Resumo: O presente artigo pretende analisar o tema “Competências Ambientais” sob as perspectivas constitucional, infraconstitucional, bem como da proposta em curso de regulamentação, procurando demonstrar que o processo de definição dos papéis, critérios e formas de cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria ambiental, é pressuposto fundamental para a efetividade das normas de direito ambiental e, por conseqüência, para uma maior eficiência das práticas de gestão do meio ambiente.
Palavras-chave: direito ambiental, competências e gestão ambiental
Sumário: Introdução, p. 01; 1. Espécies de Competências Ambientais, p. 03; 2. Repartição das Competências Ambientais: 2.1 Perspectiva Constitucional, p. 04; 2.2 Perspectiva Infraconstitucional, p. 07; 2.3 Perspectivas Futuras, p. 09; Perspectivas para a Gestão, p. 11; 3. Considerações Finais, p. 14; 4. Referências Bibliográficas, p. 15.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a organização política e administrativa do Brasil dividida entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios[1], todos dotados de autonomia[2]. Trata-se da forma de Estado Federativo, evitando sempre que o poder fique concentrado nas mãos de uma única pessoa de direito público, mas que seja sempre repartido entre os entes federativos. A forma e os limites desta repartição de poderes são definidas por meio de competências também estabelecidas pela Constituição Federal.
Assim, a autonomia federativa é caracterizada pela existência de entes governamentais próprios e posse, segundo definido pelo texto constitucional, de diversas espécies de competências para a realização de atos administrativos (ou de execução) e legislativos por parte de cada nível de poder federativo, permitindo que sobre o mesmo povo e território incidam diversas ordens para que a federação possa realizar suas funções essenciais. Neste sentido, um sistema de repartição de competências eficiente é um aspecto fundamental para a viabilização e implementação de políticas públicas.
O propósito do trabalho é direcionar esta discussão para o processo de repartição de competências relacionadas às questões ambientais. Isto porque a falta de clareza com relação às competências ambientais acaba por resultar no comprometimento da efetividade dos direitos e políticas ambientais, o que no contexto atual de manifesto desequilíbrio ecológico e de práticas de desenvolvimento e consumo ainda consideravelmente insustentáveis[3], é inadmissível. Em outras palavras, a definição clara dos papéis, critérios e formas de cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria ambiental, é pressuposto fundamental para a efetividade das normas de direito ambiental e, por conseqüência, para uma maior eficiência das práticas de gestão.
1. Espécies de Competências Ambientais
As competências ambientais podem ser classificadas em duas espécies: quanto a natureza e extensão[4].
A classificação quanto a natureza das competências ambientais se divide em competências administrativa (ou executiva) e legislativa. A primeira se manifesta através da execução de ações administrativas por parte dos entes federativos em matéria ambiental, como, por exemplo, o exercício do poder de polícia ambiental perante situações de agressão à natureza, bem como na realização de práticas administrativas relacionadas com a implementação de Políticas Ambientais, como é o caso de exercer a cobrança pelo uso d’água, instrumento próprio da Política de Recursos Hídricos (art. 5º, inciso IV, da Lei 9.433/97).
Por outro lado, a competência legislativa se refere à capacidade do ente federativo de criar normais ambientais, como, por exemplo, é o caso da Lei 12.300/2006, que estabelece a Política Estadual dos Resíduos Sólidos, instituída pelo Estado de São Paulo, definindo princípios, diretrizes, objetivos, instrumentos para a gestão integrada e compartilhada de resíduos sólidos.
Já com relação à extensão as normas podem ser classificadas em exclusivas, privativas, comuns, concorrentes e suplementares. Numa síntese rápida de cada espécie para uma posterior análise aplicada, tem-se a competência exclusiva, como aquela que impossibilita o exercício pelos demais entes federativos. A privativa, apesar de ser específica de determinado ente da Federação, a que possibilita a delegação ou suplementaridade. Já a competência comum a que possibilita o exercício por parte de todos os entes federativos. A concorrente a que estabelece a primazia da União para legislar sobre normas gerais, possibilitando também a complementação da matéria pelos demais entes federativos e mesmo a criação de normas gerais enquanto houver omissão por parte da União. E, por fim, a suplementar que possibilita o detalhamento das normas gerais existentes, sendo vedada a inovação legislativa de assuntos[5].
2. Repartição das Competências Ambientais:
2.1 Perspectiva Constitucional
No texto constitucional as responsabilidades para lidar com os temas ambientais aparecem repartidas nos diversos tipos de competência, podendo ser destacadas as seguintes ocorrências:
O art. 21 da Constituição Federal, sob a perspectiva ambiental, traz a competência administrativa e exclusiva da União para: (…) IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos e XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados (…);
Já o art. 22 do texto constitucional estabelece a competência privativa da União para legislar sobre: IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia e XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza. É importante ressaltar que no contexto da competência privativa da União do art. 22 o seu parágrafo único estabelece que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no artigo, como, por exemplo, sobre águas.
Na seqüência da Constituição, o art. 23 estabelece os casos de competência ambiental administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Município para: III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e VII – preservar as florestas, a fauna e a flora. O parágrafo único do art. 23, por sua vez, estabelece que as normas para a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, serão fixadas por lei complementar.
De outra parte, a Constituição Federal estabelece, por meio de seu art. 24, a competência legislativa concorrente para União, Estados e Distrito Federal legislar sobre: I – (…) direito urbanístico; VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
Dentro da lógica da competência ambiental concorrente para legislar, a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais[6], conforme estabelece o § 1º do mesmo art. 24 (e o que se percebe, por exemplo, nas Políticas Nacionais do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, previstas, respectivamente, pelas Leis Federais n. 6.938/81 e n. 9.433/97), sendo que caso a União não crie leis ambientais gerais, pode o Estado exercer competência legislativa plena para editar tal lei de caráter geral.
Nesta situação, caso a lei geral venha a ser criada posteriormente pela União, a lei estadual perderá sua eficácia naquilo que for contrária á lei federal, segundo as previsões dos parágrafos 2º, 3º e 4º do art. 24 da CF.
O art. 30 da Constituição, no seu inciso I, traz hipótese de competência legislativa para o Município legislar sobre assuntos de interesse local. Além disso, o mesmo artigo, no seu inciso II, estabelece que compete ao município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Assim, da leitura conjunta dos artigos 24 e 30 da Constituição Federal, tem-se que dentro do quadro de competência concorrente para criação de leis de conteúdo ambiental, há expressa prevalência do ente União para legislar sobre aspectos ambientais gerais direcionados para todo o território nacional, enquanto, de forma concorrente, cabe aos Estados legislar sobre aspectos ambientais regionais e aos Municípios, de forma suplementar à legislação federal e estadual, criar leis para assuntos de interesse local.
Questão controvertida envolvendo a competência legislativa do Município na seara ambiental, diz respeito ao alcance da sua atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local, bem como a perspectiva suplementar em relação a legislação federal e estadual. A expressão interesse local traz inegável conteúdo indeterminado que encontra balizamentos na doutrina (que não são unânimes) e na jurisprudência.
Édis Milaré tem o entendimento de que a competência legislativa municipal suplementar pressupõe que ela seja concorrente, ou seja, que o município em matéria ambiental pode editar legislação suplementar inovadora em todas as matérias de sua competência administrativa comum (art.23 CF) ante a inexistência de normas federais e estaduais, de competência concorrente prevista pelo art. 24 da CF. Nas suas palavras: “Se a Constituição conferiu-lhe poder para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas – competência administrativa -, é óbvio que, para cumprir tal missão, há que poder legislar sobre a matéria.” E conclui: “O Município, em matéria ambiental, exerce competência administrativa em comum com a União e o Estado, e tem competência legislativa concorrente, ou seja, suplementar[7].”
Entendimento divergente é trazido, dentre outros, por Tércio Sampaio Ferraz Júnior[8], que discorre que ante a inexistência das normas de competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, prevista pelo art. 24 da CF, não podem os Municípios, mesmo como entes federativos autônomos, exercer competência plena e editá-las, por não terem sido incluídos no exercício da competência legislativa concorrente prevista pelo art. 24. Assim, por exemplo, estendendo este entendimento para as questões ambientais, caso não houvesse um Código Florestal (Lei 4771/65 e regulamentações posteriores) matéria de competência concorrente conforme inciso VI (florestas) do art. 24, o Município não poderia criar uma norma inovadora sobre referido assunto, mesmo sob o fundamento de atendimento do interesse local. Cabe apontar que há recente decisão do Supremo, em sede de controle difuso de constitucionalidade, que corrobora com esta perspectiva:
“A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados.” (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24/02/06)
É importante destacar, conforme apontado por Heline Silvini Ferreira[9], que por este último entendimento o Município não poderia inovar (frise-se com relação às matérias do art. 24), mas poderia suplementar, no sentido de suprir lacunas existentes na lei federal ou estadual, ou mesmo complementar, no sentido especificar/detalhar referidos conteúdos, sempre de forma mais restritiva em termos ambientais.
2.2 Perspectiva Infraconstitucional
Volta-se a atenção para a atuação administrativa dos entes federativos, que conforme foi apontado, a Constituição, no art. 23, estabeleceu competência ambiental administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Município para: III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e VII – preservar as florestas, a fauna e a flora.
Por outro lado, o parágrafo único do art. 23, estabeleceu que as normas para a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, serão fixadas por lei complementar. Ocorre que esta Lei Complementar ainda não se encontra em vigor e, por conseqüência, ainda não há uma clara definição na legislação ambiental sobre qual ente federativo deve agir para os casos concretos que envolvam competência administrativa comum em matéria ambiental. Tal ausência legislativa vem acarretando uma série de conflitos e sobreposições nas ações dos entes federados e de seus respectivos órgãos no cumprimento da legislação ambiental com conseqüências negativas para o meio ambiente.
A ausência de critérios mais claros quanto a forma de exercício da competência comum, acaba fazendo com que os entes federativos não assumam suas responsabilidades efetivas em matéria ambiental, fragilizando todo o Sistema Nacional de Meio Ambiente, criado pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal n. 6.938/81), e dificultando as práticas de gestão ambiental.
Em termos de legislação ambiental, o critério vigente encontra-se previsto na Resolução CONAMA 237/97, especificamente para os casos de licenciamento ambiental.
Pelas previsões dos artigos 4º e seguintes dessa Resolução tem-se que: Compete ao órgão ambiental federal, a realização do procedimento de Licenciamento Ambiental de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, que apresentarem as seguintes características: I- localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país vizinho; II – localizados no mar territorial, em terras indígenas ou em Unidades de Conservação de domínio da União; III – empreendimentos cujos impactos ambientais ultrapassem os limites territoriais do País ou daqueles que atinjam mais de um Estado; IV – empreendimentos que utilizem material radioativo em qualquer espécie, ou que utilize energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações; V – qualquer tipo de base ou empreendimento militar.
Por outro lado, é o órgão ambiental estadual o responsável pela realização de Licenciamento Ambiental de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, que apresentarem as seguintes características: I- localizados ou desenvolvidos em mais de um município; II – localizados no mar territorial, em terras indígenas ou em Unidades de Conservação de domínio da União; III – cujos impactos ambientais atinjam mais de um município; IV – empreendimentos cuja responsabilidade do licenciamento a União delega aos Estados por convênio;
Nos municípios que existir órgão ambiental municipal, este será o responsável pela realização do procedimento de Licenciamento Ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local.
Nestas regras previstas na Resolução CONAMA 237/97 voltadas para critérios de realização do licenciamento ambiental pelos entes federativos, percebe-se de forma clara a importante tendência de definição de competências conforme a predominância dos interesses nacional, regional ou local para licenciamento de empreendimentos e atividades. No entanto esta tendência prevista para os casos de licenciamento ambiental precisa ser estendida para todas as práticas de gestão e aplicação da legislação ambiental.
2.3 Perspectivas Futuras
Pelo apresentado, verifica-se que, no contexto do direito ambiental e de sua aplicação, o parágrafo único do art. 23 precisa necessariamente ser regulamentado por meio de Lei Complementar de forma clara, ampla e sistêmica para que hajam critérios estabelecidos para as atribuições da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria ambiental.
Esta importante demanda para aprimoramento da aplicação e práticas do direito e gestão ambiental, encontra-se em processo de implementação por meio do Projeto de Lei Complementar 388/2007, que tem como escopo fixar normas e diretrizes para a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no exercício das competências ambientais comuns, regulamentando o art. 23, incisos III, VI e VII da Constituição Federal.
Assim, cabe aqui trazer alguns apontamento sobre o projeto que traz algumas perspectivas importantes para o forma de atuação dos entes federativos em matéria ambiental.
A nota característica de todo o projeto de lei consiste na designação da competência ambiental conforme a predominância do interesse. Nesse sentido, as ações administrativas decorrentes da competência comum, art. 23 da CF, deverão observar o critério da predominância do interesse nacional, regional e local na proteção ambiental. O critério legal é fixar uma série de ações administrativas específicas para cada um dos entes federativos, artigos 5° a 8° do PL, e possibilitar a atuação subsidiária por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação.
Cabe destacar que o PL incorpora importantes instrumentos com vistas à cooperação dos entes federativos em matéria ambiental. Sendo eles, segundo o art. 4°: a) Conselhos de Meio Ambiente; b) consórcios públicos ou convênios de cooperação; c) convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público e d) Fundos de Meio Ambiente.
É importante frisar que tais instrumentos não são inovadores na ordem jurídica, e a recepção dos mesmo pelo PL propicia a realização de práticas voltada para a efetivação do federalismo de cooperação, previsto pelo texto constitucional e fundamental para as ações ambientais.
Em termos de consórcios públicos e convênios de cooperação, por exemplo, tem-se que a Emenda Constitucional 19/1998, alterou a previsão do art. 241 da Constituição Federal, prevendo procedimentos específicos para a gestão integrada e associada entre os entes federados, ao estabelecer que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, a gestão de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Portanto, a nova redação do art. 241 da Constituição Federal estabeleceu a base legal para disciplinar especificamente os consórcios públicos e convênios de cooperação como as novas figuras jurídicas para se buscar uma gestão integrada entre os entes federativos na prestação de serviços públicos, representando um novo arranjo institucional para se pensar a gestão associada das questões ambientais.
A regulamentação específica dos consórcios públicos, que estabelece o arcabouço legal efetivo que possibilita implementar institucionalmente as competências locais integradas se dá com a publicação da Lei Federal 11.107/2005, que dispõe sobre as normas gerais de consórcios públicos, bem como através do Decreto 6.017/2007 que regulamenta a referida lei.
Dessa forma, tem-se atualmente um novo marco legal, a Lei de Consórcios Públicos (Lei Federal 11.107/2005 e sua respectiva regulamentação), que possibilita a institucionalização da cooperação entre os entes federados, com perspectiva para gestões integradas e compartilhadas socioambientalmente em áreas de desenvolvimento distintos especialmente, representando a possibilidade de medidas para a racionalização do uso de recursos existentes, de formação ou consolidação de uma identidade regional, de promoção do desenvolvimento local, regional e nacional de forma associada e na conjugação de esforços para atender necessidades da população que são coletivas ou difusas e que têm um resultado mais satisfatório se são realizadas através de ações associadas, especialmente entre as cidades.
Além de trazer tais instrumentos de efetivação e otimização do federalismo cooperação para as práticas ambientais, o PL 388/07, de maneira geral, recepciona os critérios de âmbito de impacto, então previstos de forma pontual para as situações de licenciamento pela Resolução CONAMA 237/97.
Assim, o art. 10° do PL conceitua os âmbitos do impacto ambiental nacional ou regional como sendo aquele que afeta diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados ou cujos impactos ambientais significativos diretos ultrapassem os limites territoriais do País; de âmbito estadual: aquele que afete diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais Municípios; de âmbito local: aquele que afete direta, no todo ou em parte, o território de um município sem ultrapassar o seu limite territorial.
Por conseqüência, este critério de âmbito do impacto, é reiterado para pautar as práticas licenciadoras, sendo que o licenciamento ambiental de empreendimentos considerados efetiva e potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental será realizado pelo ente federativo responsável de acordo com o âmbito de impacto, facultada manifestação de caráter não vinculante dos demais entes.
Para os casos de iminência ou ocorrência de dano ambiental, o PL estabelece que o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá agir para evitar ou cessá-lo, sendo que o mesmo comunicará imediatamente o ente federativo responsável, para as providências devidas (art. 13).
Pelo que se vê, o projeto de lei complementar traz perspectivas futuras muito positivas no sentido da regulamentação do parágrafo único do art. 23 CF e, por conseguinte, para a aprimoramento das práticas de cooperação ambiental entre os entes federativos, definindo com maior clareza as repartições de competências pautadas pelo mesmo objetivo de gestão ambiental.
2.4 Perspectivas para a Gestão
A Gestão Ambiental pode ser compreendida como o processo de integração entre o Planejamento, o Gerenciamento e as Políticas Ambientais, com o propósito de realizar estudos que visam a adequação do uso, controle e proteção ao meio ambiente, que devem ser executados, administrados e monitorados, numa perspectiva interdisciplinar entre os saberes relacionados com a discussão ambiental[10].
A Gestão Ambiental surge com conceitos e princípios próprios e tem uma perspectiva de trabalho ampla e dinâmica para propor diretrizes para promover o uso, proteção e conservação dos recursos naturais e sócio-econômicos em um determinado espaço, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Neste sentido, os critérios de repartição de competências ambientais além de estabelecer as regras próprias para a atuação ambiental de cada ente federativo, devem estar também em sintonia com as práticas modernas de gestão ambiental, que envolvem basicamente ações de planejamento e gerenciamento, ou seja, estabelecer planos ambientais para serem cumpridos e gerenciados, através de saberes interdisciplinares em matéria ambiental, a médio/longo prazo, como por exemplo, são os propósitos dos Planos Diretores para as cidades, previstos no Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001) e dos Planos de Manejo para as Unidades de Conservação (Parques, Reservas Biológicas, APAs, RPPNs, etc.), previstos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9985/2000).
A Gestão Ambiental tem sua unidade de trabalho para incidência sobre o território, sendo este critério de atuação definido, preponderantemente, pelos limites da bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica, como unidade de gestão e planejamento sobre o território, foi recepcionada por algumas legislações ambientais para questões pontuais.
Por exemplo, a Resolução CONAMA 001/86, que estabelece os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, no seu art. 4, III, prevê que para definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos de determinado empreendimento (denominada área de influência do projeto), a bacia hidrográfica deve ser considerada como referência mínima para avaliação dos impactos.
Além disso, O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SNGRH), criado pela Lei 9433/97, consagra a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil (art. 1°, IV). Esse Sistema é constituído por níveis decisórios nacional, estadual e local, sempre delimitados pela bacia hidrográfica. Neste sentido, a bacia hidrográfica é justamente o local onde ocorrem as decisões e a participação das comunidades locais, refletindo sistemicamente todos os efeitos dessas decisões e participações. Ela, neste caso, é compreendida como unificadora dos processos ambientais e das interferências humanas.
O critério de bacia hidrográfica é comumente usado porque constitui um sistema bem delimitado no território, composto por um conjunto de elementos, onde as interações, pelo menos físicas, são integradas e, assim, mais facilmente interpretadas. Nesse sentido, a unidade bacia hidrográfica é uma unidade espacial de fácil reconhecimento e caracterização. A adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento é de aceitação universal e consolidada como um instrumento de gestão ambiental. A unidade é utilizada pelo Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) para definir as 12 Regiões Hidrográficas do País: Amazônica; Costeira do Norte; Tocantins; Costeira do Nordeste Ocidental; Parnaíba; Costeira do Nordeste Oriental; São Francisco; Costeira do Leste; Costeira do Sudeste; Paraná; Uruguai; Região Hidrográfica Costeira do Sul; e Paraguai (Resolução nº. 32/2003 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)), sendo que cada região vai abarcar inúmeras bacias hidrográficas que muitas vezes vão extrapolar as fronteiras dos territórios municipais.
Assim, sob a ótica moderna de atuação da gestão ambiental, a repartição de competência, juntando aqui aspectos de predominância do interesse e âmbito dos impactos, têm como unidade básica mínima a bacia hidrográfica. Cabe dizer que este entendimento da gestão ambiental encontra expresso respaldo legal, conforme apontado acima, para ações de avaliação de impacto ambiental (Resolução CONAMA 001/86), materializadas no processo de licenciamento ambiental, bem como para qualquer ação relacionada com a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97).
Como o Direito Ambiental é um ramo jurídico essencialmente interdisciplinar, o aprimoramento da aplicação de suas normas, não pode desconsiderar os outros ramos de conhecimentos ligados à questão ambiental. Neste sentido, dentro desse processo em curso de definição e amadurecimento da repartição de competências ambientais, para que haja uma real integração das legislações ambientais com as práticas de gestão ambiental, a bacia hidrográfica deve figurar com a unidade primeira para a repartição de competências ambientais, sendo fundamental para a implementação de qualquer política de forma planejada a cooperação primeira entre os entes federativos que fazem parte da mesma bacia.
Portanto, na perspectiva do direito ambiental integrado à gestão, o âmbito do impacto local previsto no PL 388/07, deveria ser revisto para: aquele que afete direta, no todo ou em parte, o território de um município, devendo ser analisado nos limites da bacia hidrográfica que ele faz parte.
3. Considerações Finais
Conforme apresentado, o aprimoramento dos critérios de Competências Ambientais é uma perspectiva de suma importância para uma melhor efetividade do Direito Ambiental nos diversos entes federativos.
Além disso, uma maior clareza quanto às referências institucionais de repartição das responsabilidades ambientais através das competências, conforme aparentam ser a maior parte das perspectivas do Projeto de Lei Complementar 388/2007, significa novas possibilidades de aperfeiçoamento de práticas integradas e cooperativas de gestão ambiental entre Poder Público e a coletividade, fundamentais para se buscar a sustentabilidade ambiental como um direito de todos, conforme estabelecido no artigo 225 da Constituição Federal.
possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR 2000; mestrado em Direitos Difusos e Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP 2005; doutorado em Saneamento e Ambiente pela UNICAMP 2010; pós-doutorado no Programa de Direito Ambiental e Sustentabilidade da Universidade de Alicante – Espanha 2013. Atualmente é Professor da Faculdade de Tecnologia da Unicamp. Atua principalmente nos seguintes temas: direito e legislação ambiental avaliação de impactos ambientais políticas públicas ambientais planejamento e gestão ambiental e direito agrário
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