Raras vezes uma constituição consegue produzir tão
significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como o
fez a Constituição Brasileira de 1988. Certamente não se consegue elencar a série de modificações produzidas, mas algumas por
terem realce maior despontam com exuberância. A supremacia da dignidade da
pessoa humana, lastreada no princípio da igualdade e da liberdade, é o grande
artífice do novo Estado Democrático de Direito, que foi implantado no país.
Houve o resgate do ser humano como sujeito de direito e se lhe assegurou de
forma ampliada a consciência da cidadania.
A constitucionalização das relações familiares –
outro vértice da nova ordem jurídica – também acabou ocasionando mudanças na
própria estrutura da sociedade. Mudou significativamente o conceito de família,
afastando injustificáveis diferenciações e discriminações, que não mais se
justificavam em uma sociedade que se quer democrática, moderna e livre. O
alargamento conceitual das relações interpessoais
acabou deitando reflexos na própria conformação da família, palavra que não
mais pode ser utilizada no singular. A mudança da sociedade e a evolução dos
costumes levaram a uma a verdadeira reconfiguração,
quer da conjugalidade, quer da parentalidade.
Assim, expressões, como “ilegítima”, “espúria”, “adulterina”, “informal”,
“impura”, estão banidas do vocabulário jurídico. Não podem ser utilizadas na
esfera da juridicidade, tanto com referência às relações afetivas, como no
tocante aos vínculos de parentesco. Quer o conceito de família, quer o
reconhecimento dos filhos, não mais admitem qualquer adjetivação.
Do conceito unívoco de família do início do século
passado, que a identificava exclusivamente pela existência do casamento, chegou-se às mais diversas estruturas relacionais, o que
levou ao surgimento de novas expressões, como “entidade familiar”, “união
estável”, “família monoparental”, “desbioligização”, “reprodução assistida”, “concepção
homóloga”, “heteróloga”, “homoafetividade”,
“filiação socioafetiva”, etc. Tais vocábulos buscam
adequar a linguagem às mudanças nas conformações sociais, que decorreram da
evolução da sociedade e da redefinição do conceito de moralidade, bem como dos
avanços da engenharia genética. Essas alterações acabaram por redefinir a
família, que passou a ter um espectro multifacetário.
Agora o que identifica a família não é nem a
celebração do casamento, nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de
caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da
juridicidade, é a identificação de um vínculo afetivo, a unir as pessoas,
gerando comprometimento mútuo, solidariedade, identidade de projetos de vida e propósitos comuns.
Enfim, a busca da felicidade, a supremacia do amor,
a vitória da solidariedade ensejaram o reconhecimento do afeto como único modo
eficaz de definição da família e de preservação da vida. Este certamente é, dos novos vértices sociais, o mais inovador dentre
quantos a Constituição Federal abrigou.
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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