Resumo: No presente artigo, defenderemos a aplicabilidade do auxílio direto como meio de efetividade do direito fundamental à razoável duração do processo. Esta nova ferramenta de cooperação jurídica ganhou maior importância e destaque com a divulgação do texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010), em tramite na Câmara sob o n. 8.046/10, que trouxe o procedimento de auxílio direto como instrumento de Cooperação Jurídica Internacional e Cooperação Jurisdicional Nacional. Embora atual e de necessário estudo, ao tema não tem sido dedicada a devida atenção doutrinária.
Palavras-chave: Razoável duração do processo. Auxílio Direto.
Abstract: In this article, we will defend the applicability of direct aid as a means of effectiveness of the right to reasonable duration of the process. This new tool for legal cooperation has gained greater importance and prominence to the dissemination of text of the substitute submitted by Senator Valter Pereira, rapporteur of the Project of the new CPC in the Senate (PLS 166/2010), in tramite in the Chamber under the n. 8.046 /10, which has brought the procedure of direct aid as an instrument of International Legal Cooperation and Cooperation National Court. Although current and necessary to study, the theme has not been dedicated attention doctrinaire.
Keywords: Reasonable duration of the process. Direct Aid.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Auxílio Direto. 3. 3.1. Auxílio Direto Judicial e Administrativo. 4. O Auxílio Direto e a Duração Razoável do Processo. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Este estudo apresenta como eixo central, uma reflexão acerca da importância da adoção do procedimento de auxílio direto, sobretudo, para viabilizar a tal almejada duração razoável do processo.
O que se pretende neste breve estudo é a análise da garantia da razoável duração do processo na esfera cível, que, como se verá oportunamente, foi erigida a status de direito fundamental, o que poderia ser explicitado como a busca por um processo realmente justo e eficaz em respeito ao valor e a dignidade que abarcam a todos os indivíduos.
Com a previsibilidade legal do procedimento de auxílio direto, poder-se-á tornar eficiente e ágil o intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda, entre órgãos judiciais e administrativos, de Estados distintos.
E, considerado que o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, “processo é vida”[1], procura-se impingir ao presente trabalho tal ousadia.
2. O auxílio direto
2.1 O Auxílio Direto Judicial e Administrativo
O Ministério da Justiça, em 2004, constituiu Comissão de Especialistas para elaborar um anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional, em matéria cível e criminal.
A questão mais explosiva desse anteprojeto do Ministério da Justiça está no procedimento denominado “assistência direta” ou “auxílio direto”[2], que possibilita o intercâmbio direto entre autoridades administrativas e judiciais de estados diversos, ou até mesmo entre juízes, sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ.[3]
A propósito, a Resolução 09, do STJ, de 04.05.2005, no seu art. 7°, parágrafo único, prevê que:
“os pedidos de Cooperação Jurídica Internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento do auxílio direto”. (negritos lançados)
O paradigma que pode ser citado para o “auxílio direto” é o “auxílio judiciário mútuo”, previsto na Convenção de Auxílio Judicial Mútuo da União Européia, cujo art. 3°, I, dispõe que:
“o auxílio mútuo também é concedido em processos instaurados pelas autoridades administrativas para fatos puníveis nos termos do direito do Estado-Membro requerente ou do Estado-Membro requerido, ou de ambos, como infrações a disposições regulamentares e, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, especialmente e, matéria penal”.
Entretanto, a questão reside em saber se, à luz da Constituição Federal, pode um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, ser provocado no interesse de estado estrangeiro em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.
O Direito Internacional Privado visa à regulamentação, no direito nacional, de fatos transnacionais, fatos que por uma razão ou outra aparentam estar sujeitos à ordem jurídica de estados diversos, e que, não obstante a denominação “privado” dessa disciplina estão sujeitos às normas de direito privado é de direito público, aí incluídos o direito penal e o direito administrativo.
O Direito Internacional Privado preocupa-se, ainda, com a solução de litígios transnacionais, decorrentes desses fatos ditos transnacionais. Para atingir seus objetivos, promove o intercâmbio de atos administrativos, legislativos e judiciais, de modo a possuírem esses atos efeitos transnacionais e extraterritoriais.
Assim, a lei estrangeira, o ato administrativo estrangeiro e o ato judicial estrangeiro, podem ter efeito no direito nacional, sempre que este, por meio de norma de direito internacional privado, considerar indispensável à regulamentação dos fatos transnacionais. O conceito de soberania no plano interno corresponde ao poder de legislar, de governar e de julgar.
Neste sentido, os atos públicos estrangeiros (legislar, governar ou julgar), para terem algum tipo de efeito no direito nacional, dependem de vontade política do estado nacional, que, no exercício da sua soberania, irá apontar os casos em que serão integrados à ordem jurídica interna. Nesse contexto, os atos públicos estrangeiros são considerados nacionais por extensão.
De acordo com os princípios de Direito Internacional Privado, a lei estrangeira é adotada no direito nacional sempre que um critério de conexão admiti-la expressamente. A administração pública estrangeira pode realizar atos no território nacional sempre que o governo nacional autorizar, e, da mesma forma, a jurisdição estrangeira terá eficácia no direito nacional sempre que um juízo nacional recepcioná-la.
Enfim, a soberania nacional jamais é ofendida enquanto as autoridades públicas nacionais detiverem o poder para autorizar e acompanhar o ingresso desses atos públicos estrangeiros no território nacional.
No tocante à cooperação interjurisdicional, a recepção de atos judiciais estrangeiros é por meio de jurisdição nacional, que tem a finalidade de declarar a compatibilidade do ato judicial estrangeiro com os princípios fundamentais do estado nacional.
Essa declaração é de natureza jurisdicional e comumente denominada de reconhecimento, sendo que, no Brasil, a doutrina utiliza a expressão “delibação”, influenciada pelo sistema italiano, pois o que há é uma jurisdição pontual, restrita à aferição da observância aos princípios fundamentais, sem possibilidade de análise de mérito originário, de modo a vedar ao juiz nacional o papel de instância recursal do juiz estrangeiro.
É importante registrar que é a falta de controle judicial no plano interno, ou a falta de possibilidade do controle dos atos públicos estrangeiros de natureza jurisdicional, por um órgão judicial nacional, que significa ofensa à soberania nacional. O mesmo ocorreria com a aplicação de lei estrangeira, sem previsão em regra nacional, ou com a atuação administrativa de agente estrangeiro, sem autorização e acompanhamento de agente público nacional.
No caso específico da jurisdição, é irrelevante saber qual o órgão judicial responsável para tal controle. É imprescindível, contudo, que esteja em condições de exercer jurisdição.
A cooperação jurídica internacional, inerente ao direito processual internacional, envolve o intercâmbio de atos judiciais ou de atos administrativos, destinados à atuação judicial, entre autoridades de estados distintos.
A realização de jurisdição executiva ou de urgência, no território nacional, que sejam no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, por significar eficácia interna de ato jurisdicional estrangeiro, depende de sua compatibilidade com a ordem pública (princípios fundamentais), o que é atestado no processo de reconhecimento – delibação.
Entretanto, a realização no território nacional de atos judiciais, sem conteúdo jurisdicional, ou ainda de atos administrativos, estrangeiros, no interesse de jurisdição estrangeira, não necessita do referido processo de reconhecimento, podendo ser esses atos praticados, desde que em conjunto com autoridades judiciais ou administrativas nacionais.
A indispensabilidade do processo de reconhecimento (delibação) decorre do risco de ofensa, à soberania que ocorreria com a recepção de uma jurisdição estrangeira, declarando direitos em definitivo, ou com efeito coercitivo, que fosse contrária a princípios fundamentais do estado nacional.
Com os atos estrangeiros, administrativos e os judiciais, sem conteúdo decisório, não haveria esse risco de ofensa à soberania, justamente por não serem jurisdicionais, já que não produzem coisa julgada nem são coercitivos no sentido jurisdicional.
No Brasil, a Constituição Federal prevê dois procedimentos de cooperação jurídica internacional em matéria civil que reclama, no território nacional, algum tipo de atuação judicial: a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira. (art. 105, I, “i”)
A cooperação que reclama atuação apenas de agente administrativo brasileiro é realizada independentemente de carta rogatória, homologação de sentença estrangeira ou extradição. Tal modalidade de cooperação pode facilmente ser enquadrada no “auxílio direto” previsto no art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ.
O auxílio direto tem por objeto, segundo o Ministério da Justiça:
“O auxílio direto diferencia-se dos demais mecanismos porque nele não há exercício de juízo de delibação pelo Estado requerido. Não existe delibação porque não há ato jurisdicional a ser delibado. Por meio do auxílio direto, o Estado abre mão do poder de dizer o direito sobre determinado objeto de cognição para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Não se pede, portanto, que se execute uma decisão sua, mas que se profira ato jurisdicional referente a uma determinada questão de mérito que advém de litígio em curso no seu território, ou mesmo que se obtenha ato administrativo a colaborar com o exercício de sua cognição. Não há, por conseqüência, o exercício de jurisdição pelos dois Estados, mas apenas pelas autoridades do Estado requerido”[4].
É, pois, o instrumento por meio do qual a integralidade dos fatos é levada ao conhecimento de judiciário estrangeiro para que profira decisão que ordene ou não a realização das diligências solicitadas. O auxílio direto passivo não enseja a concessão de exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe o parágrafo único do art. 7º da Resolução STJ n. 9, cabendo ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI, do Ministério da Justiça, as providências junto às autoridades competentes para o seu cumprimento.
Podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada. Tratados específicos trazem algumas medidas específicas que podem ser obtidas por esse mecanismo. É o caso, por exemplo, das decisões de busca, apreensão e retorno de crianças ilicitamente subtraídas do convívio de um dos pais, nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000).
Ao contrário do que ocorre nos mecanismos tradicionais de cooperação, onde o pedido de cooperação enseja apenas um procedimento, o auxílio direto origina obrigatoriamente dois procedimentos. O primeiro deles nasce com o pedido de cooperação lavrado pela autoridade requerente e, após análise e seguimento pelas autoridades competentes, chega às autoridades do país requerido para formar o procedimento internacional do auxílio direto. Em busca do atendimento do pedido, devem tais autoridades buscar o início do procedimento pertinente, que pode ser judicial ou administrativo. Este segundo é um procedimento nacional, portanto. Assim é que o auxílio direto, na verdade, forma-se a partir da junção de dois procedimentos específicos e separados: o procedimento internacional, também chamado genericamente de pedido de cooperação ou pedido de auxílio jurídico (este último especialmente no auxílio direto em matéria penal) e o procedimento nacional. O procedimento nacional, por sua vez, pode ser um processo administrativo, um incidente processual judicial específico, como os pedidos do Ministério Público Federal para a obtenção de quebras de sigilo bancário no Brasil ou uma ação judicial, a exemplo do que ocorre com as ações de busca, apreensão e retorno movidas pela União nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.
Dessa maneira, o procedimento de auxílio direto permitiria uma classificação. O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional, como, por exemplo, para atos de comunicação processual ou atos de natureza probatória, poderia ser denominado “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública, a exemplo de investigações conjuntas do Ministério Público ou de autoridades policiais, poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”. Portanto, as últimas considerações são as seguintes: o auxílio direto, no Direito brasileiro, é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional.
O auxílio direto judicial, de competência de juízes de 1ª instância, é o procedimento de jurisdição voluntária destinado ao intercâmbio direto entre juízes, sempre que reclamar de juízes nacionais, atos sem conteúdo jurisdicional.
O auxílio direto administrativo é o procedimento administrativo destinado ao intercâmbio direto entre órgãos da Administração Pública, ou entre juízes estrangeiros e agentes administrativos nacionais, sempre que reclamar atos administrativos de agentes públicos nacionais.
O julgamento do auxílio direto judicial no Brasil é entregue aos juízes federais de 1ª instância, nos termos do artigo 109 da CF, seja porque figuram como parte o Ministério Público Federal ou a União, seja porque a medida busca cumprir tratado do qual o Brasil é parte.
Nesse passo, são requisitos do auxílio direto:
“(i) base legal por meio da qual se efetua a solicitação – acordo ou garantia de reciprocidade;
(ii) indicação da autoridade requerente;
(iii) indicação das autoridades centrais requerente e requerida;
(iv) sumário contendo número(s) e síntese(s) do(s) procedimento(s) ou processo(s) no país requerente os quais servem de base ao pedido de cooperação;
(v) qualificação completa e precisa das pessoas às quais o pedido se refere (nome, sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço, data de nascimento, e, sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte);
(vi) narrativa clara, objetiva, concisa e completa, no próprio texto do pedido de cooperação jurídica internacional, da base factual que lhe deu origem, incluindo:
a. descrição, em um único documento, dos fatos ocorridos, indicando o lugar e a data;
b. quando os fatos forem complexos, resumo descritivo dos fatos principais;
c. descrição do nexo de causalidade entre o procedimento em curso, os envolvidos e as medidas solicitadas no pedido de auxílio;
d. referência expressa e apresentação da correlação da documentação que se julgue necessário anexar ao pedido de cooperação jurídica internacional.
(vii) referência e transcrição literal e integral do texto dos dispositivos legais aplicáveis, destacando-se, em matéria criminal, os tipos penais;
(viii) descrição detalhada do auxílio solicitado, indicando:
a. nos casos de rastreio ou bloqueio de contas bancárias, o número da conta, o nome do banco, a localização da agência bancária e a delimitação do período desejado, bem como, expressamente, a forma de encaminhamento dos documentos a serem obtidos (meio físico ou eletrônico);
b. nos casos de notificação, citação ou intimação, fornecer qualificação da pessoa a ser notificada, citada ou intimada (nome, sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço completo, data de nascimento, e, sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte);
c. nos casos de interrogatório e inquirição, apresentar o rol de quesitos do juízo requerente e das partes a serem formulados;
(ix) descrição do objetivo do pedido de cooperação jurídica internacional;
(x) qualquer outra informação que possa ser útil à autoridade requerida, para os efeitos de facilitar o cumprimento do pedido de cooperação jurídica internacional;
(xi) outras informações solicitadas pelo Estado requerido;
(xii) assinatura da autoridade requerente, local e data”.
No entanto, quanto à outra categoria de cooperação, a que reclama algum tipo de atuação judicial no plano nacional, persiste uma dúvida. Como a Constituição Federal é omissa, quais seriam os limites do legislador infraconstitucional para estabelecer o objeto da carta rogatória e da homologação de sentença estrangeira?
A única forma de conceber a existência de dois procedimentos autônomos de cooperação é admitindo uma diferenciação entre eles. Isso é óbvio. O procedimento da carta rogatória deve ser distinto do procedimento da homologação. E o que deve justificar um procedimento diferenciado é a natureza do ato estrangeiro que se pretende importar.
O Regimento Interno do STF fixa, no seu art. 220, caput, o prazo de quinze dias para contestação na homologação de sentença estrangeira, e, no art. 226, o prazo de cinco dias para impugnação na carta rogatória. É essa, a nosso juízo, a única distinção substancial. Afigura-se razoável, portanto, que a carta rogatória tenha por objeto ato jurisdicional estrangeiro que reclame um processo de reconhecimento (delibação) célere ou de cognição sumária, ao passo que a homologação permaneça com procedimento que permita uma cognição exauriente quanto à delibação.
Nesse ponto, a jurisdição estrangeira de urgência, no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, sujeitar-se-ia ao procedimento de carta rogatória, enquanto que a jurisdição executiva ou o efeito de coisa julgada, relacionados com a decisão cognitiva estrangeira, ao procedimento de homologação de sentença estrangeira.
À luz das regras constitucionais vigentes e, ainda, de princípios do Direito Internacional Privado, nada impede que apenas a cooperação que reclame jurisdição nacional seja alvo de reconhecimento perante o STJ.
As demais modalidades de cooperação, que dependem de atos judiciais sem conteúdo decisório, tais como os atos judiciais de comunicação ou de natureza probatória, ou ainda os atos administrativos, não reclamam, necessariamente, o procedimento da carta rogatória ou da homologação de sentença estrangeira.
Nesse ponto, merece aplausos o art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, que, embora sem força de lei, é forte indicativo de posicionamento jurisprudencial que se avizinha quanto à cooperação direta de atos judiciais sem conteúdo decisório ou de atos administrativos.
Entretanto, insistimos com a tese de que tanto a jurisdição executiva quanto a jurisdição de urgência, decorrentes ou no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, deveriam ser postuladas perante o juízo nacional que fosse competente para a matéria, segundo a legislação processual interna.
Nesse sentido, a PEC 152/99, lamentavelmente arquivada, continha o seguinte texto: “ao juiz da execução compete julgar a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias“.
Permito-me transcrever trecho de sua Exposição de Motivos:
“A proposta de Emenda à Constituição Federal que ora submetemos à apreciação dos ilustres pares visa transferir a competência processual para homologação de sentença estrangeira e execução de carta rogatória do Supremo Tribunal Federal aos juízes de primeiro grau competentes para execução de sentença. Hoje, o rito, criado no início do século, encontra-se inteiramente anacrônico, incompatível com o dinamismo e a crescente circulação de leis e de pessoas na sociedade moderna; sobretudo no momento em que mais e mais se caminha para a globalização da economia, com a criação de organismos multinacionais e a integração dos sistemas jurídicos. Atualmente, o cumprimento de uma sentença estrangeira entre nós passa pelo crivo de dois graus de jurisdição. Primeiramente, é apreciada pelo Supremo Tribunal Federal e, uma vez homologada, a parte ingressa com a execução perante o juiz federal singular. Em verdade, não há motivo relevante que justifique tal competência da Corte Constitucional, sendo esse o entendimento da doutrina e até mesmo dos próprios Ministros do STF, que já tiveram oportunidade de se manifestar, por ocasião de audiências públicas da Reforma do Judiciário, como os Ministros Carlos Mário Velloso, Marco Aurélio Mello, e José Celso Mello Filho. Todos acordam que nesses casos, a execução poderá ser feita de juízo a juízo, sem prever intervenção do STF. O Ministro Celso Mello chegou a citar o exemplo de uma carta rogatória do Uruguai para execução de dívida, que poderia ter sido intimada em uma semana, porém, em face da tramitação burocrática, levou mais de oito meses para que o devedor fosse intimado.”
Apenas com essa alteração constitucional, afastando a competência concentrada no Superior Tribunal de Justiça, para o reconhecimento e delibação, é que teremos uma verdadeira integração judicial no plano internacional, pois o atual sistema, além de não permitir celeridade, é capaz de inviabilizar, em alguns casos, a efetividade de medidas de urgência em favor de estados estrangeiros, o que, data vênia, vem pondo o estado brasileiro diante de constrangedora situação, especialmente quando reclama no exterior, medidas que seriam negadas no nosso direito.
Por outro lado, felizmente o texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010), em trâmite na Câmara sob o n. 8.046/10 e cuja comissão de juristas que o elaborou, foi presidida por Luis Fux, então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, trouxe em Capítulo II (Da Cooperação Internacional), especificamente no artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto, veja-se:
“Art. 27. Os pedidos de cooperação jurídica internacional serão executados por meio de:
I – carta rogatória;
II – ação de homologação de sentença estrangeira; e
III – auxílio direto.
Parágrafo único. Quando a cooperação não decorrer de cumprimento de decisão de autoridade estrangeira e puder ser integralmente submetida à autoridade judiciária brasileira, o pedido seguirá o procedimento de auxílio direto”. (negritos lançados)
Semelhantemente, segundo o comentado projeto, o auxílio direto também servirá como ferramenta para viabilizar pedidos de cooperação jurisdicional nacional. É o que prevê o artigo 69:
“Os pedidos de cooperação jurisdicional devem ser prontamente atendidos, prescindem de forma específica e podem ser executados como:
I – auxílio direto;
II – reunião ou apensamento de processo;
III – prestação de informações;
IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.”
Esperamos para que o dispositivo seja integralmente aprovado como força de lei ordinária federal, já que é necessário superar conceitos ultrapassados e difundir novas práticas, sem o que arriscaremos perecer diante da nova ordem mundial.
Sob tal prisma, não há razões principiológicas para manter a competência em um único órgão judicial para o reconhecimento ou delibação de atos jurisdicionais estrangeiros, devendo haver urgente alteração constitucional, para consagrar, na plenitude, o auxílio direto entre juízes de estados diversos.
3. O auxílio direto e a duração razoável do processo
Como acima elucidado, o auxílio direto serve para atos de cooperação que prescindam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, para os quais os juízes nacionais passam a ter inteira liberdade de apreciação e decisão. O instituto difere da carta rogatória porque nesta, a medida decorre de decisão da autoridade judicial estrangeira, tomada em processo do qual o juiz nacional não tem conhecimento ou, tampouco, qualquer poder além de conceder ou negar o cumprimento daquilo que lhe foi rogado.
Não será possível, contudo, a execução de ordem judicial estrangeira por meio do pedido de auxílio direto, sob pena de usurpar-se a competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, quando o juiz nacional exerce inteira cognição do pedido, inaugurando uma ação autônoma no Brasil, verifica-se a cooperação jurídica pela via do auxílio direto, medida que se revela adequada em determinados casos, em muito contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional no âmbito internacional.
A tramitação do pedido de assistência legal, como se vê, acontece de maneira ágil e direta, sem a intervenção de tribunais superiores ou vias diplomáticas, em geral mais lentas.
A relevância que vem assumindo essa espécie de cooperação internacional é demonstrada pelo surgimento, os últimos anos, de redes de cooperação, que têm como objetivo, precisamente, facilitar e acelerar a cooperação direta entre os Estados que as integram, provendo informações jurídicas e práticas que viabilizem a formulação correta dos pedidos de auxílio.[5]
Sob tal prisma, introduzida no meio jurídico em dezembro de 2004, a Emenda Constitucional n. 45, que ficou comumente conhecida como a Reforma do Judiciário, repercutiu relevantemente em relação ao sistema processual civil brasileiro.
A angústia pela ineficiência de certa parte da máquina judiciária acabou por motivar tal reforma, que principia com a consagração do direito individual a uma atividade jurisdicional de razoável duração e a instrumentalização que garanta a celeridade que a função jurisdicional necessita.
Dispositivo emblemático dessa preocupação foi aquele albergado no inciso LXXVIII, do artigo 5º da nossa Carta Política, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Acentue-se que, pelo ponto de sua inserção, a regra acima transcrita foi alojada no rol dos direitos e garantias fundamentais. Fato que, só por si, revela a força que o legislador quis atribuir a essa norma, qualificando-a como um vetor de orientação para a atividade estatal.
Apesar dessa “nova” fórmula, desse “novo” preceito, há quem afirme que o texto anterior já expressava, implicitamente, a garantia a uma razoável duração do processo.
Asseveram que o dispositivo encerrado no artigo 5º, XXXV, consagrador do direito de ação e da inafastabilidade do Judiciário, traduz o denominado pelos teóricos de acesso à ordem jurídica justa, a qual para assim ser adjetivada, necessita ser expedita, de molde a remediar as lesões a direitos consumadas e neutralizar as ameaças levadas ao conhecimento do Estado-juiz. Didier Júnior[6] afirma que:
“O conteúdo desta garantia [de acesso à justiça] era entendido, durante muito tempo, apenas como a estipulação do direito de ação e do juiz natural. Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua efetiva concretização. É necessário ir-se além. Surge, assim, a noção de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada”. (grifamos)
Na esteira da codificação dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, Tratados, Convenções e Pactos internacionais propuseram-se a incorporar em seus textos, dispositivos referentes à razoável duração do processo.
Estabelece o art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto San José de Costa Rica, do qual o Brasil é signatário:
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
A partir da conscientização acerca da necessidade da entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável, a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, também reconheceu, em seu art. 6º, §1º, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é uma Justiça inacessível.
Por oportuno, instituiu a citada Convenção a criação e funcionamento da Corte Européia de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, que, por meio da sua jurisprudência estabeleceu alguns critérios para se aferir a razoabilidade da duração do processo, quais sejam: a) a complexidade do caso; b) comportamento das partes; c) o comportamento dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição interna de cada país, para verificação em cada caso concreto sobre violação do direito à duração razoável do processo.
Destarte, observe-se já ser relativamente antiga a tendência mundial na busca por um processo adequado e justo, que seja capaz de solucionar em tempo hábil, o conflito de interesses colocado a exame do Poder Jurisdicional.
Partindo da premissa de que não basta apenas o direito ao processo, a um provimento jurisdicional, faz-se extremamente necessário que esta tutela prestada comporte um resultado útil, efetivo e capaz de atender as expectativas dos jurisdicionados, atendendo à realidade dos fatos.
De pouco ou nada adiantará uma Justiça realizada com incompreensível atraso. A demanda que se delonga por tempos e tempos se transforma em instrumento de revolta, descontentamento e indignação para os que dela necessitam ansiosamente uma solução de vida.
É de salutar importância que a entrega da tutela jurisdicional seja feita em tempo razoável e amparada pelas garantias fundamentais do processo, de forma que seja possível ao jurisdicionado ter assegurado de forma efetiva o seu direito, dentro de um lapso de tempo razoável.
Em nosso entendimento, o auxílio direto sinaliza um novo caminho e alternativa para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.
O estado democrático de direito exige prestação jurisdicional, célere, útil e efetiva; e, no mundo globalizado atual, não há como se obter efetividade sem a cooperação internacional, que funciona, pois, como instrumento viável à efetividade das decisões judiciais e como mecanismo garantidor de amplo acesso à justiça.
Neste viés, independentemente da concessão de tutela de urgência nos casos em que for cabível, espera-se que, com a previsão da competência do STJ, os procedimentos de homologação de sentença estrangeira, concessão de exequatur em cartar rogatórias e deferimento de auxílio direto, recebam tratamento ágil e sejam julgados em tempo razoável, representando um verdadeiro avanço, como foi o ideal perquirido pelo constituinte derivado e como esperam os operadores do Direito e os jurisdicionados.
Diante desse quadro, defendemos, como fundamental, a aplicação e o aperfeiçoamento do auxílio direto que propicia a concretização da cooperação jurídica internacional e nacional da maneira célere e mais eficiente possível, a fim de viabilizar a tal almejada duração razoável do processo.
4. Conclusão
Desenhada pela necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem, facilitem e, sobretudo, agilizem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional.
Nesta perspectiva, a presente pesquisa propôs-se a identificar e avaliar o procedimento denominado “auxílio direto” ou “assistência direta”, como ferramenta legal e eficaz para a promoção do consagrado direito fundamental à razoável duração do processo.
Com a insuficiência dos métodos clássicos de cooperação jurídica internacional, os Estados viram-se diante da necessidade de criar mecanismos ainda mais arrojados de colaboração interestatal. Surgiu, então, uma nova forma de cooperação, mais versátil e compatível com a era atual, que se convencionou chamar de Auxílio Direto (ou cooperação judiciária internacional stricto sensu).
O art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, dispôs sobre o cabimento do auxílio direto. No mesmo sentido, guiado pelos reiterados posicionamentos jurisprudenciais, o texto do substitutivo do novo CPC, trouxe em artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto.
A relevância que vem assumindo essa espécie de cooperação internacional é demonstrada pelo surgimento, os últimos anos, de redes de cooperação, que têm como objetivo, precisamente, facilitar e acelerar a cooperação direta entre os Estados que as integram, provendo informações jurídicas e práticas que viabilizem a formulação correta dos pedidos de auxílio.
Diante desse quadro, defendemos, como fundamental, a aplicação e o aperfeiçoamento do auxílio direto que propicia a concretização da obtenção transnacional de provas da maneira célere e mais eficiente possível, naqueles casos que não emanarem de cumprimento de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira.
Em linhas conclusivas, entendemos que o auxílio direto sinaliza um novo caminho para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.
Diante das demandas do mundo atual, resta ao nosso país adequar-se às inovações do direito internacional contemporâneo. Para isso, não se pode ignorar instrumentos, como o auxílio direto, que se propõem a diminuir distâncias, agilizar procedimentos, evitar a burocracia desmedida, respeitando, sempre, princípios básicos como a soberania, a ordem pública e os costumes nacionais.
Sob tal prisma, torna vital que nossos juízes estejam conscientes de suas imensas responsabilidades quanto à efetividade da cooperação internacional. Muito mais que um compromisso moral (a velha comitas gentium), a cooperação internacional tornou-se obrigação jurídica (art. 4º da Constituição) e imperativo de convivência civilizada entre os povos, que preserva e efetiva, no plano internacional, os valores fundamentais de justiça e solidariedade.
Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de Brasília com ênfase em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Especialista em Direito Empresarial e Contratos pelo Centro Universitário de Brasília e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Membro de Grupo de Pesquisa da Universidade Católica de Brasília – UCB. Membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Atualmente é advogado, sócio fundador do escritório Barbosa, Lobo & Meireles Advogados (BL&M, Advogados, Brasil) e professor universitário na cadeira de Direito Processual Civil. Tem experiência e atua nas áreas do Direito Civil, Empresarial, Societário e Internacional.
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