Quando fazemos referência ao código Civil de 2002 e suas alterações a respeito do entendimento das questões relacionadas à família, sua constituição, seu regramento, seus direitos e deveres, estamos chamando a atenção para as transformações ocorridas na própria sociedade. Em que pese uma série de leis que acabaram incorporadas ao Código Civil de 2002, ele na verdade veio substituir o antigo Código Civil de 1916.
À época, a sociedade brasileira vivia sob a égide de um sistema patriarcal, em que os papéis masculinos e femininos eram definidos a partir de comportamentos esperados deles, ou seja, ao homem caberia o papel de provedor do lar, tendo sobre a família, poderes e, exigindo dela, da família, ações de cumprimento desse mesmo ordenamento. Já à mulher cabia a função de auxiliar do marido na direção da família. Esse papel foi substituído por outro estatuto em 1961 que virou a lei 4121. Segundo Oliveira, a referida lei: “deu-lhe promoção para “assistente”, mas conservando a submissão feminina, uma vez que sua incumbência restringe-se a velar pela direção material e moral da casa” (OLIVEIRA,Euclides. Direito de Família no novo Código Civil.Disponível em http://www.pailegal.net/). Essa condição da mulher será alterada então em 2002, quando ela passa a ter os mesmos direitos e deveres do homem.
Essa alteração substancial, não sé do ponto de vista da organização familiar, mas da igualdade de homens e mulheres que repercutirá dentro do casamento foi implantada já pela constituição de 1988 que coloca no inciso I do artigo 5º que: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (Constituição Federal,, Título II, Capítulo I). Assim o poder familiar quanto à manutenção/ sustento dos filhos, sua educação, entre outros, será tarefa de responsabilidade igual dos pais. Mesmo quando estes contraem novas núpcias, continuam a ter os mesmos direitos quanto aos filhos do relacionamento anterior (art.1636 do Código Civil). Essa e outras questões irão repercutir no reconhecimento de um novo estatuto para a família, porque colocando ambos no mesmo espaço de responsabilidade, estabelecendo igualdade de direitos e deveres, impõe aos homens e as mulheres responsabilidades com relação ao contrato que assinam, ou seja, o casamento.
A manutenção de alguns dispositivos antigos no novo Código Civil
Os Códigos são representações de uma época histórica dada. Isso equivale dizer que em 1916, a sociedade patriarcal, mantinha a mulher subjugada ao marido, devendo-lhe total obediência, tanto de ações quanto de pensamentos. A condição da mulher enquanto cidadã só passou a ser considerada a partir de 1932 quando ela passou a ter direito de ser eleitora.Ainda que tenha sido um processo longo de reconhecimento da mulher como cidadã e mais, especificamente como cidadã eleitora, o certo é que a mudança da condição da mulher a partir de então, modificou substancialmente as relações dessa fora do espaço do lar e também, dentro dele.No entanto,mesmo com essa transformação significativa, continuava ela tendo que eleger políticos indicados pelos pais, irmãos, maridos e depois filhos (homens). Depois da 1ª Guerra Mundial com o processo de industrialização em curso no Brasil, é que a mulher gradativamente foi rompendo com o espaço privado da casa e dirigiu-se às fábricas. Antes o espaço público era freqüentado apenas pelas mulheres que se prostituíam.
Tedeschi chama a atenção no seu livro História das Mulheres e as representações do feminino que os discursos colocados na sociedade sobre o papel da mulher influenciaram os movimentos de contestação e, por conseguinte, as alterações que se processaram nas leis a partir de então.O autor assim relata: “Esses discursos recorrentes exerceram influência decisiva na elaboração de códigos, leis e normas de conduta, justificando a situação de inferioridade em que o sexo feminino foi colocado […] Assim, a desigualdade de gênero passa a ter um caráter universal, construído e reconstruído numa teia de significados produzidos por vários discursos, como a filosofia, a religião, e educação, o direito, etc. perpetuando-se através da história, e legitimando-se sob seu tempo (TEDESCHI, 2008:123).Essa definição dos papéis também foi prejudicial aos homens, porque os colocando em uma situação de superioridade inclusive de sentimentos, impossibilitaram que a sua dimensão humana pudesse ser destacada, ou dito de outra forma, os homens eram tidos na sociedade como super-homens, incapazes de fraquejar, de demonstrar sentimentos. Essas situações corroboraram e legitimaram o poder de um sobre o outro, deflagrando inúteis conflitos geradores da chamada Guerra dos Sexos.
O Código Civil coloca no artigo 1566 a questão da fidelidade recíproca como dever de ambos os cônjuges, chamando a atenção que aqueles que infringissem essa regra seriam punidos de acordo com o Código Penal. Trata-se da questão do adultério que aparecia no Código Penal como crime até 2005. O Código Penal colocava que o adultério caracterizava crime com pena de detenção de 15 dias a seis meses. Essa situação na prática, era direcionada mais às mulheres do que aos homens, posto que, a nossa sociedade de certa forma é condescendente com o adultério masculino, não o é com o feminino, basta lembrar que os crimes passionais motivados pelo mesmo adultério quando os homens eram os agentes, encaminhava a questão e a defesa desses mesmos agentes para o fato de que os homens cometiam os crimes motivados pelo adultério feminino. Mesmo que o Código Penal de 1940 destacasse que os crimes deveriam ser punidos, colocava a situação da violenta emoção- pela qual os homens eram mais beneficiados–como atenuante do mesmo crime.
Em 2005 pela Lei 11.106, o adultério deixou de ser considerado crime, com essa descriminalização, a sociedade avançava na igualdade de direitos. Assim Nucci afirmava que: “não se deve utilizar lei penais para ensinar comportamentos elevados, moral e eticamente, ao ser humano, não é essa a sua finalidade maior”(NUCCI,2003:733).Ainda sobre o crime de adultério previsto no artigo 240 do Código Penal, Moura Teles também reitera que: “essa é mais uma das normas incriminadoras absolutamente incompatíveis com o pensamento atual da sociedade brasileira que não mais vê no adultério uma lesão grave a um bem jurídico importante”(MOURA TELES,2004:148). Ainda nessa linha de pensamento, Bitencourt posiciona-se categoricamente: “a criminalização do adultério permanece em nosso direito positivo como uma anomalia do passado, cuja utilidade não vai além de exemplo a ser citado aos principiantes, como norma em desuso” (BITENCOURT,2003:132).As discussões que se processavam naquele momento entre os doutrinadores era o reflexo das mudanças que se operavam na sociedade, que igualando os direitos e descriminalizando o adultério caminhava em direção ao ideário democrático.Para DIX Silva: “A descriminalização do adultério, desse modo, veio afastar do ordenamento repressivo brasileiro não somente um anacronismo, mas, sim, uma concepção de nítido caráter antiliberal que, incontestavelmente, caminha em sentido contrário”(Dix Silva,2006:397). O projeto então foi aprovado e transformado em lei em 2005. O entendimento com essa lei que entre outras questões descriminalizou o adultério era de que com ele, se descriminalizava a própria mulher que ao longo da nossa história foi destacada mais como adúltera e menos como vítima do adultério do marido.
Dentro desse espectro da questão do adultério que está por seu turno ligado ao casamento, a sociedade hodierna, transformada pelas pressões dos movimentos sociais, passou a refletir um novo ordenamento jurídico. Esse novo ordenamento passou a reconhecer também as uniões estáveis como o mesmo conjunto de direitos e deveres.
Considerações Finais
Refletir sobre o Código Civil de 2002 e seus artigos que tratam do Direito de Família e, dentro dele do casamento, implica antes de mais nada, compreender que a sociedade sofreu profundas transformações desde o Código de 1916. Assim as leis, reflexos dessa sociedade, precisaram acompanhar tais mudanças. A conquista dos direitos de homens e mulheres, a reelaboração dos padrões de comportamento esperados e cobrados de ambos, as responsabilidades civis advindas desse novo ordenamento, foram o resultado de lutas que supervalorizadas pelas questões de gênero, colocou em alguns momentos, homens e mulheres em condição de enfrentamento.Longe de tecer comentários que redundariam uma análise mais acurada da evolução histórica que engendrou esse processo, é imperativo que façamos sempre algumas reflexões sobre como se constituíram as famílias, quais são os estereótipos masculinos e femininos dentro dela, bem como dos chamados Crimes contra ela. Ao final temos que considerar que as leis acabam por espelhar a própria sociedade.
Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Rio Grande.Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais(IBCCRIM)
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