Ao comemorar-se mais uma data festiva de aniversário da Lei da Arbitragem, imperiosa se faz a necessidade de uma reflexão sobre o profissional do Direito e a sua profissão frente às mudanças trazidas nesta nova maneira de operação do direito e da justiça.
O advogado, assim como profissionais em geral, tem sentido os efeitos das mudanças que têm se delineado rapidamente, especialmente nas relações de comércio (nacional, internacional, comércio eletrônico), interpessoais (profissional x cliente, cliente x cliente, business x business, business x consumer), exigindo dos mesmos uma necessária mudança de paradigmas e de atitudes suficientes para integrarem-se e amoldarem-se às novas tendências.
As metamorfoses estruturais vicejantes nos impõe condutas que, independente da nossa vontade, ou se temos ou não simpatia pelas mesmas, têm criado, transformado e extinto padrões que até então nos eram apresentados como o que tínhamos de melhor, pois que se adaptavam às nossas necessidades e, portanto, eram suficientes para as nossas pretensões.
Profissões seculares têm sido sepultadas sem remorso, tudo em nome da modernidade e do processo evolutivo, restando apenas o saudosismo daqueles que conviveram com tais ofícios mas que inevitavelmente acabam se conformando com as inovações necessárias e impositivas dos novos tempos.
Nós, causídicos, quando nos arregimentamos a um banco escolar objetivando a sermos instruídos para a nobre profissão de advogado, nos deparamos, durante todo o tempo de preparo, a conhecer e a manejar bem a palavra extraída dos códigos, transformando os ensinamentos, tanto na redação dos nossos postulados, quanto no uso do verbo, como em potentes armas de guerra, capazes de destruir o inimigo que ousou nos enfrentar, buscando, assim, aniquilar impiedosamente as pretensões do litigante inimigo, numa verdadeira batalha em que a palavra de ordem é chegar soberanamente à vitória final, transformando-nos em habilidosos heróis que usaram com destreza as armas de combate preparadas durante longos anos na academia universitária.
Aprendemos que nosso lugar no campo de batalha jurídico é sempre o lado oposto ao do nosso inimigo e que devemos combatê-lo com todas as nossas forças, não dando trégua em nenhum momento para não vacilar e sucumbir diante da reação iminente de nosso também valente opositor.
Não há de se culpar nossos colegas advogados pelo espírito de enfrentamento adquirido na faculdade, pois que a tônica do nosso trabalho é de combater o bom combate da justiça, procurando eticamente restabelecer direitos que tenham sido lesados ou ameaçados, cumprindo assim o dever de fazer o melhor pelos supostos direitos de nosso cliente. Porém, para desencadear-se a luta pela justiça, não necessariamente precisamos estar em lados opostos o tempo todo, apesar do nosso conceito até então vigente de um combate baseado em uma permissiva estrutura exageradamente legalista e formal, com fórmulas e ritos processuais que se desdobram num intrincado detalhismo enervante, razão por que julgamos estar bem protegidos e entrincheirados dentro de um sistema que achamos, se bem manuseado, acabará nos contemplando com os louros da vitória.
Este procedimento conflituoso e adversarial instalado na esfera judicial, justifica-se pelas próprias regras do confronto, que ao invés de procurar convergir para um possível acordo e disponibilizar tempo nesta tentativa, fomenta ainda mais a disputa jurídica com um emaranhado de normas processuais, cuja conseqüência extrapola até mesmo o campo do embate legal, desencadeando, não raras vezes, uma implacável animosidade entre os litigantes.
O mundo em acelerada transformação nos desafia a repensar nossos conceitos e métodos de atuação para avaliarmos opções alternativas compatíveis com os novos tempos. Reavaliemos então as mudanças significativas que têm ocorrido no mundo jurídico, onde o advogado é parte fundamental neste contexto.
Até há pouco, ao se pensar em uma forma de se dirimir um conflito de interesses, o único caminho a ser percorrido era a via judicial, então detentora do monopólio na arte de dizer o direito. Isto significava dizer que obrigatoriamente se aderia a um sistema legal engessado e inflexível, empunhando-se assim armas previamente escolhidas visando a uma batalha jurídica complicada, onde pode até se prever o momento inicial de ataque, porém o término desta guerra é imprevisível, não se tendo a mínima perspectiva de quando a mesma será findada.
Soluções têm se tentado na esfera judicial, com incisivos alardes no tocante à reforma que se está querendo implantar, porém não passam de expectativas e modificações meramente paliativas, pois que ainda estarão longe de sistematizarem ações no sentido de agilizarem a contento a prestação jurisdicional. Tais alterações servirão apenas para se suprimir esta ou aquela instância recursal ou mesmo tornar menos moroso determinado momento processual, porém objetivamente, ainda ficará muito aquém do ideal a que tem por proposta.
Neste contexto de contundentes mudanças nas relações interpessoais, internas e além-fronteiras, visando até mesmo à queda dos muros da então intocável soberania territorial, temos que nos adaptar às inovações e soluções que têm contemplado todos os campos de ação onde, necessariamente, o Judiciário é parte integrante. Dessa forma, cientes do momento tormentoso com que se tem deparado o poder julgador e da falta de criatividade em se dar uma resposta eficaz às pretensões dos jurisdicionados a curto ou médio prazo, via poder Estatal, em razão da descrença na jurisdição clássica e seus métodos superados, o legislador foi extremamente feliz ao pronunciar-se favoravelmente à criação de uma lei que deu nova roupagem à então legislação existente dos institutos milenares da Mediação e Arbitragem. Assim, promulgada em 23.09.96, a Lei 9307 denominada de Lei da Arbitragem, tem encontrado entusiastas, simpatizantes e alguns adversários, que certamente o são por desconhecimento da nova lei e seus inúmeros benefícios, e outros ainda por medo de se defrontarem com este novo e eficiente paradigma que, juntamente com a Conciliação e a Mediação, ressurgem como novas e adequadas formas alternativas de resolução de litígios, pois que não mais se concebe métodos obsoletos, inflexíveis, injustos e demorados na prestação jurisdicional, onde a máxima vigorante é de que a justiça que tarda não passa de uma injustiça.
Assim, levantado das cinzas e de forma triunfal, em consonância com as legislações mais modernas a respeito do assunto, os novos métodos de resolução de litígios, resgatam ao cidadão o poder de condução do seu próprio destino, pela liberdade de opção, dentro do seu pleno e livre exercício da vontade, de procedimentos adequados aos novos tempos, eficientes, menos formais, menos onerosos, sigilosos, céleres e altamente técnico e especializado, onde a decisão será proferida por profissionais com profundo conhecimento na matéria objeto do litígio.
Tais procedimentos, desvinculados do Poder Estatal, têm total caráter de autonomia, não necessitando de qualquer ingerência do Estado, a não ser quando extremamente necessária, sendo que das decisões proferidas por Arbitragem, não cabe qualquer recurso para rever a matéria objeto do litígio e não necessita mais da chancela do judiciário para gerar os legais efeitos originados na Sentença Arbitral, conforme preconiza o artigo 18 da Lei 9307.
A tônica de um processo através da Mediação ou da Arbitragem é a de propiciar e dar liberdade às partes em conflito, desde a opção pelos institutos, na elaboração das regras a serem utilizadas no procedimento, na determinação do prazo para a prolatação da sentença e de nomearem árbitros da sua confiança ou até mesmo elegerem algum órgão especializado em Mediação e Arbitragem, onde o procedimento regular-se-á pelas regras da entidade nomeada.
Dentro deste espírito permissivo da nova lei, uma questão importante e fundamental trouxe um certo desconforto à classe dos advogados: a possibilidade de também serem nomeados como árbitros ou mediadores, profissionais outros que não somente os nobres causídicos e também a possibilidade das partes comparecerem nas audiências sem o acompanhamento de um profissional do direito, podendo postular em causa própria ou nomearem outros para representá-los ou assisti-los no procedimento escolhido.
Perdoem-me os nobres colegas advogados, mas o legislador foi sábio quando determinou-se por abrir o caminho para que outros profissionais também pudessem desenvolver a arte de dizer o direito, pois que se assim não fosse, pouca inovação haveria em tais procedimentos privados, uma vez que o juiz estatal, via de regra, é profundo conhecedor das leis, porém, quando necessita de um parecer mais técnico de uma matéria que foge ao seu conhecimento, socorre-se de um perito, um autêntico especialista naquele caso em julgamento e, apesar de não estar condicionado a julgar pelo laudo apresentado, geralmente o chancela, pois que tal pronunciamento geralmente tem um papel fundamental no livre convencimento do nobre magistrado quando proferir seu julgado.
Assim, em um procedimento por Mediação ou Arbitragem, a regra é que sejam nomeados especialistas naquela matéria objeto do litígio, sejam estas questões jurídicas ou técnicas, legando ao profissional contratado a condução do processo dentro de técnicas específicas para cada procedimento, podendo, ao final, quando o caminho escolhido foi o arbitral, proferir Sentença com base no seu conhecimento específico sobre a matéria, sem descuidar-se, todavia, das provas trazidas aos autos as quais deverão servir de base para sua convicção e decisão, agindo, desta forma, na condição de perito-árbitro.
Quanto à capacidade postulatória e à possibilidade de prescindir de um estudioso da lei na defesa da parte via juízo arbitral, o legislador não tinha em mente dispensar os relevantes e necessários serviços prestados pelo advogado na administração da justiça e sim, dentro do sentido de liberdade que caracteriza tais institutos, incoerente seria impor às partes a presença obrigatória do profissional do direito, já que tais sistemas privados têm como pedra angular privilegiar a mais ampla e plena vontade das partes na opção e administração do procedimento que conduzirá o processo na definição da controvérsia havida sobre os bens denominados disponíveis e que façam parte do seu patrimônio.
A experiência internacional tem provado e comprovado que, inobstante a faculdade da nomeação ou não de advogados na defesa dos direitos dos litigantes que se definirem pelo procedimento via arbitral, e tal tendência está contido na maioria das legislações arbitrais que há dezenas de anos tem sido usado no mundo inteiro, a presença de um advogado em um procedimento de Arbitragem e até mesmo de Mediação tem uma importância fundamental, pois que é o profissional adequado e perfeitamente familiarizado com a ditames jurídicos indispensáveis ao sucesso na pretensão de levar a bom termo o litígio e estarem sempre atentos à particularidade jurídica formal e material de cada caso levado ao conhecimento do juízo arbitral. Outro fator fundamental, de extrema importância e determinante da necessidade do advogado no processo de arbitragem, diz respeito a impossibilidade de se recorrer da decisão proferida neste juízo privado. Ora, temerosa será a dispensa de um profissional do direito na administração da causa, sabendo-se de antemão que um procedimento por arbitragem desenvolve-se em uma única instância e que devem as partes acautelarem-se com todos os cuidados necessários, para bem instruírem o processo com todos os elementos indispensáveis às suas pretensões, uma vez que a decisão é única e não mais poderá ser modificada, a não ser pelo desrespeito a regras formais indispensáveis à validade do processo submetido ao juízo arbitral.
Cientes da importância da presença do profissional do Direito na defesa do seu constituinte, as entidades especializadas em Mediação e Arbitragem são unânimes em seus regulamentos, em darem substancial destaque ao recomendar que o advogado deve ser presença fundamental e indispensável na condução do procedimento privado escolhido pelas partes em conflito. Esta é uma preocupação saudável para a classe quando se pronuncia sobre a indispensabilidade de um defensor habilitado na administração da justiça, buscando-se ela na via estatal ou privada.
Procurando dissipar ainda mais o temor dos nobres advogados com relação às novas tendências de solução de conflitos, podemos elencar inúmeras vantagens na utilização de tais institutos, especialmente no tocante à atividade deste nesse novo e promissor mercado, pois além da atuação como defensor das partes em litígio, os mesmos poderão, em processos outros, serem nomeados como mediadores ou árbitros, criando-se, assim, uma nova oportunidade de trabalho e ampliando ainda mais a sua possibilidade profissional. Outro fator que interessa diretamente é o fato de que os honorários advocatícios serão auferidos rapidamente em razão da característica da celeridade na solução de um processo via juízo arbitral, pois no máximo em 180 dias a demanda é resolvida, além de serem contemplados com honorários arbitrais quando nomeados para a função de mediar ou arbitrar algum conflito.
A ordem mundial está em franca ebulição e é imperioso acompanhar a tendência desse processo evolutivo, pois que tais transformações nos impõem também novas exigências e o novo mercado tende a ser cruel e seletivo, deixando de lado aqueles que, apesar dos reclames da modernidade, insistem em manter um espírito de indiferença, acomodação e indolência, sentimentos execráveis na concepção dos novos tempos.
O certo é que os fatos e as relações sociais mudam e devem ser revistos, não como uma imposição maléfica, mas como novas e promissoras oportunidades, adaptando-nos a padrões até então desconhecidos e que podem nos surpreender se bem explorados. A nossa natural e humana propensão é de nos sentirmos incomodados ante a qualquer mudanças em nosso status quo, e a tendência, na maioria das vezes por medo ou desconhecimento, é de repelirmos e contestarmos esses fantasmas que supomos nos ameaçar, antes mesmos de nos dedicarmos a conhecer as suas verdadeiras razões.
A transformação necessária por que passa o Poder Judiciário, em hipótese alguma deve ser negligenciada pelos ilustres advogados, pois há uma explícita e clara mudança de paradigma no cenário jurídico, especialmente na nobre função de dizer o direito, objetivando sempre atingir-se um conceito de justiça em seu mais alto grau, independente do caminho a ser percorrido para tanto, pois sendo pública ou privada a forma utilizada para se chegar a ela, o importante é que seja devolvida ao cidadão, com competência, celeridade e de forma satisfatória, a virtude de se dar a cada um aquilo que é seu.
Administrar, cada um a seu modo, o propósito de resgate da dignidade ao jurisdicionado, tanto o poder público como, agora, o poder privado, legalmente constituído, através do juízo arbitral, devem priorizar o objetivo comum a que tem por proposta, mantendo-se conscientes sempre de que não há qualquer rivalidade ou concorrência no trabalho que cada um desenvolverá na busca da justiça, pois que esta não aceita adjetivos, ela é una, diferenciando-se apenas a maneira como será atingida, seja através do juiz ou do árbitro. O que porém diferenciará os novos institutos é a total mudança de procedimento que as regerá, pois enquanto na via estatal o embate jurídico e o tão conhecido excesso de formalismo, culminado inevitavelmente com o atraso na prestação jurisdicional, continuará regulando este intrincado mecanismo de solução de conflitos, nestes novos sistemas da Conciliação, da Mediação e da Arbitragem priorizar-se-á a prática determinante de procedimentos que terão, além da fundamental celeridade, o aspecto da união de esforços, tanto pelas partes quanto por seus defensores, na busca de uma solução extremamente mais harmônica, conciliadora, amigável e perfeitamente possível, desenvolvendo-se um trabalho, todo o tempo, com honestidade e boa-fé, conscientes de que a priorização do diálogo deve ser a tônica do procedimento onde, ao final, certamente haverão benefícios mútuos, em função do resultado favorável à parte, tanto na supressão de gastos desnecessários quando da submissão a um procedimento judicial que certamente demoraria anos para que fosse resolvido, mantendo assim, na maioria das vezes um mínimo desgaste possível na relação entre os litigantes ou ainda harmonizando uma relação interpessoal que já existia conflituosa, especialmente nos processos submetidos à Mediação.
O aspecto harmônico que caracteriza os institutos é fruto que se abstrai do próprio espírito a que tem por proposta a nova Lei da Arbitragem, priorizando o aspecto do pleno e livre exercício da vontade das partes na escolha por estes novos e adequados sistemas de resolução de litígios, podendo escolher ainda um ou mais árbitros da sua confiança, além de terem a garantia de rapidez, informalidade, baixo custo, segurança de sigilo, menos desgaste psicológico, aceitando em submeter-se a uma sentença final irrecorrível, proferida por árbitros especialistas na matéria objeto da controvérsia. Estas diferenciadas características que tão bem definem estes institutos, por si só despertarão uma nova reflexão, especialmente ao Advogado, pois que inauguram uma nova forma de se chegar à justiça em seu conceito mais nobre, onde somente poderá ser atingida quando for buscada numa recomendável união de esforços em torno de uma solução menos conflituosa possível e onde o advogado, tão bem instruído a guerrear em favor de seu constituinte, conscientemente deverá repensar a sua forma de oposição, em muitas vezes até hostil, contra a parte contrária, adentrando em um novo e promissor campo, procurando desenvolver seu trabalho com uma tendência mais harmônica e pacífica e desenvolver sua labuta defensiva dentro de um espírito necessariamente desarmado, ciente de que tais atitudes reverterão em favor destes tão festejados sistemas de solução de controvérsias que, a curto ou médio prazo, temos a mais absoluta certeza e segurança, serão os novos, necessários e promissores paradigmas na tão nobre arte de solucionar conflitos e que trarão incontáveis benefícios à tanto desejados por quem anseia por um pouco mais de justiça e paz.
Advogado e Diretor da Mediar – Mediadores e Arbitros Associados Ltda
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