Nota crítica sobre o posicionamento do controle difuso no ordenamento pátrio sob o enfoque da jurisprudência do STF

Resumo: Ao analisar todas as Constituições ora outorgadas ora promulgadas no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo pela influência dos precedentes dos Tribunais Americanos, denota-se uma construção histórica acerca do controle difuso de constitucionalidade. Na Carta de 1934, foi atribuída a competência ao Senado para suspender a norma inconstitucional declarada pelo Supremo Tribunal Federal em via difusa. Com a emenda 16 de 1965, foi introduzida o controle abstrato de normas. Com a Constituição de 1988, e o atual entendimento do STF, tem ocorrido a aplicação de regras do controle abstrato sobre a via incidental. Em vista disso, fez-se necessário um estudo sobre o fenômeno o panorama do controle de constitucionalidade. O presente artigo em estudo tem como eixo analisar o instituto do Controle Difuso de Constitucionalidade sob o atual entendimento do Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, que têm aplicado os regramentos do Controle Concentrando sobre àquele, entre as quais, atribuindo mera publicidade à competência Senatorial, restando por esvaziada uma competência a este atribuída privativamente por meio da Magna Carta, caracterizando o fenômeno da abstrativização do controle difuso, assim como tornar vinculante a ratio decidendi de suas decisões com aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes aplicadas ao controle incidental.

Palavras chave: Controle Difuso. Teoria da Transcendência. Abstrativização. 

Abstract: By analyzing all Constitutions promulgated herein granted herein in Brazilian law, especially the influence of precedents of American Courts, denoted a historic building on the fuzzy control of constitutionality. Charter in 1934, was assigned to the Senate the power to suspend the rule declared unconstitutional by the Supreme Court in via diffuse. With the 16th amendment of 1965 was introduced the abstract control of norms. With the 1988 Constitution, and the current understanding of the Supreme Court, has been the application of rules on the abstract via incidental. In view of this, it was necessary to study the phenomenon of the panorama of judicial review. This article study is to analyze the shaft Institute of Dispersed Constitutionality under the current understanding of the Guardian of the Constitution, the Supreme Court, we have applied the Control Focusing on specific regulations to that, including by giving publicity to mere competence senatorial, leaving a deflated competence attributed to this privately through Magna Carta, characterizing the phenomenon of abstrativização the fuzzy control as well as make a binding ratio decidendi of its decisions on the application of the theory of transcendence of the reasons determinants applied to control incidental.

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Keywords: Fuzzy Control. Theory of Transcendence. Abstrativização.

Sumário: Introdução. 2. Histórico do Controle de Constitucionalidade – Adoção do modelo misto. 2.1. Surgimento do Controle de Constitucionalidade – Caso Marbury VS. Madison. 2.2.  Evolução do Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2.3.  Controle Jurisdicional Misto no Brasil. 3. Efeitos Gerais da Decisão em sede de Controle Difuso. 4. Modulação Temporal dos Efeitos no Controle Difuso. 4.1. Modulação Espacial no Controle de Constitucionalidade. 5. O papel do Senado Federal no Controle Difuso (Obrigatoriedade ou Discricionariedade?). 6. Mutação Constitucional. 7. Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes no Controle Difuso e a Abstrativização da via Difusa. Considerações Finais. Bibliografia.

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio não decorreu de uma simples manifestação do legislador em impor leis e atos normativos por sua simples vontade humana. O atual regramento Constitucional vigente se desenvolveu a partir de uma lenta e gradual evolução Constitucional que teve como marco histórico fundamental as revoluções da queda dos antigos regimes absolutistas da Europa, mais precisamente a Revolução Francesa de 1789.

Diante do panorama que assolava a Europa, eis que surgem os movimentos Constitucionalistas partindo da premissa que todo Estado deve construir sua própria Constituição que contenham regras de limitação ao poder autoritário absolutista, bem como assim a garantia dos direitos fundamentais individuais consagrando a primeira dimensão de direitos com as liberdades civis.

Vários métodos foram assegurados para dar máxima efetividade a Constituição com o fulcro de evitar que leis e atos normativos fossem introduzidos sem a devida consonância com a Constituição ou se já introduzidos, fossem expurgados da Carta Magna, para garantir uma perfeita harmonia das leis à Lei Suprema de um Estado.

Um dos meios de controle de constitucionalidade é por meio da via difusa que foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro na Carta Constitucional de 1891, logo após a Proclamação da República, movimento ocorrido em 1889, que conferia a todo juiz exercer no caso concreto o afastamento da incidência da lei ou ato normativo considerado inconstitucional. Com a Promulgação da Constituição em 1934, foi introduzida a regra que confere ao Senado Federal suspender no todo em parte lei declarada inconstitucional pelo STF no controle difuso de Constitucionalidade.

Nesse desiderato, com a evolução das técnicas e meios de controle de constitucionalidade, surge no escalonamento jurídico brasileiro o controle abstrato das normas, conferindo ao STF originariamente processar e julgar a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, restou mantido as duas vias de controle de constitucionalidade: difuso e concentrado, aplicando a este maior ênfase tendo em vista o aumento de legitimados para propor ação na via abstrata. Com a introdução das leis 9868 e 9882 de 1999 que regula a Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, respectivamente, acabou mitigando a aplicação do controle pela via incidental.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal em recentes julgados têm aplicado a teoria da transcendência dos motivos determinantes para reconhecer a ratio decidendi como precedente judicial a vincular outros julgamentos, ou seja, os motivos que ensejaram uma decisão judicial passarão a vincular outros julgados e não somente a parte dispositiva da decisão.

Nesse contexto apresentado, o objetivo do presente artigo é analisar a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes sob a ótica do controle difuso de constitucionalidade, assim como temas que lhes são reflexos como o fenômeno da abstrativização do controle difuso, bem como a análise do art. 52, X, CF que confere ao Senado publicidade ou discricionariedade da decisão passada em julgado pelo STF em sentença de controle difuso.

2. HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – ADOÇÃO DO MODELO MISTO

2.1. SURGIMENTO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – CASO MARBURY VS. MADISON

O Controle de Constitucionalidade das leis pela via difusa, muito embora já tivessem ocorrido casos anteriores com julgamentos no mesmo sentido, tem marco histórico fundamental e nascedouro do instituto do controle pela via incidental por meio do célebre caso Marbury VS. Madison.

Em 1801, Marbury foi nomeado para um cargo no Poder Judiciário pelo então Presidente dos Estados Unidos da América John Adams. Como não houve tempo para finalizar as formalidades legais de posse do cargo, restou para o novo Presidente nomeá-lo como Chief Justice. O juiz John Marshall, com presteza e cautela, reconheceu o pedido alegado por Marbury, e declarou que a lei judiciária de 1789 que permitia ao Tribunal expedir mandados para sanar atos do Executivo, confrontava a Constituição dos Estados Unidos. Foi a partir dessa decisão que resultou no amadurecimento do controle de constitucionalidade pela via difusa, reconhecendo a supremacia da Carta Maior de um Estado sobre as demais leis do ordenamento.

Nesse sentido, preceitua BARROSO (2009, p. 08):

“Ao expor suas razões, Marshal enunciou os três grandes fundamentos que justificam o controle judicial de constitucionalidade. Em primeiro lugar, a supremacia da Constituição: “ Todos aqueles que elaboraram constituições escritas encararam-na como a lei fundamental da  nação”. Em segundo lugar, e como conseqüência natural da premissa estabelecida, afirmou a  nulidade da lei que contrarie a Constituição: “ Um ato do Poder Legislativo contrário à Constituição é nulo”. E, por fim, o ponto mais controvertido de sua decisão, ao afirmar que é o Poder Judiciário o intérprete final da Constituição: “ É enfaticamente da competência do Poder Judiciário dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver em oposição à constituição a corte terá de determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese . E se a constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do legislativo, a constituição, e não o ato ordinário, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam.”

E complementa afirmando que essa decisão inaugura o controle de constitucionalidade no movimento constitucionalista moderno, deixando assentado o princípio da Supremacia da Constituição (BARROSO, 2009).

Essa decisão passou a ser usado como precedente universal que restou sedimentado a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas.

2.2.  EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Com a outorga da Constituição de 1824, não houve em seu corpo textual a previsão do controle de constitucionalidade, apenas cabia ao órgão Legislativo o escopo de criar as leis e revogá-las, além de velar pela Guarda da Constituição. Não houve, nesse momento, qualquer forma de controle de constitucionalidade, tendo em vista a onipotência do Poder Moderador que tinha a função precípua de equilibrar os demais Poderes.

Com a Proclamação da República e consequente promulgação da Carta Constitucional de 1891, houve a implantação do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos através da via de exceção ou difusa sob forte influência do modelo constitucionalista dos Estados Unidos, arguindo diante do caso concreto como questão prejudicial.

Nesse diapasão, preceitua Alexandre de Moraes citando Rui Barbosa “Obriga o tribunal a negar validade às leis federaes, quando contrarias à constituição, e as leis federaes são contrárias à constituição, quando o Poder Legislativo, adoptando taes leis, não se teve nos limites, em que a Constituição o autoriza a legislar, isto é, transpassou a competência, em que a Constituição o circunscreve” (MORAES, 2009, p. 711). 

O Diploma Constitucional de 1934 assimilou os princípios já previstos na Carta anterior. Contudo, foram empreendidas algumas mudanças no modelo de controle pela via difusa ao introduzir a competência Senatorial para suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário com o objetivo primordial de dar efeito erga omnes às decisões do Supremo Tribunal Federal. A partir desse momento, o Senado Federal passou a exercer função preponderante no processo de controle de constitucionalidade.

Nesse sentido, prepondera Alencar ( 1978) :

“A lei ou regulamentos declarados inconstitucionais são juridicamente inexistentes entre os litigantes. Uma vez declarados, pelo Poder Judiciário, inconstitucionais ou ilegais, a decisão apenas produz efeito entre as partes. Para evitar que os outros interessados, amanhã, tenham de recorrer também ao Judiciário, para obter a mesma coisa, atribui-se ao Senado a faculdade de suspender o ato no todo ou em parte, quando o Judiciário haja declarado inconstitucional, porque desde que o Judiciário declara inconstitucional, o Presidente da República não pode declarar constitucional”.

É nesse momento que o Senado Federal exerce sua função precípua sob a ótica da lei declarada inconstitucional pela via difusa perante o Supremo Tribunal Federal, com vistas a dar amplitude ao diploma eivado de vícios materiais ou formais.

Com a imposição de uma nova Carta Constitucional em 1937, restaram mantidas as mesmas disposições da Constituição anterior sobre o tema em análise instaurado desde 1891.

Na Constituição de 1946, com um novo modelo de democratização nacional, após a queda do Estado Novo de Getúlio Vargas, surge um novo instituto de controle de constitucionalidade: a representação interventiva. Atribui-se ao Procurador-Geral da República a titularidade da representação da inconstitucionalidade nos casos de intervenção federal nos casos elencados de violação aos princípios elencados na Carta Constitucional.

A Emenda Constitucional nº 16 de 1965 instituiu no ordenamento pátrio o controle abstrato de constitucionalidade com visão de imprimir novos direcionamentos à estrutura do Poder Judiciário. A implantação do modelo abstrato de controle, com objetivo de preservar o ordenamento jurídico da entrada de leis e atos que com a Constituição fosse contrária. Assim, veio a somar com modelo de controle de constitucionalidade já existente, um instrumento destinado a defender diretamente o sistema jurídico objetivo. 

Em relação a Constituição de 1967, não trouxe muitas contribuições no tocante a matéria de controle de constitucionalidade.

Com o plano de redemocratização do país, logo após vastos anos de ditadura militar e sob o prisma das ideologias neoconstitucionalistas, o Texto Maior de 1988, apresenta o modelo de controle tanto pela via difusa quanto pela via abstrata, reforçando a Ação direta de Inconstitucionalidade e a criação de um novo modelo, a ação declaratória de constitucionalidade, conferindo maior amplitude de legítimos para propor a ADI.

2.3.  CONTROLE JURISDICIONAL MISTO NO BRASIL

Diante do paradigma que rege o ordenamento jurídico, a Constituição, observada na transcendente figura do escalonamento jurídico pátrio, aloca-se no ponto central e pragmático servindo de validade para as leis que a compõe. Desde os primórdios do movimento constitucionalista moderno, os legisladores e estudiosos sempre se preocuparam em criar meios e soluções para controlar os atos normativos que afrontassem a Lei Suprema do Estado.

De acordo com a adequação e evolução social de cada Estado, estes adotaram formas diferentes de controle de constitucionalidade. Como se pode verificar em alguns Estados, principalmente em países europeus como a França e Espanha, estes adotaram o controle político no qual é exercido por um órgão diferente dos Três Poderes, conhecidos por Cortes Constitucionais.

O sistema de controle jurisdicional é exercido pelo próprio Poder Judiciário que o exerce de maneira exclusiva e soberana. Segundo BULOS (2009), o controle jurisdicional se funda sob os argumentos de que a jurisdição constitucional de se reservar ao Poder Judiciário, deve haver técnica e imparcialidade para se verificar a compatibilidade das leis e uma maneira eficaz de combater a falibilidade do legislador.

Há uma terceira categoria de sistema de controle de constitucionalidade que mescla as características do controle político e controle jurisdicional.

O exercício do controle de constitucionalidade pode ocorrer de forma prévia ou repressiva. O controle é prévio quando exercido durante o processo de elaboração da lei, que, no Brasil, acontece através do Poder Legislativo pela Comissão de Constituição e Justiça e as respectivas Comissões temáticas pertinentes ao tema e também pelo Plenário da Casa no momento de discussão e votação do Projeto de lei. Pelo Poder Executivo, o controle de constitucionalidade é exercido no momento em que o Presidente exerce o seu poder de veto jurídico. O Poder Judiciário pode participar desse momento prévio na forma de Mandado de Segurança impetrado por parlamentar.

Conforme preceitua HOLTHE (2010, p. 161), somente o parlamentar possui direito líquido e certo de se abster do processo legislativo com afronta as previsões da Lex Mater, podendo impetrar Mandado de Segurança com o fulcro de sustar o processo de elaboração das normas inconstitucionais.

O controle repressivo acontece quando a lei, erroneamente, já está em plena vigência no ordenamento jurídico e que causa violação ou abuso a Carta Magna do Estado. No modelo de controle pela via aberta, o controle de constitucionalidade pode ser exercido por qualquer Juiz ou Tribunal, sobretudo, a questão da inconstitucionalidade não será objeto principal da ação, mas alegada como questão prejudicial da causa, sendo decidida apenas do âmbito da relação processual que foi suscitada. Outra via também prevista na Carta de 1988 e com mais amplitude, trata-se do modelo concentrado realizado pelo Supremo Tribunal Federal com o ajuizamento de ação específica e objetivo fundamental do pedido é a expurgação da lei ou ato normativo afronte a Constituição Federal.

É cediço que o Brasil adotou o sistema de controle jurisdicional misto, visto que, é realizado pelo judiciário tanto pela via difusa quanto pela via concentrada.

3 CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle difuso é caracterizado pela permissão a qualquer juiz de primeira instância ou Tribunal do Poder Judiciário a verificar a compatibilidade da norma com a Lex Mater de 1988.

Conforme preceitua MORAES (2009), o controle pela via de defesa ocorre com a liberalidade de todo e qualquer juiz ou tribunal diante do caso concreto realizar a análise de adequação do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.

Aduz MENDES citando Barbosa (2010, p. 1223):

“A declaração de inconstitucionalidade por via de exceção se erigiu, inicialmente, em dogma do regime republicano. A “inconstitucionalidade – ensinava Rui – não se aduz como alvo de ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute” uma vez que “o remédio judicial contra os atos institucionais, ou ilegais, da autoridade política não se deve pleitear por ação direta ou principal”. E, dentre os requisitos elementares ao exercício do controle de constitucionalidade, no direito brasileiro, reputava imprescindível “que a ação não tenha por objeto diretamente o ato inconstitucional do poder legislativo, ou executivo, mas se refira à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo”.”

A discussão da inconstitucionalidade de uma lei se dá no âmbito de uma relação jurídica processual, submetendo-se à apreciação do Poder Judiciário. Surge então a necessidade da averiguação de apreciar a constitucionalidade de tal ato normativo para proferir sua decisão equânime no processo.

Ao apreciar a questão constitucional como antecedente necessário ao deslinde da causa, o juiz ou tribunal estará realizando o chamado controle difuso de constitucionalidade.

Assim, a discussão da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo no âmbito do controle incidental, representa uma questão acessória (incidental) a decidir, argüida no curso de uma instrução processual que tem como objeto principal da lide o reconhecimento ou a proteção do direito alegado diante do caso concreto.

A questão constitucional pode ser levantada em processos de qualquer natureza. O que se exige é que haja uma pretensão resistida. A via incidental somente pode se dar na tutela de uma pretensão subjetiva. (BARROSO, 2009)

O controle pela via de defesa, nesse sentido, somente terá sua aplicação na defesa de um direito posto em julgamento perante o Poder Judiciário. A causa de pedir da ação não será a inconstitucionalidade em tese, mas a proteção de um direito que seria por ele afetado. Caso assim fosse, estaríamos diante do controle abstrato de normas, cujo remédio está na interposição de uma ação direta de inconstitucionalidade.

Na linha de raciocínio, o interessado que deseja a prestação jurisdicional com o fulcro de afastar a lei do caso em tela por entender pela inconstitucionalidade, não precisa, necessariamente, estar no pólo passivo da ação, podendo ser autor da lide. Dessa forma, a expressão ‘via de defesa’ significa que o interessado está apenas se defendendo de uma norma inconstitucional, pois defende direito seu, postado em norma com vício formal ou material.

Nesse desiderato, a permissão ao juiz para realizar o controle é somente na análise do caso posto em julgamento. Mas não recairá sobre o objeto principal da lide, mas sim ao julgamento de questão prejudicial, conquanto indispensável para o litígio.

3.1 EFEITOS GERAIS DA DECISÃO EM SEDE DE CONTROLE INCIDENTAL

Discorrer sobre os efeitos que são gerados quando da decisão incidenter tantum, é verificar a incidência da irradiação da declaração inconstitucional da lei ou ato normativo.

Um juiz de primeiro grau ou um Tribunal atuando em competência originária, com base na sua livre convicção e entendimento, poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei, rejeitando sua aplicação ao caso posto em julgamento. Contudo, deverá motivar sua decisão por força do art. 93, IX da CF ao qual impõe a obrigatoriedade de fundamentação dos julgamentos proferidos no âmbito do Judiciário.

Declarada a inconstitucionalidade de uma norma, os seus efeitos irradiarão somente para as partes diante do caso concreto e a lei continua em plena eficácia no ordenamento jurídico. Se terceiros, em um primeiro momento desejar também a declaração da inconstitucionalidade, deverá recorrer ao Judiciário, diante de uma litigância, ver ser declarada a inconstitucionalidade da norma.

Com efeito, a sentença produz efeitos pretéritos (ex-tunc), atingindo a lei desde o momento do seu nascedouro, com a consequente nulidade. Diz-se, portanto, que em sede de controle difuso, os efeitos apenas gerarão para as partes, retroagindo seus efeitos, nulificando a eficácia da norma.

Vale salientar que presente a lide para julgamento nos Tribunais, uma regra se faz observar. É a chamada Cláusula de Reserva de Plenário consubstanciada no art. 97 da Magna Carta, dispondo que somente pela maioria dos votos de seus membros, os Tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Assim dispõe o art. 97 da Constituição Federal:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

A chamada cláusula reserva de plenário induz na obrigação constitucional de declaração de inconstitucionalidade de todo Tribunal do ordenamento jurídico brasileiro na sua esfera de competência atuando em segunda instância.

Explicita Paulo (2011, p. 805):

“Essa exigência de maioria absoluta garante maior segurança, maior estabilidade ao ordenamento jurídico, realçando o princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Com efeito, ao impor a necessidade de maioria absoluta para que os tribunais possam declarar a inconstitucionalidade, o constituinte reforçou sobremaneira a presunção de constitucionalidade das leis, pois sempre que não se logre atingir esse quorum, a norma será tida por constitucional; fica afastada a possibilidade de um dos membros do tribunal (ou alguns poucos de seus integrantes) decidir, isoladamente, que uma lei deva ser considerada inconstitucional”.

Por ordem da cláusula de reserva de plenário, a inconstitucionalidade de uma lei só poderá ser declarada pela maioria dos membros do Tribunal ou do respectivo órgão especial, caso venha a existir. Essa norma foi introduzida em nosso ordenamento pátrio pelo Constituinte de 1934 e mantida pelas Constituições subseqüentes.

Complementa MORAES (2009, p. 712) que “cláusula de reserva de plenário atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os Tribunais.”

Uma vez declarado a inconstitucionalidade diante do caso concreto por qualquer juiz de primeira instância ou podendo a lide, através de Recurso Extraordinário, ser posto em julgamento perante o Guardião da Carta Constitucional, o Supremo Tribunal Federal.

Utilizando a via recursal, a matéria é devolvida ao Tribunal ad quem para nova apreciação pela Corte Constitucional do tema em análise em sede de Recurso Extraordinário com base no art. 102 da CF, que também realizará o controle difuso.

Por meio do Recurso Extraordinário ou do Recurso Ordinário, a controvérsia judicial em que se discute a inconstitucionalidade de uma lei, poderá chegar ao STF para apreciação.

Qualquer que tenha sido o órgão prolator da decisão, a não aplicação da lei irradiará efeitos apenas para as partes em litígio, não dispondo de efeito vinculante e, em regra, com efeitos retroativos.

No âmbito do STF, diante da sentença de controle difuso, poderá ser aplicada a regra geral dos efeitos retroativos, mas por maioria dos Ministros que compõem o STF, ou em situações especiais, outorgar efeitos para um momento futuro à sua decisão ou fixar outro momento.

Mesmo diante de um caso concreto, a decisão que declarou a inconstitucionalidade de uma lei pelo STF não dispõe de força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública.

Ademais, se a decisão da inconstitucionalidade de uma lei proferida pelo STF, haverá a possibilidade de ampliação dessa decisão a todos através da aplicação do art. 52, X da CF, conferindo efeitos erga-omnes ou adotando súmula vinculante.

4. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS NO CONTROLE DIFUSO

Passados mais de dez anos da promulgação da Constituição com forte influência da corrente do neoconstitucionalismo, foi introduzido no ordenamento pátrio as leis 9868/99 e 9882/99, que disciplinam a ação direta de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, respectivamente, que deram novo panorama a estrutura dos efeitos no controle de constitucionalidade.

A teoria da limitação dos efeitos, presente no art. 27 da lei 9868/99, assim preceitua:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Nessa seara, para deferir efeito prospectivo ao controle de constitucionalidade, será necessária a presença de dois terços para que a decisão lhes seja atribuída modulação dos efeitos pro futuro. Dessa forma, o Tribunal poderá dar-lhe efeitos ex-nunc para que a decisão sobre a inconstitucionalidade passe a ter eficácia só a partir do trânsito em julgado ou outro momento que o próprio Tribunal poderá atribuir para irradiar seus efeitos tendo em vista a instabilidade jurídica que geraria caso a inconstitucionalidade tivesse efeito ex-tunc.

No voto proferido por Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 197917, afirmou que embora o preceito normativo tenha previsão no âmbito apenas nas ações diretas de inconstitucionalidade que atribui efeitos limitados, é totalmente lícito indagar sobre sua incidência no âmbito do controle difuso.

Vê-se, pois, que o controle em via de exceção passou a admitir a mitigação dos efeitos com aplicação analógica do art. 27 da lei 9868, dando-lhe, diante do caso concreto efeitos prospectivos pro futuro.

Vale salientar que tanto o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da edição da lei 9868/99, já vinha aplicando esse dispositivo como modo de interpretação nas decisões judiciais, tendo em vista a aplicação em diversas Cortes Europeias.

Nesse diapasão, resta analisar a sua aplicação no controle difuso de constitucionalidade e verificar a sua incidência nos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Não resta dúvida em relação a aplicação do art. 27 da lei 9868/99 no âmbito do controle difuso, tendo em vista a manutenção e proteção do direito adquirido que gera o viés de modulação dos efeitos. O Eminente Ministro Gilmar Mendes faz uma reflexão sobre a questão na medida cautelar nº 189:

“Embora a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é lícito indagar sobre a admissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso. Ressalte-se que não se está a discutir a constitucionalidade do art. 27 da Lei n. 9.868, de 1999. Cuida-se aqui, tão somente, de examinar a possibilidade de aplicação da orientação nele contida no controle incidental de constitucionalidade. (…) assinale-se que, antes do advento da Lei n. 9.868, de 1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade. (…) No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que o modelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dos efeitos”. (AC 189-MC-QO, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-6-04, DJ de 27-8-04)

Na aplicação da modulação dos efeitos, atribuindo a inconstitucionalidade para momento posterior, o Tribunal ao verificar o caso concreto, deverá perfazer um juízo de ponderação com observância do fundamento constitucional da proporcionalidade.

Corroborando com a ponderação da aplicação de efeito para momento posterior da decisão, o Ministro Maurício Corrêa em julgamento na ADI 1102, aduz:

“Sou favorável a tese e aplicação apenas para efeitos excepcionais, se permita a adoção da ruptura do dogma da nulidade, podendo o Tribunal estender o início da eficácia erga omnes. Contudo, traz um grande perigo de estimular a inconstitucionalidade. Dessa forma, com vistas a segurança jurídica, a cessação da norma, com efeito ex-tunc poderá ser prejudicial ao ordenamento do que a eficácia para momento posterior tendo em vista a segurança jurídica das relações já estabelecidas” (ADI 1102, Voto do Min. Maurício Correa, julgamento em 17-11-95, DJ de 01-12-1995).

A segurança jurídica das relações pode ser entendida como uma garantia para o Estado que presume que o indivíduo aja conforme os preceitos da lei e para o cidadão a garantia de que o Estado não mude de forma abrupta as leis e decisões, gerando um caos social e instabilidade jurídica. É nesse ponto que o Tribunal ao modular os efeitos deverá ponderar o elemento da segurança jurídica aplicando efeitos ex-nunc, ou seja, com eficácia apenas a partir do trânsito em julgado da decisão.

Em decisão pelo STF no Recurso Extraordinário 560626, Ministro Gilmar Mendes preceitua que a modulação dos efeitos, previsto para as ações diretas de inconstitucionalidade também se mostra passível de limitação de efeitos no caso in concreto, visto abranger o controle de constitucionalidade como um todo.

Resta evidente a aplicação do art. 27 da lei 9868/99 ao controle difuso, pois tem apenas caráter interpretativo podendo ser aplicado de forma analógica no controle incidental, desde que presentes os requisitos da segurança jurídica e excepcional interesse público. 

4.1. MODULAÇÃO ESPACIAL NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

O instituto da modulação espacial do controle de constitucionalidade, também chamada pela doutrina de inconstitucionalidade progressiva ou de norma em trânsito, são situações constitucionais imperfeitas que estão situadas entre a constitucionalidade plena e inconstitucionalidade absoluta, em que a manutenção da norma depende de circunstâncias fáticas em determinado momento e local.

O Supremo Tribunal Federal, em alguns julgados, vêm utilizando a técnica da inconstitucionalidade progressiva como no caso da inconstitucionalidade do art. 68 do Código de Processo Penal:

“EMENTA – LEGITIMIDADE. AÇÃO EX DELICTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A TEOR DO DISPOSTO NO ARTIGO 134 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CABE À DEFENSORIA PÚBLICA, INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO, A ORIENTAÇÃO E A DEFESA, EM TODOS OS GRAUS, DOS NECESSITADOS, NA FORMA DO ARTIGO 5º, LXXIV, DA CARTA, ESTANDO RESTRITA A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CAMPO DOS INTERESSES SOCIAIS E INDIVIDUAIS, ÀQUELES INDISPONÍVEIS (PARTE FINAL DO ARTIGO 127 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA. VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS. SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por Lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento”. (STF; RE 135328; SP; Tribunal Pleno; Rel. Min. Marco Aurélio; Julg. 29/06/1994; DJU 20/04/2001; p. 00137). (grifo nosso)

Conforme LENZA (2009, p. 211), o STF entende que o art. 68 do CPP é uma norma ainda constitucional e que está em trânsito para a inconstitucionalidade na medida que as Defensorias Públicas forem sendo efetivamente instaladas e com aparelhamento adequado para sua atuação.

No caso sub judice, ficou evidenciado que enquanto o Estado de São Paulo não organizasse a sua respectiva Defensoria Pública, o art. 68 do CPP permanece constitucional no ordenamento jurídico brasileiro em um verdadeiro estágio de transição para a inconstitucionalidade, ficando a cargo ainda do Ministério Público a legitimidade de propor as ações de reparações de dano.

5. O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO (OBRIGATORIEDADE OU DISCRICIONARIEDADE?)

Ao juiz de primeira instância é permitido exercer o controle de constitucionalidade no caso concreto. Através da via recursal, a lide poderá ser devolvida ao Tribunal ad quem para nova apreciação. Por meio do Recurso Extraordinário, o litígio poderá ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal que julgará a inconstitucionalidade pela via de defesa, atribuindo os efeitos acima apresentados.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma lei, respeitando a cláusula de reserva de plenário, o STF deverá encaminhar ao Senado Federal, depois do trânsito em julgado, para cumprimento do art. 52, X, CF.

O art. 52, X, da Carta Magna de 1988, reza que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Adotado pela Assembleia Nacional Constituinte e entrado em plena vigência na Constituição Federal de 1934, o referido artigo visa dar eficácia erga-omnes a decisão do STF de lei declarada inconstitucional pela via incidental, que a priori, tem eficácia apenas inter partes, pois visa estender contra todos, já que a lei considerada “defeituosa” permanece válida no ordenamento jurídico pátrio.

Conforme assevera TAVARES (2012, p. 415) que com certificação do Senado, através da edição de resolução, a lei não poderá mais ser aplicada, perdendo sua eficácia, equivalendo a um desmanche da norma em termos práticos. 

Contudo, inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais de forma não unânime cercam o tema em solidificar o papel do Senado Federal nesse processo de controle incidental. Alguns doutrinadores afirmam que a função do Senado Federal é discricionária, tendo em vista a análise da conveniência e oportunidade. Outros doutrinadores, como o Ministro do Gilmar Mendes, afirma que o papel do Senado é obrigatório com função apenas de publicar a decisão proferida pelo STF.

Indaga-se sobre a Casa Senatorial, uma vez cientificada da decisão definitiva poderia recusar a emitir resolução no sentido de suspender a execução da lei.

Na Reclamação 4335-5 AC, que analisa a progressão de regime nos crimes hediondos, o Ministro Gilmar Mendes discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle difuso, assim explicita:

“O ato de suspensão a ser praticado pelo Senado destinava-se exclusivamente a conferir publicidade à decisão do STF. […] A jurisprudência e a legislação têm consolidado fórmulas que retiram do instituto da “suspensão da execução da lei pelo Senado Federal” significado substancial ou de especial atribuição de efeitos gerais à decisão proferida no caso concreto”.

Assim, MENDES (2008) explicita que se o Supremo chegar a conclusão de que a lei é inconstitucional, a decisão terá efeitos gerais, com apenas comunicação ao Senado para a publicação no Diário do Congresso já que a decisão do Supremo contém força normativa.

E conclui que essa nova compreensão que o Tribunal reconhece os efeitos gerais em decisão proferida em via de defesa, independe de intervenção senatorial, dando uma nova compreensão ao texto constitucional.

Há de se notar que o modelo de controle de constitucionalidade pela via incidental perdeu espaço após a promulgação da Lex Mater de 1988 com a solidificação da ação direta de constitucionalidade em que pode discutir diretamente no STF a inconstitucionalidade de uma lei perante a Constituição Federal. Com o advento da lei 9868/99 que disciplina a ação direta de constitucionalidade, o controle incidental entrou em desuso tendo em vista uma ampliação da legitimidade de propor uma ação direta.

Contudo, a doutrina não é unânime a respeito do Senado Federal no processo de controle incidental sob o argumento de que a Alta Casa Legislativa possui discricionariedade ao receber a decisão do STF para suspender a lei declarada inconstitucional.

Assim preceitua LENZA (2009, p. 185):

“Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação dos poderes”.

O artigo 52, caput, CF/88, é bem claro ao explicitar que compete “privativamente” ao Senado. Então, surge a necessidade de respeito quanto às competências estabelecidas na Carta Magna que estabelece ao Senado (Poder Legislativo) de suspender a lei declarada pelo STF na forma incidental, e como conforme explicitado no art. 2º, CF/88, deverá haver uma harmonia entre os poderes. 

Segundo MORAES citando BROSSARD, o Senado é o juiz exclusivo para exercer sua competência, só a ele atribuída. No exercício dessa competência, cabe-lhe proceder com equilíbrio, isenção e prudência a tarefa que somente cabe ao Senado (2009, p. 714).

Não se pode olvidar que se trata de ato discricionário, já que ao Senado resta a incumbência de avaliar a conveniência e oportunidade da suspensão da eficácia do ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, já que o objetivo da suspensão é produzir efeitos erga-omnes, pacificando as relações sociais decorrentes da lei ou ato normativo.

Afirma DOURADOS (2008) na sua tese de pós-graduação:

“Excluir a competência do Senado significa, por fim, retirar do processo  de controle difuso qualquer  possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo,  o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988, ao menos em sua redação originária. Acrescente-se a isso o fato, inexorável, que os Senadores são eleitos diretamente pelo voto popular, enquanto os Ministros do Excelso Pretório são indicados sem terem o respaldo direto do povo brasileiro”.

Expurgar tal competência do Senado Federal é retirar do ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de outro Poder lhe dar eficácia ao processo de controle incidental tal como previsto nos Anais da Constituição. Atribuir eficácia erga-omnes a processo de controle incidental pelo próprio STF é ferir a seara de direitos e garantias fundamentais no que tange ao principio do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa.

Como previsto na Constituição, o processo só terá exaurido se enviado ao Senado para suspender a eficácia da lei ou ato normativo. Uma vez que o STF atribui eficácia erga-omnes em via de defesa, estará usurpando uma competência prevista na Constituição e, consequentemente, ferindo a Carta Maior. 

A própria Constituição Federal afirma que há dois meios de controle de constitucionalidade: difuso e concentrado. Não há porque imaginar que os efeitos do controle concentrado são extensivos ao controle difuso, visto ocorrer diferenças cruciais que diferenciam ambos.

Conclui DOURADOS (2008):

“O que está em jogo na presente discussão é a própria sobrevivência do controle difuso e os efeitos que dele devem ser retirados. Não por diletantismo acadêmico-intelectual, mas pela objetiva e singela razão de que a Constituição da República possui determinação expressa sobre o papel do Senado neste sentido e que não foi revogada. Por isso cabe insistir nesse ponto, e não apenas em nome de uma suposta defesa da tradição pela tradição, mas de todo um processo de aprendizagem social subjacente à história constitucional brasileira; e da grave lesão que representa para o “modelo constitucional do processo” e do sistema de garantias constitucionais dos direitos fundamentais a atribuição de eficácia  erga omnes  de efeito vinculante às decisões do  Supremo Tribunal Federal em sede de  recurso extraordinário”. 

Ao Senado Federal não cabe apenas ser o reprodutor gráfico daquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal. Cabe, precipuamente a suspensão da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, pois em nenhum momento no controle incidental o STF poderá dar eficácia erga-omnes, sob a presunção de gerar uma insegurança jurídica com afronta a direitos e garantias fundamentais. Com previsão expressa na Carta Maior da atribuição ao Senado, então, deverá ser respeitado a norma posta, sob o fundamento de esvaziamento do controle difuso em nosso ordenamento pátrio.

GOMES citando BARROS (2010) explicita:

“A intervenção do Senado no controle difuso é um engenhoso meio jurídico-político de atender ao princípio da separação de poderes, entre cujos corolários está o de que só lei pode revogar lei. Esse princípio tem de ser mantido no controle difuso, pois faz parte de sua lógica. A lógica do controle concentrado é outra: admite a corte constitucional como legislador negativo, o que é inaceitável no controle difuso. Cada modo de controle deve manter sua lógica para conviver em harmonia. Se não, o misto se torna confuso. Exatamente para manter a lógica do controle difuso, coerente com a separação de poderes, é que se teoriza que o Senado subtrai exequibilidade à lei.”

Dessa forma, conclui-se, a formação de uma cadeia lógica que compreende as partes em litígio, a atuação do Poder Judiciário e a consequente ação terminativa dessa cadeia pelo Senado. Se há uma ruptura, ocorrerá uma insegurança jurídica, pois somente o Senado Federal tem a competência de suspender a lei ou ato normativo contrário a Constituição, pois ao STF reservou suspender a lei para os casos de controle abstrato das normas.

6. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Apenas com a atuação efetiva do poder constituinte derivado estabelecido primordialmente pelo poder constituinte originário é que pode ocorrer um processo de modificação do texto constitucional através das emendas constitucionais.

Ocorre que, por motivos de processo evolutivo, por motivos de uma nova interpretação jurídica que passa a vigorar na sociedade, a Constituição pode mudar sem a utilização do processo de alteração do texto constitucional. Dessa forma, o texto continua em mesmo estado, só que a interpretação a este atribuído é outro.

Segundo CANOTILHO (2003, p. 1228), é considerada mutação constitucional o processo de revisão informal da Constituição sem qualquer alteração do texto constitucional, ou em outros termos, muda-se o sentido sem mudar o texto.

Na Reclamação 4335-5 AC, o Ministro Gilmar Mendes assim explicita que há uma verdadeira mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico, conferindo ao art. 52, x, CF/88 nova compreensão, sem expressa modificação do texto.

No voto proferido, ressalta que aconteceu o fenômeno da mutação constitucional, uma reformulação do sistema jurídico. O próprio Ministro defende a tese de que o STF dê efeito erga-omnes às decisões proferidas em controle incidental, havendo dessa forma, um esvaziamento da competência do art. 52, x, cf. Um fato interessante há de ser observado quando ocorre o fenômeno da mutação constitucional.

Quando uma norma constitucional passa a ser interpretada sob outra perspectiva jurídica diversa da anterior ocorre uma mutação constitucional, o que não aduz com o artigo em questão que indicam apenas o desuso do art. 52, x, cf, visto que não ocorreu uma nova interpretação, mas apenas o seu desuso.

Para BULOS (2009), desuso é a não aplicação de uma norma, sem que haja criação de outra que se lhe oponha tendo em vista a inadequabilidade social. Dessa forma, o art. 52, x, CF não sofreu qualquer mutação constitucional.

Nesse sentido, ao Senado Federal restaria apenas a chancela de mero órgão publicitário das decisões do STF, resultando assim em um novo modo de interpretação do art. 52, x, CF, ficando a margem de qualquer exagero interpretativo.

Destarte, é claro observar duas características sobre o tema em apreço, pois constitui um processo informal de modificação sem qualquer arrimo jurídico, o que pode ensejar uma grave insegurança jurídica para a sociedade, mas vale ressaltar que esse processo visa apenas alterar o sentido, significado ou interpretação ao texto da Carta maior.

7. TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES NO CONTROLE DIFUSO E A ABSTRATIVIZAÇÃO DA VIA DIFUSA

Por disposição expressa do art. 467, do CPC, denomina-se coisa julgada a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Assim, a coisa julgada é a qualidade que torna imutável as decisões judiciais que não mais se sujeita ao duplo grau de jurisdição, criando uma estabilidade para as relações jurídicas.

Hodiernamente, a coisa julgada faz tão somente referência à parte dispositiva do julgado. Dessa forma, por consideração da norma legal imposta no art. 469, CPC, não faz coisa julgada os motivos, mesmo que primordial para averiguar o alcance da parte dispositiva da sentença.

Para a jurisprudência e a doutrina, os fundamentos da decisão compreendem a obter dictum e a ratio decidendi, diferenciação que cabe ressaltar com fulcro de dinamizar a compreensão sobre o tema exposto.

Assevera LENZA (2009, p. 207) que a obter dictum são comentários dispensáveis que não influem na decisão, ou seja, considerações que não repercutem extraprocessualmente. A ratio decidendi é considerada fundamentação essencial que culminou no resultado da ação, tratando-se de raciocínio lógico-jurídico da decisão.

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma peculiaridade na forma que tem estendido os limites do dispositivo sentencial nas decisões de controle de constitucionalidade tanto pela via concentrada quanto pela via de defesa. Reconhece-se assim, o efeito vinculante não tão somente do dispositivo, mas também da ratio decidendi, ou seja, a fundamentação jurídica ou os motivos determinantes da decisão passam a vincular outros julgamentos.

Preleciona BARROSO (2006):

“Por essa linha de entendimento, tem sido reconhecida eficácia vinculante, não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão mas igualmente as razões de decidir”.

É o fenômeno da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes que tem o fulcro de reconhecer a eficácia dos fundamentos que ensejaram a decisão transcendendo o caso singular, de modo que os fundamentos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade passam a vincular o Poder Judiciário e a Administração Pública. Como principal argumento para aplicação da teoria da transcendência repousa no princípio da supremacia da Constituição e da sua força normativa.

Como instrumento do presente estudo, na seara do controle difuso de constitucionalidade, tem como destaque os julgados que serviram de base para aplicação da teoria dos motivos determinantes: o Recurso Extraordinário nº 197917 que reduziu o número de vereadores da cidade de Mira Estrela com determinação de que a decisão só passasse a vigorar a partir da próxima legislatura, conferindo efeito transcendente aos motivos determinantes da decisão; E o Habeas Corpus nº 82959 declarou a inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime para os delitos considerados hediondos.

Com incidência apenas em ações de controle abstrato de normas, para os referidos processos acima citados, foram concedidos efeitos gerais, instituto precípuo do controle concreto de normas. É a chamada abstrativização ou objetivização do controle difuso de constitucionalidade, em que ocorre uma verdadeira aproximação do controle concentrado ao controle difuso de constitucionalidade. 

Aduz TAVARES (2012) que a objetivização é justamente no sentido de converter um processo subjetivo em processo com amplitudes e elementos do controle concentrado, ou seja, uma aproximação entre regras do controle abstrato e da via difusa.

Assim, é cediço definir o fenômeno da abstrativização do controle difuso como a conduta que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal em aplicar os efeitos da via concentrada no controle difuso de constitucionalidade. Trata-se de uma nova tendência na jurisprudência da Corte Suprema defendendo em sede controle incidental uma ampliação do julgado transcendendo os seus motivos e vinculando os Tribunais e a Administração Pública.

Assim, a partir da averiguação dos motivos determinantes que ensejaram a decisão (ratio decidendi), induz-se a uma norma de caráter abstrato que terá aplicabilidade erga omnes e com vinculação dos Tribunais para questões igualitárias cuja situação fática coincida com o caso que tornara precedente.

Afirma BOMFIN FILHO em sua tese de mestrado (2012) que a abstração do controle difuso propicia julgamentos uniformes e consequentemente favorece um fortalecimento da força normativa da Constituição.

Se o STF é o intérprete da Constituição, há de ser respeitado o seu entendimento pelas demais instâncias, não tendo sentido ainda em submeter a uma resolução do Senado. E conclui que não visualiza qualquer malefício, pois a função precípua da Corte aplicar corretamente os comandos constitucionais. Os comandos do STF devem ser adotados pelas demais instâncias, já que ao contrário, ocorreria um enfraquecimento da força normativa da Lex Mater.

Contudo, há posicionamentos contrários sobre a abstrativização do controle difuso sob a ótica da suspensão por parte do Senado Federal de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF para que decisão gere efeitos erga omnes. Trata-se, na realidade, de uma verdadeira violação constitucional da competência reservada ao Senado instituída pelo legislador originário como já restou analisado acima sobre a discricionariedade do Senado Federal.

Complementa CUNHA Jr. (2008):

“Cumpre realçar, outrossim, que o próprio Supremo Tribunal Federal, em determinadas situações, vem reconhecendo a eficácia geral de suas decisões de inconstitucionalidade, prolatadas em controle difuso, mesmo sem a intervenção do Senado. Foi o que ocorreu quando a Corte interpretou a regra da reserva do plenário prevista no art. 97 da Constituição de 1988, para, excepcionando-a, admitir a declaração de inconstitucionalidade pelos órgãos fracionários (Câmaras ou Turmas) dos Tribunais nas hipóteses em que o próprio Supremo já havia declarado a inconstitucionalidade da mesma lei, não se alvitrando se tal decisão foi proferida em controle concentrado ou difuso. Esse entendimento do Supremo tornou-se tão pacífico que a Lei 9.756/98 incluiu o parágrafo único ao art. 481 do Código de Processo Civil.”

Nesse sentido, retirar a competência do Senado Federal seria uma violação ao próprio Estado Constitucional de Direito tendo em vista a afronta ao art. 2º da Lex Mater. Busca-se com esse novo posicionamento dar eficácia e celeridade processual atribuindo efeitos erga omnes em ações pela via incidental.

No julgamento do HC nº 82.959 do Estado de São Paulo, foi declarada de maneira incidental a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º da lei 8.072/90 que proibia a progressão de regime de cumprimento de penas nos casos de crimes tipificados como hediondos. O STF se pronunciou da seguinte maneira:

“O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão”.

No Recurso Extraordinário 197917, sob a relatoria do Min. Maurício Correa, assim decidiu:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. […]

7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes.

8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido. (STF – RE 197.917/SP – Rel. Min. Maurício Corrêa – 24/03/2004).

O Supremo Tribunal Federal têm adotado o entendimento e aplicado a objetivização do controle difuso. Vê-se que nesse RE, impetrado pelo Ministério Público contra a decisão no município de Mira Estrela, que trouxe à lei orgânica a composição de 11 vereadores, sendo que a CF limitava à apenas 09 vereadores, com base na quantidade de habitantes. Na decisão, em face da segurança jurídica, aplicou o preceito do art. 27 da lei 9868/99, com previsão legal apenas para o controle abstrato de constitucionalidade, sobre o controle difuso de constitucionalidade, inovando a Corte Suprema e adotando a abstrativização.

Nos embargos de declaração do agravo regimental em recurso extraordinário 553223, sob a relatoria do Min. Joaquim Barbosa, a Suprema Corte assim se pronunciou:

“EMENTA: IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS). INCIDÊNCIA SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO TEMPORAL DA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA DECISÃO EMBARGADA. OCORRÊNCIA. A orientação do Supremo Tribunal Federal admite, em situações extremas, o reconhecimento de efeitos meramente prospectivos à declaração incidental de inconstitucionalidade. Requisitos ausentes na hipótese. Precedentes da Segunda Turma. Embargos dedeclaração acolhidos apenas para suprir a omissão apontada, mantendo-se, contudo, a conclusão da decisão embargada”. (Supremo Tribunal Federal. RE-AgR-ED 553223; Rio de Janeiro. Rel: Min. Joaquim Barbosa; Julgamento: 19 de Agosto de 2008; DJU 18 de dezembro de 2008)

Em situação semelhante, o próprio Supremo Tribunal Federal, admitiu efeitos prospectivos também no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário, posicionando-se no seguinte entendimento:

“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Taxa de coleta de lixo e limpeza pública (TCLLP). Cobrança. Inviabilidade. Agravo regimental não provido. Não é legítima a cobrança de taxa quando não vinculada apenas à coleta de lixo domiciliar, mas, também, de serviço de caráter universal e indivisível como a limpeza de logradouros públicos. 2. RECURSO. Extraordinário. Controle difuso de constitucionalidade. Declaração de inconstitucionalidade de lei municipal. Modulação dos efeitos da decisão. Atribuição de efeitos ex nunc. Art. 27 da Lei Federal nº 9.868/99. Inadmissibilidade. Agravo regimental não provido. Esta Corte já negou, por inúmeras vezes, a atribuição de efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade ou não recepção de lei do Município do Rio de Janeiro que instituiu a cobrança do IPTU com alíquotas progressivas”. (Supremo Tribunal Federal. RE-AgR 273074; RJ. Rel: Min. Cezar Peluso. Julgamento: 18 de dezembro de 2007; DJU 28 de fevereiro de 2008)

O fenômeno da abstrativização do controle difuso é entendimento pacificado no âmbito da jurisprudência do STF com aplicação de regramentos específicos do controle abstrato de normas sob o instituto do controle difuso de constitucionalidade, perdendo suas características fundamentais em face da amplitude atribuída ao controle abstrato, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1891, o controle difuso de constitucionalidade restou mitigado ao longo das Cartas Constitucionais na evolução jurídica brasileira com a ampliação do controle concentrado de lei e atos normativos, sobretudo após a lei 9868/99.

Ademais, o fato da aplicação da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade não o expurga do ordenamento, tendo plena eficácia na aplicação do caso concreto.

Apesar de o STF esvaziar a aplicação do controle difuso, sobretudo no que tange a regra do art. 52, X, CF/88 em atribuir mera publicidade às suas decisões e não mera discricionariedade da competência senatorial, trata-se de uma afronta a uma regra Constitucional em mitigar o papel do Senado Federal no processo do Controle difuso.

Com base em alguns julgados já explicitados anteriormente, o STF tem aplicado a Teoria da Transcendência dos motivos determinantes em sede de controle difuso com o fulcro de tornar precedente judicial e passar a vincular outros julgados os motivos que ensejaram a decisão. Tem-se como exemplo o HC 82959 que julgou pela aplicação da progressão de regime em crimes hediondos entendeu pela mera publicidade do Senado Federal no controle difuso. Restou aplicada a teoria em análise para fazer-se vincular essa motivação aos demais casos semelhantes ou não.

Contudo, não se pode olvidar que o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, cabendo a este resguardar os preceitos normativos e conferir última palavra acerca do litígio no Brasil, vêm atribuindo compreensão e entendimento que afronta de forma literal o texto constitucional, usurpando competência atribuída precipuamente ao Senado Federal, assim como aplicando os regramentos do controle concentrado no instituto do controle difuso. Há nesse ponto uma verdadeira discrepância entre o texto da Constituição e o atual posicionamento adotado na Suprema Corte.

 

Referêncais
ALENCAR, Ana Valderez. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de informação legislativa, , v.15, nº 57, p. 223-328, jan./mar. de 1978. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/182003 > Acesso em Maio de 2012.
Janeiro: Forense, 1968, p. 97-98.
BARROSO, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
BOMFIM FILHO, Luis Regis. A Transcendência dos Motivos Determinantes da Sentença em Controle Difuso de Constitucionalidade promovido pelo Supremo Tribunal Federal. Monografia submetida à Coordenação do Curso de Pós-graduação da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC, como exigência parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito Constitucional. Disponível em <http://bdjur.tjce.jus.br/jspui/bitstream/123456789/581/1/Luiz%20R%C3%A9gis%20-%20A%20transfer%C3%AAncia%20dos%20motivos%20determinantes%20da%20sente%C3%A7a%20em%20controle%20difuso.pdf
BRASIL. Constituição (1988). Constituição Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. LEI Nº 9.868, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 de novembro de 1999.
__________. LEI Nº 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 6.12.1999.
__________. Supremo Tribunal Federal. RE 197917, Tribunal Pleno, Brasília, DF, publicado no Diário oficial de 06 de junho de 2002. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=235847> Acesso em maio de 2012.
__________. Supremo Tribunal Federal. RE 560626-1, Tribunal Pleno, Brasília, DF, publicado no Diário oficial de 05 de dezembro de 2008. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=567931> Acesso em maio de 2012.
__________. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar 189, Tribunal Pleno, Brasília, DF, publicado no Diário Oficial de 27 de junho de 2004. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=348445> Acesso em maio de 2012.
__________. Supremo Tribunal Federal. ADI 1102, Tribunal Pleno, Brasília, DF, publicado no Diário Oficial de 01de dezembro de 1995. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266657> Acesso em maio de 2012.
__________, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus 82959-7 SP, Tribunal Pleno, Brasília, DF, DJU: 01 de setembro de 2006. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206> Acesso em maio de 2012.
BULOS. Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. são Paulo, saraiva: 2009.
CUNHA JR, Dirley. O Princípio do "stare decisis" e a Decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. In NOVELINO, Marcelo.Leituras Complementares de Direito Constitucional. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2008.
DOURADOS, Maristela Seixas. O papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade. Novembro de 2008. Trabalho final apresentado para aprovação no curso de pós-graduação lato sensu em Direito legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/162780> Acesso em maio de 2012.
GOMES, Anderson Ricardo. Crítica à tese da abstrativização ou objetivação do controle concreto ou difuso de constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17300>. Acesso em: 10 junho 2012.
HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6ª. Ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed, ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24. Ed. – São Paulo: Atlas, 2009.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012.
ZAVASKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Informações Sobre o Autor

Julio Cezar Alves Vilar

Advogado inscrito na OAB/PB 18.661. Bacharel em Direito pela Faculdade de Campina Grande. Assessor Jurídico na Câmara Municipal de Livramento-PB. Pós Graduando em Direito Imobiliário pela Universidade Gama Filho


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