Resumo: Neste trabalho busca-se analisar o modelo da administração atual, suas falhas, deficiências, e o estudo dos novos rumos e alternativas para o modelo da Administração Pública que se adeque às exigências da sociedade moderna hipercomplexa. A partir da Evolução do Estado ao longo dos anos e enfocando as restrições do modelo burocrático legalista, esse estudo visa fomentar a discussão sobre o modelo adotado pela Administração Pública que clama por uma reestruturação que propicie uma gestão eficiente, baseada em mecanismos de governança em rede, procedimentalização administrativa, tomada de decisão colegiada, participação democrática, gestão integrada de ações e do envolvimento da sociedade.
Palavras chave: participação procedimental. Consensualismo. Decisões colegiadas. Administração pública.
Abstract: This paper analyzes the model of the current administration, its flaws, shortcomings, and the study of new directions and alternatives to the model of public administration that conforms to the requirements of hypercomplex modern society. From the evolution of the state over the years and focusing on the constraints of legalistic bureaucratic model, this study aims to foster discussion on the model adopted by the Public Administration that calls for a restructuring that provides efficient management, based on mechanisms of network governance, proceduralizing administrative, collegial decision-making, democratic participation, integrated management actions and involvement of society.
Keywords: participation in proceedings. Consensualism. Collective decisions. Public administration.
Sumário: Introdução; 1. A evolução do Estado; 2. O modelo de Administração Pública: legalidade e eficiência; 3. Participação procedimental; 4. A cultura do “não” e a participação procedimental; 5. Participação popular – experiência Mineira; 6. Conclusão.
Introdução
A partir da noção de que o homem é um ser social, cabendo-lhe, portanto, o convívio em sociedade com seus semelhantes, é possível compreender quão relevante é a importância atribuída ao interesse público. De forma bastante genérica, e segundo concepção aristotélica, pode-se entender a sociedade como um todo orgânico, cuja ordem entre as partes coordena o convívio social, prima pela harmonia e busca alcançar o fim comum da sociedade. Assim, o interesse público é, de certa forma, fator que viabiliza a conservação da vida em comunidade, uma vez que busca, por meio da ação estatal, propiciar, na máxima medida possível, a manutenção de um convívio harmônico e organizado.
Nesse sentido, e de acordo com as peculiaridades de cada povo e território, deve o Estado objetivar a concretude do bem comum. Desse modo, a Administração Pública, orientada por essa premissa, deve buscar alcançar da melhor forma seu fim último, mesmo que sejam vários os entraves e barreiras que se imponham à sua atuação. Dentre as barreiras evidenciadas pode-se listar a própria legislação.
O princípio da legalidade, que não deixa de ser o alicerce da atuação estatal e pedestal da Administração Pública, representa, muitas vezes, verdadeiro entrave para a atuação do agente público na busca pelo atendimento dos anseios da sociedade pluralista atual. O arcabouço legal elaborado nos moldes do modelo ortodoxo burocrático administrativo não acompanhou as mudanças da sociedade, e nem poderia, uma vez que é evidente que a lei não consegue prever todas as situações que são apresentadas no caso concreto. Em uma sociedade pluralista, em que a complexidade e os interesses de vários segmentos sociais são tão diversos, a aplicação massificada da lei genérica não traduz uma atuação eficiente, bem como não atende de forma satisfatória todas as camadas sociais e demandas apresentadas.
Portanto, as constantes mudanças que marcam os processos humanos e a gama plural de interesses da sociedade atual, densificam os desafios impostos ao Estado que, como representante do povo, deve buscar atender aos anseios sociais de forma eficiente. Nesse sentido, a máquina pública Estatal deve acompanhar as mudanças do contexto vigente e, portanto, modernizar a estrutura gerencial da Administração Pública.
Neste trabalho, busca-se analisar o modelo da administração atual, suas falhas, deficiências, e o estudo dos novos rumos e alternativas para o modelo da Administração Pública que se adeque às exigências da sociedade moderna hipercomplexa. Nesse sentido, esse estudo visa fomentar a discussão sobre o modelo adotado pela Administração Pública que clama por uma reestruturação que propicie uma gestão eficiente, baseada em mecanismos de governança em rede, procedimentalização administrativa, tomada de decisão colegiada, participação democrática, gestão integrada de ações e do envolvimento da sociedade.
1. A Evolução do Estado
O Estado, como uma sociedade essencialmente política, busca oferecer os meios adequados para que os fins particulares possam, em certa medida, ser alcançados. Ao mesmo tempo, cabe também ao Estado garantir a mínima conservação da harmonia social como forma de manutenção da vida em sociedade que, mediatamente, representa um meio indispensável para a concretização dos próprios interesses individuais. Pode-se dizer que esse fim geral corresponde ao bem comum, devendo o governante ou o administrador público externar e almejar, por meio de suas ações e comandos, esse interesse. Nesse sentido leciona Meirelles (1990):
“A natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação.
Todo poder encontra sua justificação unicamente no bem comum, na realização de uma ordem social justa.” (MEIRELLES, 1990, p. 81)
Desse modo, de acordo com as peculiaridades de cada povo e território, deve o Estado objetivar a concretude do bem comum. Entretanto, como é grande a dinamicidade que envolve tanto o Estado quanto o interesse público, a busca pelo bem comum acompanha a evolução da sociedade, de forma a adequar-se e melhor atender aos anseios e às necessidades existentes em cada contexto. Portanto, para alcançar a definição desse conceito atual, é importante analisar todo o processo evolutivo do Direito Público, haja vista que ele é uma realidade histórico-cultural resultante de um dinâmico percurso, que tem por base o passado e apresenta-se, por sua vez, como suporte de referência para o ordenamento jurídico futuro. Assim, sua alusão remete-nos a uma produção cultural longamente sedimentada, perspectivas, portanto, que não emergiram de forma pronta e definitiva.
Desde os primórdios da antiguidade grega aos dias atuais, diversas foram as mudanças sociais que traduziram alterações na máquina pública estatal. Com o intuito único de apresentar um breve panorama dos constantes movimentos que influíram, mediata e imediatamente, na estruturação da Administração Pública e, conseqüentemente, no tratamento conferido ao bem público, essa evolução será tratada de forma bastante simples, partindo do Estado Liberal, iniciado pelo processo revolucionário do século XVIII.
As Revoluções Francesa e Americana apresentaram-se como significativos marcos históricos da radical transformação na regulação do poder público na medida em que este passou a ter o dever de obediência a certas normas jurídicas limitadoras de sua própria atuação. Nota-se, assim, a inserção do controle do poder pelos seus destinatários. Tem-se, portanto, o desencadeamento do gradativo processo responsável pela formação do Estado de Direito, expressada pela primazia da lei, pelo princípio da legalidade e por meio da positivação das liberdades individuais.
Nesse contexto, o poder absoluto se retrai perante o domínio dos direitos individuais que correspondiam às exigências liberal-burguesas de superação do arbítrio estatal e de estabilidade e previsibilidade, necessárias ao desenvolvimento das atividades econômicas. Nessa fase, a administração pública concentrava sua atuação no exercício do poder de polícia, manutenção da ordem pública, da liberdade individual, da propriedade e da segurança individual, necessárias ao desenvolvimento da atividade econômica. Desse modo, a lógica liberal permite a primazia do mercado sobre o Estado, afastando toda a forma de intervenção econômica Estatal, trata-se da Administração Publica submissa à lei.
No decorrer do século XX, as convulsões bélicas, juntamente com as crises econômicas, as rápidas mudanças e os grandes avanços tecnológicos, levaram ao declínio do Estado Liberal e à estruturação do Social. O Estado Social se pautou na tentativa de proporcionar a materialização quantitativa e qualitativa dos direitos, não apenas no âmbito individual e político, mas também no social, como, por exemplo, ao buscar fundamentos pautados na proteção da dignidade da pessoa humana, na garantia contra o desemprego, nos seguros contra doenças e invalidez na velhice, oferecimento de casas a preços populares, etc.
Nesse período, o desastre econômico do liberalismo levou à descrença da auto-regulação do mercado, o que fez com que o Estado deixasse de ter uma atuação mínima e negativa. A Administração foi então assumindo o protagonismo na concretização de finalidades sociais, na promoção do bem-comum. Ademais, a universalização do sufrágio deslocou o eixo político para as camadas populares, sendo necessária a observância das demandas sociais, o que, certamente, aumentou a base tributária e a máquina burocrática. A conscientização das camadas mais baixas a respeito da sua força de trabalho fez com que houvesse um embate entre o poderio econômico da burguesia e o poder das classes trabalhadoras. O Estado Social pautava-se, portanto, na tentativa de proporcionar a materialização quantitativa e qualitativa dos direitos, não apenas no âmbito individual e político, mas também no social. Nesse período vislumbra-se que a sociedade torna-se cada vez mais dependente do Estado, e cresce a máquina pública burocrática.
Apesar dos inegáveis avanços do Estado Social, nem todos seus efeitos foram favoráveis, sendo sua crise evidenciada a partir de medos da década de 1970. O esgotamento do Estado Prestador ocorreu, sobretudo, devido ao aumento da carga tributária, agigantamento da máquina Estatal, da ineficiência da intervenção estatal e da constatação da corrupção e do nepotismo dos administradores públicos. Nesse sentido dispõe Netto:
“Nesse cenário de crise, o Estado Social, intensamente intervencionista e prestador direto de diversas atividades e serviços, vai cedendo lugar a um estado que se caracteriza por ser Estado Social e Democrático de Direito, isto é, estrutura-se sobre os princípios do Estado de Direito ou juridicidade, da democracia e da sociabilidade, não deixa de perseguir o bem-estar, mas o faz não preferencialmente valendo-se de atividades diretamente desenvolvidas por entidades integrantes do aparato Estatal, privilegia a regulação e a atuação conjunta com a sociedade sobre vários títulos”. (NETTO, p.57 )
A ampliação dos direitos e a real possibilidade de participação popular nas decisões estatais foram de indiscutível importância para a estruturação do Estado Democrático de Direito. Nesse novo paradigma, a sociedade, além de participar, seja de forma direita ou indireta das resoluções do Estado, exerce certo controle sobre as atividades estatais, já que estas devem ser orientadas, sobretudo, para o alcance do bem comum. Nesse sentido, cogita-se a estruturação da Administração Pública cooperativa, voltada ao consenso em lugar da oposição, exigindo-se a participação social no exercício das funções Estatais.
Ademais, ao longo desse processo evolutivo nota-se a proliferação de diversas camadas e grupos sociais distintos. As sociedades do passado, que antes contavam com um número reduzido de grupos diferenciados (nobreza, clero, burguesia, camponeses, operariado e funcionários públicos), com interesses nitidamente diferenciados, contavam agora com diversos grupos cujos interesses, não raro, são antagônicos. Vislumbrou-se o inicio do chamado Estado pluralista.
Segundo BATISTA (2009) a Constituição Federal do Brasil modela um Estado Democrático de Direito humanista, essencialmente social, fundamentado pelas justiças social e fiscal e orientado para a persecução do bem comum. Desse modo, o Estado Democrático de Direito foi constituído para satisfazer as necessidades da coletividade e garantir os direitos fundamentais, primando pelo bem comum da sociedade.
2. O modelo da Administração Pública: legalidade e eficiência
Inicialmente, o modelo da Administração Pública foi desenvolvido sob influxo direto das doutrinas liberal e positivistas. Nesse modelo existem normas que organizam, limitam e regulam a atuação de todos, inclusive do próprio poder estatal. Logo, o Estado subordina-se ao Direito e sujeita-se às suas normas reguladoras. Nota-se, portanto, a inserção do controle do poder pelos seus destinatários e a proteção do cidadão contra o Estado autoritário.
O Direito Administrativo, como foi construído, traçou medidas de cunho burocrático, visando a uma atuação administrativa protegida contra o clientelismo, patrimonialismo e outras práticas predatórias. A desconfiança quanto à atuação discricionária do administrador público culminou na estruturação de um modelo de normas e manuais, que estabelece, assim, um padrão pré-estabelecido de atuação do agente público. Ou seja, para a consecução dos objetivos traçados pelo Estado de Direito é necessário uma atuação da Administração Pública pautada pelos ditames legais que, necessariamente, devem visar o bem comum.
Dessa forma, o arcabouço normativo funciona como parâmetro que deve ser seguido pelo administrador público, parâmetro este em que se encontram traduzidas e impressas as demandas sociais e, conseqüentemente, o bem comum. Em síntese, o servidor torna sua ação legítima ao observar as balizas legais, uma vez que é na lei que se busca o fundamento do que é o interesse público.
O modelo burocrático assim estruturado, na grande maioria das situações, apresentava-se eficiente frente aos procedimentos rotineiros, além disso, é dotado de mecanismos de proteção contra a corrupção e, principalmente, é apto a conduzir a atuação da Administração Pública de acordo com o princípio da legalidade. Desse modo, a regulamentação e elaboração de manuais administrativos funcionaram como escudo contra práticas predatórias, como, por exemplo, o clientelismo e a imoralidade administrativa dentro da máquina pública. Esse modelo tem como base um arcabouço normativo, que deve ser estritamente cumprido, conforme estabelecido a priori. Nesse contexto, o agente público considerado eficiente é aquele que atua rigorosamente em observância aos manuais e regulamentos, e que, assim, não apresenta qualquer desvio de comportamento que cause dúvida quanto à sua atuação. Nesse contexto, a Administração Pública não possui certa margem de discricionariedade suficiente para a tomada de decisão em situações excepcionais não previstas nos regulamentos.
É fácil perceber a finalidade do Estado Democrático de Direito, e de todo seu arcabouço: buscar a concretude do bem comum, almejar a igualdade formal e material, a justiça social, a liberdade individual, a dignidade de seus cidadãos e sua participação na gestão da Administração Pública. Entretanto, nem sempre os meios adotados pelo Estado são adequados ao alcance do bem comum, pelo contrário, muitos deles acabam por levar a estruturas extremamente burocráticas e incapazes de atender aos anseios de uma sociedade pluralista.
Na contemporaneidade, a legitimidade do interesse público está diretamente ligada aos aspectos fundamentais do Estado Democrático de Direito, os quais, por sua vez, se encontram intrinsecamente correlacionados, sendo eles: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação dos poderes, legalidade, direitos (individuais, políticos e sociais), desenvolvimento e justiça social. Pode-se afirmar que o Estado Democrático de Direito, por meio das leis e normas reguladoras, não só garante a busca, no mundo jurídico, do bem comum, como também orienta a Administração Pública para que esta possa concretizar o bem comum em questão. Contudo, as definições legais devem ser capazes de acompanhar a evolução do contexto no qual estão inseridas e a ele se adequarem.
Na sociedade contemporânea atual verifica-se a existência de inúmeros interesses individuais, os quais nem sempre são convergentes, pelo contrário, muitas vezes são diversos, discrepantes e, até mesmo, antagônicos. Logo, cabe ao Estado, como administrador da máquina pública, acolhê-los e processá-los, buscando, assim, prover as necessidades da sociedade conforme seus anseios. Certamente, um Estado Democrático de Direitos de caráter humanista e solidário não pode se ver limitado ao estrito cumprimento da lei sem se atentar para os reais anseios da sociedade. No contexto da sociedade moderna atual, em que as ideologias e os paradigmas multiplicam-se e, os interesses, não raro, se contrapõem, é, muitas vezes, inapropriada a consolidação de padrões e valores absolutos. Em assim sendo, torna-se inquestionável que o modelo ortodoxo burocrático não mais se mostra suficiente para buscar o bem comum. Nesse sentido, as definições legais apresentam-se, em situações excepcionais em que a decisão tida como eficiente não encontra-se prevista na norma, insuficientes para atendimento das demandas da sociedade. Desse modo, o modelo burocrático começa a se mostrar ineficiente para bem atender aos múltiplos interesses da sociedade pluralista. Dessa forma, surge a seguinte questão: o Estado, atuando em estrita observância aos ditames legais, pode abrir mão do interesse público? Até que ponto o excesso de legalismo ofende o princípio da indisponibilidade do interesse público?
O Estado não é titular do interesse público e, mesmo atuando segundo o dispositivo legal, não pode ir contra sua própria finalidade como administrador e representante da sociedade. Nesse sentido, deve-se almejar uma modernização da gestão pública que permita a implantação de estratégias que levem à maximização do atendimento ao bem comum, combatendo o chamado “legalismo estéril”.
Ademais, os avanços da sociedade moderna pluralista acarretaram novas demandas de distintos segmentos sociais. Desse modo, o regulamento, que antes era aplicado de forma genérica a todos os cidadãos, passou a ser insuficiente em situações excepcionais que não encontravam previsão no texto legal, uma vez que é evidente que os dispositivos normativos, manuais e regulamentos não conseguem prever todas as possíveis situações apresentadas ao agente no caso concreto, e nem assim poderia ser, devido às constantes contingências da realidade social.
Portanto, no caso concreto são apresentadas situações diversas das previstas em lei que exigem que sejam tomadas medidas divergentes das pré-estabelecidas pelas normas. Nesse contexto, a realidade moderna da sociedade, com múltiplos interesses e desigualdades, impõe a estruturação de um novo modelo de administração que atenda efetivamente os diversos interesses dos vários segmentos sociais.
Nesse sentido entende Batista Júnior:
“De fato o modelo burocrático mais ortodoxo foca suas preocupações nos aspectos “garantisticos” e, para tanto, centra suas atenções nos aspectos jurídico-formais. Entretanto, a realidade complexa da moderna sociedade pluralista desmontou a possibilidade de sucesso do imponente modelo puramente burocrático. A burocracia do Estado Providência, estruturada para uma atuação administrativa prestacional uniforme e impessoal, pensada nos moldes de uma “linha de produção”, segundo o modelo fordista de produção em massa, não se adapta sempre às exigências da moderna sociedade pluralista, de classes trabalhadoras diferenciadas em múltiplos estratos, com interesses, aspirações e modos de vida diferenciados”. (BATISTA júnior, 2012? , p. 2)
Conforme demonstra o autor, o excesso de formalismo e a rigidez legal do modelo burocrático engessam a atuação da Administração frente às situações excepcionais, advindas dos múltiplos interesses da sociedade, não previstas na norma. Desse modo, considerando as diversas demandas da sociedade plural, a atuação do agente público pautada apenas nos ditames da lei não se mostra adequada e suficiente a todos os casos apresentados. Torna-se necessário que haja certa margem de liberdade decisória para que a Administração Pública possa atuar em situações excepcionais em observância ao bem comum, situações em que o disposto nas leis e regulamentos não leva a decisões eficientes.
É indiscutível que o Direito Administrativo exige soluções isonômicas e, nesse sentido, o modelo burocrático em muito contribuiu, na medida em que se serviu como um parâmetro de atuação do agente frente à generalidade de situações rotineiras, além de ter servido como um escudo contra à corrupção e à imoralidade administrativa. Entretanto, mesmo propiciando inúmeras contribuições positivas, suas deficiências são inegáveis, uma vez que a Administração, sem a disponibilidade de mecanismos para atuar de modo diverso daquele disposto na lei, muitas vezes, toma decisões contrárias ao interesse público, seu desiderato fulcral.
Nesse sentido, deve-se almejar uma modernização da gestão pública que permita a implantação de estratégias que levem à maximização da busca do bem comum. Além disso, a desburocratização, a descentralização, o alargamento da cidadania, a democratização da Administração Pública e os constantes canais de participação popular também permitem uma adequação estatal mais otimizada na busca de seu fim último: o bem comum.
Portanto, a solução possível e adequada ao atendimento das demandas da sociedade moderna atual é a abertura de certa margem de discricionariedade decisória ao agente público, o que permite à Administração uma tomada de decisão mais eficiente em casos excepcionais que exigem diretrizes diferenciadas daquelas taxativamente previstas em lei. A possibilidade de tratamento diferenciado em situações especiais permite àqueles que estiverem em situações semelhantes tratamento similar, o que certamente coincide com a necessária isonomia na tomada de decisão. Segundo Batista Júnior (2012?), essa margem de discricionariedade será modelada com lastro em conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais que vinculam tendencialmente a Administração Pública. Esses conceitos possibilitam a abertura de certa margem de liberdade ao agente público, uma vez que não apresentam uma descrição rígida e fechada da atuação da Administração, e, em contrapartida, direcionam sua atuação em prol do interesse público, uma vez que encontra-se pautado pela busca do bem comum.
Nos dizeres de Bandeira de Mello:
“Os conceitos jurídicos indeterminados um núcleo significativo e certo e um halo circundante, uma auréola marginal, vaga ou imprecisa. Daí resulta que haverá sempre uma zona de certeza positiva, da qual ninguém duvidará do cabimento da aplicação do conceito, uma zona circundante, onde justamente proliferação incertezas que não podem ser eliminadas objetivamente, e, finalmente, uma zona de certeza negativa, onde será indisputavelmente seguro que descabe a aplicação do conceito”.
Cumpre destacar que o tratamento excepcional detalhado refere-se tão somente a situações excepcionais, não se trata de um abandono da legalidade em prol da eficiência administrativa. Ademais, ressalta-se que o princípio da legalidade não se opõe à ideia de maior discricionariedade conferida à Administração Pública, uma vez que as medidas tomadas de forma discricionária devem observância ao fim último da lei, o alcance do bem comum. Desse modo, a discricionariedade conferida não afronta os ditames legais, que, em última instância, também almejam o alcance do bem comum. Cabe ressaltar que a discricionariedade que é conferida à Administração não se refere à arbitrariedade pelo Poder Executivo, uma vez que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle. Portanto, mesmo em situações excepcionais não previstas na lei, o ato administrativo discricionário deve observância aos princípios básicos da atividade administrativa a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, CRFB/88).
Portanto, a abertura de certa margem de discricionariedade ao gestor público deve implicar, necessariamente, na criação de mecanismos de controle que, concomitantemente, verifiquem a correta aplicação da medida em atendimento ao interesse público e legitimem a decisão tomada. A “flexibilização responsável”, assim, exige a efetividade dos mecanismos de controle.
3. Participação procedimental
Conforme já relatado, o modelo burocrático ortodoxo não mais se mostra eficiente para atendimento das demandas da sociedade pluralista atual, sendo que o estrito legalismo leva, muitas vezes, a uma atuação do agente público pautada pelo rigoroso cumprimento das normas atuando, muitas vezes, de forma contrária ao interesse público.
É irrefutável que o instrumento legal funciona como mecanismo que orienta e estabelece os limites à atuação do agente público, combatendo práticas clientelistas e funcionando como instrumento e barreira contra a corrupção. Contudo, conforme já demonstrado, o instrumento legal não consegue esgotar todas as situações apresentadas no caso concreto e, desse modo, a aplicação massificada da lei pode levar ao não atendimento do interesse público. Nesse sentido, a abertura de certa margem de discricionariedade ao agente público o torna capaz de ponderar os interesses em conflito apresentados e, em conjunto com demais atores envolvidos e mediante participação popular, tomar uma decisão mais eficiente.
Entretanto, para além de toda essa concepção da chamada Administração Pública “ideal”, não devemos nos ater a conceitos utópicos. As propostas e novas ideias devem estar sempre acompanhadas de mecanismos que possibilitem sua execução prática. Desse modo, surge a seguinte questão: Como a abertura de certa margem de discricionariedade decisória poderá garantir o atendimento ao interesse público? Quais serão os instrumentos disponíveis ao agente público para que possa conhecer as demandas da sociedade?
Nesse sentido, é necessário estabelecer os procedimentos necessários para que a decisão da administração pública seja tomada de forma democrática, em observância aos princípios da moralidade e eficiência.
Pode-se dizer que o procedimento é, contemporaneamente, método para a “formação de uma decisão administrativa através de uma seqüência de atos teologicamente orientados, visando ao correto desempenho da Administração” (CARINGELLA apud NETTO, 2009, p53). Nessa medida, o procedimento funciona como importante meio que legitima a tomada de decisão dentro da margem de discricionariedade conferida ao gestor público, uma vez que o controle destes atos verificará o correto cumprimento dos procedimentos previstos em regulamento.
Portanto, tem-se que uma das principais funções do procedimento é preparar a decisão, e toda essa relação entre Administração e particulares no iter decisório favorecem o consenso da questão a ser decidida. A procedimentalização, desse modo, significa a submissão da atividade administrativa a parâmetros normativos vinculantes que guiam seu desenvolvimento, disciplinando a atuação dos agentes envolvidos, sem restringir a atuação da Administração que possui o poder discricionário quanto ao ato decisório final.
Nesse sentido dispõe Netto:
“A Administração burocrática, que se fechava ao público, é rompida com a procedimentalização e por meio da ideia de co-administração, o procedimento torna-se veículo de democratização e de inserção do cidadão no Estado”. (NETTO, 2009, p. 65).
Ademais, o Ministro do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, dispõe que:
“Ao criar normas adjetivas, procedimentais, é possível ao Estado legiferante abrir mão de regulação extensiva, valendo-se, portanto, dos conceitos jurídicos chamados “fluidos”, “imprecisos”
O procedimento torna possível a abertura de certa margem de discricionariedade à Administração, sem que esta abertura implique em total desordem e descontrole da máquina pública, uma vez que orienta os atos do agente na direção do correto desempenho da Administração. Ademais, cumpre ressaltar que o procedimento não só orienta e legitima a decisão tomada nas margens de liberdade conferidas ao agente público, como também possibilita maior democratização e ampliação da participação dos cidadãos no exercício do poder estatal. A procedimentalização e a participação dos cidadãos no processo decisório permite a apresentação de certa conflitualidade, oposição de interesses entre os atores envolvidos, anterior à tomada de decisão. Desse modo, no processo decisório o agente possui acesso a uma gama de informações e ponderações de diversos atores que serão analisadas. As decisões são tomadas no bojo do procedimento dos quais os particulares são chamados a participar, tendo a possibilidade de melhor conhecer as razões que levaram à medida tomada. Portanto, o procedimento, assim, configura-se como centro de convergência de interesses, uma vez que é nele que a informação deve ser recolhida para que se possa decidir. Esse processo culmina na chamada co-administração e a inserção do cidadão no Estado.
Cumpre ressaltar que a interlocução propiciada pelo procedimento, na busca cooperativa dos elementos necessários para que a Administração Pública tome a decisão adequada, permite revelar sua função de consenso e de pacificação social. Desse modo, verifica-se que o desenrolar procedimental participado favorece o consensualismo, a compreensão e o entendimento pelos particulares da decisão final.
Nesse sentido dispõe Netto:
“Admitindo que, em virtude da abertura cada vez maior das normas e da outorga de amplos poderes da Administração, a legalidade não é suficiente para garantir o interesse público e o respeito à dignidade da pessoa humana, é possível visualizar o procedimento como meio pelo qual a legalidade se concretiza com a possibilidade de controle paulatino e participação no desenrolar da atividade administrativa. O alargamento da atividade administrativa e a maior abertura normativa põem em destaque o processo de formação da vontade administrativa, aos poucos passando a exigir a procedimentalização do processo decisório” (NETTO, 2009, p.74).
Conforme detalhado pela autora, a procedimentalização da administração pública estabelece um importante mecanismo de participação dos interessados no iter decisório. O procedimento torna a atividade administrativa permeável à participação dos cidadãos, e, desse modo, possui dupla aplicabilidade uma vez que a Administração também requer essa participação para atingir suas funções. Ou seja, a participação permite aos cidadãos a defesa de seus direitos e interesses perante a Administração e fornece subsídio ao ente Estatal para a tomada de decisão de modo a efetivamente atender ao interesse público, propiciando a uma boa administração. O procedimento, assim, surge como meio de uniformização e orientação da atuação estatal diante dos múltiplos interesses sociais.
Desse modo, o indivíduo pode defender-se expondo à Administração seus interesses antes da decisão que possa afetá-lo. Trata-se da chamada participação co-constitutiva, onde o procedimento apresenta-se como instrumento e canal de comunicação entre a Administração e o Administrado. Nesse sentido, o particular dialoga com a Administração Pública e participa do processo de tomada de decisão, sendo o procedimento estrutura de relacionamento e matriz de interação entre Administração e particulares. Assim, o procedimento torna-se veículo de democratização e de inserção do cidadão nas atividades desempenhadas pelo Estado.
Seria a chamada estrutura integradora de interesses, no intuito de chegar a medida decisória. Desse modo, o particular passa a tornar-se parte da atuação administrativa e por meio da participação os interessados podem trazer contribuições diversas, novas informações e opiniões, tornando o processo mais democrático.
Na medida em que as decisões são tomadas no bojo do procedimento dos quais os particulares são chamados a participar, cresce a possibilidade das decisões serem mais aceitas e estarem em conformidade com o interesse público. Ademais, por meio da participação, o interessado vai se relacionado com a Administração e conhece os interesses e fatos envolvidos, e o peso decisão final é diluído ao longo do procedimento. Assim, a participação dos diversos agentes assume-se como legitimadora do processo de tomada de decisão e viabiliza a integração democrática dos espaços de discricionariedade com a intervenção destes.
Feitas essas observações, é evidente que o procedimento administrativo assegura maior eficácia às decisões administrativas. Em síntese, pode-se dizer que o procedimento estabelece a forma adequada aos interesses em jogo e o controle procedimental, por sua vez, verifica o cumprimento dos procedimentos conforme estabelecido.
Mas a participação procedimental não pode ser vista acriticamente, uma vez que apresenta diversos riscos. A participação procedimental pode gerar efeitos indesejados como: multiplicação de formas de participação, redução da eficiência em virtude do prolongamento do caminho da decisão, encarecimento do processo, excesso de informação prejudicial para a decisão e etc.
Destaca-se o risco evidenciado quando particulares, privilegiados pela detenção de meios econômicos, políticos e de informação, podem tornar a participação injusta e desigual, levando a decisões que privilegiam injustamente alguns interessados. Nesse sentido, opera-se o risco da captura que revela que a participação pode implicar fragilização do interesse público, pois atores poderosos podem influenciar o processo decisório, podendo resultar em um injustificado desfavorecimento do interesse público.
Ademais, cabe ressaltar que para o funcionamento de toda essa estrutura é imprescindível a participação popular. O particular, portanto, deve se envolver com a atividade Estatal. Nesse sentido, medidas de inclusão e conscientização do particular devem ser adotadas no intuito de trazer o cidadão para atividade administrativa e inserir nesse ator o compromisso de participação.
Outro risco demonstrado por Eberhard Schimidt-Assman trata da inviabilidade de desenvolvimento de todas as atividades administrativas mediante o consenso, em pé de igualdade com o particular. Segundo o autor, a Administração não pode deixar que a captura por tais interesses enfraqueça sua atuação. Desse modo, o procedimento deve ser estruturado em estrita observância do Principio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Ou seja, a despeito da abertura à participação popular, o Estado, como ente defensor dos interesses públicos, possui supremacia frente aos interesses do particular no que tange à medida tomada.
Portanto, a participação não pode ser um empecilho para a eficiência, uma vez que a própria Administração reclama pela participação, principalmente pelas informações que o particular pode deter para que não haja erro na decisão tomada. Entretanto, a excessiva participação pode transformar-se em um mecanismo que possa impedir até mesmo esse desenvolvimento, sendo utilizada para paralisar projetos a serem levados a cabo pela Administração. Desse modo, o procedimento deve prever mecanismos para seu bom funcionamento (definição de nº de participantes, formas de participação, entidades da sociedade civil organizada e etc.). Ou seja, esses efeitos adversos podem ser minimizados por meio de uma adequada disciplina procedimental, uma vez que a participação não pode levar a soluções materialmente contrárias ao interesse público. Portanto, é necessário o estabelecimento de limites materiais e formais à participação e, desse modo, mostra-se imprescindível estruturar a disciplina procedimental de modo a buscar a solução adequada para o problema.
Em suma, a despeito dos riscos demonstrados, ainda assim o procedimento e a participação são instrumentos úteis e necessários para a tomada de decisão adequada. Tem-se que a disciplina do correto procedimento administrativo voltado a equilibrar vários interesses apresenta-se como mecanismo apto a minimizar os riscos inerentes à participação procedimental.
4. A cultura do “não” e a participação procedimental
Conforme já relatado, no modelo burocrático ortodoxo, o administrador atua conforme estabelecido em lei, o que lhe deixa isento de responsabilidade pessoal pela decisão, uma vez que se esconde atrás dos dispositivos normativos que legitimam a decisão tomada conforme estabelecido. Nesse sentido, os órgãos de controle desenvolvidos sob a concepção do modelo burocrático limitam-se a verificar se há ou não o cumprimento do estabelecido nas normas e manuais, que estabelecem deveres e sanções pelo descumprimento de seus dispositivos aos administradores. Desse modo, caso verificado algum desvio quanto ao preestabelecido no instrumento legal, são aplicadas sanções ao agente “infrator”, independente deste ter buscado por meio de sua decisão a solução mais acertada. Assim sendo, tem-se uma atuação do servidor mais preocupada com o cumprimento das regras do que com a real eficiência da decisão frente à persecução do bem comum.
Nesse contexto, o servidor passa a atuar envolto na atmosfera do “medo” de descumprir os mandamentos legais devido ao receio da punição. Instaura-se, assim como colocado por Batista Júnior (2012), a cultura do “não”, em que o agente público, na dúvida, responde negativamente às demandas excepcionais não previstas nas normas, com receio de punições, caso infrinja algum dispositivo normativo. Assim, a atuação mediana e a aplicação do “não” protegem o servidor dos controles interno e externo. Contudo, implicam, também, em prestações ineficientes do serviço público. Desse modo, o modelo passa a privilegiar os servidores que não trazem problemas, aqueles cujo comportamento não foge do pré-estabelecido, aqueles que se mostram, portanto, incapazes de propor novas ideias que maximizem a busca pelo bem comum. Em síntese, a conduta premiada é aquela que cumpre estritamente o estabelecido nas leis.
Nesse sentido, o agente, dominado pelo “medo” do controle e punições, opta, muitas vezes, pelo comportamento reiterado do “não”. Assim sendo, em caso de dúvidas sobre como atuar, o agente público escolhe pelo não fazer, e, dessa forma, não se compromete com os resultados advindos da decisão. O receio do controle e o excesso de legalismo geram um comportamento do servidor que atua em estrito cumprimento ao estabelecido. O modelo estruturado dessa forma inibe atuações eficientes e criativas do servidor, que é impossibilitado de atuar de forma proativa por receio do controle e punições. Desse modo, o modelo adotado pela Administração Pública funciona como um fator asfixiante da proatividade e criatividade do servidor, que opta por adotar um padrão de comportamento mediano.
Nesse contexto, o servidor público não é incentivado a desenvolver sua criatividade e, conseqüentemente, oprimido pelo medo, opta por cumprir somente o previsto pelas normas. Desse modo, como já visto, o controle burocrático ortodoxo apresenta-se como um dos instrumentos causadores da ineficiência administrativa. Portanto, embora na generalidade dos casos o controle burocrático seja necessário, em situações excepcionais esse controle pode representar um mecanismo que inviabiliza a própria concepção de eficiência administrativa.
Conforme já relatado, tendo em vista as deficiências do modelo burocrático ortodoxo, e considerando as complexas necessidades da sociedade atual, tornou-se necessário o avanço e desenvolvimento de novos instrumentos capazes de propiciar uma Administração Pública eficiente, que busca alcançar o bem comum. Um dos instrumentos visto como possível melhoria nos níveis da eficiência pública é o aumento da liberdade decisória concedida ao agente público. Ou seja, o agente, diante do caso concreto não previsto na norma, tem a possibilidade de ponderar os interesses e verificar qual a solução “ótima” do ponto de vista da eficiência, visando atender o fim último da atuação Estatal: o bem comum. Ou seja, a abertura de certa margem de discricionariedade através da proliferação dos conceitos jurídicos indeterminados é um importante mecanismo que possibilita o atendimento dos interesses sociais e a tomada de decisão mais eficiente. Contudo, com a abertura desta margem de discricionariedade o agente não mais se esconde atrás das leis, ao cumpri-las de forma estrita, pelo contrário, a esse agente é conferido o poder de valoração e escolha diante do caso concreto, sempre com o intuito último de alcançar o bem comum.
Dado o contexto retratado de abertura da discricionariedade na atuação Administrativa, cresce a tendência para procedimentalizar as áreas de conduta da administração como mecanismo que orienta e legitima o ato administrativo, e torna-se inequívoca a necessidade de controlar e participar da atividade administrativa desde dentro. Ademais, com o advento do Estado Democrático de Direito as relações entre o Estado e a sociedade se intensificaram, formando laços de dependência recíprocos e pouco a pouco o procedimento foi se firmando como antecedente das decisões administrativas. Desse modo, através do procedimento a legalidade se concretiza dentro das margens de discricionariedade conferida ao processo de tomada de decisão administrativa.
O aumento da discricionariedade conferida à Administração Pública deve, necessariamente, estar acompanhada de novos mecanismos de controle da atuação Estatal. Nesse sentido, o controle dos procedimentos adotados seria medida que torna possível a chamada “flexibilização responsável”. Nesse sentido, o controle dos procedimentos administrativos, ao longo do processo da tomada de decisão, funciona como mecanismo que respalda e torna legitima a atuação do agente público e confere a este maior segurança para atuar diante do caso concreto. Cabe ressaltar, ainda, que sobre as medidas tomadas pelo administrador público incidirá o chamado o controle de resultados. O controle de resultados avaliará a medida tomada e verificará se esta alcançou o objetivo almejado, qual seja: o interesse público. Nessa medida, tem-se que a discricionariedade conferida ao agente deverá, necessariamente, estar acompanhada dos mecanismos de controle supracitados a fim de verificar se a medida tomada foi pautada pelo alcance do bem comum.
Por sua vez, o agente, ao atuar dentro da margem de discricionariedade, possui maior responsabilidade pelas medidas por ele tomadas. Nesse sentido, a decisão tomada de forma colegiada, por órgãos de deliberação compartilhada, com participação de diversos agentes administrativos e com as contribuições de particulares através do procedimento administrativo, representa um mecanismo de obtenção de resultados que traduzem em benefícios efetivos à população.
A tomada de decisão por instâncias de deliberação coletiva aliada ao controle procedimental representa avanços democráticos e ganhos de eficiência, uma vez que a decisão consensual com a participação e contribuição de vários atores torna-os corresponsáveis pela medida tomada. A Administração em rede e a gestão compartilhada, em que são vários os atores que participam e contribuem com experiências e conhecimentos diversos, representa um mecanismo de intercâmbio de informações, que propicia a tomada de decisão consciente e consensual. Dessa forma, as instâncias de deliberação coletiva funcionam como órgãos de concentração de informações em que devem ser ponderados e valorados os dados apresentados pelos diversos atores, visando, na medida possível, a tomada de decisão acordada (consensual) com os demais envolvidos. Assim, a criação de instâncias de deliberação coletiva atua duplamente em prol da eficiência administrativa, na medida em que reduz a atmosfera de medo, legitima a tomada de decisão e cria canais de participação popular.
Desse modo, a gestão compartilhada, além de permitir troca de experiências e contribuições de diversos setores atuantes no processo, afasta o agente do comportamento resignado pelo medo, tornando toda a sua atuação mais eficiente, o que, consequentemente, gera inúmeros benefícios para a população. Essa gestão, aplicada em situações excepcionais, em que não há previsão legal, seria um dos grandes avanços do novo modelo de gestão administrativa.
Desse modo, a atuação do órgão de deliberação coletiva será procedimentalizada (forma de organização, número de participantes, forma de participação popular, entidades da sociedade civil organizada e etc.), sendo discricionário tão somente o teor do ato decisório. Entretanto, cumpre ressaltar que este ato decisório não está isento da atuação do controle, uma vez que está sujeito ao controle procedimental e controle de resultados posterior, que verificará se a valoração feita pelos agentes corresponsáveis encontra-se em consonância ao bem comum almejado pela sociedade.
A decisão tomada de forma colegiada, com participação de atores diferentes e experiências variadas, dilui a responsabilidade entre os participantes frente à medida tomada, o que, certamente, não significa dizer que elimina a responsabilidade. O agente, respaldado pelo controle procedimental, e, considerando que a decisão foi tomada em grupo com a participação e corresponsabilização dos demais, sente-se mais seguro para ter um comportamento atuante, proativo, preocupado em gerar efetivos resultados sociais. Liberto da cultura do “não” e respaldado pelos demais atores que compõem o grupo, o agente não tem receio de ouvir o cidadão e atender suas demandas, conforme aprovado pela instância colegiada. O agente sente-se seguro e, em grupo, cria canais de comunicação entre o órgão de deliberação coletiva e a população, propiciando, assim, uma gestão efetivamente participativa.
Como já dito, a procedimentalização da atividade desempenhada pela Administração Pública estabelece parâmetros normativos que vinculam a atuação do agente público e funcionam como mecanismo orientador prévio das decisões administrativas. Desse modo, a instituição de um controle pautado nos procedimentos administrativos e nos resultados apresenta-se como a solução viável encontrada para os riscos de insegurança jurídica e quebra da probidade administrativa gerados pela abertura da discricionariedade. Ademais, a possibilidade de realização do controle procedimental nas decisões tomadas favorece a atuação administrativa ativa e possibilita a tomada de decisão eficiente, uma vez que o agente sente-se respaldado pelo ente controlador, que, dessa forma, verifica o correto cumprimento do procedimento e não se limita a punir as minúcias da lei. O controle dos procedimentos, adotado ao longo desse processo, é condição necessária para a flexibilização consciente e responsável da margem de discricionariedade do agente público. A realização do controle nos procedimentos possibilita ao agente “tranqüilidade” para atuar, o que, conseqüentemente, incentiva uma atuação mais eficiente da Administração. Portanto, o agente precisa estar seguro e respaldado pelo próprio ordenamento para que possa tomar uma decisão desprovida do medo, baseada, apenas, na busca pelo interesse público.
5. Conclusão
Todos os fatos descritos demonstram o quão ultrapassado encontra-se o modelo da administração pública burocrático e como são graves as implicações dele decorrentes, dentre elas o não atendimento maximizado do interesse público. Nesse sentido, é inadiável a adoção de um novo modelo que realmente se adeque à realidade da sociedade contemporânea. A máquina pública burocratizada encontra-se em declínio, e a estrutura do Estado deve moldar-se para bem acompanhar as evoluções sociais.
Ademais, a ineficiência estatal implica no não atendimento do bem comum, o que gera, por conseguinte, insatisfação social, e, em última instância, a desordem da própria sociedade. Dessa forma, é necessário modernizar, incrementar e implantar melhorias na Administração Pública, para que, assim, possa efetivamente representar os anseios sociais.
Nesse sentido, o modelo de administração e gestão colegiada proposto desenvolve um novo arranjo institucional, baseado em mecanismos de governança em rede, participação democrática e gestão integrada de ações e informações, por meio da articulação dos diversos atores envolvidos, do controle procedimental, do compartilhamento de informações e do envolvimento da sociedade. Nesse novo paradigma, a sociedade, além de participar direta e/ou indiretamente, das resoluções do Estado, exerce considerável controle sobre as atividades estatais, orientadas, sempre, para o alcance do bem comum.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. Pós-graduação em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica PUC/MG em curso. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Atualmente ocupa este cargo na Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo do Estado de Minas Gerais
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Administrativo e Direito de Família. Advogada civilista
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…