I – INTRODUÇÃO[1]
O trabalho tem por objetivo tratar do crime de pirataria na costa da Somália.
Ainda que os “piratas” sejam mais conhecidos por nós através dos filmes hollywoodianos, a verdade é que eles ainda existem e estão auferindo lucros exorbitantes com essa atividade, capazes de gerar inveja no Capitão Jack Sparrow.
O uso do termo “pirata”, para descrever aqueles que seqüestravam os navios, remonta à Grécia antiga. A pirataria marítima, apesar de ser um fenômeno com séculos de existência, só muito recentemente tem tido um enquadramento legal a nível internacional.
Hoje em dia, considera-se que mais de 90% do comércio mundial é transportado por via marítima. Estes navios são tripulados por cerca de um milhão de homens de quase todas as nações do mundo. O comércio por mar tornou-se vital para o crescimento e sustentação econômica de muitos Estados. Diante desse quadro, o crime tem ganhado muita importância para o Direito Internacional.
Analisando o caso específico da Somália, veremos que a origem da pirataria no país é um reflexo de um Estado enfraquecido, sem um governo capaz de impor as leis e fiscalizar o uso destas. Veremos então que os malefícios de um Estado falido atingem não apenas a população local, mas também a comunidade internacional.
II – CONCEITO
A definição de “Pirataria” que ganhou notoriedade pública à luz da legislação internacional foi definida na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, realizada em Dezembro de 1982, na Jamaica. Não obstante, a primeira definição para o termo no ordenamento internacional, ocorreu na Convenção do Mar Alto, realizada em Genebra, em 1958[2]. A conceituação era semelhante em ambos os Estatutos e era precária porque não abrangia os atos praticados no mar territorial, o que permitia que os piratas que atuassem nessa área ficassem numa situação de impunidade perante as leis internacionais.
O artigo 101 da Convenção sobre o Direito do Mar define, então, “Pirataria” da seguinte forma:
“a) Todo o ato ilícito de violência ou de detenção ou todo o ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:
i) Um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;
ii) Um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado;
b) Todo o ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que dêem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata;
c) Toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados na alínea a) ou b).”
Nessa Convenção também foram definidos outros conceitos importantes para o Direito Internacional, como por exemplo, mar territorial. Esse, segundo define o ilustre professor Dr. Jônatas Machado, corresponde à faixa de “12 milhas marítimas a partir do ponto mais baixo da baixa-mar, devidamente reconhecido pelo Estado costeiro”, sobre o qual se estende a sua soberania[3]. Segundo a Convenção, os navios estrangeiros estão sujeitos à jurisdição do Estado em cujas águas se encontrem, excetuados os navios militares e os de Estado, que gozam de imunidade de jurisdição.
III – A EVOLUÇÃO DO CRIME À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL
Em Abril de 1984, devido à importância do assunto, o Comitê de Segurança Marítima, que é um comitê integrante da Organização Marítima Internacional, passou a considerar os ataques dos piratas como um elemento separado e permanente do seu programa de trabalho. Cabe aqui ressaltar que a Organização Marítima Internacional (OMI), é uma agência das Nações Unidas que ajuda a desenvolver uma legislação que regulamenta a segurança marítima e os assuntos ambientais.
Os governos passaram então a prestar informação detalhada sobre esse tipo de crime. Atualmente, o Escritório Marítimo Internacional[4] emite relatórios trimestrais e anuais sobre esse tipo de atos, enquanto que a Organização Marítima Internacional emite relatórios mensais.
Não obstante a crescente preocupação dos organismos internacionais marítimos com o assunto, somente em Novembro de 2001, com uma Assembléia da OMI, surgiu a Resolução A.922(22) que supriu o vazio legislativo no tocante a atos de pirataria praticados em águas territoriais. Tal resolução passou a classificar como “Assaltos à Mão Armada Contra Navios”, os atos ilícitos cometidos no mar territorial, nas águas arquipelágicas, nos portos e também em águas interiores.
A pirataria tem se tornado, cada vez mais, um problema com escala a nível internacional. Atualmente, considera-se que mais de 90% do comércio mundial é transportado por via marítima, o que requer uma maior preocupação com esse tipo de atividade.
IV – O CASO DA SOMÁLIA
Em 1970, o General Siade Barre assumiu o poder no país e instaurou um governo ditatorial. Duas décadas depois o regime de Barre caiu e os opositores que o derrubaram se voltaram uns contra os outros, não conseguindo chegar a um acordo quanto à liderança do país; conseqüentemente, mergulhando-o em sucessivas guerras. Desde 1991 já houve 14 tentativas de se formar um Governo. O país continua, desde então, a ser um “Não Estado”. Atualmente, há dois grandes grupos que lutam pelo controle do país: a União das Cortes Islâmicas (UCI) e o Governo Federal de Transição (GFT), que tem o apoio da Etiópia e dos Estados Unidos. A UCI constitui um conjunto de cortes seguidoras da sharia – código de leis do islamismo.
Ocorre que, o apoio dos Estados Unidos tem sido desastroso uma vez que, visando combater o seu grande inimigo – o terrorismo, presente nos grupos islâmicos, tem fornecido armas às forças do GFT e apoio ao exército etíope, responsável por vários ataques. A estratégia dos Estados Unidos não só contribui para o aumento da violência na região, como também, segundo Ken Menkhaus, especialista em assuntos do Chifre da África, “aumenta o radicalismo do grupo islâmico que já avisou que não vai poupar os EUA e outros alvos ocidentais na Somália, incluindo a ajuda humanitária, bem como as forças da Etiópia e do Governo, aumentando a já dramática crise existente”[5]. Desde Dezembro de 2006, um milhão de somalis abandonaram o país e 8 mil civis morreram. Segundo dados da ONU, 2,6 milhões de pessoas na Somália precisam urgentemente de ajuda alimentar.
A origem dos piratas na costa da Somália ocorreu em razão da atividade pesqueira. A pesca não era muito desenvolvida, voltada apenas para subsistência dos envolvidos, e não para exportações. No entanto, a ausência de um Estado capaz de defender os bens nacionais e exercer a patrulha das águas do país fez com que grandes navios pesqueiros estrangeiros fossem atraídos para a Somália. O grande problema adveio do fato de que os navios pesqueiros agiam propositalmente em detrimento dos pescadores locais: destruíam os equipamentos de barcos menores, cortavam suas redes de pesca e até mesmo atacavam navios somalis. Conseqüentemente, o rendimento dos pescadores da região decaiu e sua sobrevivência foi comprometida. Como não havia um Estado que pudesse defender o interesse nacional e policiar de forma adequada a costa da Somália, os próprios pescadores – e também outros habitantes da região não vinculados à pesca – encarregaram-se de fazê-lo. Dessa forma, navios estrangeiros passaram a ser seqüestrados na região e sua libertação ocorria apenas mediante pagamento de resgate. O objetivo era, por meio dos seqüestros, intimidar as grandes companhias pesqueiras e, dessa forma, afugentá-las, recuperando a rentabilidade da pesca tradicional somali.[6] No começo os atos de pirataria visavam apenas o restabelecimento da pesca local; no entanto, com o decorrer do tempo o potencial de lucro atraiu outras parcelas da população acostumadas a conviver com a miséria e o desemprego.
A Organização Marítima Internacional aprovou, em uma Assembléia em Novembro de 2005, uma resolução específica para as águas da costa da Somália, em razão dos constantes ataques na região. A Resolução A.979(24) visava estabelecer o plano de ação para combater os ataques no país e trazer a problemática à atenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pois a assistência humanitária advinda da ONU, para o povo somali, estava sendo prejudicada.[7] A OMI não apresentou mais resoluções até a presente data; no entanto, desde 2007 cresce o número de incidentes na Somália.
Somado à instabilidade política do país, a importância geográfica da região para as rotas marítimas, constituem as principais razões para a atividade criminosa dos somalis.
A Somália está localizada numa região conhecida como “Chifre da África”, ou para os portugueses, “Corno de África”. O nome pode ter sido originado pela forma pontiaguda daquela parte do Continente. A costa da Somália, com 3.000 quilômetros, é a mais extensa da África e faz parte de uma das mais importantes rotas marítimas do mundo. Isso ocorre porque a costa norte da Somália é banhada pelo Golfo de Aden, que é conhecido como rota marítima vital para o transporte de petróleo.
Por ser uma área de extrema importância para a economia global, é necessário que as grandes potências navais do mundo forneçam navios de guerra para patrulhar a região, sob pena de haver graves conseqüências no mercado petrolífero. As águas entre o Golfo de Aden e o Canal de Moçambique são consideradas as mais perigosas do mundo, palco de um terço dos atos de pirataria em todo o planeta. Os organismos de comércio perceberam que algumas empresas de transporte já se recusam a trafegar pelo Golfo de Aden. “A falta de ação persistente contra estes atos violentos pode levar os proprietários de navios a redirecionar seus barcos através do Cabo da Boa Esperança, com graves conseqüências para o comércio internacional, incluindo preços mais altos para a entrega de bens”, disseram as empresas[8].
O custo para os proprietários dos navios que são seqüestrados é muito elevado e por isso, as principais potências mundiais se viram forçadas a lutar contra o problema. Elas começaram, então, a pressionar os órgãos competentes visando vislumbrar soluções jurídicas para a questão. Ademais, havia a preocupação com a ajuda humanitária aos somalis, vítimas da guerra civil. Como conseqüência, o Conselho de Segurança da ONU editou, durante esse ano, importantes resoluções considerando a situação na Somália: a Resolução 1814, de 15 de Maio; a 1816, de 02 de junho e a Resolução 1838, de 07 de outubro. A primeira solicitava a implantação de uma força de manutenção da paz da ONU, destinada a substituir um pequeno contingente de manutenção da paz da União Africana, presente desde Março de 2007 no país. Também solicitava especial proteção aos navios destinados a transportar ajuda humanitária para o povo, e em atividades autorizadas pelas Nações Unidas[9].
A Resolução 1816 concedia permissão, por um período de seis meses, para que os Estados que pretendiam utilizar as rotas marítimas comerciais que passam pela costa somali, cooperassem com o grupo político GFT e utilizem todos os meios necessários para reprimir atos de pirataria e roubo à mão armada no mar, cometidos nas águas territoriais da Somália[10]. Ao GFT caberia a comunicação prévia ao Secretário-Geral das Nações Unidas sobre quais Estados estariam cooperando com ele, uma vez que estes estariam agindo no seu mar territorial. Cabe aqui ressaltar que, essa resolução também foi fruto dos esforços da OMI, durante os últimos dois anos, para chamar à atenção dos órgãos das Nações Unidas acerca do problema[11]. Sua validade se estende até 02 de dezembro de 2008.
A Resolução 1838 incentiva os países interessados na segurança das atividades marítimas a agirem na luta contra a pirataria, utilizando os meios necessários no alto mar e no espaço aéreo da costa da Somália, em conformidade com as leis internacionais, como previsto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
“Unanimously adopting resolution 1838 (2008) under Chapter VII of the United Nations Charter, the Council called upon States with naval vessels and military aircraft operating in the area to use, on the high seas and airspace off the coast of Somalia, the necessary means to repress acts of piracy in a manner consistent with the 1982 United Nations Convention on the Law of the Sea. The Council urged States that had the capacity to do so to cooperate with Somalia’s Transitional Federal Government in conformity with the provision of resolution 1816 (2008) of 2 June, which allowed States cooperating with the Government, for a period of six months, to enter Somalia’s territorial waters and use “all necessary means” to repress acts of piracy and armed robbery at sea in a manner consistent with international law. Today, the Council expressed its intention to consider renewing that provision for an additional period”[12].
É importante destacar que as Resoluções 1816 e 1838 foram redigidas em conformidade com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, legitimando-se o recurso à força aérea e naval a fim de buscar a paz e a segurança internacional. Nesse sentido, cumpre destacar o ensinamento do Dr. Jônatas Machado atinente às Decisões do Conselho de Segurança da ONU: “Se o recurso à força pode ser necessário, em derradeira instância, para garantir a efetividade do direito internacional, importa que essa decisão seja tomada, não pelo Estado lesado ou ameaçado, mas, sempre que possível, por uma instância tão imparcial quanto possível (…) uma resolução do CS autoriza uma coligação ad hoc a realizar uma determinada operação militar, em seu nome e no seu interesse, mas por conta dos Estados envolvidos. Estes são os responsáveis imediatos pelas decisões estratégicas relativas à operação militar, embora (…) deva ser assegurado ao CS um poder razoável de comando e controlo sobre a generalidade da operação.[13]”
Foi ainda necessária a concordância da Somália para atuação de forças internacionais em suas águas territoriais e no seu espaço aéreo, uma vez que tal intervenção afeta a soberania de um Estado. No entanto, conforme observa o jornalista Maurício Miguel do Jornal “Avante!”, na Edição 1823, de 06/11/2008: “Não seria, pois difícil concluir que um governo imposto, num país sem executivo a funcionar desde 1991, necessitado de apoio externo para a sua legitimação interna, cederia parte importante da sua soberania aos interesses das potências imperialistas.”
A União Européia resolveu também intervir no assunto e estabeleceu uma ação de coordenação militar de apoio à Resolução 1816 da ONU, advinda de uma ação comum do Conselho da União Européia, que ficou conhecida como EU NAVCO, aprovada em 19 de setembro. O plano da União Européia consistia em criar uma célula de coordenação incumbida de apoiar as ações de vigilância e de proteção levadas a cabo por alguns Estados-Membros ao largo da costa somali, designada “Célula de Coordenação da União Européia”[14]. Também aprovava, em caso de eventual operação naval militar da UE, as atividades dos Estados-Membros que, desejosos de cooperar com o GFT, disponibilizassem seus meios militares para dissuadir atos de pirataria na costa da Somália.
Os ataques dos piratas na costa da Somália representam uma permanente preocupação das comunidades internacionais empenhadas em fornecer assistência humanitária aos milhões de necessitados do país. Em razão disso, o Secretário Geral das Nações Unidas fez um pedido à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que enviasse navios de guerra para o Golfo de Áden para fazer a escolta de carregamentos da World Food Program ( Programa Alimentar Mundial – PAM) que tem o objetivo de prover socorro humanitário aos somalis mediante a entrega de alimentos aos carentes. A OTAN, atendendo então ao pedido da ONU, e em apoio às resoluções 1816 e 1838 do mesmo órgão, deu início à operação Allied Provider (Provedor dos Aliados) em Outubro, composta de navios da Itália, Grécia e Reino Unido[15].
Não obstante a crescente atuação dos organismos internacionais a fim de combater a atividade ilícita, no dia 19 de novembro, foi publicado trechos da entrevista com Noel Choong, Diretor do Centro de Observação da Pirataria do Escritório Marítimo Internacional, que tem sede em Kuala Lumpur: “A situação observada nas últimas semanas mostra um aumento anormal dos atos de violência e das capturas de navios, apesar do reforço da segurança na região. Na ausência de dissuasão, com riscos pequenos e a perspectiva de lucros elevados para os piratas, os ataques vão continuar. A situação já é incontrolável. Os Estados Unidos e a comunidade internacional devem fazer esta ameaça cessar”[16].
4.1 Conseqüências à luz do Direito Penal Internacional
A “célula de coordenação” criada em Setembro não foi suficiente para controlar a multiplicação dos ataques na Somália e foi necessária uma ajuda mais efetiva. Assim, em 11 de novembro do corrente ano, foi aprovada, sob o a forma de Ação Comum do Conselho da União Européia, a primeira operação naval da história da organização, denominada: EU NAVFOR Atalanta, cujo início está previsto para 08 de dezembro de 2008. Sua missão é realizar uma operação militar de apoio às Resoluções 1814, 1816 e 1838 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Para tanto, fornecerá proteção aos navios fretados pelo PAM e navios mercantes que trafeguem nas zonas sob sua vigilância, incluindo as águas territoriais da Somália, tomando todas as medidas necessárias, recorrendo, inclusive, à força, para evitar os atos criminosos. Importante decisão nesse ordenamento diz respeito à detenção e julgamento dos autores e suspeitos da prática de pirataria. O artigo 2º, alínea “e”, concede poderes para: “deter, manter detidas e transferir as pessoas que tenham cometido ou que sejam suspeitas de ter cometido atos de pirataria ou assaltos à mão armada nas zonas em que está presente, e apresar navios de piratas ou de assaltantes à mão armada ou os navios capturados na seqüência de um ato de pirataria ou de assaltos à mão armada que se encontrem na posse de piratas, bem como os bens a bordo”.
O artigo 105 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar prevê que todo Estado pode prender um navio, capturado em razão de atos de pirataria no alto mar ou em local não submetido à jurisdição de qualquer Estado; e as pessoas que se encontram a bordo dele, ficando sujeitos ao julgamento pelos Tribunais do Estado que efetuou o aprisionamento. Ocorre que, no caso da Somália, os atos de pirataria têm sido praticados em suas águas territoriais, onde se estende a sua competência jurisdicional.
Considerando a fragilidade de suas instituições políticas em razão da guerra civil que vive nas últimas décadas, sendo inclusive considerado um Estado falhado[17], a Somália renunciou ao direito de soberania sobre seus territórios.
“SOMALIA, a chronically failed state that the world wants to ignore, is back on the international agenda thanks to the quaint-sounding but deadly serious problem of piracy. (…)As the piracy problem has shown, that policy will not prevent Somalia from becoming a serious menace to international security. Though a U.N. envoy is trying to broker peace talks among the country’s warring factions, Western and African governments have been unwilling to muster the peacekeeping force and nation-building operation that would be necessary to stabilize the country. Those governments still have not absorbed one of the central lessons of Sept. 11, 2001, which is that failed states — particularly Islamic ones — can pose a threat far beyond their borders. Unless its fundamental problems are addressed, Somalia will continue to export trouble — and piracy may not be the worst of its products”[18].
Portanto, com a anuência da Somália, o artigo 12 do Ato que instituiu a Operação Atalanta, determina que os sujeitos ativos dos crimes de pirataria ou aqueles suspeitos de praticá-la, bem como os bens que tenham servidos para praticar o ato, sejam transferidos para as autoridades competentes do Estado-membro ou do Estado terceiro que participou da operação. Caso tal Estado não possa ou não deseje exercer sua jurisdição, que a pessoa ou bem capturado sejam transferidos para um Estado-Membro ou Estado terceiro que deseje exercê-la. A transferência da competência jurisdicional para outro país não pode ferir o direito internacional dos direitos humanos. Dessa forma, o artigo também prevê a impossibilidade do acusado ser transferido para um país onde haja aplicação de pena de morte, tortura ou outro tratamento cruel e desumano[19].
Vale a pena a colação do artigo:
“1. Com base, por um lado, na aceitação pela Somália do exercício da competência jurisdicional pelos Estado-Membros ou por Estados terceiros e, por outro, no artigo 105.º da Convençãodas Nações Unidas sobre o Direito do Mar, as pessoas que cometam ou sejam suspeitas de ter cometido atos de pirataria ou assaltos à mão armada detidas nas águas territoriais da Somália ou em alto mar, bem como os bens que tenham servido para executar esses atos, são transferidos:
— para as autoridades competentes do Estado-Membro ou do Estado terceiro que participe na operação cujo navio, que tenha efetuado a captura, arvora a sua bandeira, ou
— se tal Estado não pode ou não deseja exercer a sua jurisdição, para um Estado-Membro ou Estado terceiro que deseje exercê-la sobre as pessoas ou os bens supramencionados
2. Nenhuma das pessoas referidas no n.o 1 pode ser transferida para um Estado terceiro se as condições dessa transferência não tiverem sido decididas com esse Estado terceiro de modo conforme com o direito internacional aplicável, nomeadamente o direito internacional dos direitos humanos, para garantir, em especial, que ninguém seja sujeito à pena de morte, tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante.”
Verifica-se que a Operação Atalanta dispôs expressamente quanto a instauração da jurisdição universal para tratar dos crimes de pirataria ocorridos na Somália.
“Antes de Nuremberg, a responsabilidade individual por crimes internacionais, como a pirataria, era determinada de forma exclusiva por instituições nacionais que exerciam sua autoridade soberana. Posteriormente, considerou-se, contudo, que o Estado que possuía a custódia do infrator podia processá-lo, independentemente da nacionalidade deste ou a de suas vítimas, ou do local onde fora cometido o crime; assim, a pirataria começou a ser considerada como “crime internacional”. Esse conceito, agora conhecido como “jurisdição universal”, tem sido aplicado recentemente ao genocídio, a certos crimes de guerra e a crimes contra a humanidade”[20].
4.2 Conseqüências No Comércio Marítimo
Já fora supramencionado a importância da localização da Somália para o comércio internacional marítimo. A costa norte do país é banhada pelo Golfo de Áden, uma das mais importante e perigosa rota comercial do planeta, conhecida como “Beco dos Piratas”. Cerca de dezesseis mil navios trafegam anualmente pela região e trinta por cento do petróleo bruto mundial também circula pela área.
Os ataques dos piratas afetam, não só o transporte do petróleo, como também a produção do mesmo. A Nigéria, por exemplo, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP – teve cerca de 14 % (quatorze por cento) da produção diminuída nos últimos meses, fazendo este país cair para segunda posição entre os produtores africanos de petróleo, atrás de Angola. Tendo em vista que a Marinha nigeriana não tem bom equipamento para lidar com os grupos que atacam os navios petrolíferos, as produtoras são obrigadas a adotar suas próprias medidas adicionais de segurança.
A pirataria tem elevado o custo do seguro das embarcações marítimas, além de obrigar algumas delas a contornarem toda a África em vez de usarem o canal de Suez, elevando os gastos com frete. A opção mais segura de adotar a rota do Cabo da Boa Esperança aumenta o tempo de navegação em até 15 dias a um custo diário adicional de até trinta mil doláres[21].
“But the piracy crisis argues for another attempt at putting Somalia right. With the global economy in such trouble, the international community cannot afford to have pirates disrupt international trade. And Somalia’s chaos does more than breed pirates. It breeds terror and extremism”.[22]
Outra conseqüência que pôde ser observada foi o aumento do preço do petróleo em razão da captura do superpetroleiro saudita Sirius Star na primeira quinzena de novembro de 2008.[23]
V – CONCLUSÃO
A raiz dos problemas na Somália está no fato de ser um país sem leis, sem possibilidade de se governar sozinho, cujas instituições nacionais estão falidas, enfraquecidas. A ausência de ordem nas terras somalis propiciou um ambiente que permite ausência de ordem no mar. A população encontra-se livre para praticar atos ilícitos impunemente, ainda que para alguns eles estejam a “proteger” os bens do país, defesa apresentada por alguns piratas alegando que fazem, em realidade, o patrulhamento das águas da Somália.
A Organização das Nações Unidas e a União Européia podem enviar tropas marítimas para o local e ainda, estabelecer limites para instauração da jurisdição penal internacional, mas o problema só será resolvido com o fortalecimento da Somália como nação. Essas soluções são provisórias e solucionam o problema de forma passageira porque a raiz permanece.
Como afirma o cientista político Francis Fukuyama, Estados falidos representam ameaça em potencial para a comunidade internacional. A existência de Estados que não conseguem se impor de forma adequada perante seu território desencadeia problemas não apenas para o ambiente doméstico em questão, mas também em nível internacional.
Um Estado bem estruturado é aquele capaz de oferecer os serviços públicos básicos para sua população. Dentre tais serviços incluem-se atividades de cunho social, tais como saúde, educação e moradia pública, como também atividades de caráter securitário – defesa da integridade nacional e policiamento doméstico. Se esses serviços são adequadamente fornecidos pelo Estado, seus cidadãos tornam-se capazes de viver em sociedade de maneira satisfatória e coletivamente benéfica[24]. E a solução para o problema da pirataria na costa da Somália perpassa pela busca desse nível de estruturação para o país.
Mestranda em Direito na Universidade de Coimbra. Licenciada da função de analista judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Graduada em Responsabilidade Civil pela EMERJ/Universidade Estácio de Sá.
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