoria de criminoso.

Apesar de haver uma lei específica para delitos contra a ordem
tributária, não deixam de ser aplicados os dispositivos do Código Penal. Sob a
visão deste diploma que deve ser entendida e aplicada tal lei.

O Código Penal brasileiro em seu artigo 18, §1º prevê: “Salvo os
casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime,
senão quando o pratica dolosamente.”

Isto significa que se a lei não explicitar que um fato será punido
sem a intenção, ou seja, culposamente, 
não haverá crime.

Vale lembrar agora que as condutas definidas como crimes contra a
ordem tributária na Lei nº 8.137/90 só serão puníveis quando praticadas com
dolo direto, isto é, quando o sujeito ativo da conduta descrita na norma penal
age querendo produzir o resultado descrito no tipo ou assume o risco de produzi-lo
(dolo eventual). Logo, não será punível a conduta que vier a produzir o fato
típico descrito na lei, se ela deriva de imprudência, negligência ou imperícia,
isto é, quando a conduta que produz o resultado é praticada com culpa.

Neste diapasão, temos o entendimento do mestre Edmar Oliveira Andrade Filho[2] que pensa
que a lei pune a falta que decorre da adoção de meios fraudulentos (definidos
em lei) para supressão ou redução de tributo devido e não a mera supressão ou
redução deste. 

Este autor acredita que é preciso dois requisitos nos crimes
ficais. O primeiro o dolo. O segundo é o resultado, afirmando, de tal modo, que
são crimes materiais e não de mera conduta.

Assim sendo, para ele não há ofensa à lei Constituição Federal e
nem aos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil, qual seja precisamente o
Decreto nº 648/92.

Argumento forte é o de que a impunidade dos ilícitos fiscais gera
um sentimento na população de injustiça estrutural e a condenação deste viria
buscar a igualdade material dos cidadãos, revertendo o estado de insolência dos
sonegadores.

Notas:

[1] TEIXEIRA FILHO, Miguel. O contribuinte fiscal e
os crimes fiscais.
In: Jus Navigandi, n. 20. [Internet]
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1351 [Capturado
document.write(capturado());
06.Set.2002

[2] ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Editora Atlas, 1994.


Informações Sobre o Autor

Rafael Schier Guerra


Equipe Âmbito Jurídico

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