Resumo: Trata-se de pesquisa acerca do assédio moral, coneito, espécies, consequências ao assediado, bem como os limites do poder de direção do empregador. Ademais, analisa a atuação do Ministério Público do Trabalho para a coibição e banimento dessa prática no ambiente laboral.
Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de assédio moral. 3 Especies de assédio moral. 4 Características do assédio moral nas empresas. 5 Sujeitos do assédio moral. 6 Condutas do agente assediador. 7 O assédio moral como violação do dever jurídico. 8 Conseqüências do assédio moral. 8.1 À saúde psíquica e física. 8.2 Ao convívio familiar. 8.3 À auto-estima pessoal e profissional. 8.4 À produtividade. 8.5 Previdenciárias. 9 Do poder diretivo do empregador e seus limites. 9.1 Conceito. 9.2 Os limites do poder diretivo. 10 Do Ministério Público do Trabalho. 10.1 A atuação do Ministério Público do Trabalho acerca do assédio moral. 11 Conclusão. 12 Bibliografia.
1. Introdução
O assédio moral nas relações de trabalho, especialmente nas relações de emprego, configura um dos problemas mais sérios na sociedade atual, posto que deriva de um conjunto de fatores, citando-se, por exemplo, a globalização econômica predatória, a qual visa tão somente a produção e o lucro, bem como o modelo atual de organização de trabalho, caracterizada pela competição agressiva e pela opressão dos trabalhadores a partir do medo e da ameaça[1].
Ressalte-se que o fenômeno do assédio moral não é novo, sendo recente apenas a sua classificação como prática ilícita e degradante no ambiente de trabalho, podendo-se dizer que é tão antigo quanto o próprio trabalho[2]. Porém, no Brasil, este tema é relativamente novo, sobretudo nos bancos acadêmicos[3].
Nesse diapasão, necessário se faz uma análise acurada do conceito de poder diretivo do empregador disposto no artigo 2o da CLT, bem como a identificação dos limites de tal poder, embora não seja tarefa muito fácil, uma vez que a própria natureza da subordinação existente na relação de emprego, isto é, a subordinação jurídica, evidencia a relativização de tal poder, embora o ordenamento jurídico pátrio não delimite expressamente os limites das atividades de fiscalização e de controle empresarial.
Contudo, não se pode olvidar que existem regras e princípios suficientes para delimitar o exercício legítimo ou abusivo do poder diretivo do empregador, em que pese seja um exercício regular de um direito.
Isto porque, a partir da leitura do preâmbulo da Constituição Federal, verifica-se a declaração de um Estado democrático de direito objetivando o exercício dos direitos sociais e individuais fundados na dignidade da pessoa humana, cujo escopo é construir uma sociedade justa e solidária.
Neste contexto, mister se faz analisar, também, a atuação do Ministério Público do Trabalho frente ao assédio moral, seja individual ou coletivo, para o banimento das atrocidades perpetradas contra os trabalhadores. Haja vista o aumento vertiginoso das ações indenizatórias na Justiça Especializada de todo o País e, considerando que uma das atribuições de tal instituição é justamente promover a ação civil pública para defender os interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente.
2 Conceito de assédio moral
Conceitua-se, portanto, assédio moral conforme Marie-France Hirigoyen[4], psicóloga francesa, (uma das pioneiras no enfrentamento da matéria), como sendo “qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.
É importante ressaltar que o assédio moral corresponde a um fenômeno típico da sociedade atual, não se restringindo a um local específico, mas, antes, constituindo um problema de amplitude global. Apesar disso, a forma como ele se manifesta varia de local para local, o que acaba por dificultar sua definição e estabelecer uma só terminologia. Trata-se de uma psicologia do terror, ou, simplesmente, psicoterror, comumente denominado, o qual se manifesta no ambiente de trabalho por uma comunicação hostil direcionada a um indivíduo ou mais. A vítima, por seu turno, como forma de defesa, reprime-se, desenvolvendo um perfil que somente facilita ao agressor a prática de outras formas de assédio moral.[5]
Ademais, a prática do assédio moral é deveras degradante ao ambiente de trabalho, posto que, com os comportamentos, palavras, atos, gestos e escritos direcionados à vítima, além de desestabiliza-la, gera-lhe um desgaste emocional, culminando com sérios prejuízos à saúde mental e física, inclusive marginalizando-a, progressivamente, do processo produtivo e da organização do trabalho.[6] Torna-se, assim, extremamente penoso ao trabalhador, braçal ou intelectual, a continuidade da relação laboral.[7]
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ao proferir acórdão da lavra da Desembargadora Relatora Carmen Gonzalez, no Recurso Ordinário de nº 00036-2008-352-04-00-0, no qual trata da matéria, julgado em 16.10.2008, definiu assédio moral como sendo:
“[…] a repetição, ao longo do tempo, de agressões veladas, muito embora ligadas entre si, que, em outros casos, se isoladas, seriam irrelevantes, ou toleráveis. Agrava-se o mobbing, pela determinação patronal de cumprimento de ordem manifestamente impossível, alterando desarrazoadamente a jornada da empregada que volta da licença-maternidade para horário incompatível com o funcionamento de berçários e creches”[8].
Nesse diapasão, o assédio moral deflagra uma verdadeira guerra psicológica no local do trabalho, agregando dois fenômenos: o abuso de poder, o qual é rapidamente desmascarado e não é aceito necessariamente pelos empregados, bem como a manipulação perversa, instalando-se de forma insidiosa, mas não menos devastadora que o abuso de poder. O assédio nasce como algo inofensivo, propagando-se insidiosamente. Inicialmente, as pessoas envolvidas negam-se em reconhecer que estão ofendidas levando desavenças e maus-tratos na brincadeira. Porém, os ataques multiplicam-se com o passar do tempo e a vítima passa a ser acuada, inferiorizada, ademais, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior[9].
Assim, consoante o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, o assédio moral se caracteriza por atitudes deliberadamente perversas, com o objetivo de afastar o empregado do mundo do trabalho e que provoca danos à sua personalidade, à sua dignidade e até mesmo à integridade física ou psíquica, põe em perigo o emprego e degrada o ambiente de trabalho.[10]
Entretanto, a violação da dignidade do trabalhador através das condutas abusivas desenvolvidas no contexto profissional, se faz necessária para a identificação precisa do assédio moral nas relações de trabalho[11]. Isto porque, o assédio moral, além de ser conduta contrária à moral, enquanto regra de conduta elementar para a convivência pacífica em sociedade, contraria o ordenamento jurídico, uma vez que viola o dever de tratamento com urbanidade, respeito à dignidade e personalidade de outrem.[12]
Assim sendo, configurado o assédio moral, evidencia-se a violação dos direitos de personalidade do empregado vítima do fenômeno, os quais dizem respeito aos atributos que definem e individualizam a pessoa, protegendo-a em seus mais íntimos valores e em suas projeções na sociedade, merecendo, portanto, maior atenção do judiciário, em face da falta de legislação específica regulamentando a matéria[13].
Ressalte-se, por oportuno, que, tais direitos, embora sejam desprovidos de valor econômico, possuem para seu titular valor absoluto e inato, tendo, portanto, caráter irrenunciável, intransmissível e imprescritível[14].
Ademais, os atentados à dignidade e equilíbrio psíquico sofrido pelo trabalhador, deflagrados pela prática do assédio moral, isto é, pelos atos e procedimentos que criam situações de constrangimento e humilhações, atingem diretamente a auto-estima da pessoa[15].
Isto porque, o ato de assediar, ou seja, submeter alguém, sem trégua, a pequenos ataques repetidos com insistência, cujos atos têm significado, produzem na vítima o sentimento de ter sido maltratada, desprezada, humilhada, rejeitada. Frise-se que tal situação não se trata de mero estresse, desentendimentos ou conflitos individuais pontuais, não raros no convívio humano, ao contrário, trata-se, evidentemente, de conduta deliberada, intencional, com o objetivo de atacar a vítima na sua auto-estima, desgastando-a, humilhando-a.[16]
Na esfera trabalhista, conforme esclarece Mário Schiavi, o assédio moral se configura em pressão psicológica contínua (habitual) exercida pelo empregador a fim de forçar o empregado a sair da empresa, ou a minar a sua auto-estima. Se expressa por meio de procedimentos concretos como o rigor excessivo, confiar ao empregado tarefas inúteis ou degradantes, desqualificação, críticas em público, isolamento, inatividade forçada dentre outras. [17]
Ademais, o fenômeno do psicoterror ou assédio moral, se caracteriza, essencialmente, pela provocação do isolamento da vítima no ambiente de trabalho, o cumprimento rigoroso do trabalho como pretexto para maltratar psicologicamente o empregado, referências indiretas negativas à intimidade da vítima e discriminação da vítima, gratuitamente, sem qualquer justificativa plausível.[18]
Releva esclarecer que o assédio moral não se caracteriza apenas por atitudes ou comportamentos esporádicos, haja vista que esta prática envolve, sobretudo, uma situação prolongada no tempo, que se configura a partir de atitudes reiteradas de desrespeito, desprezo e humilhações direcionadas ao(s) subordinado(s) e/ou ao superior hierárquico. Embora seja um constrangimento de difícil prova, mas que se mostra diuturnamente presente nas relações interpessoais, principalmente nos ambientes laborais, ocasiona inequívocos danos à saúde psicológica e, não raras vezes, à saúde física da vítima[19].
Todavia, não há como precisar qual o tempo exato para caracterizar a prática do assédio moral, variando conforme o caso. Em que pesem os doutrinadores, inicialmente, definissem o assédio moral como a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente (em média uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de uns 6 meses) sobre outra pessoa, tal conceito tem sido criticado por ser muito rigoroso.[20]
Diante do exposto, é imperioso esclarecer que, hodiernamente, a prática do assédio moral não ocorre tão somente entre superior hierárquico e subordinados, mas, sobretudo, entre colegas de trabalho, com vários objetivos, entre eles o de forçar a demissão da vítima, o seu pedido de aposentadoria precoce, uma licença para tratamento de saúde, uma remoção ou transferência. [21]
Cumpre informar, por oportuno, que o fenômeno do assédio moral tem sido difundido mundialmente, variando sua denominação em alguns idiomas e, mesmo na língua portuguesa, constata-se que este fenômeno recebe diversas denominações, tais como: humilhação no trabalho, violência moral ou psicológica, assédio psicológico no trabalho, terror ou terrorismo psicológico no trabalho, psicoterror, tirania nas relações de trabalho, coação moral no ambiente de trabalho, molestamento moral e manipulação perversa.[22]
3 Espécies de assédio moral
O assédio moral possui diferentes formas de desenvolvimento, variando conforme a localidade, sendo possível detectar, inclusive, diversas delas num mesmo caso.[23]
O fenômeno foi identificado por volta do ano de 1980, sendo denominado, inicialmente, de mobbing. Etimologicamente, a palavra tem origem no verbo inglês to mob que indica as ações de assaltar, agredir em massa, assediar, e do substantivo derivado mob que significa multidão em tumulto, quantidades de pessoas desordenadas, ou seja, a expressão mobbing associa-se à forma de violência coletiva, ligada à organização do trabalho.[24]
Na Inglaterra, por exemplo, o fenômeno recebe a denominação de bullyng, do verbo to bully, significando tratar com grosseria, desumanidade, tirania, abrangendo o fenômeno não apenas a organização do trabalho, como também a vida familiar, escolar, corporações do exército, etc[25].
Ressalte-se, porém, que as espécies supramencionadas, na verdade, consistem em duas visões diferentes do mesmo fenômeno. É que a primeira delas, o mobbing, consiste no assédio moral instalado em uma relação simétrica, isto é, entre os próprios colegas de trabalho, que não necessariamente estejam em uma relação hierárquica, .[26]
Cumpre informar que a espécie de assédio moral denominada de mobbing é também classificada como assédio horizontal, no qual as agressões ocorrem entre colegas de trabalho, em virtude da tendência dos grupos em nivelar os indivíduos, somada à dificuldade de aceitação das diferenças entre eles, seja por discriminação sexual (homem num grupo de mulheres e vice-versa, homossexuais, etc), discriminação racial, religiosa ou social, entre outras tantas espécies de discriminações existentes em nossa sociedade.[27]
Evidencia-se tal espécie de assédio moral a partir de brincadeiras maldosas, gracejo, piadas, grosserias, gestos obscenos, menosprezo, isolamento etc., podendo ser resultante dos conflitos interpessoais que provocam dificuldades de convivência por qualquer motivo pessoal (atributos pessoais, profissionais, capacidade, dificuldade de relacionamento, falta de cooperação, destaque junto à chefia, etc., do binômio competitividade/rivalidade para alcançar destaque, manter-se no cargo ou disputar cargo, ou para obter promoção.
Ademais, indubitavelmente, as atitudes e comportamentos acima elencados agridem os direitos de personalidade e dignidade do empregado assediado, comprometendo, sobretudo, o espaço de sociabilidade, afeto, solidariedade e companheirismo, valores estes que devem orbitar invariavelmente no ambiente de trabalho, sob pena de comprometer seriamente a harmonia entre colegas e, inclusive, a produtividade da empresa.[28]
Entretanto, no que se refere ao bullyng, evidencia-se em relações assimétricas, nas quais existe uma hierarquia, estando presentes as figuras do superior hierárquico e do empregado encarregado.[29]
Assim, impende esclarecer que nesta espécie os atos ocorrem verticalmente, dividindo-a em duas categorias.
De um lado, o assédio vertical descendente, onde o subordinado é agredido pelo superior hierárquico, quer seja pelo empregador ou pelo seu preposto. Esta situação é a mais freqüente no contexto atual, bastando analisar as decisões proferidas pela justiça especializada acerca da matéria, deflagrando esta espécie como a mais praticada nas relações de emprego.[30]
De outro, o assédio vertical ascendente, situação inversa, onde o superior hierárquico é agredido pelo subordinado ou, em última instância, pelos subordinados, que pode ocorrer, por exemplo, quando da contratação de um novo empregado para a exercer algum cargo de chefia, cujo estilo e métodos sejam reprovados pelo grupo, e o superior hierárquico não consegue ou não faz nenhum esforço no sentido de harmonizar-se com o grupo. Tal situação poderá ocorrer, também, no caso de um antigo colega que tenha sido promovido sem que o setor tenha sido consultado[31].
Evidencia-se tal situação quando o empregador, no afã de estimular a produtividade, consciente ou inconscientemente, acaba por estimular a competitividade perversa entre colegas de serviço, gerando, por parte dos competidores práticas individualistas, que interferem na organização do trabalho, prejudicando o bom relacionamento e coleguismo que devem existir entre trabalhadores, cooperadores do sistema produtivo.[32]
Nos Estados Unidos, o fenômeno é denominado de harassment, termo utilizado para definir um processo de assédio moral consistente em ataques repetitivos que visam, declaradamente, a atormentar e provocar a vítima.[33]
Marie-France Hirigoyen chama a atenção, ainda, para uma forma específica de assédio moral denominada whistleblowing[34], direcionada para quem costuma expor os setores que não funcionam satisfatoriamente em uma empresa. Assim, aqueles que denunciam os problemas de funcionamento de um sistema sofrem, evidentemente, represálias da parte do próprio sistema, haja vista tratar-se de uma forma específica de assédio moral, destinada a silenciar quem não obedece às regras do jogo.[35]
Na Itália, a denominação adotada para o assédio moral é mobbing, associado à violência silenciosa, evidenciada na esfera psíquica do outro.
Na França, porém, o assédio moral é conhecido como harcélement moral, estando associado à perversidade ou perversão moral, não se confundindo com patologia mental.[36]
Segundo Marie-France Hirigoyen, expert no assunto, a perversidade presente no assédio moral não provém de uma perturbação psíquica e sim de uma fria racionalidade, combinada a uma incapacidade do agressor de considerar os outros como seres humanos[37].
No Japão, o assédio moral, também conhecido como ijime, se mostra mais severo, uma vez que a prática da violência moral atinge todos os setores da vida da pessoa, ou seja, na escola, família, ambiente de trabalho etc.
Contudo, no Brasil, em que pese a denominação mais aceita seja assédio moral, ainda não existe uma denominação específica, tanto que nos poucos artigos e comentários sobre o tema, é possível encontrar denominações do tipo terrorismo psicológico, tirania no trabalho, violência psicológica, molestamento moral etc.[38]
4 Características do assédio moral nas empresas
A evolução do fenômeno do assédio moral ocorre dentro de uma empresa, no mais das vezes, pela própria imposição da política empresarial. Ainda que não ocorra desta forma, a empresa carrega o ônus de eleger seus superiores, quase sempre compostos por cargos de confiança, assumindo, portanto, o risco deste superior hierárquico vir a assediar ou não um empregado.[39]
Assim sendo, o processo de assédio moral nas empresas assume determinadas características que sempre se relacionam com as suas políticas de gestão.[40]
A primeira característica que o assédio moral apresenta é a tendência de igualar os indivíduos, isto é, a recusa em aceitar alguém ou algum traço diferente da sua personalidade.[41]
A segunda característica é o estímulo à rivalidade entre os empregados, promovido pela própria empresa através de seus prepostos. O empregador fomenta disputas entre os funcionários mais jovens e os mais velhos, inexperientes e experientes, estudados e autodidatas, tornando esta rivalidade numa alavanca a qual as empresas se servem, bastante cinicamente, para se livrar de alguém incômodo, jogando uma pessoa contra outra, com intuito de pressioná-la a pedir demissão, reduzindo, portanto, os custos da empresa com rescisões.[42]
Ademais, o assédio moral tem como característica principal a exploração do medo dos trabalhadores diante do desemprego por meio de uso de ameaças de demissões.[43]
Tal situação corporifica-se cada vez mais porque a organização de trabalho hodierna incentiva muitas empresas a instalarem um processo de terrorismo sobre seus empregados, processo esse que acaba por gerar uma desconfiança total, uma verdadeira guerra de todos contra todos, na qual é necessário atacar para não ser atacado.[44]
Nesta esteira, é importante ressaltar que um estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que as perspectivas para os próximos vinte anos são muito pessimistas no que tange ao impacto psicológico nos trabalhadores das novas políticas de gestão na organização do trabalho vinculada às políticas neoliberais. Segundo tal pesquisa, predominarão nas relações de trabalho as depressões, o estresse, angústias, desajustes familiares e outros danos psíquicos, denotando o dano ao meio ambiente laboral[45].
Nesse diapasão, cumpre salientar que a OIT ainda detectou a grave situação em que se encontram os milhares de trabalhadores que sofrem esse ataque perverso do assédio moral. Estudos realizados na União Européia explicitam que 8% dos trabalhadores, o que corresponde a 12 milhões de pessoas, convivem com o tratamento tirânico de seus chefes. Essas pesquisas européias apontam que, na Inglaterra, um entre oito trabalhadores sofre assédio moral no trabalho, manifestado por uma ou outra forma. No Brasil, esta situação torna-se mais alarmante, pois estudos informam, através de pesquisas, que cerca de 36% da população economicamente ativa sofre de assédio moral no trabalho, através de uma ou outra forma de violência.[46]
Maria Aparecida Alkimin, ante à inexistência de legislação específica sobre o assédio moral no âmbito da relação de emprego, ressalta a necessidade de identificar seus elementos caracterizadores, ou seja, a forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, sendo imprescindível a identificação e caracterização do assédio moral, justamente para diferenciar o fenômeno de outros fenômenos ou causas que ocorrem no ambiente de trabalho, porém que não se confundem com o assédio moral.
A autora Alkimin elenca, basicamente, como elementos caracterizadores do assédio moral:
“a) Sujeitos: sujeito ativo (assediador)-empregador ou qualquer superior hierárquico; colega de serviço ou subordinado em relação ao superior hierárquico; sujeito passivo (vítima/assediado)- empregado ou superior hierárquico no caso de assédio praticado por subordinado;
b) Conduta, comportamento e atos atentatórios aos direitos de personalidade;
c) Reiteração e sistematização;
d) Consciência do agente.”[47]
É de se ressaltar que o assédio moral apresenta-se de várias formas tais como: ignorar a existência do ofendido; determinar a execução de tarefas que estão em desacordo com a função exercida, como, por exemplo, servir cafezinho ou limpar o banheiro; rigor excessivo por parte dos superiores; inatividade forçada, sendo-se-lhe negada atribuição de qualquer tarefa, exposição ao ridículo; desqualificar a função exercida; atribuir tarefas acima de sua capacidade; dar instruções confusas; estabelecer horário injustificável ou que sabe não poder ser cumprido pelo trabalhador; boicote no fornecimento de material necessário para o trabalho…enfim condutas que visam a atingir a auto-estima do trabalhador ou funcionário, desestruturando suas defesas psíquicas e somáticas.[48]
5 Sujeitos do assédio moral
A Consolidação das Leis do Trabalho, define em seu artigo 2º que empregador é “a empresa , individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”, e, por conseguinte, em seu artigo 3º define que o empregado é “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não-eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário[49]”, identificando, assim, os sujeitos da relação de emprego[50]
Tem-se, portanto, que o principal agente causador do assédio moral, como forma de violência no local de trabalho, é o empregador, visto que possui o poder de direção da atividade[51], no qual concentra, além deste, o poder de organização, pelo qual o empregador organiza o objetivo econômico e social do seu negócio, criando ou modificando normas e condições de trabalho; o poder de controle, com o qual fiscaliza e controla as atividades e condições de trabalho e o poder disciplinar, através do qual impõe ao transgressor a sanção disciplinar desde uma simples advertência até a demissão por justa causa, nos limites do respeito aos direitos de personalidade e dignidade da pessoa humana do trabalhador[52].
Entretanto, há figuras que são equiparados por lei ao empregador; também, dependendo da relação que se estabelece entre os sujeitos, no lugar do empregador poderá estar um superior hierárquico por ele eleito ou contratado para tal.[53]
É cediço, pois, que as novas estruturas na organização do trabalho não mais demandam a centralização do poder de direção na figura do empregador a quem incumbe dirigir, controlar e fiscalizar as atividades laborais, sendo praxe nas organizações empresariais a delegação do poder de direção a empregados de confiança, tais como gerentes, chefes, supervisores, assessores, diretores, que exercem posição de poder e mando.[54]
Trata-se da figura do preposto que, na lição de Sérgio Cavalieri Filho[55], “é aquele que presta serviço ou realiza alguma atividade por conta e sob direção de outrem, podendo essa atividade materializar-se numa função duradoura (permanente) ou num ato isolado (transitório). O fato é que há uma relação de dependência entre o preponente e o preposto, de sorte que este último recebe ordens do primeiro, está sob seu poder de direção e vigilância”.
Destarte, toda a conduta, ato ou comportamento hostil, degradante, humilhante, vexatório que causa sofrimento psicológico e doença psicossomática na vítima, ferindo sua auto-estima, dignidade e personalidade, poderá partir do empregador ou superior hierárquico subordinado a este, de algum colega de serviço ou também pode acontecer de um subordinado destinar condutas assediantes contra um superior hierárquico (assédio moral ascendente), conforme informado alhures.[56]
Ademais, o assédio moral praticado por colega de serviço, pelo empregador ou superior hierárquico, degrada o ambiente de trabalho, tornando-o, sobretudo, hostil, ofensivo e violador dos direitos de personalidade[57] do ofendido.[58]
É importante ressaltar que, na posição de vítima da hostilização ou degradação, normalmente está o empregado, individualmente considerado ou uma coletividade, subordinado ao assediante. Entretanto, poderá figurar, também, como vítima o próprio superior hierárquico quando tratar-se de assédio vertical ascendente, isto é, por um subordinado ou vários subordinados em relação a esse superior.[59]
A vítima ou sujeito passivo do assédio moral, geralmente, é aquele empregado que sofre agressões reiteradas e sistemáticas, visando hostilizá-lo, inferiorizá-lo e isolá-lo do grupo, comprometendo sua identidade, dignidade pessoal e profissional, refletindo na perda da satisfação no trabalho e conseqüente queda na produtividade; além dos danos pessoais à vítima que somatiza e reverte em dano à saúde mental e física, acaba gerando, conseqüentemente, incapacidade para o trabalho e afastamento, desemprego, depressão e até o suicídio.[60].
Saliente-se, por oportuno, que há certos tipos de empregados que devido à sua personalidade ou atividade no grupo de trabalho se tornam presas fáceis para se tornarem vítimas do assédio moral, e.g. o que resiste à padronização, normalmente não possui jogo de cintura, tenta impor e prevalecer seu ponto de vista e valores em detrimento dos interesses do empregador; pessoas atípicas que não se adaptam às diferenças dos outros e criam dificuldades de relacionamento interpessoal.[61]
Entretanto, estudos revelam, paradoxalmente, que o alvo de assédio moral em potencial são as pessoas extremamente dedicadas ao trabalho, os criativos, aqueles que se revelam detalhistas, perfeccionistas e muito competentes, enfim que apresentam um perfil apropriado às exigências da moderna forma de produção e organização do trabalho que requer profissional competente, capacitado, flexível e polivalente, típico perfil que pode despertar inveja e rivalidade e conseqüente espírito destruidor por parte do superior ou chefe, até mesmo por temor em perder o cargo e poder, e do colega de serviço que também se sente ameaçado.[62]
Dessa forma, o assédio moral pode ter início quando a vítima reage ao autoritarismo da chefia ou não se adapta à reestruturação da organização ou, ainda, à gestão sob pressão, valendo-se, muitas vezes, do exercício do jus resistentiae para recusar o cumprimento de determinações que revelem excesso no exercício do poder de direção e comando, notadamente, quando conflitante com a dignidade da pessoa do trabalhador. Este quadro é propenso para a prática do assédio moral, iniciando-se o processo de desvalorização e desqualificação da vítima.[63]
Cumpre informar que em estudos realizados por Marie-France Hirigoyen, detectou-se que as mulheres são as maiores vítimas do assédio moral, que, inclusive, pode evoluir e chegar no assédio sexual, sendo 70% dos casos de assédio dirigidos contra mulheres e 30% contra homens, sendo estes mais resistentes e menos propensos a pedir ajuda externa.[64]
No Brasil, conforme aponta a psicóloga Margarida Maria Silveira Barreto, após conclusão de sua pesquisa de campo, para sua dissertação de mestrado, que dos 2.072 trabalhadores entrevistados, 42% (870) foram vítimas de humilhações no local de trabalho, sendo 494 mulheres e 370 homens[65].
Nesse contexto, importa esclarecer que o assediador é alguém que não pode existir senão pelo rebaixamento de outros, pois tem necessidade de demonstrar poder e para ter uma boa auto-estima. Dissimula sua incompetência. Em suma, trata-se de alguém que, em última análise, é covarde, impulsivo, fala uma fala vazia e não escuta. Não assume responsabilidades, não reconhece suas falhas e não valoriza os demais. É arrogante, desmotivador, amoral, plagia ou se apropria do trabalho de outros, é cego para o aprendizado.[66]
6 Condutas do agente assediador
No tocante ao comportamento do agressor, Marie-France Hirigoyen, esclarece que se trata de perversos narcisistas, isto é, indivíduos que, sob a influência de seu grandioso eu, tentam criar um laço com um segundo indivíduo, dirigindo seu ataque particularmente à integridade narcísica do outro a fim de desarmá-lo.[67]
As características da personalidade do assediador revelam-se a partir de um sentimento de grandeza, um egocentrismo extremado e uma total falta de empatia pelos outros, embora seja ele próprio ávido de obter admiração e aprovação. O assediador, portanto, sente uma inveja daqueles que parecem possuir coisas que ele não tem, ou que simplesmente tem prazer com a própria vida. Não apenas lhe falta profundidade afetiva e não consegue compreender as emoções complexas dos outros, como seus próprios sentimentos não são modulados e passam por arroubos rápidos seguidos de dispersão.[68]
Ademais, o assediador, quando dá início à prática do assédio moral, começa por impossibilitar uma comunicação adequada com a vítima, recusando a comunicação direta, isolando-a, atacando sua reputação, degradando, inclusive, as condições de trabalho, atacando, sobretudo, sua saúde em face da efetiva violência deflagrada neste fenômeno.
A recusa na comunicação direta visa desarmar a vítima, posto que, cortando o diálogo, esta ficará sem respostas acerca da origem do tratamento dispensado.[69]
Trata-se de comunicação perversa, segundo Hirigoyen, cujo objetivo é impedir o outro de pensar, de compreender, de reagir[70]. Com tal conduta, busca o agressor silenciar a vítima, às vezes atacando-a verbalmente, demonstrando-lhe rejeição e desprezo.[71]
Esta recusa em dialogar com a vítima é uma forma de dizer sem palavras o quanto ela não interessa à empresa. As comunicações passam a ser por bilhetes, boatos, ou até deixam de existir, haja vista que o diálogo é o menor possível, o que leva a uma segunda conduta[72], qual seja o isolamento.[73]
Ressalte-se que o isolamento é a prática mais comum nos processos de assédio moral, fase em que os colegas de trabalho já estão envolvidos de uma tal maneira com o processo, que acabam endossando o tratamento que a vítima recebe, talvez por medo ou mesmo por conivência, passando a tratá-la de modo semelhante.[74]Ocorre, pois, quando o superior hierárquico priva a vítima de informações úteis, não lhe comunicando acerca de eventuais reuniões que porventura sejam realizadas, ou, ainda, não lhe passando o serviço que deveria fazer, deixando o empregado, ocioso e desnorteado em seu local de trabalho. Ademais, a vítima é interrompida constantemente. Seus superiores hierárquicos ou colegas não dialogam com ela, mantendo a comunicação unicamente por escrito, evitando qualquer contato com ela, até mesmo o visual. É posta separada dos demais colegas, proibindo-os inclusive de manter contato verbal, sendo-lhe negada qualquer entrevista com a direção.[75]
Além disso, configura-se, também, como conduta do assediador o ato de desqualificar e desacreditar a vítima, colocando em dúvida sua competência, ou até mesmo sua sanidade, com o fito de que ela perca sua autoconfiança. O procedimento de desqualificar é indireto, não verbal; ao contrário do procedimento de desacreditar a vítima, no qual o agente utiliza-se de humilhações e ridicularizações[76], fazendo insinuações quanto à etnia, gênero sexual, religião ou traços físicos da vítima.[77]
Trata-se de evidente atentado à dignidade humana do trabalhador, posto que o(s) assediador(es), conforme estudo de Marie-France Hirigoyen, utilizam-se de insinuações desdenhosas buscando desqualificar a vítima. Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros…), comprometendo a sua credibilidade perante os colegas, superiores ou subordinados. Espalham rumores a seu respeito. Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental). Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada ou caricaturizada. Criticam sua vida privada. Zombam de suas origens ou de sua nacionalidade. Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas. Atribuem-lhe tarefas humilhantes. É injuriada com termos obscenos ou degradantes.[78]
Neste cenário, a autora acrescenta, ainda, que para caracterizar o isolamento, basta que o assediador retire da vítima a autonomia, critique seu trabalho de forma injusta ou exagerada, prive-a do acesso aos instrumentos de trabalho: telefones, fax, computador, ou, ainda, retire-lhe trabalho que normalmente lhe competia, dando-lhe novas tarefas, permanentemente. Atribua-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores às suas competências. Pressione a renunciar seus direitos tais como: férias, horários, prêmios, etc. Obstaculiza à vítima a possibilidade de obter promoções no trabalho. Atribua à vítima, contra a sua, trabalhos perigosos, bem como tarefas incompatíveis com sua saúde. Dê-lhe deliberadamente instruções impossíveis de executar ou não leva em conta recomendações de ordem médica indicadas pelo médico do trabalho.[79]
Saliente-se que o assediador, não raras vezes, deteriora propositalmente as condições de trabalho, sonegando, além de informações, alhures mencionada, também sonega material de trabalho, bem como compromete as condições físicas para o bom desenvolvimento do trabalho da vítima, comprometendo a qualidade do seu trabalho, sendo-lhe atribuída a responsabilidade de eventual trabalho deficiente, por incompetência, podendo, tal fato, prolongar-se no tempo, pressionando o trabalhador a pedir demissão ou, em última instância, criar motivos para o superior (assediador) dispensá-lo.[80]
Ademais, como uma atitude extremada, o assédio moral poderá chegar à violência verbal, física ou sexual. A violência, pois, consiste numa conduta extremada do agressor, haja vista que o assédio moral já é percebido por todos. Assim, fica difícil para a vítima resistir diante da violência, a qual invade, inclusive, a sua esfera íntima.[81]
No entendimento de Marie-France Hirigoyen, destaca-se como violência direta as seguintes práticas:
“Ameaças de violência física. Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, é empurrada, fecham-lhe a porta na cara. Falam com ela aos gritos. Invadem sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas. Seguem-na na rua, é espionada diante do domicílio. Fazem estragos em seu automóvel. É assediada ou agredida sexualmente (gestos ou propostas). Não levam em conta seus problemas de saúde”[82].
É mister esclarecer que tais condutas ser verificadas em conjunto ou isoladamente com as demais. Frise-se que o isolamento é o mais verificado nos casos pesquisados, sendo que a deterioração das condições de trabalho é mais comum nos casos de assédio moral promovido por superior hierárquico. Contudo, a conduta de desqualificar e desacreditar a vítima faz-se mais presente nos casos de assédio entre colegas.[83]
7 O assédio moral como violação do dever jurídico
O assédio moral gera conseqüências sobre a organização do trabalho, afetando diretamente a pessoa do empregado, seja no aspecto pessoal, seja no profissional, bem como prejudica economicamente o próprio empregador em razão da queda da produtividade, do alto índice de absenteísmo e pagamento de indenizações, além de prejuízos para a coletividade, haja vista que o Estado acaba custeando o tratamento de saúde da vítima do assédio, como também o pagamento de seguro-desemprego e até mesmo de aposentadoria precoce.[84]
Destarte, o assédio moral, indubitavelmente, constitui um fenômeno anti-social e antijurídico relevante para o direito, posto que implica violação ao dever jurídico traçado pela norma jurídica visando delimitar o agir humano e pacificar as relações na sociedade, assentadas no bem comum.[85]
Neste sentido, Maria Helena Diniz assevera, com propriedade, que:
“A vida em sociedade exige o estabelecimento de normas jurídicas que regulem os atos de seus componentes; são mandamentos dirigidos à liberdade humana no sentido de restringi-la em prol da coletividade, pois esta liberdade não pode ser onímoda, o que levaria ao caos. As normas de direito visam delimitar a atividade humana, preestabelecendo o campo dentro do qual pode agir.”[86]
Assim sendo, de acordo com o positivismo jurídico de Kelsen, o dever jurídico condiz com a obrigação do indivíduo de agir e se conduzir na sociedade de acordo com a ordem jurídica prescrita pelo Direito, que impõe limites à conduta através do estabelecimento da ordem coercitiva e sancionadora, a fim de manter a ordem e a paz sociais.[87]
Ademais, as conseqüências geradas pelo assédio moral não se limitam à saúde do trabalhador que é vítima do processo destruidor. Os resultados atingem também a esfera social da vida do empregado, além das conseqüências econômicas do fenômeno sobre o empregado, a empresa e a sociedade.[88]
No que se refere à empresa, esta também acaba sentindo os reflexos da prática do assédio moral na produtividade, pois, como destaca Marie-France Hirigoyen, há uma sensível perda de produção por absenteísmo, isto é, pela falta de assiduidade do empregado vítima do assédio, e também pela desmotivação dos outros empregados, gerando altos custos com a baixa da produtividade.[89]
É importante esclarecer que a prática do assédio moral afronta a Constituição Federal, no que tange aos direitos fundamentais sociais que, ainda hoje, caracterizam-se por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc.[90]
Tais direitos são classificados pela doutrina como direitos fundamentais de segunda dimensão, não englobando apenas direitos de cunho positivo, mas também as liberdades sociais, a exemplo da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, etc.[91]
Assim, conforme lição do insigne professor Ingo Sarlet, a segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho ‘positivo’ possa ser considerado como o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais.[92]
Saliente-se, contudo, que os direitos sociais, tal qual os direitos de primeira dimensão[93], se referem à pessoa individual, não se confundindo, portanto, com os direitos coletivos. Ademais, é de se ressaltar que a expressão “social”, conforme esclarece Sarlet, encontra justificativa “[…] na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico”.[94]
8 Conseqüências do assédio moral à vítima
As conseqüências do assédio moral para o empregado são devastadoras em face dos atos, gestos, palavras, enfim, qualquer conduta ou atitude dirigida sistematicamente contra este, uma vez que invade a esfera de sua vida íntima e profissional, ferindo seus direitos de personalidade, com graves conseqüências à sua integridade físico-psíquica, afetando, sobretudo, sua auto-estima e produtividade, levando à degradação do ambiente de trabalho e comprometendo, assim, a qualidade de vida no trabalho, podendo, inclusive, refletir-se na esfera patrimonial. Isto porque poderá reduzir à situação de desemprego e escassez de recursos não apenas para sobrevivência, como também para tratamento das seqüelas à saúde causadas pela conduta do assediante.[95]
8.1 Conseqüências à saúde psíquica e física
O assédio moral, em face da exposição prolongada e repetitiva do trabalhador a humilhações e constrangimentos, atinge diretamente a saúde psíquica e física deste, haja vista que a vítima injustamente atingida em sua dignidade e personalidade de homem e trabalhador suporta significativas perdas, passando a viver no ambiente de trabalho tenso e hostil em constante estado de incômodo psicofísico, capaz de gerar distúrbios psicossomáticos, refletindo em desmotivação, stress, isolamento e prejuízos emocionais de toda ordem, comprometendo sua vida pessoal, profissional, familiar e social.
Isto porque o assédio moral além de gerar sofrimento psíquico à vítima provoca mal-estar no ambiente de trabalho e humilhação perante os colegas de trabalho, manifestando o assediado sentimento e emoção por ser ofendido, menosprezado, rebaixado, excluído, vexado, cujos sentimentos se apresentam como medo, angústia, mágoa, revolta, tristeza, vergonha, raiva, indignação, inutilidade, desvalorização pessoal e profissional, que conduzem a um quadro de depressão com total perda da identidade e dos próprios valores, acarretando sérios riscos de suicídio.[96]
Evidencia-se, portanto, com todo esse processo, que o estado psicológico do empregado exposto às agressões, torna-o uma pessoa fragilizada, irritada, sensível ou, no mais das vezes, agressivo, gerando inúmeros conflitos no ambiente de trabalho, inviabilizando o convívio com os demais colegas.[97]
8.2 Conseqüências ao convívio familiar
Têm-se no trabalho não apenas a fonte de sobrevivência, mas também a satisfação para o trabalhador, pois o trabalho destaca o homem no seio da família e da sociedade, e, se o trabalho não cumpre essa finalidade, gera insatisfação no trabalho, isolamento do trabalhador, além de alterações comportamentais, podendo desestabilizar o convívio familiar e social do assediado.[98]
Assim sendo, a sensação de fracasso e inutilidade mina o trabalhador, que, muitas vezes, para atenuar a agressividade e tensão interna, tem como recurso a bebida alcoólica[99] ou outras drogas.[100]
As conseqüências do assédio moral na vida do empregado são, portanto, devastadoras, acarretando a desestruturação familiar, podendo, inclusive, culminar com o término do casamento daqueles que foram vítimas.[101]
Contudo, mister se faz uma análise acurada dos fatos, pois há que se abstrair do assédio moral no trabalho as manifestações paranóicas (não raras) de indivíduos que se sentem perseguidos por todos e por qualquer coisa, ou espíritos anormalmente melindrosos que se ofendem ante o mais inocente gracejo ou a observação mais irrelevante, bem como as advertências efetuadas diante de uma inobservância aos deveres impostos ao trabalho, concretizadas de forma reservada e respeitosa.[102]
Assevera Hádassa Dolores B. Ferreira que é inegável que as conseqüências sobre a saúde do trabalhador são as mais perceptíveis e geram os piores efeitos.[103]
Nesta esteira, cumpre informar que importante pesquisa brasileira realizada por Margarida Barreto, envolvendo 870 vítimas de assédio moral, revela que 100% das mulheres, apresentam crises de choro, enquanto 100% dos homens nutriam idéias suicidas; dores generalizadas acometem 80% das vítimas, de ambos os sexos, sendo que depressão e distúrbios do sono são sintomas que mais de 60% das vítimas reclamam.[104]
Diante do acima exposto, pode-se afirmar que as perdas muitas vezes podem ser irreversíveis e, neste sentido, Hirigoyen cita em sua última pesquisa a classificação internacional das doenças mentais, o DSM IV, publicado pela Associação de Psiquiatria, que:
“- 69% das respostas acusaram um estado depressivo severo que justificou acompanhamento médico, por significar sério risco de suicídio. Estes números têm, aliás, correlação com a solicitação de ajuda das pessoas que, segundo nosso levantamento, consultaram seus médicos em 65% dos casos e um psiquiatra em 52% deles;
-7% das pessoas apresentaram um estado depressivo moderado;
-24% um estado depressivo leve;
(…) dos 517 casos de assédio moral reconhecidos pelo médico do trabalho, 13, haviam tentado o suicídio.”[105]
Sob o ponto de vista de Reginald Felker, as conseqüências desse assédio moral são de diversas matizes, variando de um indivíduo para outro, podendo ir de crises de choro à depressão, da diminuição da libido aos distúrbios digestivos, inclusive de idéias de suicídio ao alcoolismo, como já referido alhures.[106]
Assim sendo, o assédio moral pode ocasionar um estado depressivo que em alguns gera alienação e uma total solidão; enquanto outros passam a agir de forma agressiva e, no mais das vezes, com acessos de ira.[107]
Neste sentido, Marie-France Hirigoyen aduz que nesta fase pode-se falar em assassinato psíquico, visto que a vítima, embora continue viva, torna-se uma marionete do agressor, carregando em si um pedaço deste, incorporando inclusive suas palavras.[108]
Destarte, mister se faz dimensionar corretamente as conseqüências geradas na vítima, sejam de ordem econômica, social ou física, pois ajudará o operador do direito a traçar a forma na qual a vítima deve ser ressarcida, bem como descobrir seus limites.[109]
8.3 Conseqüências à auto-estima pessoal e profissional
O processo de assédio moral, além das conseqüências retro mencionadas, provoca a baixa auto-estima pessoal e profissional da vítima, podendo se agravar quando a vítima romper com a organização do trabalho e ficar desempregada, pois o dano à saúde mental e física conduz ao trauma, que, por sua vez, leva à insegurança e perda da autoconfiança, prejudicando-a numa nova colocação no mercado de trabalho.[110]
Isto ocorre, sobretudo, em razão dos sentimentos de indignidade, inutilidade e de desqualificação gerados pelo pelo fenômeno no trabalhador.[111]
8.4 Conseqüências à produtividade
A produtividade do empregado está diretamente ligada à sua satisfação no trabalho, tornando-se de suma importância a atuação das organizações do trabalho, através de suas chefias e gerências, visando à criação de um ambiente e condições de trabalho que propiciem ao trabalhador condições de se desenvolverem e produzirem, num ambiente onde se preserve a auto-estima, auto-imagem e garantia de perspectivas profissionais e pessoais, sob pena de comprometer significativamente a produtividade da empresa.
Portanto, se no ambiente de trabalho houver pressão ou perseguição psicológica, não haverá condições para o trabalhador exercitar sua potencialidade e produzir em quantidade e com qualidade, sem contar com a queda da produtividade em razão dos constantes afastamentos por motivo de saúde ou até mesmo por motivo de acidente de trabalho.
Contudo, há casos em que o empregado, diante do medo do desemprego ou para fugir da situação degradante, suporta a dor em silêncio, dedicando-se intensamente às atividades laborativas desenvolvidas por esse, tornando-se vulnerável a adquirir o stress de sobrecarga, também conhecido com burnout, doença psicossomática, fruto do desgaste físico e mental pela sobrecarga de trabalho, gerando cansaço, depressão, afetando, sobremaneira, a produtividade.[112]
8.5 Conseqüências previdenciárias
O assédio moral atinge relevância jurídica também na esfera previdenciária, uma vez que produz efeitos imediatos e diretos sobre a saúde mental e física do trabalhador, gerando doenças as quais excluem-no, involuntariamente, do ambiente de trabalho.[113]
Assim, as conseqüências econômicas são evidentes, uma vez que mais pessoas estarão gozando de benefícios previdenciários temporários, ou até mesmo permanentes, em face da incapacidade adquirida, sobrecarregando, ademais, a Previdência Social[114].
Marie-France aponta gastos como: “despesas de saúde por parte do seguro social, hospitalizações, indenizações de desemprego, aposentadorias antecipadas, o que, em se tratando da situação econômica de um país, transforma-se em bilhões.[115]
Neste diapasão, importa ressaltar que a Justiça Francesa reconheceu como acidente de trabalho a tentativa de suicídio de uma faxineira de um estabelecimento de ensino que, depois de reiteradas condutas assediantes de seu chefe, pulou da janela do terceiro andar do estabelecimento, ficando paraplégica. Tal fato foi considerado como oriundo de um processo de assédio moral, eis que configurado o nexo causal entre a conduta assediante e o ato de desespero da vítima que teve sua identidade e dignidade lesadas no ambiente de trabalho, e, por tal razão, ficou a vítima habilitada a receber o seguro social.[116]
No Brasil, a Lei 8.213/91, regulamentada pelo Decreto 3.048/99, prevê duas modalidades de acidente do trabalho: o acidente tipo, sendo aquele que ocorre no desenvolvimento das atividades profissionais e provocando lesões incapacitantes para o trabalho (Lei 8.213/91, art. 19), e o acidente por equiparação quando se tratar de doença profissional e doença do trabalho, dispondo o art. 20 da Lei 8.213/91, in verbis:
“Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I- a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social;
II- doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no Inc. I.”
Assim sendo, a indispensabilidade de proteção jurídica seja à saúde mental, seja à saúde física do trabalhador, demanda o enquadramento do assédio moral no acidente de trabalho do tipo doença do trabalho (Lei 8.213/91, art. 20, inc. II), não afastando a possibilidade de a vítima do assédio moral, em razão da pressão e condições de trabalho degradantes, ficar vulnerável ao acidente tipo, sendo perfeitamente admissível, nessa hipótese, o estabelecimento do nexo causal (trabalho-acidente-incapacidade).[117]
Isto porque, conforme esclarece Celso Ribeiro Bastos, o conceito de acidente do trabalho compreende o de moléstia ou doença profissional, também denominadas de doenças do trabalho, que são contraídas pelo empregado em decorrência do exercício da sua atividade laboral na empresa.[118]
Ademais, integram-se, ainda, no conceito de acidente de trabalho, o fato lesivo à saúde física ou mental, o nexo causal entre este e o trabalho e a redução da capacidade laborativa, podendo, inclusive, determinar a morte do empregado.[119]
É importante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro visa para o empregado um ambiente de trabalho psicologicamente saudável e a condições de trabalho adaptadas às suas características psicofisiológicas, já que, na moderna organização do trabalho, a saúde do trabalhador, principalmente a mental, é atingida e prejudicada com a nova gestão da relação capital-trabalho, desencadeando o stress profissional, depressão, além de seqüelas fisiológicas que forçam o afastamento do empregado do mundo do trabalho, ocasionando prejuízos financeiros para a empresa com rotatividade ou absenteísmo, além dos custos para o Estado com tratamento de saúde ou concessão de benefícios e/ou aposentadorias.[120]
Destarte, admitindo-se o assédio moral como acidente de trabalho, mesmo que por equiparação, além de ser garantia da vítima o direito às prestações previdenciárias e à ação acidentária contra o INSS (CF, art. 7º, inc. XVIII e Lei 6.367/76), não retira do trabalhador o direito de promover ação contra o empregador, a fim de buscar reparação do dano moral e material, provando o dolo ou culpa do empregador, de seu subordinado ou preposto, cuja responsabilidade independe da responsabilidade do Estado em destinar o seguro obrigatório.[121]
9 Do poder diretivo do empregador e seus limites
9.1 Do poder diretivo
Na relação de emprego, considerando a subordinação[122] do empregado, este sujeita-se ao poder de direção do empregador, o qual permite que o empregador defina como serão desenvolvidas as atividades do(s) empregado(s) decorrentes do contrato de trabalho.[123]
Inicialmente impende ressaltar que a palavra poder, etimologicamente, vincula-se à idéia de chefia, consistindo em fazer os outros (empregados) agirem da forma pretendida pelo emissor da vontade (empregador). Contudo, para que ocorra a aceitação de tal poder e sua concretização, é imperiosa a aceitação do comando por parte do subordinado, uma vez que o poder emanado por uma pessoa vincula-se à sujeição e obediência de outra.[124]
Cumpre salientar que o poder diretivo ou hierárquico[125], expressão comumente utilizada por Evaristo de Moraes Filho, corresponde aos riscos da atividade econômica assumidos pelo empregador inerentes à própria atividade empresarial, manifestando-se, tal poder, por força do contrato. [126]
Em que pese a definição exata de poder diretivo não seja abordada especificamente pela Consolidação das Leis do Trabalho, encontra-se, porém, a referência de quem efetivamente dirige a relação de emprego, conforme se depreende da leitura do artigo 2º do referido diploma, delimitando claramente a quem pertence tal poder.
Assim sendo, ainda que tal conceito não esteja expresso na legislação brasileira, é indiscutível a existência de uma direção na relação de emprego a qual caracteriza o empregador. Aliás, é de ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio atribui ao empregador o dever de realizar determinados atos de fiscalização, o que se verifica, por exemplo, na necessidade de controlar a jornada de trabalho dos empregados, em atenção ao artigo 74, § 2º, da CLT.[127]
Destarte, tem-se como fundamento legal do poder diretivo o artigo 2º da CLT, o qual considera empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. [128]
É importante destacar, por oportuno, que há várias teorias que procuram justificar o poder de direção do empregador, relevando analisar cada uma delas.
Para a primeira teoria, o poder diretivo funda-se no direito de propriedade, haja vista que o empregador é o proprietário da empresa.
A segunda teoria, contratualista, funda-se no ajuste de vontades pelo qual o empregado, espontaneamente, se põe em posição de subordinação, aceitando a direção da sua atividade de trabalho pelo empregador.[129]
A terceira teoria entende que a empresa é uma instituição e, portanto, o poder de direção decorreria do fato de o empregado estar inserido nesta instituição, devendo, pois, obedecer a suas regras.
Para alguns doutrinadores, porém, o poder diretivo seria um direito potestativo, não podendo o empregado opor-se a ele.
Contudo, há que se observar que esse poder não é ilimitado, uma vez que a própria lei determina as limitações do poder de direção do empregador, não estando o empregado, portanto, obrigado a cumprir ordens ilegais, por exemplo.[130]
Entretanto, para a teoria do interesse, o poder diretivo resulta do interesse do empregador em organizar, controlar e disciplinar o trabalho que remunera, destinado aos fins propostos pelo seu empreendimento.[131]
Eugênio Hainzenreder Júnior sustenta que o poder de direção pode ser visto também como a forma pela qual o empregador define como será desenvolvida a obrigação do empregado decorrente do contrato de trabalho. Tal poder compreende não só o poder de organizar as atividades, mas também o de controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com os fins do empreendimento, evidenciando que o empregador possui diversas prerrogativas na condução do seu negócio, as quais se desmembram por diversas facetas.[132]
Nessa esteira, Carmen Camino leciona que as múltiplas formas de expressão do poder diretivo sintetizam-se nos atos de regulamentar a relação de emprego, distribuir, dirigir, orientar, fiscalizar, adequar a prestação às necessidades da empresa e impor sanções disciplinares ao empregado faltoso.[133]
Na concepção de Sérgio Pinto Martins[134], o empregador tem todo o direito de organizar seu empreendimento, decorrente até mesmo do direito de propriedade, bem como determinar qual a atividade que será desenvolvida. Ademais, compete ao empregador, segundo Sérgio Martins[135], o direito de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados, alertando, contudo, que este deverá agir sempre com cautela quando do exercício de seu direito, sob pena de responsabilização pelo abuso deste.
Além disso, o autor assevera que o poder de punição, o qual trata como poder disciplinar do empregador em relação ao empregado, decorre do poder de direção do empreendimento. Entretanto, Sérgio Martins [136]adverte que o poder de punição deve ser exercido com boa-fé. O objetivo da punição deve ser pedagógico, ou seja, mostrar ao funcionário que está errado e que não deve cometer novamente a mesma falta. Contudo, o uso de tal poder por parte do empregador em desacordo com suas finalidades implica excesso ou abuso de poder.
Assim, há que se ressaltar que a imposição de sanções disciplinares ao empregado faltoso, sem dúvida, é a expressão da superioridade hierárquica do empregador, o qual, diante da conduta inadequada do empregado, exercita legitimamente o direito de puni-lo, em face do poder disciplinar que lhe é conferido.
Porém, no que tange à suspensão disciplinar, por exemplo, é imperioso consignar que, em que pese a legislação brasileira não tenha um capítulo especificamente destinado ao poder disciplinar, limita tal sanção ao teto de 30 dias, uma vez que a conseqüência desta medida para o empregado é severa, haja vista que este fica impedido de trabalhar, inclusive perdendo o salário correspondente ao período de suspensão.
Diante do exposto, deduz-se que, se constatada a suspensão de forma desproporcional, poderá ser declarada a sua nulidade e revertidas suas conseqüências na Justiça Especializada.[137]
Carmen Camino, analisando o poder disciplinar, sustenta que este é possível de ser exercido através do regulamento da empresa, quando o empregador, preventivamente, estabelece padrões de conduta a serem observados pelos seus empregados e sanções em caso de desobediência, evidenciando o status hierárquico superior do empregador, sem o qual não haveria como implementá-lo. [138]
Porém, embora Camino[139] enfatize o caráter hierárquico do poder diretivo, Eugênio Hainzenreder Júnior assevera que a noção de poder hierárquico tem sido evitada pela doutrina, uma vez que traduz uma visão corporativista incompatível com a nova ordem jurídica, posto que denota a supremacia de alguém superior, no caso o empregador, sobre os inferiores ou subordinados, ou seja, os empregados.
Isto porque, o entendimento da doutrina é de que o poder diretivo constitui poder jurídico, exercitado entre esferas jurídicas, abrangendo empregado e empregador, superando-se, portanto, a idéia de um poder hierárquico sobre a pessoa sem qualquer limitação.[140]
Compreende o poder diretivo do empregador, portanto, conforme análise da jurisprudência do Tribunal Regional da 4a Região, enquanto titular do direito econômico, a possibilidade de (i) instaurar a revista pessoal dos empregados, em face do poder de fiscalização, respeitando contudo a privacidade e a intimidade do empregado;[141](ii) a aplicação de sanção disciplinar, dentro dos limites da lei, sem rigor excessivo;[142](iii) a exigência ao empregado de colocar e retirar uniforme necessário à consecução de suas atividades profissionais contratadas;[143](iv) a aplicação de advertência, respeitando a dignidade do empregado;[144](v) a possibilidade de diferenciação dos valores de pisos estabelecida de acordo com a região de atuação do empregado, em face das condições sociais e econômicas da região, não violando, assim, o princípio da isonomia;[145](vi) a transferência do empregado para outro posto de serviço, em razão do jus variandi[146] do empregador;[147](vii) conceder promoção a determinado empregado, não caracterizando violação ao princípio da isonomia;[148]e, por fim, (viii) a aplicação de suspensão ao empregado, decorrente do poder disciplinar e punitivo do empregador, ou seja, de um exercício regular de um direito, respeitando os limites legais, com vistas a manter a ordem e a disciplina no ambiente de trabalho, bem como atribuir efeito moral e pedagógico ao empregado faltante.[149]
Ademais disso, a jurisprudência gaúcha entende que algumas exigências do empregador em relação a seus empregados, advém legitimamente do poder diretivo deste, que necessita comandar e dirigir a realização do serviço, não apenas como sua prerrogativa, mas igualmente como poder-dever que decorre naturalmente da condição de detentor dos meios de produção.[150]
9.2 Limites do poder diretivo
Identificar os limites do poder diretivo do empregador não é tarefa muito fácil, haja vista que a própria natureza da subordinação existente na relação de emprego, isto é, a subordinação jurídica, evidencia a relativização de tal poder, embora o ordenamento jurídico pátrio não delimite expressamente os limites das atividades de fiscalização e de controle empresarial. Contudo, existem regras e princípios suficientes para delimitar o exercício legítimo ou abusivo do poder de direção.[151]
Ademais, a partir da leitura do preâmbulo da Constituição Federal, verifica-se a declaração de um Estado democrático de direito objetivando o exercício dos direitos sociais e individuais fundados na dignidade da pessoa humana, cujo escopo é construir uma sociedade justa e solidária, instituindo regras impositivas com vistas a declarar a inviolabilidade da intimidade e vida privada do cidadão.[152]
Conforme sustenta Hainzenreder[153], o estado de sujeição do empregado denota tão somente subordinação hierárquica oriunda do contrato de trabalho, não significando, pois, que o empregador disponha sobre a pessoa do trabalhador, mesmo diante do seu dever de obediência, de diligência e de fidelidade ao empregador, evidenciando, assim, um dos limites do poder de direção. Destarte, a limitação deste poder deve ser observada a partir da participação efetiva do trabalhador na atividade empresária, pois o reconhecimento desse poder visa a assegurar meios de regular o desenvolvimento da atividade empresarial.
Assim, não poderá o empregador, ao dispor do seu poder de direção, submeter seus empregados a tratamento desrespeitoso e ofensivo[154], à revista pessoal de modo abusivo, atingindo a privacidade e a intimidade do trabalhador[155], dispensá-los tratamento com rigor excessivo, extrapolando os limites estritos do poder diretivo.[156]
É importante salientar que outro aspecto que deve ser observado na limitação do poder de direção, segundo Hainzenreder, é que toda relação jurídica, quer seja de emprego ou de qualquer outra natureza, deve sempre se pautar na dignidade da pessoa humana. Sustenta o autor que não foi por menor razão que o legislador, no que concerne ao direito do trabalho, através do art. 170, caput, da Constituição Federal, relacionou a vida digna ao princípio da valorização do trabalho humano, posto que a dignidade humana figura não apenas como o fundamento do Estado democrático de direito, mas também de todas as relações jurídicas e humanas. Portanto, o poder diretivo jamais poderá ser utilizado para obtenção de vantagens indevidas, desrespeitando a dignidade humana e os direitos fundamentais.[157]
Impende ressaltar, por oportuno, que, em razão do avanço tecnológico, as novas situações trazidas pela informática no ambiente de trabalho, precipuamente sobre o uso do correio eletrônico, além de terem possibilitado a adoção de novos métodos de fiscalização e controle, geraram novos conflitos decorrentes do confronto entre o poder diretivo do empregador e os direitos à intimidade e à vida privada do empregado.[158]
Nessa esteira, convém informar que uso de e-mails corporativos carece de um cuidado acentuado, tanto para o empregado quanto para o empregador. Isto porque, quando o e-mail for utilizado pelo empregado de forma inadequada ou em desacordo com o regulamento interno da empresa, poderá dar ensejo à sua dispensa por justa causa, haja vista que o e-mail corporativo é considerado ferramenta de trabalho disponibilizado pelo empregador para o exercício exclusivo da atividade do empregado.[159]
Nesse sentido, é interessente analisar o acórdão proferido no Recurso Ordinário nº 01258-2005-221-04-00-1, pelo TRT da 4ª Região, da lavra da Desembargadora Relatora Carmen Gonzalez, em 11.12.08.
In casu, o reclamante foi dispensado por justa causa, em face da utilização do e-mail corporativo para envio de material de conteúdo pornográfico a outros colegas de trabalho, o que ensejou sua dispensa. Destarte, o reclamante, inconformado com a atitude da empregadora, ajuizou reclamatória trabalhista requerendo a declaração de nulidade da despedida motivada, alegando rigor excessivo por parte do empregador ao penalizá-lo pelo ato faltoso, sem qualquer advertência prévia.
A juíza a quo, em suas razões de decidir, entendeu que, embora reprovável o comportamento do empregado, não havia hipótese para despedida por justa causa, em virtude da inexistência de sanções anteriores e a aplicação direta da pena capital.
Ato contínuo, a reclamada, irresignada com a decisão, interpôs, obviamente, recurso ordinário buscando a reforma da decisão singular, sobrevindo acórdão do juízo ad quem, dando parcial provimento ao recurso da reclamada, por unanimidade de votos, reconhecendo a justa causa para a extinção do contrato de trabalho, reformando, portanto, a decisão de primeiro grau, no tocante a nulidade da justa causa.[160]
Entretanto, é imperioso ressaltar que o uso do e-mail também poderá ser utilizado de forma inadequada por parte do empregador, fato que tem ocorrido com freqüência para a prática de assédio moral, seja pelo empregador ou por seu preposto, utilizando de tal ferramenta para humilhar, ofender e expor seus empregados a situações vexatórias, através de divulgações de e-mails com conteúdos pejorativos e depreciativos entre seus subordinados.
Tal situação se verifica na análise do acórdão proferido pelo Tribunal Regional da 4ª Região, no Recurso Ordinário Nº 01857-2001-221-04-00-1, da lavra do Desembargador Relator Ricardo Carvalho Fraga, no qual restou condenada uma empresa transnacional fabricante de computadores, a pagar indenização à sua ex-empregada por assédio moral, através do uso inadequado do e-mail corporativo. No caso em comento, a reclamante alegou que sofria humilhações pelo supervisor por não atingir as metas de vendas. Referiu que o supervisor, de maneira desrespeitosa, acusava-a de não ser boa funcionária, pois não colaborava com os colegas, chamava-a de incompetente, comparando-a com animais diante de seus colegas, acarretando inegável abalo emocional. Tal procedimento se dava através de e-mails informando o desempenho dos empregados, inclusive da reclamante, acrescidos de expressões como “moooooo” (igual ao som de uma vaca), “fundo do poço”, “no fundo”, “no último”, fazendo alusão a pessoas que por diversos motivos chegaram a um ponto de suas vidas em que o próximo passo seria quem sabe, a morte, expressões atribuídas a quem vendia pouco ou não conseguia atingir as metas estabelecidas pela empresa. Saliente-se que tais alegações por parte da reclamante, restaram comprovadas nos autos da reclamatória por depoimentos de ex-funcionários, os quais asseveraram que também recebiam referidos e-mails.
Assim sendo, sobreveio acórdão negando provimento ao Recurso Ordinário da reclamada, por unanimidade de votos, mantendo, portanto, a condenação da empresa por assédio moral.[161]
Dessarte, deduz-se que o exercício abusivo do poder diretivo poderá tornar nulos os atos dele emanados, ensejando o exercício do jus resistentiae do empregado, o qual poderá ir às últimas conseqüências, ou seja, a rescisão indireta pelos motivos elencados no art. 483 da CLT.[162]
10 Do Ministério Público do Trabalho
O poder constituinte originário objetivando dinamizar a atividade jurisdicional, institucionalizou atividades profissionais (públicas e privadas), conferindo-lhes o status de funções essenciais à justiça, estabelecendo regras, no que tange à instituição do Ministério Público insculpidos nos artigos 127 a 130 da Constituição Federal de 1988.[163]
Define-se, portanto, a teor do art. 127, caput, da Carta Magna de 1988, que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis dos cidadãos. Ademais, dita instituição vem ocupando lugar cada vez mais de destaque na organização do Estado, haja vista o alargamento de suas funções de proteção dos direitos indisponíveis e de interesses coletivos.[164]
Assim sendo, considerando que o Ministério Público da União compreende, entre outros, o Ministério Público do Trabalho, torna-se imperioso analisar suas atribuições e prerrogativas, precipuamente na defesa dos direitos dos trabalhadores e sua atução nos casos de assédio moral.
É importante salientar que a organização e atribuições do Ministério Público do Trabalho está disciplinada na Lei Complementar n. 75, de 20.05.1993, em seus artigos 83-115, a qual define como chefe da instituição o Procurador-Geral do Trabalho, com a função de representá-la, entre outras atribuições elencadas no artigo 91 da referida lei.[165]
Destarte, cumpre salientar que o Ministério Público da União, tem como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, este último, inclusive, tem relevância nas ações propostas pela instituição em defesa dos interesses difusos e coletivos do cidadão, em especial, dos trabalhadores, uma vez que este estudo visa analisar a violação dos direitos personalíssimos dos trabalhadores nas práticas de assédio moral no ambiente de trabalho.
Além disso, há que se ressaltar que uma das funções essenciais da Instituição é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, sempre respeitando os princípios e fundamentos constitucionais, a teor do art. 5o da Lei Complementar n. 75/93 e do art. 127, caput, da CF/88.[166]
Evidencia-se, portanto, que uma das atribuções do Ministério Público do Trabalho é justamente perseguir modelo de relações de trabalho que valorize a dignidade da pessoa humana, relação essa que indubitavelmente não se compatibiliza com as relações de trabalho que incentivam ou não previnem a prática do assédio moral no ambiente laboral.
10.1 A atuação do Ministério Público do Trabalho e o assédio moral
Nesse contexto, considerando-se que o assédio moral viola, sem sombra de dúvidas, a dignidade dos trabalhadores, a necessidade de intervenção da instituição na relações que desprestigiam os valores sociais e desrespeitam a dignidade do trabalhador, é medida que se impõe ao parquet, através da adoção de procedimentos judiciais ou extrajudiciais, para a solução do problema nas empresas.[167]
Na esfera judicial, compete ao Ministério Público do Trabalho, entre outras atribuições, a promoção da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, visando a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente, a teor do art. 83, inciso III, da Lei Complementar n. 75/93, tendo, portanto, legitimidade ativa[168] para a defesa dos trabalhadores, nos casos de assédio moral nas empresas entre outras violações dos seus direitos.
É importante esclarecer, por oportuno, que tanto os direitos difusos, quanto os coletivos, são transindividuais, de natureza indivisível, divergindo apenas quanto aos titulares do direito posto em juízo. Assim, enquanto na tutela dos interesses difusos são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, os interesses coletivos são adstritos a um conjunto de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica, o que é o caso, por exemplo, do assédio moral coletivo.[169]
Embora não se pode ignorar o fato de tramitar inúmeras ações civis públicas na justiça especializada de todo o território nacional, há que se comentar a atuação do Ministério Público do Trabalho em caso específico do Rio Grande do Sul, precisamente na Ação Civil Pública n. 00037-2008-371-04-00-3 promovida pelo parquet contra uma Indústria de Calçados, pelo uso indiscriminado de câmeras de vigilância por toda a empresa.
In casu, o Ministério Público, a partir de uma representação protocolada pelo Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga e Região, quanto à instalação de câmeras de filmagem na área interna da empresa reclamada, e, após, diversas tentativas entre a Instituição e a empresa reclamada, inexistosas, o parquet ajuizou a ação civil pública buscando a defesas dos direitos personalíssimos dos empregados, o que restou julgada improcedente, em primeira instância, indeferindo, portanto, o pedido de indenização pelos danos morais coletivos ou difusos pleiteados.
Isto porque, o juiz a quo entendeu que as imagens geradas pelas câmeras estão em locais estratégicos, protegendo mercadorias de alto valor, sem ferir direitos dos empregados, ao contrário, auxiliando na segurança da integridade física deles também.
Contudo, irresignado, insurgiu-se o Ministério Público contra a decisão, em sede de Recurso Ordinário, aduzindo que a instalação de determinadas câmeras na sede da Reclamada, causam prejuízos a direitos dos empregados, especialmente à intimidade e à privacidade, devendo haver, portanto, compatibilização entre o direito de propriedade da reclamada e o direito à privacidade dos empregados. Entendeu o Ministério Público que, a despeito da intenção da empresa de viabilizar a melhor segurança para o seu patrimônio, na prática, as câmeras poderão monitorar o trabalho dos empregados, fazendo com que eles tornem-se, também, suspeitos ou potenciais agentes criminosos, causando prejuízos à saúde do empregado.
O Desembargador Relator do caso ressaltou que os direitos da personalidade exercem, precipuamente, fator de realização da dignidade da pessoa humana, por óbvio incluídos os trabalhadores, os quais merecem total proteção das suas garantias, no tocante à saúde física e psíquica, além da efetivação de um meio ambiente do trabalho saudável e protegido.
Assim sendo, o Relator, entendendo como aceitável apenas o monitoramento dos locais com acesso de pessoas estranhas ao ambiente de trabalho em que, justificadamente, haja fundado e relevante receio da possibilidade de ocorrência de roubos ou prejuízos ao patrimônio empresarial, deu parcial provimento ao recurso determinando os horários a serem utilizadas as câmeras no ambiente de trabalho, ficando multa de R$ 5.000, no caso de descumprimento da referida decisão.[170]
No que tange ao âmbito extrajudicial, há a possibilidade do Ministério Público do Trabalho, antes de ingressar com ação civil pública, utilizar-se da prerrogativa de firmar compromissos através do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para determinar obrigações de não fazer e pagar, fixando-se, inclusive, multas no caso de descumprimento do comando judicial pela empresa firmatária.[171]
A Instituição tem utilizado o Termo de Ajuste de Condutas (TAC) para coibir as práticas de assédio moral e outras práticas discriminatórias no ambiente de trabalho, administrativamente, buscando suspender tais práticas, antes de ingressar com a Ação Civil Pública.
Nesse sentido, é interessante informar, a título de exemplo, um caso de Belo Horizonte (MG), onde uma empresa de combustíveis assinou Termo de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho se comprometendo a suspender imediatamente práticas de discriminação e assédio moral. Ressalte-se que o termo foi motivado por uma denúncia encaminhada ao MTP, pela Justiça do Trabalho, acerca das práticas discriminatórias por parte de uma funcionária, responsável por outros 4 casos de assédio moral, tendo sido dispensada pela empresa.
Saliente-se que o compromisso assumido pela empresa era, entre outras medidas, suspender práticas discriminatórias em desfavor de trabalhadores atuais ou futuros; cessar práticas com o intuito de pressionar os empregados a não comparecerem como testemunhas em processos nos quais a empresa esteja envolvida; abster-se de fornecer informações depreciativas em relação aos funcionários por terem ajuizado ação trabalhista contra a empresa, o que, infelizmente, tem sido prática comum entre as empresas do mesmo ramo empresarial, as chamadas “listras negras”[172]. Além disso, foi estabelecida uma multa de R$ 25.000,00 por prática discriminatória constatada, no caso de descumprimento.[173]
Outro caso que se afigura emblemático, ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Ministério Público do Trabalho firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ofício de Registro de Imóveis de São Leopoldo, onde o Ofício se comprometeu no acordo a impedir que seus empregados sejam submetidos a situações que caracterizem assédio moral ou sexual ou a qualquer tipo de constrangimento (humilhações, intimidações, ameaças, etc) no ambiente de trabalho por meio de seus superiores. Além disso, ficou acordado que o Ofício deverá assegurar a todos os trabalhadores tratamento digno e respeitoso no ambiente de trabalho, não adotando ou permitindo que tenham alguma atitude discriminatória em relação a qualquer pessoa.
Por fim, o Ofício foi condenado a disponibilizar aos empregados que prestem serviço ou que já prestaram no ano de 2008, acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, conforme a necessidade de cada trabalhador, sob pena de multa de R$ 50 mil por trabalhador que não receber apoio psicológico ou psiquiátrico quando solicitado. E mais: o Ofício deverá promover diversas ações de conscientização, tais como realização anual de palestras sobre o assédio moral, entre outras.[174]
Assim sendo, a atuação do Ministério Público do Trabalho, quer seja através dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC), quer seja através da Ação Civil Pública, se faz necessária cada vez mais na coibição do assédio moral e outras tantas práticas discriminatórias existes na atual organização do trabalho, cujas iniciativas desta instituição tem avançado significativamente para a diminuição dos casos, bem como a inibição de novos casos, garantindo, assim, a valorização da dignidade e dos direitos sociais dos trabalhadores conquistados a custa de tantas lutas históricas e, felizmente, positivados na Constituição Federal, a qual busca um Estado Democrático de Direito pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e, sobretudo, da solidariedade.
O princípio da dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho, embora positivados na Constituição Federal, tem sido ameaçados em virtude da atual organização do trabalho, pautada na globalização econômica, bem como da dinamização dos mercados internacionais, valorizando tão somente o lucro em detrimento do ser humano, deteriorando a condição humana da maioria dos trabalhadores.
Nesse panorama, constata-se que o assédio moral, infelizmente, tornou-se uma ferramenta utilizada em grande escala nos recrutamentos desse modelo de organização, haja vista que os trabalhadores que não se submetem a situações indignas e aviltantes sofrem represálias por parte do empregador e/ou pelo superior hierárquico a partir da prática de terrorismo psicológico. Saliente-se que o objetivo destas empresas é justamente forçar os trabalhadores indesejados a pedirem demissão, reduzindo, assim, as despesas com verbas trabalhistas e eventuais custas com contencioso judicial.
Ademais, neste contexto, evidentemente que quem lucra com tal prática é tão somente a empresa que incentiva ou permite que seus prepostos utilizem essa prática para livrarem-se dos trabalhadores, economizando com as verbas rescisórias, carecendo, portanto, de um controle estatal neste sentido.
Ressalte-se que o assédio moral ocorre no bojo das relações de trabalho, caracterizando-se por condutas abusivas, atentatórias contra a dignidade dos trabalhadores, através de humilhações, ridicularizações, isolamento, exposição a situações vexatórias, de forma sistemática, ou seja, repetitivas e prolongada no tempo.
Assim, é imperioso ressaltar que o empregador possui seu poder de direção, cujos empregados devem estar subordinados, direito este que se configura abusivo ante às práticas de assédio moral por parte do empregador e também do superior hierárquico.
Todavia, em que pese o assédio moral não esteja previsto em lei, configura uma violação do contrato de trabalho por culpa do empregador, razão pela qual confere ao empregado assediado o direito de rescindir o contrato de forma indireta, a teor do art. 483 da CLT, bem como buscar judicialmente uma reparação pelos danos sofridos, não podendo o empregador alegar o desconhecimento dos fatos, haja vista que sua responsabilidade é objetiva.
Há que observar a seriedade do fenômeno diante das conseqüências geradas na esfera íntima, profissional, familiar e, sobretudo, na esfera previdenciária, uma vez que o empregado vítima do assédio moral acaba por desenvolver diversas doenças, seja física ou psíquica, recorrendo no mais das vezes ao benefício previdenciário, estendendo-se, portanto, à sociedade como um todo. Aliás, a própria empresa sofre prejuízos com a queda da produtividade dos trabalhadores doentes, tendo, inclusive, despesas extras com a substituição temporária do pessoal licenciado.
Nesse sentido, a intervenção e atuação do Ministério Público do Trabalho, torna-se indispensável e salutar para os trabalhadores e a sociedade em geral, posto que lhe é conferido constitucionalmente a atribuição de defender os interesses difusos e coletivos do cidadão, em especial, dos trabalhadores, buscando proteger os direitos personalíssimos destes, coibindo as práticas de assédio moral no ambiente de trabalho, a partir de processo administrativos como o Termo de Ajuste de Condutas (TAC), ou, em última instância, da própria ação civil pública perante à Justiça Especializada.
Ressalte-se, por fim, que uma das funções essenciais da Instituição é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, sempre respeitando os princípios e fundamentos constitucionais, a teor do art. 5o da Lei Complementar n. 75/93 e do art. 127, caput, da CF/88.
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de direito de Porto Alegre – Centro Universitário Metodista – IPA.
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