Resumo: Este artigo trata da questão do cabimento de indenização ao proprietário ou pessoa atingida pelas restrições impostas pelas áreas de preservação permanente. A pesquisa demonstra que as áreas de preservação permanente possuem natureza jurídica de limitação administrativa, e como tal, em regra não ensejam direito à indenização ou reclamação, diante da generalidade e abstração do comando legal (a limitação atinge todos os imóveis que se encontram em igual situação). Em determinados casos, entretanto, pode surgir o dever de o Poder Público indenizar. Isto ocorre sobretudo nas hipóteses em que a área de preservação permanente não decorre de lei, mas é instituída por ato do Poder Público, tendo como destinatário um imóvel determinado, ou um grupo de imóveis determinado.
Palavras-chave: Direito de Propriedade; Função social da propriedade; Limitação ao direito de propriedade; Área de preservação permanente
Abstract: This article deals with the question of application of compensation to the owner or person affected by the restrictions imposed by the permanent preservation areas. Research shows that the permanent preservation areas have legal administrative limitation and as such do not demand compensation or claims due to the generality and abstraction of legal command (the limitation affects all properties that are in the same situation). In certain cases, however, the government can be forced to refound. This occurs particularly in cases which the permanent preservation areas was established by act of the government, not by law, either for a particular property or a specific real state group.
Keywords: Property Rights; Social function of the property; Property rights limitation; Area of permanent preservation.
Sumário: Introdução – 1. A relativização do direito de propriedade – 1.1. A evolução do conteúdo jurídico do direito de propriedade – 1.1.1. A propriedade no ordenamento jurídico brasileiro – 1.2. A função social da propriedade e o seu impacto na propriedade pública e privada – 2. Da função social à função socioambiental da propriedade – 2.1. O direito ao meio ambiente equilibrado e a função Socioambiental da propriedade – 2.2. As restrições ao direito de propriedade impostas pelo Poder Público visando à adequação e o cumprimento da função social e socioambiental – 3. As áreas de preservação permanente – 3.1. Conceito e objetivos da criação de área de preservação permanente 3.2. A natureza jurídica das áreas de preservação permanente e o cabimento de indenização em favor do proprietário ou possuidor atingido pelo gravame – Conclusão – Referências
Introdução
Inicialmente, o direito de propriedade era considerado absoluto e concebido sob uma ótica marcadamente individualista: o proprietário dispunha do bem como lhe aprouvesse. Essa visão foi superada pela crescente intervenção do Estado na ordem econômica e social. O novo quadrou alterou a concepção de direito de propriedade, que adquiriu um caráter social, e se tornou um direito-dever condicionado à função social, aí incluída a função socioambiental.
Em conseqüência, ao proprietário é vedado o exercício de determinadas faculdades, devendo, sob a perspectiva da solidariedade, adequar o seu comportamento às determinações legais protetivas da coletividade e do meio ambiente.
Dentre os instrumentos de proteção ao meio ambiente que restringem o direito de propriedade estão as chamadas áreas de preservação permanente, sujeitas a regime de especial proteção, ao qual deve se curvar o proprietário.
Dessa conjuntura surge aparente conflito entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente equilibrado, pois, independentemente da vontade do proprietário, a proteção constitucional ao meio ambiente reduz o conceito de propriedade e acaba por retirar do exercício de tal direito um conjunto de condutas.
Por isso, é juridicamente questionado se as limitações impostas pelas áreas de preservação permanente ensejariam direito à indenização ao proprietário ou possuidor atingido pelas restrições. Para buscar responder a esta pergunta, analisar-se-á: a evolução do conteúdo jurídico do direito de propriedade, o dever de obediência à função social, que se desdobra em função socioambiental, as restrições ao direito de propriedade daí decorrentes, chegando ao conceito de área de preservação permanente e a sua natureza jurídica, essencial para delimitar o cabimento de eventual indenização.
1. A relativização do direito de propriedade
O direito de propriedade evoluiu desde a sua mais remota definição. Passou por uma profunda transformação, abandonando o caráter de direito individual e absoluto. No direito contemporâneo, ao mesmo tempo em que a propriedade é regulamentada como direito individual fundamental, revela-se o interesse público de sua utilização e de seu aproveitamento adequado aos anseios sociais. O direito de propriedade é, pois, relativizado.
Os direitos do homem são direitos históricos “que nascem e se modificam de acordo com as condições históricas e com o contexto social, político e jurídico em que se inserem”.[1] Assim é que o direito de propriedade, como direito inerente ao homem, evoluiu com ele próprio e com a organização social por ele constituída.
Na primeira dimensão de direitos[2] o direito de propriedade era marcado pelo cunho individualista: era considerado um direito exclusivo, inviolável, perpétuo e absoluto, sendo oponível erga omnes (inclusive contra as investidas do próprio Estado). Consistia no poder de usar, gozar, fruir e dispor das coisas em qualquer circunstância, sem nenhum limite.
Fábio Konder Comparato, citando Rousseau, ensina que no século XVIII, o direito de propriedade era considerado “o mais sagrado de todos os direitos dos cidadãos e mais importante, de certa forma, que a própria liberdade. (…) O fundamento do pacto social é a propriedade, e sua primeira condição que cada qual se mantenha no gozo tranqüilo do que lhe pertence”.[3] Recorda que os documentos políticos daquele momento histórico consagraram a propriedade como um direito fundamental:
“Tanto o Bill of Rights de Virgínia, de 12 de junho de 1776, em seu primeiro parágrafo,[4] quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia Nacional francesa em 1789, em seu art. 2º,[5] apresentam a propriedade, juntamente com a liberdade e a segurança, como direitos inerentes a toda pessoa, ou direitos naturais e imprescritíveis do homem.[6]”
Essa concepção individualista do direito de propriedade é marcada pela ideia de prioridade da liberdade individual e sua proteção contra a intervenção arbitrária do Estado. Não se concebia a possibilidade de limitação da propriedade visando a interesses sociais e difusos, nem a sujeição do proprietário a obrigações decorrentes de seu direito.
No entanto, como observa Vladimir Passos de Freitas, ao mencionar Gustav Radbruch: “a propriedade não tem apenas um lado positivo, o do gozo das coisas; tem também um lado negativo, o da exclusão de todos os demais desse gozo. (…) na sua forma sociológica chamada ‘capital’, a propriedade, no seu aspecto negativo, exclui os outros, não proprietários, não só da propriedade de certas coisas, como da propriedade de uma maneira geral”.[7] Desta forma, justificativa havia para se impor limite ao direito de propriedade.
Com a evolução socioeconômica ocorrida a partir do século XIX, o Estado Liberal entrou em crise, tendo sido revista a postura não intervencionista do Estado e a concepção individualista da sociedade. Exigiu-se do Estado a assunção do papel de agente regulador intervencionista na vida privada.
Surgiu, então, o Estado do Bem Estar Social, também conhecido como Estado-providência, ou Welfare State, uma estrutura de Estado que objetivava atender às demandas da população. Houve, por conseqüência, redução da liberdade e da autonomia privada, limitadas por normas de ordem pública. Este novo referencial alterou a concepção do direito de propriedade, que perdeu a feição de direito absoluto e intangível, adequando-se aos direitos sociais, difusos e coletivos (respectivamente, direitos de segunda e terceira dimensão) incorporados no ordenamento jurídico.
O Estado social desenvolveu um compromisso entre o direito de propriedade e determinadas exigências sociais. “Sem deixar de reconhecer a titularidade individual dos bens, deveres de atendimento a determinadas finalidades públicas passaram a constar das legislações, quando não dos próprios textos das constituições”, destaca Gustavo Ferreira Santos.[8]
A Constituição Mexicana de 1917 e a Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) representam o marco histórico que instrumentaliza a superação do paradigma individualista até então vigente, na medida em que incluem no texto constitucional, de forma inovadora, os direitos sociais. Além disso, inserem limitações à propriedade, retirando do instituto o manto de direito absoluto, impondo-lhe nova roupagem, direcionada à realização do interesse social. Sobre esta nova fase, Fernanda de Salles Cavedon dispõe:
“A configuração do Estado Contemporâneo, voltado para a proteção dos direitos sociais e o caráter marcadamente social da constituição de Weimar influenciaram grande parte das constituições dos Estados contemporâneos, que incorporaram a noção de Propriedade vinculada a uma Função social. Dentre os países que explicitaram em seus textos constitucionais a Função Social da Propriedade cita-se, a título de exemplo, Brasil, Itália, Espanha, Bolívia, Venezuela, Honduras, Paraguai, El Salvador e, Panamá.[9]”
Nesse contexto se insere a função social da propriedade, princípio de fundamentação da ordem econômica e social, importante aspecto para o tema objeto deste trabalho, que será adiante tratado.
O direito brasileiro, Público e Privado, acompanhou a evolução do instituto da propriedade partindo da concepção individualista até alcançar a noção contemporânea, que privilegia o atendimento da sua função social.
Na Constituição Imperial (1824)[10] e na Constituição Republicana (1891)[11] vigia o conceito liberal de propriedade, compatível com o período histórico de suas edições. Era garantido o direito de propriedade “em toda a sua plenitude”, excepcionado apenas pela desapropriação “por necessidade ou utilidade pública”.
Já a Constituição de 1934, iluminada pela Constituição de Weimar, trazia em seu bojo o direito de propriedade que “não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo”.[12]
A Constituição de 1937, por sua vez, afastou-se da precedente, na medida em que manteve o direito de propriedade sem fazer referência ao interesse social ou coletivo.[13] A Constituição subseqüente, de 1946, inovou ao inserir a regulamentação da propriedade entre os princípios da ordem econômica social, além de garanti-la como direito individual.[14]
A evolução legislativa teve continuidade e a partir da Constituição de 1967 o termo função social da propriedade passa a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.[15]
A Constituição de 1988 além de inserir a função social da propriedade entre os direitos e garantias fundamentais,[16] no capítulo dos “direitos e deveres individuais e coletivos” (art. 5º, XXII e XXIII),[17] a consagra como princípio da atividade econômica (art. 170, III)[18] e define o seu conteúdo para a propriedade urbana (art. 182, §2º)[19] e rural (art. 186).[20] A função social da propriedade, pois, foi acolhida pela Constituição de forma definitiva, estabelecendo um novo regime jurídico da propriedade, que visa a “satisfazer às necessidades particulares de seu possuidor e às necessidades da coletividade”,[21] sendo o proprietário titular de um “poder-dever”.
Nos dizeres de Vivian Bacaro Nunes Soares:
“Merece proteção constitucional apenas a propriedade que efetivamente cumprir sua função social, esta constitui elemento integrante do conteúdo do direito de propriedade, desta forma, o exercício deste direito deve ser direcionado a fim de compatibilizá-lo com a utilidade social.(…)
A previsão constitucional acerca da propriedade não se restringe ao âmbito dos Direitos Fundamentais, integra, também a ordem econômica (art. 170, CF). Função social passa a incluir-se no próprio conteúdo do direito de propriedade, de tal forma que, no desenvolvimento de atividades econômicas, a propriedade deverá além de atender às necessidades particulares do proprietário, harmonizar-se aos interesses da sociedade.[22]”
O Código Civil, que também cuida do instituto da propriedade, tal como o texto constitucional, teve, paulatinamente, as implicações da nova mentalidade jurídica.
O Código Civil de 1916 não trazia qualquer referência à funcionalidade da propriedade. Adotou a concepção clássica, assegurando ao proprietário, no art. 524, “o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”, e no art. 527 complementou que “o domínio presume-se exclusivo e ilimitado até prova em contrário”. O direito de propriedade era caracterizado como direito de primeira dimensão, limitado unicamente no interesse de outros particulares. Esses limites, segundo a classificação de Antônio Herman V. Benjamin, são denominados limites internos:
“São eles de natureza intrínseca e contemporânea à formação da relação de domínio, isto é, indissociáveis do próprio direito de propriedade, verdadeiros elementos de um todo, daí moldando-se como ônus inerentes à garantia. Na ausência deles, como se fossem o ar e a água que propiciam a vida, não se consolida o direito de propriedade, não é ele reconhecido e protegido pela ordem jurídica, pelo menos em sua plenitude.
Entre os limites internos tradicionais estão, exemplificativamente, o respeito aos direitos dos outros proprietários (regras de vizinhança), a proteção da saúde pública (proibição do consumo de entorpecentes, exigência de higiene nos estabelecimentos comerciais ou a possibilidade de execução de cães com hidrofobia, p. ex.) e o resguardo dos bons costumes (vedação de casas de prostituição, entre outros).
As regras de vizinhança encontram fundamento na máxima de que o direito de um estanca no direito de outrem, com o explícito propósito de facilitar o convívio social (…).[23]”
No Código Civil de 2002 a propriedade passa por uma releitura, adequando-se aos preceitos constitucionais. Destarte, passa a levar em conta a finalidade social da propriedade, de modo a conciliar o âmbito individual e o social. Eis a redação do art. 1.228, §1º:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
São mantidos, portanto, os citados limites internos ao direito de propriedade, e, com o amparo da função social, somados a eles os limites externos:
“De fato, no princípio do Século XX, surge outro feixe de restrições, agora sob o amparo da função social da propriedade, que atua, conforme destaca José Afonso da Silva, ‘na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens’. É nesse contexto funcional que mais aparece e justifica-se a proteção do meio ambiente (a Reserva Legal, as Áreas de Preservação Permanente, o controle das emissões poluidoras etc).(…)
Se os limites internos antecedem o direito de propriedade, os limites externos, diferentemente, lhe são consecutivos: pressupõem uma dominialidade que opera em sua plenitude, totalmente consolidada por respeitar os limites primordiais.[24]”
Nota-se, assim, que embora a funcionalização do instituto não exclua a garantia do direito de propriedade, a propriedade privada apresenta-se relativizada pela função social que lhe é conferida, uma vez que o direito de propriedade passa a ser exercido em benefício da coletividade, pois “Si Le droit de propriété doit être individuel, son exercice doit être social, c’est a dire que le propriétaire a le devoir de tenir compte de l’intérêt dês autres”.[25]
A partir dessa nova noção de propriedade, Gustavo Ferreira Santos sugere a definição do instituto como o “direito subjetivo que assegura ao indivíduo o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer esta faculdade contra todos que eventualmente queiram a ela se opor, desde que submetido às limitações legais e atendida a função social constitucionalmente definida”.[26]
A expressão “função social da propriedade” foi idealizada e difundida por Leon Duguit, no século XX, para quem a propriedade não é o direito do proprietário, mas sim sua função social. Assim, o proprietário não tem o direito subjetivo de usar a coisa, mas o dever de empregá-la de acordo com a finalidade imposta pela norma de direito objetivo.
Conforme observam Vivian Bacaro e Norma Sueli:
“No início do século XX, Leon Duguit desenvolveu o conceito propriedade função social. Desfez a idéia absoluta e individualista da propriedade, destacando no instituto uma missão social que deveria ser cumprida pelo seu titular. Em sua opinião, todo o indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade com uma função na razão direta do lugar que ocupa. Quem tem capital deve fazê-lo valer, aumentando a riqueza geral, de forma que será protegido se cumprir com esta função. Carlos Ari Sundfeld (1987, p. 56), citando Duguit, salienta que: (…) os códigos baseados no princípio individualista e civilista fundavam sua idéia de propriedade em duas preocupações: a de legitimar a apropriação, sem qualquer consideração sobre seu fundamento, e a de proteger a afetação da riqueza a uma finalidade meramente individual. (…) Para substituir a concepção de propriedade como poder exclusivo da vontade do titular sobre a coisa, em coerência com uma nova visão de liberdade, Duguit propôs a propriedade-função social, justificando-a: Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação de necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em conseqüência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida em que o fizer. A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário: é a função social do detentor da riqueza.” [27]
A doutrina de Duguit não ficou isenta de críticas, tendo sido considerada radical na época por ter apontado o conceito da função social como antítese ao direito subjetivo à propriedade. Não obstante, sua tese inaugurou importante corrente do pensamento jurídico e contribuiu de forma decisiva para a elaboração dos textos constitucionais que enfatizaram a função social da propriedade.
De fato, “a concepção que acabou efetivamente se difundindo foi a da função social como característica remodeladora, não como antítese do direito subjetivo de propriedade”. [28] Em verdade, é o cumprimento da função social que legitima o exercício do direito de propriedade pelo seu titular.
Diversos doutrinadores fazem oposição a Duguit, defendendo que a propriedade não é uma função social, “(…) mas contém uma função social, de tal forma que o proprietário deve ser compelido a dar aos bens um destino social, além daquele que atende ao seu próprio interesse, na intenção de, harmonizando o uso da propriedade ao interesse coletivo, se chegar ao plano da Justiça Social.”[29]
Os direitos individuais não mais são enxergados de forma isolada do interesse da coletividade. Todos aqueles interesses sociais identificados como valores dignos de tutela pela Constituição Federal devem ser levados em conta para se ver cumprida a função social da propriedade. Noções como solidariedade, dignidade social e justiça social têm relevância, a fim de qualificar ou definir um interesse merecedor ou não de tutela da parte do ordenamento jurídico.
Francisco Amaral, ao fazer uma abordagem genérica acerca da função social, também reflete com proficiência:
“Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais. Função social significa não-individual, sendo critério de valoração de situações jurídicas conexas ao desenvolvimento das atividades da ordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o bem-estar econômico coletivo. A idéia de função social deve entender-se, portanto, em relação ao quadro ideológico e sistemático em que se desenvolve, abrindo a discussão em torno da possibilidade de se realizarem os interesses sociais, sem desconsiderar ou eliminar os do indivíduo. (…) E ainda, historicamente, o recurso à função social demonstra a consciência político-jurídica de se realizarem os interesses públicos de modo diverso do até então proposto pela ciência tradicional do direito privado, liberal e capitalista. (…) A função social é por tudo isso, um princípio geral, um verdadeiro standard jurídico, uma diretiva mais ou menos flexível, uma indicação programática que não colide nem torna ineficazes os direitos subjetivos, orientando-lhes o respectivo exercício na direção mais consentânea com o bem comum e a justiça social.[30]”
Nessa linha de ideias, tem-se que o reconhecimento da função social da propriedade pelo texto constitucional e pelo Código Civil brasileiro exige que o detentor do direito de propriedade empregue a coisa na satisfação de suas próprias necessidades e coloque-a, também, a serviço da satisfação das necessidades sociais, buscando a harmonia entre os interesses individuais (isto é, do proprietário) e coletivos.
Francisco Eduardo Loureiro menciona que:
(…) “a função social seria um poder dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo. Na definição de José Diniz Moraes, a função social da propriedade “não é senão o concreto modo de funcionar a propriedade, seja como exercício do direito de propriedade ou não, exigido pelo ordenamento jurídico, direta ou indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações, restrições, estímulos ou ameaças, para satisfação de uma necessidade social, temporal e especialmente considerada.” [31]
E Judith Martins-Costa:
(…) “a função social exige a compreensão da propriedade privada já não como o verdadeiro monólito passível de dedução nos códigos oitocentistas, mas como uma pluralidade complexa de situações jurídicas reais que englobam concomitantemente um complexo de situações jurídicas subjetivas sobre as quais incidem escalonadamente, graus de publicismo e de privatismo consoante o bem objeto da concreta situação jurídica.(…)
A função social tem funções negativas e positivas, não constituindo apenas imposições de limites, mas, igual, conduzindo ao nascimento de deveres jurídicos positivos.[32]”
Francisco Eduardo Loureiro critica aqueles que confundem função social da propriedade com simples limitações ou restrições. Para ele,
“(…) basta lembrar que a mesma figura da função social serve para proteger com incentivos a pequena e média empresa. Serve para subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões do país. Serve para isentar do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou tombadas. Serve para a concessão de crédito em condições privilegiadas para a aquisição da casa própria ou para a instalação de indústrias geradoras de empregos. Serve para impedir a penhora sobre imóveis residenciais e suas pertenças. Em suma, fácil perceber que a função social pode servir de incremento e de incentivo a diversas formas proprietárias, ou de estímulo a determinadas condutas socialmente relevantes.”[33]
Não há uma definição precisa do conceito de função social da propriedade, salvo em relação a determinadas matérias (como por exemplo, aquelas elencadas nos citados artigos 182, § 2º e 186, da Constituição Federal, que estabelecem as hipóteses nas quais a função social da propriedade urbana e rural, respectivamente, é cumprida). Sendo assim, a função social da propriedade será definida e valorada, efetivamente, caso a caso, sopesando a atividade do proprietário em relação a determinado bem jurídico, sempre com o papel de estabelecer as mais justas relações sociais.
De qualquer modo, a propriedade, pública ou privada,[34] não é mais tida como o direito subjetivo de usar, gozar e dispor da coisa. Criou-se um complexo de obrigações, encargos e limitações que estruturam esse direito com o propósito de inibir uso abusivo.[35] Por exemplo, quando a lei não autorizar o proprietário de um bem imóvel a construir em determinado local, em razão das características ecológicas, significa que na condição de proprietário ele tem o dever de colaborar com um objetivo que é o de não prejudicar o meio ambiente.
E, na hipótese de o proprietário não cumprir o dever constitucional, sofrerá sanções diversas, conforme o grau de desídia e o modelo de propriedade. A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu:
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar‑se‑á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria CR. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Medida Cautelar em Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 2.213-0, Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, julgamento em 04 abr. 2002, Plenário, DJ de 23/04/2004).[36]
Desse modo, numa interpretação sistêmica, somente poderá ser garantido o direito à propriedade se cumprida a sua função social, ou seja, conquanto o exercício desse direito esteja de acordo com os objetivos sociais “maiores”, vinculados ao direito e dever de solidariedade, dentre os quais se inclui a proteção do meio ambiente.
A percepção do meio ambiente como bem difuso pertencente a todos e essencial à sadia qualidade de vida faz consolidar uma função ambiental a ser emprestada às propriedades, voltada para a manutenção do equilíbrio ecológico enquanto interesse de todos.
2.1. O direito ao meio ambiente equilibrado e a função socioambiental da propriedade
O direito ao meio ambiente equilibrado adquiriu status constitucional com a Constituição Federal de 1988, que estabelece no art. 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
A partir daí, o meio ambiente equilibrado passou a integrar o patrimônio indisponível do indivíduo e da coletividade, tendo adquirido a qualidade de direito fundamental, essencial, imutável e intangível.[37]
Paulo Affonso Leme Machado, ao definir o meio ambiente como direito subjetivo e de titularidade coletiva, destaca:
“O meio ambiente é um bem coletivo e de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por isso o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. Enquadra-se esse direito ao meio ambiente na ‘problemática dos novos direitos, sobretudo a sua característica de direito de maior dimensão, que contém seja uma dimensão subjetiva como coletiva, que tem relação com um conjunto de utilidades”.[38]
O dever de proteção ao meio ambiente não é papel isolado do Estado, trata-se de tarefa a ser compartilhada com a coletividade. Ao julgar o mandado de Segurança nº 22.164, o ministro relator Celso de Mello defendeu:
“O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Mandado de Segurança nº 22.164, Rel. Min. Celso de Mello. Brasília, julgamento em 30 out. 1995, Plenário, DJ de 17/11/1995).[39]
O fato de a Constituição Federal ter definido a qualidade ambiental como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, cuja titularidade é difusa – macrobem -, faz com que ele seja submetido a um peculiar regime jurídico de uso e fruição, revestindo-se de características como a inapropriabilidade, indisponibilidade e indivisibilidade, dado o interesse transindividual que o perpassa. Desta sorte, ainda que de propriedade particular, não integrariam o patrimônio disponível de seu proprietário.
Em vista desse entendimento, impõe distinguir macrobem e microbem. Macrobem é o meio ambiente como um todo, é incorpóreo e imaterial. Seriam bens ambientais, por exemplo, as características ecológicas que advém de uma floresta, como a beleza cênica, a produção de oxigênio, etc., são de uso público, e, como dito, insuscetível de apropriação. O microbem, por sua vez, é todo aquele elemento constituinte e integrante do meio ambiente, indispensável à proteção do todo. São bens como um rio, um bosque, o mar, etc. Podem ser públicos ou privados, e ter regime de propriedade variado.
Nessa ótica, não pode o proprietário do microbem utilizá-lo como queira, colocando em risco o equilíbrio ecológico, que é de titularidade coletiva. Ora, se não há como dissociar a preservação do meio ambiente do bem estar social, o exercício do direito de propriedade não pode comprometer o equilíbrio do meio ambiente. O uso da propriedade deve adequar-se às exigências de ordem ambiental, compatibilizando a esfera do direito individual e do direito difuso. Justamente nesse aspecto reside o cerne do conteúdo da função socioambiental da propriedade.
Annelise Monteiro Steigleder, ao dispor sobre a função socioambiental da propriedade, refere:
“No que concerne ao seu objeto, a função ambiental versa ora sobre o meio ambiente entendido na sua acepção de interesse difuso, independente dos elementos que o integram, ora sobre os seus fragmentos (uma montanha, um rio, um ecossistema localizado).
(…) o interesse ambiental, objeto da função ambiental, consiste na expectativa do cidadão e da sociedade na manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado através da prevenção, reparação e repressão do dano ecológico. Em outras palavras: o interesse ambiental é um juízo entre uma necessidade (a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos da Constituição de 1988) e os meios disponíveis a sua satisfação (prevenção, reparação e repressão). Interesse este que, na medida em que reflete uma necessidade de todos, não se adequa a uma moldura exclusivamente individual. A característica maior do interesse ambiental é exatamente a de não se prender a um único indivíduo. De qualquer modo, será individual quando o juízo for de um só indivíduo e será não-individual (coletivo, difuso, público) quando o juízo ultrapassar as fronteiras do sujeito isolado.” [40]
Importa notar que a preservação do meio ambiente também foi incluída entre os princípios gerais da atividade econômica, ao lado do princípio da função social da propriedade (art. 170, VI).[41] Ao contemplar no mesmo plano os princípios do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o princípio da propriedade privada e o princípio da função social, o legislador evidenciou a necessidade de se compatibilizar tais princípios, para que não haja sacrifício total de um ou de outro, em caso de conflito real.
Nessa ótica, Paulo Roberto Pereira de Souza observou que a função social da propriedade deve ser entendida em sua tríplice dimensão: laboral, social e ambiental:
“Dessa forma deve ser produtiva de maneira a atender, a gerar e a distribuir riqueza, fixando o homem no campo e propiciando-lhe condições de vida digna. A dimensão social é entendida como a responsabilidade do proprietário em fazer um uso adequado de maneira a preservar o interesse coletivo atendendo necessidades das gerações atuais e das gerações futuras de modo a efetivar a equidade intergeracional. Finalmente a dimensão ambiental é resultante do uso racional e equilibrado da terra que é um bem de fruição individual, mas de responsabilidade coletiva em razão de suas importâncias para atender as necessidades humanas e manter o equilíbrio ecológico em um ambiente equilibrado capaz de propiciar sadia qualidade de vida.”[42]
A função social que impõe ao proprietário a preservação do meio ambiente acaba por restringir o exercício do direito de propriedade, independentemente da vontade do particular, obrigando que o exercício de propriedade se adeque à defesa e preservação do meio ambiente.
Referindo-se às lições de relevantes doutrinadores, Annelise observa:
“Álvaro Luiz Valery Mirra refere que a função social ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade como aquela restrição tradicional por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a propriedade concretamente se adéque à preservação do meio ambiente.
No mesmo sentido é a lição de Eros Roberto Grau, ao afirmar que o princípio da função social da propriedade (o que também diz respeito ao meio ambiente) atua "como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade. Vinculação inteiramente distinta, pois, daquela que lhe é imposta mercê de concreção do poder de polícia”.[43]
Desta sorte, preconiza Armando Henrique Dias Cabral que a propriedade privada não se tornou algo intocável. Se o seu uso estiver em desacordo com a função social, “vale dizer, do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, à tranqüilidade pública, ao respeito às demais propriedades, à estética urbana e aos direitos individuais ou coletivos, (…) o Poder Público tem o dever de limitá-la administrativamente",[44] por força do poder de polícia.[45]
Da compreensão do quanto exposto tem-se que a fim de se adequar às novas demandas de ordem ambiental, a Constituição Federal deu legitimidade para o Poder Público interferir nas atividades e interesses privados, e, nesse sentido, ensejou limitações administrativas e intervenções na propriedade, com o escopo de garantir e preservar o meio ambiente para presentes e futuras gerações.
Discriminar as limitações ao direito de propriedade no Brasil, do ponto de vista do meio ambiente, não é tarefa fácil. Vladimir Passos de Freitas identifica as seguintes: desapropriação (no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada; e no caso de reforma agrária por interesse social, previstas respectivamente nos arts. 182, § 4º, III e 184, da Constituição Federal);[46] tombamento, criação de espaços territoriais dotados de atributos ambientais relevantes que merecem especial proteção, dentre outras.
O que interessa para este trabalho e serão adiante esmiuçadas são as áreas de preservação permanente, espécie do gênero espaços territoriais especialmente protegidos.
Como uma das formas de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal, no art. 225, § 1º, III,[47] estabeleceu ao poder público a atribuição de definir em todas as unidades da federação os espaços territoriais dotados de atributos ambientais relevantes (pela sua beleza, biodiversidade, função ambiental) e trouxe a obrigação de protegê-los, limitando a atuação do proprietário.
O mesmo artigo assegurou que a alteração e a supressão desses espaços somente pode se dar por meio de lei. Esta disposição, segundo Frederico Amado, busca dificultar o retrocesso na proteção ambiental no Brasil:
(…) “sendo consectário do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes da República.
Isso porque apenas a lei oriunda do órgão legislativo da entidade política criadora do espaço ambiental protegido poderá prever as seguintes situações indesejáveis: a) diminuição da sua dimensão; b) redução da proteção ambiental; e c) extinção do espaço protegido.(…)
Trata-se de competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pois todos deverão definir espaços territoriais e seus componentes a serem protegidos.”[48]
Uma vez definidos os espaços territoriais relevantes, caberá ao proprietário respeitar as normas de preservação a eles aplicáveis, pois, do contrário, estará descumprindo a função socioambiental da propriedade, sujeitando-se às penalidades legais decorrentes do “uso irregular da propriedade”.[49]
A questão que se coloca é saber se a constituição desses espaços implica ao proprietário ou possuidor da área o direito à indenização, tendo em vista a diminuição do exercício de seu direito de propriedade. Para se chegar a esta questão, delimitar-se-á, nos tópicos subseqüentes, o conceito de área de preservação permanente, a natureza jurídica do instituto, e, finalmente, a tendência da jurisprudência acerca da celeuma.
A proteção das áreas de preservação permanente não é novidade. Era prevista nos antigos Códigos Florestais (Decreto nº 23.793/1934 e Lei nº 4.771/1965), além de ser mais um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme prevê o art. 9º, IV, da Lei 6938/81.[50]
Com a aprovação do novo Código florestal (Lei 12.651/2012), o tema ganhou nova regulamentação.[51] O art. 3º, II, assim define área de preservação permanente: “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.
Registra, inicialmente, quanto à situação do imóvel, que o enquadramento da área de preservação permanente independe da existência de vegetação nativa no local. Daí se depreende que o que motiva a atribuição de regime diferenciado a estas áreas é a localização em que se encontram e as funções ecológicas que desempenham.
Duas são as modalidades de áreas de preservação permanente previstas no novo Código Florestal: aquelas do art. 4ª, criadas por força da lei, ou seja, são assim reconhecidas pelo só efeito da lei, estando protegidas pelo simples fato de existirem materialmente; e, as previstas no art. 6º, instituídas por ato do poder público, isto é, dependem da expedição de um ato administrativo específico do Poder Público para serem protegidas.[52]
As áreas definidas no art. 4º o são em função de sua localização, aplicando-se tanto à zona rural quanto à urbana, independentemente da adoção de alguma providência de demarcação pela Administração Pública.
“Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII – os manguezais, em toda a sua extensão; VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação; X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. § 1º. Não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais. § 2º. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). § 3º. (VETADO).
§ 4º. Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama. § 5º. É admitido, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3o desta Lei, o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre. § 6º. Nos imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos fiscais, é admitida, nas áreas de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo, a prática da aquicultura e a infraestrutura física diretamente a ela associada, desde que: I – sejam adotadas práticas sustentáveis de manejo de solo e água e de recursos hídricos, garantindo sua qualidade e quantidade, de acordo com norma dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente; II – esteja de acordo com os respectivos planos de bacia ou planos de gestão de recursos hídricos; III – seja realizado o licenciamento pelo órgão ambiental competente; IV – o imóvel esteja inscrito no Cadastro Ambiental Rural – CAR. V – não implique novas supressões de vegetação nativa. § 7º.” (VETADO). § 8º. (VETADO). § 9º. (VETADO).
As áreas definidas no art. 6º, por sua vez, o são em razão de sua destinação, não havendo localização exata. Cabe ao chefe do Poder Executivo declará-las de interesse social (por meio de decreto do Prefeito, do Governador ou do Presidente da República):
“Art. 6º. Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II – proteger as restingas ou veredas; III – proteger várzeas; IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII – assegurar condições de bem-estar público; VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares. IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.” (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
O regime jurídico incidente em cada caso depende das diversas modalidades de áreas de preservação permanente, levando-se em conta, ainda, se ela se encontra em área consolidada[53] ou em área não consolidada. Às áreas consolidadas se aplica o quanto disposto nos artigos 61-A,[54] e seguintes, introduzidos pelo novo Código Florestal, no capítulo das “Disposições Transitórias”.
Em regra, é vedada a supressão de vegetação em área de preservação permanente, salvo nas hipóteses de autorização legal expressa para tanto (em caso de utilidade pública e interesse social devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio; ou atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental).[55] O desrespeito às regras aplicáveis a cada espécie implica no uso nocivo da propriedade e acarreta desvirtuamento da função social e degradação ambiental.
Em vista disso, aquele que adquirir um imóvel rural ou urbano com passivo ambiental será responsável pela degradação, ainda que ela tenha sido perpetrada pelo antigo dono, antes da compra. A sucessão da responsabilidade se dá porque, em se tratando de direito ambiental, as obrigações daí decorrentes trazem natureza propter rem (em razão da coisa), isto é, aderem ao titular do direito real e acompanham os novos proprietários e possuidores ad infinitum, independentemente de sua manifestação de vontade, expressa ou tácita. Este é o entendimento doutrinário, jurisprudencial, além de estar alicerçado nos artigos 2º, §2º, e 7º, §§ 1º e 2º, ambos do novo Código Florestal.[56]
Esta a percepção de Edis Milaré, que sobre o assunto comenta:
“É com base neste princípio [princípio da função social e ambiental da propriedade] que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, pois é certo que tal obrigação possui caráter real – propter rem-, isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for bastando para tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor.”[57]
A definição da natureza jurídica das áreas de preservação permanente é essencial para delimitar o cabimento de indenização ao proprietário ou possuidor de imóvel sobre o qual pesam as restrições impostas pelas regras especiais de proteção ambiental.
Acerca do assunto, houve importante debate doutrinário e jurisprudencial, diante do conflito aparente entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente. A questão era abordada à luz do antigo Código Florestal, legislação hoje revogada. Neste trabalho, o tema será rediscutido, levando em consideração as inovações trazidas pelo novo Código Florestal e a jurisprudência recente.
A doutrina majoritária considera as áreas de preservação permanente como uma forma de limitação administrativa, definida por Hely Lopes Meirelles como sendo “toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social”.[58] Tratam-se de restrições ao uso, sem a perda da posse.
Considerando que a grande característica da limitação administrativa é a sua generalidade – uma vez que não é imposta a destinatários específicos e sim a toda uma categoria de bens -, não obstante condicione a plenitude do exercício do direito de propriedade, não demandaria, segundo a orientação doutrinária prevalecente, o pagamento de nenhum tipo de indenização ao proprietário. Eventual prejuízo daí decorrente seria para todos (proprietários de determinada categoria de bens) e em favor de todos (do interesse coletivo).
Assim é o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho:
“No caso das limitações administrativas, o Poder Público (…) pretende condicionar as propriedades à verdadeira função social que delas é exigida, ainda que em detrimento dos interesses individuais dos proprietários. Decorrem elas do ius imperii do Estado, que, como bem observa Hely Lopes Meirelles, tem o domínio eminente e potencial sobre todos os bens de seu território, de forma que, mesmo sem extinguir o direito do particular, tem o poder de adequá-lo coercitivamente aos interesses da coletividade.(…)
A manifestação volitiva do Poder Público no sentido das limitações pode ser consubstanciada por leis ou por atos administrativos normativos. Serão eles sempre gerais, porque contrariamente ao que ocorre com as formas interventivas anteriores, as limitações não se destinam a imóveis específicos, mas a um grupamento de propriedades em que é dispensável a identificação. Há, pois, indeterminabilidade acerca do universo de destinatários e de propriedades atingidas pelas limitações.(…)
Se quisermos caracterizar a natureza jurídica das limitações, poderíamos dizer que se trata de atos legislativos ou administrativos de caráter geral, que dão o contorno do próprio direito de propriedade.(…)
Sendo imposições de ordem geral, as limitações administrativas não rendem ensejo à indenização em favor dos proprietários. As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade, abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta.(…)
Não incide, por conseguinte, a responsabilidade civil do Estado geradora do dever indenizatório, a não ser que, a pretexto de impor limitações gerais, o Estado cause prejuízo a determinados proprietários em virtude de conduta administrativa. Aí sim, haverá vício na conduta e ao Estado será imputada a devida responsabilidade, na forma do que dispõe o art. 37, §6º, da Constituição Federal.[59]”
É possível identificar precedentes jurisprudenciais no mesmo rumo, afastando por completo os pleitos de indenização em decorrência das regras protetivas das áreas de preservação permanente, e, se o caso, determinando inclusive o desfazimento de construções erigidas no local e a recomposição do dano ambiental:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. NÃO CONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DO EFETIVO APOSSAMENTO E DA IRREVERSIBILIDADE DA SITUAÇÃO. NORMAS AMBIENTAIS. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. ESVAZIAMENTO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. AÇÃO DE DIREITO PESSOAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. A criação de áreas especiais de proteção ambiental – salvo quando tratar-se de algumas unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável em que a lei impõe que o domínio seja público – configura limitação administrativa, que se distingue da desapropriação. Nesta, há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante com integral indenização; naquela, há apenas restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. 2. Se a restrição ao uso da propriedade esvaziar o seu valor econômico, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. 35ª ed., págs. 645/646.) 3. Esta indenização, todavia, não se fundará na existência de desapropriação indireta, pois, para que esta ocorra é necessário que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo, as restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não se constituem desapropriação indireta. 4. Assim, ainda que ocorrido danos aos agravados, em face de eventual esvaziamento econômico de propriedade, tais devem ser indenizados pelo Estado, por meio de ação de direito pessoal fundada na responsabilidade aquiliana, cujo prazo prescricional é de 5 anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 3.365/41. 5. No caso dos autos, como bem esclarece a sentença, mantida pelo acórdão, o ato administrativo municipal ocorreu em março de 1993, e a demanda só foi proposta em 18.5.2007,depois de esgotado, portanto, o lapso prescricional. Agravo regimental improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 155.302 – RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento 13 nov. de 2012, DJE de 20/11/2012).
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE-APP. CASAS DE VERANEIO. MARGENS DO RIO IVINHEMA/MS. SUPRESSÃO DE MATA CILIAR. DESCABIMENTO. ART. 8º DA LEI 12.651/2012. NÃO ENQUADRAMENTO. DIREITO ADQUIRIDO AO POLUIDOR. FATO CONSUMADO. DESCABIMENTO. DESAPROPRIAÇÃO NÃO CONFIGURADA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DANO AMBIENTAL E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental). 2. Conquanto não se possa conferir ao direito fundamental do meio ambiente equilibrado a característica de direito absoluto, certo é que ele se insere entre os direitos indisponíveis, devendo-se acentuar a imprescritibilidade de sua reparação, e a sua inalienabilidade, já que se trata de bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF/1988). 3. Em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado. Precedentes do STJ e STF. 4. A proteção legal às áreas de preservação permanente não importa em vedação absoluta ao direito de propriedade e, por consequência, não resulta em hipótese de desapropriação, mas configura mera limitação administrativa. Precedente do STJ. 5. Violado o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, pois o Tribunal de origem reconheceu a ocorrência do dano ambiental e o nexo causal (ligação entre a sua ocorrência e a fonte poluidora), mas afastou o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes. 6. Em que pese ao loteamento em questão haver sido concedido licenciamento ambiental, tal fato, por si só, não elide a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, uma vez afastada a legalidade da autorização administrativa. 7. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial nº 1.394.025 – MS, Rel. Min. Eliana Calmon. Brasília, julgamento 02 out. de 2013, DJE de 18/10/2013).”
De fato, o reconhecimento da natureza jurídica das áreas de preservação permanente como limitações administrativas faz concluir pela inexistência do direito à indenização, em regra.
Entretanto, em determinadas circunstâncias, é possível que a limitação administrativa impeça de maneira significativa o exercício dos direitos inerentes ao proprietário, de modo a implicar no esvaziamento do próprio conteúdo do direito de propriedade e na eliminação de seu uso econômico ou do direito de alienação. Nesses casos, evidentemente, surge o dever de o Poder Público indenizar os prejuízos do proprietário ou possuidor:
“APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. PRELIMINAR DE NULIDADE AFASTADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA MOVIDA CONTRA MUNICÍPIO. IMÓVEL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE TOTAL DE EDIFICAÇÃO INSTITUÍDA POR LEI COMPLEMENTAR E DECRETO MUNICIPAIS. AQUISIÇÃO DO BEM ANTERIOR À RESTRIÇÃO. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DO IMÓVEL VERIFICADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 119 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUROS COMPENSATÓRIOS: TAXA DE 6% AO ANO DE 6.3.2001 A 13.9.2001 E DE 12% AO ANO A PARTIR DE 14.9.2001 ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. JUROS MORATÓRIOS NOS TERMOS DO ART. 15-B DO DECRETO-LEI N. 3.365/1941. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA DESDE A JUNTADA DO LAUDO PERICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO AO PATAMAR DE 5% PREVISTO NO ART. 27 DO DECRETO-LEI N. 3.365/1941. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. REMESSA DESPROVIDA. I. (…). II. Quando, a pretexto de limitar o uso de determinado bem, as limitações administrativas inviabilizam por completo o exercício do direito de propriedade, como no caso concreto, mercê de lei e decreto municipais que elasteceram as retrições impostas pelo Código Florestal, esvaziando o conteúdo econômico do imóvel, resta caracterizada a desapropriação indireta, ensejando direito de reparação ao proprietário. III. O prazo prescricional em sede de ação desapropriatória indireta é vintenário, tal como enuncia a Súmula 119 do Superior Tribunal de Justiça, não incidindo sobre a matéria a prescrição quinquenal disposta no art. 9° do Decreto n. 20.910/32. IV. Os juros compensatórios incidem desde a data da imissão na posse do imóvel, em quantum que deve observar o estatuído pelo art. 15-A do Decreto-lei n. 3.365/41, sendo de 6% (seis por cento) ao ano até 13.9.2001, data em que a eficácia da redação que lhe foi emprestada pela Medida Provisória n. 1.577/97 restou suspensa e, daí em diante, a taxa a ser observada é de 12% (doze por cento) ao ano, a teor da Súmula 618 da Suprema Corte. Já a correção monetária incide a partir do laudo pericial. Os juros de mora, por sua vez, incidem nos termos do art. 15-B do Decreto-lei n. 3.365/41, sendo devidos à razão de 6% (seis por cento) ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, na senda do art. 100 da Constituição Federal. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC. Apelação Cível nº 2012.056073-0 – Rel. Des. João Henrique Blasi. Florianópolis, julgamento 19 nov. de 2013, DJE de 03/12/2013).”
Também há o dever de indenizar quando, embora a limitação administrativa tenha sido criada como imposição geral, atinge de maneira diferenciada determinado imóvel. Tal situação acaba por ferir o princípio da isonomia, pois haveria o sacrifício do direito de um único proprietário em benefício de todos, causando ônus desproporcional. É o caso, por exemplo, objeto do acórdão colacionado abaixo:
“DIREITO ADMINISTRATIVO – ALAGAMENTO DE ÁREA PARA A CONSTRUÇÃO DA REPRESA DE PONTE NOVA/MG – SURGIMENTO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO COM LIMITAÇÃO QUE ESVASIA O DIREITO DE PROPRIEDADE – IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DA ÁREA – OCORRÊNCIA DE VERDADEIRA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA – SENTENÇA ANULADA. A limitação administrativa, de natureza ambiental, oriunda de criação de área de preservação permanente, em razão de alagamento para construção de lago artificial, equivale a verdadeira desapropriação indireta, pois que esvazia o direito de propriedade, impedindo a exploração econômica da área. Diante da natureza real da ação de indenização por desapropriação indireta, o prazo para ajuizá-la prescreve em 20 (vinte) anos, nos termos da Súmula nº 119 do eg. STJ. No caso dos autos, extrai-se da inicial, que o pedido indenizatório baseou-se na ocorrência de verdadeiro esbulho possessório, em virtude do surgimento da área de preservação permanente, após a construção do lago artificial pela apelada, porquanto criadas severas restrições ao direito de propriedade dos apelantes, em razão do cumprimento das normas de proteção ambiental. Com efeito, há verdadeira desapropriação indireta, em face das severas restrições ao uso e ao gozo do imóvel do apelante, que, praticamente, esvazia o direito de propriedade, já que, em razão das limitações de natureza ambiental, o dono fica impossibilitado de explorar economicamente o imóvel. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC. Apelação Cível nº 2012.056073-0 – Rel. Des. João Henrique Blasi. Florianópolis, julgamento 19 nov. de 2013, DJE de 03/12/2013).”
Sendo assim, o assunto deverá ser examinado caso a caso. Será preciso avaliar a situação de toda a propriedade, ou seja, como é feita a exploração econômica, se foi atingida integralmente ou apenas em parte, e se a limitação é genérica ou dirigida apenas a determinada propriedade ou conjunto de propriedades.
De todo modo, em alguns casos, embora reconhecido o esvaziamento do direito de propriedade, a indenização foi negada, em razão das regras de prescrição adotadas:
“ADMINISTRATIVO. CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. NÃO CONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DO EFETIVO DE APOSSAMENTO E DA IRREVERSIBILIDADE DA SITUAÇÃO. NORMAS AMBIENTAIS. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. ESVAZIAMENTO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. AÇÃO DE DIREITO PESSOAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Não há desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo, as restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não se constituem desapropriação indireta. 2. O que ocorre com a edição de leis ambientais que restringem o uso da propriedade é a limitação administrativa, cujos prejuízos causados devem ser indenizados por meio de uma ação de direito pessoal, e não de direito real, como é o caso da ação em face de desapropriação indireta. 3. Assim, ainda que tenha havido danos aos agravantes, em face de eventual esvaziamento econômico de propriedade, devem ser indenizados pelo Estado, por meio de ação de direito pessoal, cujo prazo prescricional é de 5 anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 3.365/41. Agravo regimental improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial 1361025/MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento em 18/04/2013, DJe 29/04/2013).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MUNICÍPIO DE PANAMBI. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA NÃO CARACTERIZADA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. A restrição imposta indiscriminadamente a todos os detentores do domínio sobre áreas de preservação permanente, não pode ser tida como ato de apossamento pela Administração Pública, capaz de autorizar a desapropriação, devendo ser encarada como limitação administrativa. Pretensão à declaração de desapropriação indireta e conseqüente indenização que não prospera, considerando que a área da qual a parte autora é proprietária constitui-se como de preservação permanente. Portanto, a área não foi expropriada pelo Município, com a constatação de que detém características de área de preservação permanente, porque não atendidos os requisitos do referido instituto, com previsão legal no art. 35 do Decreto Lei 3.365/41, a exigir a necessária a incorporação do bem do particular ao patrimônio público. Inexistência de trânsito para o acolhimento da pretensão indenizatória, considerando que não há como atribuir ao Município o necessário agir danoso. Ainda, em se tratando de restrição administrativa, a pretensão indenizatória estaria prescrita pela aplicação da prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32. Apelação desprovida. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS. Apelação Cível nº 70048513808, Rel. Des. José Luiz Reis de Azambuja. Porto Alegre, julgamento em 19 dez. 2012, DJ de 22/01/2013).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PARQUE ESTADUAL SERRA DO MAR. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. POSSÍVEL ESVAZIAMENTO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE COM O DECRETO N. 10.251/77. AÇÃO DE DIREITO PESSOAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Revela-se indevida a indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo Decreto n. 10.251/77, do Estado de São Paulo, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar – salvo comprovação pelo proprietário, mediante o ajuizamento de ação própria contra o Estado de São Paulo, que o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que aquelas já existentes à época da sua edição. 2. Qualquer pretensão de indenização em razão de limitações administrativas impostas pelo Decreto n. 10.251/77 estaria fulminada pela prescrição quinquenal, já que a ação foi interposta apenas no ano de 1995. Agravo regimental improvido. (…)
Os recorrentes vêm alegando, desde a primeira instância, que o caso é especial, pois o imóvel não se encontrava em área de preservação permanente, e que, portanto, apenas com a criação do Parque Estadual Serra do Mar é que foram impostas as limitações administrativas. Esta tese, conforme narrado no trecho citado, não foi acolhida pela Corte de origem; para apreciá-la seria necessário o revolvimento da matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. Todavia, ainda que assistisse razão aos recorrentes, determinar o retorno dos autos para que o Tribunal de origem se manifestasse explicitamente em relação à aludida prova pericial – que comprovava que o imóvel não havia sofrido limitações pelo Código Florestal, mas apenas pelo decreto de criação do Parque Estadual Serra do Mar – seria medida inútil. Isso porque, qualquer pretensão de indenização em razão de limitações administrativas impostas pelo Decreto n. 10.251/77 estaria fulminada pela prescrição quinquenal, já que a ação foi interposta apenas no ano de 1995. (…). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.250.992-SP, Rel. Min. Humberto Martins. Brasília, julgamento em 10 abr. 2012, DJe de 23/04/2012).”
Também não persiste o dever de indenizar quando as limitações já existiam no momento em que o autor da ação adquiriu o imóvel.
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECRETO ESTADUAL 10.251/77. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. Para que fique caracterizada a desapropriação indireta, exige-se que o Estado assuma a posse efetiva de determinando bem, destinando-o à utilização pública, o que não ocorreu na hipótese dos autos, visto que a posse dos autores permaneceu íntegra, mesmo após a edição do Decreto Estadual 10.251/77, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar. 2. A criação do Parque Estadual da Serra do Mar, por intermédio do Decreto Estadual 10.251/77, do Estado de São Paulo, não acrescentou nenhuma limitação às previamente estabelecidas em outros atos normativos (Código Florestal, Lei do Parcelamento do Solo Urbano etc), os quais, à época da edição do referido decreto, já vedavam a utilização indiscriminada da propriedade. Precedentes. 3. Daí se conclui que é indevida qualquer indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo ato administrativo em questão, salvo se comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes. 4. Ademais, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp 254.246/SP (Rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.3.2007), firmou o entendimento de que: (a) "se, quando da realização do negócio jurídico relativo a compra e venda de imóvel, já incidiam restrições administrativas decorrentes dos Decretos ns. 10.251/77 e 19.448/82, editados pelo Estado de São Paulo, subentende-se que, na fixação do respectivo preço, foi considerada a incidência do referido gravame"; (b) "não há de se permitir a utilização do remédio jurídico da ação desapropriatória como forma de ressarcir prejuízo que a parte, conquanto alegue, à toda evidência, não sofreu, visto ter adquirido imóvel que sabidamente deveria ser utilizado com respeito às restrições anteriormente impostas pela legislação estadual". 5. Na hipótese, conforme consta dos autos, os autores adquiriram a propriedade do imóvel em data posterior à limitação administrativa. 6. Agravo regimental não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 769405/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Brasília, julgamento em 21 jun. 2010, DJe de 26/06/2010).”
Ao que tudo indica, o entendimento formado à luz do antigo Código Florestal permanece inalterado quanto às áreas de preservação permanente instituídas pelo art. 4ª, do novo Código Florestal, conduzindo às seguintes conclusões: i) as áreas de preservação permanente delimitadas no próprio código não são passíveis de indenização, uma vez que os limites impostos ao direito de propriedade atingem todas as propriedades que possuem as características apontadas pela legislação; trata-se de limitação administrativa de caráter genérico; ii) no entanto, quando verificado o esvaziamento do conteúdo essencial do direito de propriedade de determinado imóvel, o proprietário tem direito à indenização, conquanto a limitação administrativa se transmuta no sacrifício do próprio direito.
Nos casos em que o novo Código Florestal apenas reproduz a previsão de uma área de preservação permanente já inserida no texto da legislação revogada não haverá propriamente uma nova limitação administrativa, evidentemente. Quanto às áreas de preservação permanente inseridas no novo código – anteriormente previstas em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), apenas – podem ser vistas como novas limitações, caso se considere juridicamente inválida a criação de áreas de preservação permanente por meio de resoluções. Nesta hipótese, em caso de eventual reclamação de indenização pelo esvaziamento do conteúdo do direito de propriedade, o termo inicial do prazo prescricional passa a ser a data de entrada em vigor da nova legislação.
Quanto às áreas de preservação permanente referidas no art. 6º, do novo Código Florestal, que dependem de um ato do administrativo específico para que incida o regime de especial proteção, a doutrina e a jurisprudência, em sua maioria, entendem que são indenizáveis, porque os limites impostos às propriedades têm origem em ato discricionário do Poder Público, ato este que atinge um único imóvel ou um grupo de imóveis determinado, não estando presente a característica da generalidade.
Quanto à indenizabilidade das áreas de preservação permanente, surge, ainda, outra discussão: em caso de desapropriação indireta, o valor da indenização deve levar em conta a terra nua ou também entra no cômputo a cobertura vegetal com preservação permanente? A vegetação sujeita a regime de preservação permanente deve ser computada para efeito de indenização independentemente de ser, ou não, suscetível de exploração econômica?
A jurisprudência tem oscilado: ora afasta por completo a possibilidade de indenização da cobertura vegetal em área de preservação permanente, justamente por ser insuscetível de exploração econômica; ora admite o cabimento de indenização, sob o argumento de que a limitação legal não elimina o valor econômico das matas protegidas; ora condiciona a possibilidade de indenização se demonstrada a exploração econômica anteriormente aos atos de expropriação e se comprovada a viabilidade de exploração da mata nativa:
“ADMINISTRATIVO – INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA – DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA CRIAÇÃO DE RESERVA EXTRATIVISTA – POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO DO VALOR DA COBERTURA FLORESTAL EM SEPARADO DA TERRA NUA – JUROS COMPENSATÓRIOS DEVIDOS EM FACE DA SIMPLES PERDA DA POSSE. 1. A jurisprudência firmou-se no sentido de que a indenização deve refletir o valor de mercado do imóvel expropriado, sendo desimportante que a avaliação da terra nua e da cobertura florestal seja efetuada em conjunto ou separadamente, devendo-se excluir a área de preservação permanente, tendo em vista que esta não é passível de exploração econômica. 2. A pretensão de se reduzir o valor da indenização fixada, por ensejar o reexame do contexto fático-probatório, esbarra no óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. A incidência dos juros compensatórios dá-se com a simples perda antecipada da posse, mesmo quando improdutivo o imóvel. Isso tem uma razão de ser, uma vez que garante ao menos minimamente a prévia indenização determinada pela Constituição Federal. Agravo regimental improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 872879/AC, Rel. Min. Humberto Martins, julgamento em 03/05/2012, DJe 28/05/2012).
APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. UHE MONJOLINHO. COBERTURA VEGETAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INDENIZABILIDADE. 1. Segundo entendimento pacífico do egrégio Supremo Tribunal Federal, a quem compete dizer o direito, modo definitivo, em matéria constitucional, é indenizável a mata nativa que recobre área dominial privada objeto de apossamento estatal, ainda que localizada em área de preservação permanente. 2. Caso concreto em que se reconhece a indenizabilidade da cobertura vegetal extraída para a formação do reservatório. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS. Apelação Cível Nº 70045502788, Relator: Matilde Chabar Maia, Porto Alegre, julgamento em 25 abr. 2013, DJe de 06/05/2013).
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INDENIZAÇÃO DA COBERTURA VEGETAL EM SEPARADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É possível a indenização em separado da cobertura vegetal somente se: a) demonstrada a exploração econômica anteriormente aos atos de expropriação; b) comprovada a viabilidade de exploração da mata nativa, tanto sob o aspecto da licitude, à luz das normas ambientais pertinentes, quanto do ponto de vista econômico, sopesados os custos de exploração em confronto com as estimativas de ganho. 2. Recurso especial provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial nº 1395597, Rel. Min. Eliana Calmon, Brasília, julgamento em 05 nov. 2013, DJe de 13/11/2013).”
Nos casos em que se admite a indenização, discute-se ainda, o critério de fixação do valor a ser atribuído ao bem.
Há decisão considerando a depreciação de 50% (cinqüenta por cento), para fins de indenização das áreas de preservação permanente:
“DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. Área de preservação permanente. APP. Justa indenização. Critério de Depreciação. Para que seja assegurado o direito à justa indenização e levando em consideração o preço pago pela municipalidade nas áreas contíguas e com as mesmas características da gleba expropriada, deve ser considerada a depreciação de 50% para fins de indenização. Possibilidade. Juros compensatórios. Termo inicial. Citação. Súmula 408 STJ. Aplicação. Juros moratórios. Termo inicial. Art. 15-B do DL 3.365/41. Honorários de advogado. Redução. Limites impostos pelo art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41. (…)
Apela a municipalidade. Sustenta a impossibilidade de indenização em relação à área de preservação permanente. Argumenta que a ‘APP é uma faixa mínima de vegetação necessária à proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade e do solo. O Código Florestal delimita quais são essas áreas, sendo certo que, o terreno que foi desapropriado pelo Município, por estar situado às margens de curso d’água com menos de 10 metros possui esta restrição imposta pela lei’. Afirma que, embora o entendimento do STJ seja no sentido de que não devem ser indenizadas as áreas impassíveis de utilização econômica, concorda em indenizar tal área, mas em valor condizente com seu valor de mercado. (…)
Cumpre observar que a existência de APP em determinado imóvel não implica sua inutilidade econômica, apenas lhe reduz o aproveitamento econômico, como limitação administrativa geral que é.(…)
Para que seja assegurado o direito à justa indenização e levando em consideração o preço pago pela municipalidade nas áreas contíguas e com as mesmas características da gleba expropriada, deve ser considerada a depreciação de 50% para fins de indenização. Este critério foi utilizado por esta Câmara, por ocasião do julgamento da Apelação nº 0156922-65.2006, rel. Des. Aguilar Cortez Jundiaí. (…). (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP. Apelação com revisão nº 9249232-63.2008.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Galizia. São Paulo, julgamento em 11 nov. 2013, Data de registro: 13/11/2013).”
De outro lado, surge nova doutrina defendendo a concepção de atribuição de valor para ativos ambientais, de modo que em eventual indenização de áreas de preservação permanente sejam considerados no cálculo além da terra nua e da cobertura florestal, o preço dos serviços ambientais daquele ecossistema.
Como se vê, o terreno ainda é incerto quanto ao direito à indenização decorrente das limitações impostas pelas áreas de preservação permanente, e, quando admitida, há impasse acerca do valor a ser pago.
Indiscutível, porém, que o direito de propriedade não é caracterizado apenas pela liberdade do proprietário, contraposta a um dever geral de todos respeitarem o domínio, mas também pelos deveres e obrigações a cargo do titular do direito. Pode o Estado, no exercício de suas competências e sob a égide do dever constitucional de proteção do meio ambiente, intervir na propriedade por meio de limitações administrativas, como por exemplo, a criação de áreas de preservação permanente. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados em sua potencialidade econômica pelas limitações impostas.
Considerações finais
Verificou-se ao longo deste trabalho que o direito de propriedade evoluiu desde a sua antiga definição, deixando de ter caráter absoluto.
O conteúdo do direito de propriedade foi reformulado por meio de normas restritivas impostas pelo Estado em prol do interesse social.
Ao mesmo tempo em que o direito de propriedade foi reconhecido como direito fundamental, o exercício deste direito foi condicionado ao cumprimento da função social: ao proprietário não é garantido o direito ilimitado, ele é detentor de um poder-dever ou um dever-poder de exercer o seu direito de propriedade sobre o bem em conformidade com o fim ou interesse coletivo. Isto implica que se reconheça ao direito de propriedade a ausência de determinadas faculdades, o exercício condicionado de outras e o dever de exercitar algumas da maneira que entender ou de acordo com os critérios legais impostos.
No Brasil, a função social da propriedade está prevista na Constituição Federal e também no Código Civil, que estabelecem o dever de o proprietário exercer o direito de propriedade em consonância com as finalidades econômicas e sociais, além de adequar-se à preservação do meio ambiente.
A implementação da proteção ambiental ocasiona não raras vezes a limitação ao exercício do direito de propriedade, da autonomia privada e mesmo da livre iniciativa. Daí surge aparente conflito entre a proteção do meio ambiente e o direito de propriedade.
É o que ocorre, por exemplo, quando o Estado, ao cumprir a obrigação imposta constitucionalmente e legalmente, institui espaços territoriais a serem protegidos, como as áreas de preservação permanente, que como diz o próprio nome, possuem regime de especial proteção. Em regra, é vedada a supressão da vegetação nessas áreas, o que significa dizer que o direito de propriedade é, de certa forma, restringido. O Estado intervém na propriedade, portanto, a fim de regrar a sua utilização e adequá-la ao cumprimento da função social, especialmente para a preservação do meio ambiente.
Nesses casos, é juridicamente questionável se o proprietário ou o possuidor teria direito à indenização, diante das restrições impostas ao exercício do direito de propriedade.
O estudo demonstra que as áreas de preservação permanente possuem natureza de limitações administrativas (são medidas de caráter geral que ocasionam a distribuição do sacrifício imposto pela limitação a todos os cidadãos). Como tal, em regra, não implicam no direito de indenização àqueles atingidos pelo gravame.
Em alguns casos, entretanto, pode surgir o direito à indenização. O critério que define o dever de indenizar é o da possibilidade de aproveitamento do imóvel, o fato dele ter sido atingido integralmente ou em parte, a ocorrência ou não de aniquilamento do conteúdo essencial da propriedade. Cada caso deve ser estudado isoladamente.
Quanto ao valor da indenização, a jurisprudência oscila sobre a possibilidade de se computar a vegetação sujeita a regime de preservação permanente. Alguns julgados apontam que apenas as áreas passíveis de exploração econômica entrariam no cômputo da indenização, outros não admitem em qualquer hipótese a indenização da cobertura vegetal em separado.
Mestre em Direito Ambiental, pela Université Jean Moulin – Lyon 3, Especialista em Gerenciamento Ambiental, pela Escola Superior de Agricultura – ESALQ-USP, graduada em Direito, com ênfase em Direito Público, pela FACAMP – Faculdades de Campinas. Advogada
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