O alcance da legítima defesa no âmbito da invasão domiciliar

Resumo. O presente trabalho tem como objetivo analisar a excludente de ilicitude, legítima defesa, abordando principalmente a posição legislativa atual quanto à invasão domiciliar, expondo aspectos gerais e específicos. Para tanto, discorre sobre a interpretação e o posicionamento do ordenamento jurídico acerca do tema. Busca-se expor de maneira simples e objetiva as colocações doutrinárias, convergências e divergências acerca das especificidades, abordando os pontos considerados principais.

 Palavras-Chaves: Exclusão de ilicitude. Legítima defesa. Agressão atual e injusta. Invasão domiciliar. Inviolabilidade do domicílio.

Abstract. The present work aims to analyze the exclusion of illegality, legitimate defense, addressing mainly the current legislative position regarding the home invasion. Exposing general and specific aspects. To do so, it discusses the interpretation and positioning of the legal system on the subject. It seeks to expose in a simple and objective way the doctrinal positions, convergences and divergences about the specifics, addressing the points considered main.

Keywords: Exclusion of unlawfulness. Legitimate defense. Current and unjust aggression. Domestic invasion. Inviolability of domicile.

Sumário: Considerações iniciais. Desenvolvimento. 1. Generalidades acerca da legítima defesa. 1.1. Conceito. 1.2. Natureza jurídica. 2. Requisitos para a legítima defesa. 2.1. Injusta agressão. 2.2. Agressão atual ou iminente. 2.3. Defesa de direitos próprios ou de terceiros. 2.4. Utilização moderada dos meios necessários. 2.5. Elementos subjetivos. 3. Tipos de legítima defesa. 3.1. Legítima defesa real. 3.2. Legítima defesa putativa. 3.3. Legítima defesa sucessiva. 4. Excessos na legítima defesa. 5. Invasão domiciliar. 5.1. Definição de domicílio para efeito penal. 5.2. Garantia constitucional acerca da inviolabilidade do domicílio. 5.3. Normas infraconstitucionais de proteção do domicílio. 5.3.1. Artigo 150 do Código Penal Decreto-Lei n 2.848/40. 5.3.2. Artigo 226 do Código Penal Militar Decreto-Lei n 1.001/69. 6 Ofendículos. 6.1. Ofendículos como meio de proteção contra a invasão domiciliar. 7. Legítima defesa na invasão domiciliar. 8. Projeto de Lei 7104/14. Considerações finais. Referências.

Considerações iniciais

O Direito Penal ciente da impossibilidade estatal (garantidor da segurança pública) de estar em todos os locais, garante, ao mesmo tempo, ao indivíduo algumas medidas que é possível tomar quando estiver em condições que necessitam do amparo e está impossibilitado de recorrer ao estado. Nesses casos o nosso Código Penal garante que o próprio indivíduo possa realizar sua própria segurança por intermédio das denominadas excludentes de ilicitude.

O artigo 23 do Código Penal diz que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Neste artigo iremos nos conter apenas a legítima defesa, sendo tratada de modo mais específico por nosso legislador no art. 25 do mesmo código, no qual para entender-se em legítima defesa o agente deve usar moderadamente os meios necessários para repelir injusta agressão, sendo-a atual ou iminente a direito seu ou de outrem.

Diante desta excludente, que é inerente à condição humana, surge a indagação: será que o indivíduo que repulsa uma invasão domiciliar está amparado pela legítima defesa? Haja vista que a nossa constituição assegura no seu inciso XI do Art. 5º a inviolabilidade domiciliar, sendo tratado pelo código penal em seu art. 150.

Desenvolvimento

1. Generalidades acerca da legítima defesa

1.1 Conceito

Segundo Cleber Masson (2012, p.399), “o instituto da legítima defesa é inerente à condição humana. Acompanha o homem desde o seu nascimento, subsistindo durante toda a sua vida, por lhe ser natural o comportamento de defesa quando injustamente agredido por outra pessoa.” (grifo nosso)

É a consciência do estado diante de sua falta de onipotência e impossibilidade de estar em todos os locais em todas as horas, com isso ele permite que o indivíduo, excepcionalmente, na legítima defesa repila agressão injusta causada por um terceiro a direito seu ou alheio. Qualquer bem jurídico pode ser defendido pela legítima defesa, exceto os bens jurídicos comunitários. Contudo, afirma Greco (2013, p.335): “Tal permissão não é ilimitada encontrando na própria lei penal suas regras. Não podendo jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente esteja em uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente pela nossa segurança, e só assim pode agir em sua defesa ou de terceiros.”

O nosso Código Penal em seu art.25 prevê: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. ”

De acordo Fernando Capez (2008, p.281):

 “A legitima defesa é causa de exclusão de ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa.”

1.2 Natureza Jurídica

Adotando a Teoria Bipartida, o crime é fato típico e antijurídico; nos casos de excludente de ilicitude, o fato típico é existente, mas a antijuridicidade é que é excluída, eliminando o crime. A Legítima defesa tem a natureza jurídica de causa de exclusão de ilicitude.

Conforme o autor Cleber Masson (2015, p.413), “Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelado. ”

O nosso código penal de 1940 em seu Art. 23 traz o seguinte texto: “Não há crime quando o agente pratica o fato:

“I- em estado de necessidade;

II- em legítima defesa;

III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

2 Requisitos para a Legítima Defesa

Os requisitos vêm a ser o que é necessário para que ocorra a legítima defesa, são eles:

“I-  Injusta agressão;

II- Agressão atual ou Iminente;

III- Defesa de direitos próprios ou de terceiros;

IV- Utilização moderada dos meios necessários;

V- Elemento Subjetivo.”

2.1 Injusta agressão

Luiz Regis Prado (2008, p.350) define agressão como: “Toda ação dirigida à produção de um resultado lesivo a um bem jurídico, violenta ou não. A mera omissão não dá lugar a uma agressão, pois carece de causalidade e voluntariedade de realização.”

Com isso, temos como agressão injusta toda ação ilícita com intuito lesivo realizado por um indivíduo contra bem jurídico de terceiro. Daí, sendo impossível pensar-se em legítima defesa contra-ataques de animais, pois somente o ser humano pode praticar uma agressão, salvo se o animal for utilizado como instrumento do crime, na qual são ordenados por alguém para atacar determinada pessoa.

Masson (2012, p.402) traz a definição como: “Agressão injusta é a de natureza ilícita, isto é, contrária ao Direito. Pode ser dolosa ou culposa. É obtida com uma análise, consentindo na mera contradição com o ordenamento Jurídico.”

A agressão para ser injusta não tem que ser obrigatoriamente infração penal, um exemplo muito utilizado doutrinariamente é o furto de uso embora não sendo crime, dá ensejo a legítima defesa, tendo em vista que goza status de agressão injusta.

Também não podemos confundir agressão injusta e provocação injusta. O exímio doutrinador Rogério Greco (2013, p.339) diz o seguinte: “(…)se considerarmos o fato como agressão injusta caberá a arguição da legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal por aquele que se defende nessa condição; caso contrário, se o entendermos como uma simples provocação injusta, contra ela não poderá ser alegada a excludente em benefício do agente, e terá ele de responder penalmente pela sua conduta. ”

2.2 Agressão atual ou iminente

A agressão injusta deve ser atual ou iminente.

Masson (2012, p.402) traz uma definição muito exemplificativa no qual “atual é a agressão presente, isto é, já se iniciou e ainda não se encerrou a lesão ao bem jurídico. Enquanto iminente diz ser a agressão prestes acontecer, ou seja, aquele que se torna atual em um futuro imediato.” (grifo nosso)

A atualidade ou a iminência exclui a agressão futura e a passada da legítima defesa, sendo esta caracterizada como vingança privada, que é rechaçada pelo Direito, tendo em vista que a agressão já passou e não houve legítima defesa, então o que teve seu bem jurídico agredido não pode ir atrás de seu agressor para agredi-lo e alegar legítima defesa, uma vez que não houve atualidade ou iminência. A agressão futura em regra não é acobertada pela excludente de ilicitude estudada, tendo atualmente uma corrente doutrinária (crescente, mas ainda minoritária) que defende a legítima defesa antecipada (assim denominada), pois é uma agressão incerta, uma promessa de agressão, a posição doutrinária majoritária é que se admitir a legítima defesa futura seria uma espécie de convite para o duelo, desestimulando a pessoa a recorrer para a autoridade pública para a tutela de seus direitos.

2.3 Defesa de Direitos Próprios ou de Terceiros

Diante desse requisito, o agente pode defender direitos próprios ou de outrem mesmo que não haja vínculo entre eles. O que irá influenciar aqui é o animus do agente para assim saber se agia ele com a finalidade de defender o terceiro ou agredir o agressor, dessa forma destaca-se o elemento subjetivo que será estudado mais à frente.

Rogério Greco (2013, p.347) menciona que: “Se for disponível o bem de terceira pessoa, que está sendo objeto de ataque, o agente somente poderá intervir para defendê-lo com a autorização do seu titular. Caso contrário, sua intervenção será considerada ilegítima.” Com essa citação o autor afirma que só é possível a defesa de outrem quando tratar-se de bens jurídicos indisponíveis (vida, integridade física, direitos ligados à personalidade, etc.), quando os bens forem disponíveis deve haver consentimento de seu titular, não havendo, sua intervenção torna-se ilegal.

Também é possível a defesa de terceiros quando este é pessoa jurídica, vejam o que Cleber Masson (2012, p.403) diz a respeito:

“É possível o emprego da excludente para a tutela de bens pertencentes às pessoas jurídicas, inclusive do Estado, pois atuam por meio de seus representantes e não podem defender-se sozinhas. Veja-se o exemplo da pessoa que, percebendo uma empresa ser furtada, luta com o ladrão e o imobiliza até a chegada da força policial.”

Admite-se também a defesa do feto. O art. 2º do Código Civil põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro, cabendo ao terceiro exercer sua defesa, exemplo clássico é o caso que o indivíduo vê uma gestante prestes a praticar o auto aborto e a impede utilizando os meios proporcionais e necessários, internando-a posteriormente em um hospital para que realize o parto com êxito.

2.4 Utilização moderada dos meios necessários

Os meios necessários são aqueles que o agente tem a sua disposição que se fazem suficientes para repelir a agressão injusta, atual ou iminente. Tendo em vista a utilização moderada que vem a ser baseada na proporcionalidade de utilização dos meios necessários.

Ou seja, deve-se usar o meio necessário que esteja a sua disposição na hora do ocorrido e que seja proporcional à injusta agressão e ao bem jurídico ameaçado. Rogério Greco (2013, p.342) nos mostra um exemplo convincente e exemplificativo sobre a proporcionalidade quando diz:

“Imaginemos o seguinte exemplo: uma criança com 10 anos de idade, ao passar por uma residência localizada ao lado de sua escola, percebe que lá existe uma mangueira repleta de frutas. Não resistindo à tentação, invade a propriedade alheia com a intenção de subtrair algumas mangas, oportunidade em que o proprietário daquela residência e, consequentemente, da mangueira, a avista já retirando algumas frutas. Com o objetivo de defender seu patrimônio, o proprietário, que somente tinha à sua disposição, como meio de defesa, uma espingarda cartucheira, efetua um disparo em direção à aludida criança, causando-lhe a morte. Para que possamos concluir que o proprietário agiu em defesa de seu patrimônio é preciso, antes, verificar a presença de todos os elementos, objetivos e subjetivos. Inicialmente, a primeira pergunta que devemos fazer é a seguinte: o patrimônio é um bem passível de ser defendido legitimamente? Sim. Em seguida nos questionaremos sobre a injustiça da agressão, ou seja, estava aquela criança, mesmo que inimputável, praticando uma agressão injusta ao patrimônio alheio? Por mais uma vez a resposta deve ser afirmativa. Essa agressão era atual? Sim. O agente utilizou um meio necessário? Mesmo que fosse o único que tivesse a sua disposição, não poderíamos considerar como necessário o meio utilizado pelo agente que, para defender o seu patrimônio (Mangas), causou a morte de uma criança valendo-se de uma espingarda. Não há, aqui, proporção entre o que se quer defender e a repulsa utilizada como meio de defesa.”

2.5 Elementos Subjetivos

Segundo o conceituado jurista Rogério Greco, para que se possa falar em legítima defesa não basta só a presença de seus elementos de natureza objetiva, expresso no art. 25 do Código Penal. É necessário que, além deles, o agente saiba que atua na condição de animus defendendi, ou seja, na finalidade de defender direito próprio ou de outrem, ou pelo menos, acredite que assim esteja agindo, caso contrário, não se poderá cogitar de exclusão da ilicitude de sua conduta, permanecendo esta, ainda contrária ao ordenamento jurídico.

Suponhamos que José está passando por uma rua escura e desabitada quando visualiza seu algoz Joaquim, rapidamente saca o revólver que carregara consigo e atira, matando Joaquim, só que naquele instante Joaquim estava com a arma apontada pronto para matar João, então devido à falta de animus defendendi, José não poderá alegar legítima defesa de terceiro (no caso João), pois agiu com animus necandi (vontade de matar alguém – dolo de matar).

Nesse sentido, afirma Luiz Regis Prado (2008, p.353): “O agente deve ser portador do elemento subjetivo, consistente na ciência da agressão e no ânimo ou vontade (animus defendi) de atuar em defesa de direito seu ou de outrem. ”

3 Tipos de Legítima Defesa

3.1 Legítima defesa Real

Legítima defesa real, o próprio nome já diz, é aquela que existe na realidade, que é verídica, que encontra todos os requisitos já mencionados.

Rogério Greco (2013, p.337) ensina da seguinte forma: “Diz-se autêntica ou real a legítima defesa quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto. Existe, realmente, uma agressão injusta que pode ser repelida pela vítima, atendendo aos limites legais.”

3.2 Legítima defesa Putativa

Ao contrário da real, a legítima defesa putativa não existe no mundo concreto, sendo existente apenas na mente do indivíduo. O Agente acredita existir uma agressão atual ou iminente (geralmente é iminente), a direito seu ou de outrem, quando na realidade não existe.

Rogério Greco (2013, p.337) traz uma ótima definição sobre o assunto:

“Fala-se em legítima defesa putativa quando a situação de agressão é imaginária, ou seja, só existe na mente do agente. Só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente. ”

O Código Penal tratou expressamente em seu § 1º do art. 20 que diz:

§ 1º – “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há inserção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.”

Cleber Masson (2012, p.407) nos mostra a explicação do parágrafo a seguir:

“O fato típico praticado permanece revestido de ilicitude. Mas, se o erro for escusável (aceitável ou invencível), opera-se a isenção da pena. Em se tratando de erro inescusável (inaceitável ou vencível), porém, não há isenção de pena. Afasta- se o dolo, respondendo o agente por crime culposo, se previsto em lei. ”

3.3 Legítima defesa Sucessiva

Ocorre quando o agressor se defende do excesso do agredido, ou seja, quem inicialmente era vítima passou a ser agressor e quem era agressor passou a ser vítima.

Masson (2012, p.408-409) mostra um conceito bastante didático quando diz:

 “Constitui-se na espécie de legítima defesa em que alguém reage contra o excesso de legítima defesa. Exemplo: ‘A’ profere palavras de baixo calão contra ‘B’, o qual, para calá-lo, desfere-lhe um soco. Em seguida, com ‘A’ já em silêncio, ‘B’ continua a agredi-lo fisicamente, autorizando o emprego de força física pelo primeiro para defender-se. É possível essa legítima defesa, pois o excesso sempre representa uma agressão injusta. ”

4 Excessos na Legítima Defesa

O excesso dá-se quando o indivíduo, que está acobertado pela legítima defesa, excede a sua agressão de repulsa. O agente que tem como defesa apenas a utilização moderada dos meios necessários acaba que extrapola a proporcionalidade ou dolosa ou culposamente.

O Art. 23, parágrafo único do Código Penal prevê:

“Art.23 – (…)

Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

Mirabete e Fabbrini (2015, p.172) fazem uma análise sobre a temática em discussão:

“Exigindo a lei a moderação no uso dos meios necessários para repelir a agressão, é possível que o agente se exceda na reação. Esse excesso pode decorrer do uso inadequado do meio, quando o sujeito podia utilizar meio menos vulnerante, ou da falta de moderação na repulsa. Haverá então o excesso doloso ou culposo.”

Raciocinemos com o seguinte exemplo: José, dentro de um restaurante, é agredido injustamente por seu algoz Carlos. Por ser mais fraco fisicamente, não era pálio para defender-se de mãos vazias, então com uma faca que encontrou sobre uma mesa consegue furar Carlos no ombro, cessando assim a agressão e acobertado pela legítima defesa, mas não satisfeito e disposto a matar seu inimigo desfere mais duas facadas, no mesmo que já se encontrava prostrado no chão, causando-lhe a morte.

Neste exemplo vimos que José excedeu a sua conduta, agindo dolosamente, pois praticou o ato com animus necandi. Então de acordo com o parágrafo único do Art. 23 do Código Penal, ele será punido de acordo com o excesso, no caso das duas últimas facadas que resultaram na morte do homem. Se o excesso for inevitável, embora atuando em excesso, terá a isenção de pena; se for evitável, mesmo sendo o fato típico e antijurídico, verá sua pena ser reduzida de um sexto ou um terço, de acordo com o art. 21 do Código Penal:

“ Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.”

Agora imaginemos o seguinte exemplo de Rogério Greco (2013, p.355):

 “Alfredo, campeão de luta livre, começa, injustamente, a agredir Patrocínio. Este último, agindo com animus defendendi, querendo fazer cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa, saca um revólver e atira em seu agressor, que cai ferido gravemente. Patrocínio, ainda supondo que Alfredo daria continuidade ao ataque, mesmo ferido, por avaliar erroneamente a situação de fato em que estava envolvido, efetua o segundo disparo, quando já não se fazia mais necessário.”

Como vimos no exemplo, Patrocínio excedeu a sua conduta, embora agindo com dolo no ato de atirar, ele responderá pelo crime culposo, pois excedeu o limite ainda agindo com animus defendendi. Cabendo-lhe também a aplicação do art. 21 do Código Penal.

5 Invasão Domiciliar

5.1 Definição de domicílio para efeito penal.

Conforme Damásio Evangelista de Jesus (2007, p. 531) preleciona:

 “O Código Penal, não protege o domicílio definido pelo legislador civil, o qual conceitua como o lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo, informando que o legislador procurou proteger o lar, a casa, no caso seria o lugar onde alguém mora, como por exemplo: barraca de campista, barraco de favela ou rancho de pescador, não importando se a moradia seja de forma permanente, transitória ou eventual.”

Na mesma linha, Julio Fabbrini Mirabete (2005, p. 1198) expõe que:

“O domicílio protegido pela lei penal não é o domicílio civil, isto é, o lugar de residência com ânimo definitivo, o centro das ocupações ou ponto central dos negócios, mas casa e moradia (o ‘home’, o ‘chez moi’, a habitação particular); o local reservado à vida íntima do indivíduo ou à sua atividade privada, seja não coincidente com o domicílio civil. ”

5.2 Garantia constitucional acerca da inviolabilidade do domicílio

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” Artigo 5º, XI, da Constituição Federal/88.

Estando o referido artigo no rol dos direitos e garantias fundamentais, José Afonso da Silva afirma:

“A constituição está reconhecendo que o homem tem direito fundamental a um lugar em que, só ou com sua família gozará de uma esfera jurídica privada e íntima, que terá que ser respeitada como sagrada manifestação da pessoa humana. A casa como asilo inviolável comporta o direito de vida doméstica livre de intromissão estranha, o que caracteriza a liberdade das relações familiares (a liberdade de viver junto sob o mesmo teto), as relações entre pais e seus filhos menores, as relações entre dois sexos (a intimidade sexual). ”

5.3 Normas infraconstitucionais de proteção do domicílio.

5.3.1 Artigo 150 do Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848/40.

Cabe destacar que o referido artigo tem a função de manter a paz e a segurança no local de domicílio do indivíduo.

“Art. 150 – Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

§ 1º – Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena correspondente à violência. ”

5.3.2 Artigo 226 do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.001/69.

Tratando-se de assuntos protetivos, não poderia deixar de citar o art. 226 do CPM, apesar de ser bastante semelhante ao art. 150 do CP.

“Art. 226. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena – detenção, até três meses. 

Forma qualificada       

§ 1º Se o crime é cometido durante o repouso noturno, ou com emprego de violência ou de arma, ou mediante arrombamento, ou por duas ou mais pessoas:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.

 Agravação de pena       

§ 2º Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por militar em serviço ou por funcionário público civil, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades prescritas em lei, ou com abuso de poder. ”

6 Ofendículos

São aparelhos predispostos para a proteção da propriedade (arame farpado, cerca elétrica, cacos de vidros em muros etc.) visíveis e não visíveis ou ocultos (eletrificação de maçanetas etc.). Além da utilização de instrumentos e aparelhos, considera-se também a utilização de animais de guarda, como por exemplo, cães.

Há doutrinadores que os classificam como legítima defesa preordenada, porque os instrumentos só agirão quando houver a agressão dos bens, havendo assim situação de legítima defesa. Outros entendem que quem a atua está em um exercício regular de um direito.

6.1 Ofendículos como meio de proteção contra a invasão domiciliar

Os denominados Ofendículos são uma espécie de legítima defesa da propriedade, sendo assim do domicílio, então o agente que tenta invadir o domicílio de outrem e sofre uma repulsa, cessando assim a agressão, agiu em legítima defesa, por exemplo: José, a fim de invadir o domicílio de Carlos para furtar-lhe um aparelho de televisão, aproveita a oportunidade em que o dono da propriedade está viajando. Ao subir no muro ele se depara com uma cerca elétrica e sofre um choque. Carlos utilizou da legítima defesa, repelindo assim uma agressão atual e injusta, utilizando moderadamente do meio necessário que tinha no momento (cerca elétrica), agindo em sua própria defesa.

Sabendo que são permitidos no nosso ordenamento, como afirma Rogério Greco, “devemos tomar certas precauções quanto ao seu uso, pois se alguém tenta pular o muro de uma determinada propriedade e sofre um choque na cerca elétrica, o instrumento atuou na legítima defesa do proprietário que não responderá por nada. No entanto, se uma criança de 10 anos de idade sobe em uma árvore que é de frente a um muro com cerca eletrificada e acaba pondo à mão na cerca sofrendo um choque, neste caso, a cerca não agiu em legítima defesa do proprietário, pois o mesmo não estava sofrendo agressão injusta, sendo assim responsável pelo ocorrido com a criança.” (grifo nosso)

7 Legítima defesa na invasão domiciliar

A legítima defesa requer vários requisitos, já vistos, entre eles encontra-se a proporcionalidade do bem protegido contra o bem agredido e o uso moderado dos meios para a repulsa. Por isso, legítima defesa quanto à invasão domiciliar pode ser alegada a depender do caso concreto.

Raciocinemos com o seguinte exemplo: a exatamente 03 horas da madrugada, José que estava dormindo escuta um barulho, rapidamente pega sua pistola calibre 380 e vai ao local que supostamente ouviu o barulho, no quintal de sua casa, quando se depara com um indivíduo, logo lhe desfere um tiro, matando-o, este que encontrava desarmado. Vejamos, José mesmo sofrendo agressão injusta, atual, não está acobertado pela legítima defesa, pois mesmo que o único meio que encontrara no momento era a arma de fogo, mas não há proporcionalidade entre o bem protegido e o bem agredido (a vida). José cometeu aqui excesso na legítima defesa e como já visto o excesso não é aceito pela atual excludente.

Vejamos agora o seguinte exemplo: João, ao chegar em sua casa vê um indivíduo no interior dela, rapidamente desfere-lhe um soco na nuca deste, causando o seu desmaio. Imobiliza-o até a chegada policial. Aqui pode-se falar em legítima defesa, tendo em vista que João agiu com proporcionalidade na repulsa (lesões corporais) quanto ao bem atingido.

Como está perceptível nos exemplos, a legítima defesa alcança a invasão domiciliar desde que não ocorra excesso, pois o excesso deixa de ser legítima defesa passando a ser vingança, que é rechaçado pelo nosso ordenamento jurídico. O excesso é sempre uma agressão injusta e sendo esta cabível de defesa legítima, podendo tornar-se uma legítima defesa sucessiva, o proprietário do domicílio que antes agia amparado pela excludente, agora é causador da agressão injusta e caso o invasor venha a agredi-lo moderadamente este estará protegido pela excludente.

É importante destacar também que a legítima defesa é uma medida excepcional, na qual o estado permite que o indivíduo, agindo conforme os requisitos, realize sua própria defesa, mas que o responsável pela segurança pública é o estado, ele quem é o garantidor, não podendo confundir com a autotutela, onde esta vem a ser a justiça privada, a chamada defesa com as próprias mãos ou lei do mais forte.

Portanto, a legítima defesa na invasão domiciliar dar-se-á quanto a forma da repulsa do agente, dependendo da proporcionalidade, não podendo aqui o legislador abrir uma exceção, fazendo com que não seja necessário que ocorra a proporcionalidade, agindo o proprietário da forma que lhe convém, pois estará ensejando o indivíduo para a vingança privada, no qual não precisará mais do estado nesse aspecto para realizar sua própria defesa, estando propício às práticas de crimes que seriam desnecessários.

8 Projeto de Lei 7104/14

 O atual projeto de lei é importante para o presente trabalho, pois causa uma modificação quanto à legítima defesa da invasão domiciliar, de iniciativa do Deputado Jair Bolsonaro, o indivíduo que tem seu domicilio invadido, pode, protegido pela legítima defesa, repudiar o crime causando a morte do agente, ou seja, a pessoa que tiver sua casa invadida, independente do motivo da invasão, poderá matar o invasor e estará protegido da estudada excludente de ilicitude.

A seguir, verifiquemos um exemplo para entendermos o quanto esse projeto de lei pode ser negativo para a sociedade: um cara, que por volta das 19 horas, escuta um barulho no quintal de sua residência, ao ir ver, depara-se com um indivíduo, mas não o consegue enxergar com nitidez, devido ao quintal estar escuro. Sabendo que está amparado pela lei, rapidamente dispara um tiro contra o invasor sem querer saber nem quem é, nem se causa-lhe ameaça, matando-o, mas ao ir checar se depara com uma criança de 12 anos de idade que havia pulado o muro para pegar uma bola que ali havia caído. Este estará protegido pela legítima defesa.

Com a discutida proposta, o estado como garantidor da segurança dá ao indivíduo mais uma possibilidade de defender-se, esta sem medidas de proporção, ficando o agressor à mercê da vontade do proprietário, este podendo inclusive tirar o bem mais precioso do indivíduo, a vida.

Vejamos o seguinte: um indivíduo adentra em um domicílio sem consentimento do morador, e se este conseguir imobilizar o invasor e estiver legalmente autorizado a praticar crimes contra o invasor sem ser responsabilizado por tais crimes, poderá realizar reações desproporcionais e desnecessárias, tais como tortura (crime inconstitucional), homicídio desnecessário etc.

Considerações finais

Conclui-se com o estudo realizado que o instituto da legítima defesa é um dos mais naturais, sendo inerente à natureza humana, tendo nos acompanhado desde muito antes que se desenvolvessem as tecnologias e o avanço estatal.

É um dos meios mais naturais, pois até os animais o tem, vendo que reagem quando ameaçam seu território, filhotes ou os próprios. Diferenciando de nós devido o contrato social que pactuamos ao nascer, em que o estado é o garantidor da segurança e ciente da impossibilidade de estar em todos os lugares em todas as horas, e sem querer criar cidadãos covardes, nos dão algumas formas de defender-nos, resguardando seus limites impostos.

No entanto, a invasão domiciliar tão em pauta nos dias atuais devido a PL 7104/14 é um tema discutível, e que vemos que não pode ser uma exceção sem limites dentro da legítima defesa, ao contrário, este crime deve continuar a ser tratado como está a ser, punindo qualquer excesso, haja vista que o estado nos dá o poder de defender-nos quando não é possível acioná-lo e não realizarmos a autotutela como o que vem exposto na referida proposta, muito menos a vingança privada que é e deve ser inaceitável em nosso ordenamento.

A legítima defesa contra a invasão domiciliar está sendo tratada como deve vir a ser, não podendo aqui abrir exceção, pois é uma medida muito perigosa, em que retroagiremos, neste aspecto, ao estado da vingança privada, para a denominada justiça com as próprias mãos, onde o indivíduo agirá da forma que achar necessária, não havendo aqui limites para sua ação, podendo inclusive realizar crimes inconstitucionais, como a tortura.

Nem de longe o tema está perto de exaurir-se, mesmo com todas as doutrinas. O Direito é um puro dever ser e está sempre se atualizando, podendo vir sempre melhorias e aperfeiçoamentos doutrinários devido o ser humano estar sempre em evolução, e por isso temos um Direito que acompanha nosso quadro evolutivo como, a título de exemplo, o caso da legítima defesa antecipada, caso novo, ainda com posição minoritária na doutrina, mas que vem crescendo gradativamente. Com isso, vemos que pode ser relativizado, mudado a partir das evoluções sociais, não sendo atualmente necessário de mudança o quesito da invasão domiciliar, cabendo ao estado punir o excesso existente.

 

Referências
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 1940.
_________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
________. Código Penal Militar. Brasília, DF: Senado Federal, 1969.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. V. 1. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CÂMARA. Projeto de lei 7104/2014. Disponível em:< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606009> Acesso em: 03 Mar. 2017.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. V.1. 15ª Ed. Rev. Atual e ampl. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.
JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. Parte Geral. V.1. 6ª Ed. Rev. Atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
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MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. V.1. 31ª Ed. Rev. Atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2015.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. V.1. 8ª Ed. Rev. Atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38ª Ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.

Informações Sobre os Autores

Jaligson Carlos Ferreira Leite

Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Campina Grande. Professor da Faculdade Maurício de Nassau desde 2012. Analista Judiciário do TRE-PB desde 2005

Rodolfo Batista Lima

Acadêmico do Curso de Direito pela Faculdade Maurício de Nassau de Campina Grande Unidade II


Equipe Âmbito Jurídico

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