Os conceitos de jurisdição e processo induzem ao conceito de ação. Aliás, os três conceitos são entrelaçados de tal forma que já se registrou que formem a trilogia[1] da ciência processual.
Isso porque o Estado, substituindo a solução privada dos conflitos, exercendo a jurisdição. Por sua vez, a jurisdição é prestada por meio do processo que corresponde ao conjunto de atos necessários praticados com o fito de obter a resposta judicial.
O Judiciário[2] como poder inerte deve ser provocado e convocado para exercer a juris dictio, o meio pelo qual define o litígio e dar razão a quem tenha.
Uma vez promovia a ação, surge para o Estado, o dever de prestar a jurisdição. Por essa razão, diz-se que a ação é um direito a que corresponde o dever de o Estado prestar jurisdição[3].
Por força do princípio do dispositivo ora enunciado no NCPC in litteris: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções expressas em lei”.
Adiante, o princípio inafastabilidade da jurisdição, art. 3º do NCPC[4] in verbis: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão de direito”. (…) § 1º. É permitida a arbitragem. § 2º. O Estado promoverá sempre possível, a solução consensual dos conflitos. (…).
Apesar de ser uníssona a noção de que a ação como direito à jurisdição, são múltiplas acepções[5] que se conferem a ação.
Cogitam em ação de direito material e ação de direito processual. A primeira é aquela em que violado o direito, nasce para o titular do direito a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição[6] nos prazos previstos em lei. Assim, havendo o direito subjetivo que corresponde ao poder de exigir in abstracto, uma conduta alheia nos limites da lei e, uma vez tornando-se exigível esse direito, pela ocorrência concreta de fato previsto na norma, inocorrendo o cumprimento espontâneo, exsurge o direito de agir, de se satisfazer praticamente conforme previsto em lei e mesmo sem a colaboração do obrigado ou devedor.
O referido agir é denominado ação de direito material. É a autotutela que ainda sobrevive na maioria dos sistemas jurídicos representando o epílogo da luta secular, através da qual o Estado veio assumir a prática da vingança privada, substituindo-a pelo meio civilizado do monopólio da jurisdição.
Contemporaneamente, este atuar da pretensão não está mais lastreado como outrora pelas próprias mãos, daquilo que a ordem jurídica lhe confere, senão a exigir que o Estado por meio de jurisdição, reconheça o dever jurídico violado e recomponha o status quo ante, tal como previsto em lei, realizando-o no campo prático.
Resolve o Estado-juiz[7] o conflito de interesses assumindo o monopólio da ação de direito material que funciona como controle social. Evidentemente que a restauração do direito violado pressupõe a investigação prévia de direito afirmado, que nem sempre militar a favor de quem se diz titular do direito subjetivo e da pretensão.
A ação, no âmbito processual, se traduz no agir no sentido de obter a tutela dos tribunais e pressupõe um direito anterior de provocar o exercício da jurisdição, que é o direito de acesso à justiça que também transmudar também em pretensão de tutela jurídica hoje também constitucionalizada.
A lição de Ovídio A. Baptista da Silva afirmou: “a ação de direito material longe de desaparecer ou, ser substituída pela ação processual simplesmente verificado o monopólio da jurisdição passou a ser exercida pelos órgãos estatais”.
O termo “ação” reside numa encruzilhada jurídica formada pelo Direito Constitucional, Direito Processual, Direito Penal, Direito Civil e até mesmo Direito Administrativo.
Essa pretensão de tutela jurídica requer que o Estado exerça duas atividades: a de reconhecimento ou não do direito afirmado e, para tanto, basta o exercício da ação processual); e o de satisfação da pretensão (que pressupõe o acolhimento do pedido).
O direito de agir, ou seja, o de provocar a prestação a prestação jurisdicional, o de romper a inércia do Judiciário, é conferido a toda pessoa física ou jurídica diante da lesão ou ameaça de lesão ao direito individual ou coletivo, e tem sua sede originária, conforme anteriormente visto no texto constitucional.
Em razão da personalização desse direito, caracterização a ação como direito subjetivo público. Mesmo o Estado em suas atividades que não são autoexecutáveis, veda a autodefesa estatal, recorre à intervenção judicial (é o caso de desapropriação, de cobrança de impostos e mesmo na aplicação da sanção criminal proposta pelo Ministério Público).
A natureza pública do direito de agir decorre de sua regulação pelo Direito Público[8] ramo a que pertencem o Direito Constitucional e o Direito Processual, bem como do fato de encerrar uma relação travada entre uma pessoa natural ou jurídica.
E, o Estado como protótipo de pessoa de Direito Público exerce naturalmente a atividade jurisdicional que exibe a natureza pública.
Outra característica marcante do direito de ação é a sua abstração no sentido de que todos podem exercê-lo, inclusive aqueles que ao final do processo, não tinham a razão inicialmente invocada.
O manejo do direito de ação não reclama, frise-se, a comprovação do direito alegado. Basta sua afirmação abstrata de existência e, por isso mesmo, que é vedado às partes fazer “justiça com as próprias mãos” apesar de em alguns casos ser admitida a legítima defesa mas apenas como exceção expressa em lei.
Essa possibilidade de se ingressar em juízo independentemente do resultado que irá obter é que caracteriza o direito de agir como abstrato.
É autônomo pois o direito de ação independe ao direito subjetivo material e à pretensão. É por conta da autonomia[9] que surgem estudos profundos sobre os institutos do processo tão relevante para a verificação da natureza jurídica do processo elucidada por Büllow nos idos de 1868 e repisando as ideias pretéritas de Bentham- Helweg.
Na origem romana, a ação era considerada uma face do próprio direito subjetivo material, o que justifica a firmação de Celso ius persequendi in iudicio quod sibi debeatur, o direito de perseguir em juízo aquilo que nos é devido.
Assim, se em juízo se concluísse pela inexistência do direito alegado e perseguido, automaticamente considerava-se negado o direito de ação como consectário da negativa do direito material.
Tal ideia prolongou-se na escola procedimentalista francesa[10]. A equiparação do direito material ao direito de ação fez tornar essa teoria conhecida como imanentista ou civilista por força de aderência do direito de ação ao direito subjetivo material, conferindo àquele tratamento privado.
Tributa-se a uma famosa polêmica acerca do sistema de ações do Direito Romano, travada entre dois grandes tratadistas dos textos romanos, os pandectistas germânicos Windscheid e Müther, o pioneirismo da discussão sobre a autonomia do direito da ação.
Segundo Windscheid, o Direito Romano era composto de um sistema de ações e não um sistema de direitos, revelando-se ambos um só sistema, aproximando-se a actio da pretensão.
Em contrapartida, na visão de Müther o direito de ação era diverso do direito lesado, quer pelos sujeitos, quer pelo objeto.
Reforçou sobremodo a distinção entre o direito de agir e o direito lesado ou ameaçado de lesão, vinculado a toda ação processualmente exercida, a aparição da obra de Adolph Wach[11] acerca da declaratória negativa.
O referido autor, calcada na inovação inserida no ordenamento processual alemão de 1877 prevendo a ação declaratória para “declaração da existência e inexistência da relação jurídica (§ 256 ZPO), evidenciou que, se havia actio para declarar inexistente o próprio direito material, decerto não se poderia considerar a ação, o direito de perseguir o devido em juízo, já que na nova categoria de ação, o que se pedia era exatamente a definição judicial de que “não havia direito devido”.
Aliás, se o direito de ação estivesse realmente eclipsado no direito material, não se poderia justificar a improcedência do pedido ou da ação; como coloquialmente se afirma, já que chegar-se a esse resultado é mister provocar o Judiciário por meio, exatamente, do exercício da ação.
A ação é, assim, o instrumento de que se vale o titular do direito subjetivo material para ver julgada a sua pretensão, sendo certo que o conteúdo do julgamento refoge ao seu âmbito, visto revelar-se num direito ao meio e não ao fim em si mesmo.
Segundo Eduardo Couture a partir do estudo de Wach o direito de ação ganhou a autonomia merecida desvinculando-se da concepção civilista e imanentista que afazia elemento do direito subjetivo material.
Esse amálgama existente exatamente entre o material e o processual decorre do fato do direito de ação está sempre ligado a uma situação concreta que motiva a intervenção judicial.
Mas esse vínculo não serve para equipar situações e direitos distintos, serve a outra característica do direito de ação em relação ao direito material que é a sua instrumentalidade[12].
A ação é instrumental, é um direito a serviço de outro direito que é de natureza material, lesado ou ameaçado de lesão. O direito de ação veicula essa situação material, lesado ou ameaçado de lesão.
O direito de ação veicula essa situação material à apreciação do Judiciário, independentemente do resultado que se possa obter. É instrumental porque provoca o julgamento da pretensão, mas não a torna efetiva de imediato, tanto mais que a jurisdição não se presta instantaneamente.
A autonomia do direito de ação existe efetivamente em confronto com o direito material, a pretensão é confirmada pela diversidade de sujeitos e de conteúdo. No direito de ação, o sujeito passivo é o Estado e o conteúdo é a atividade jurisdicional, enquanto na relação material, os sujeitos podem ser diversos e o conteúdo é uma prestação ou conduta de caráter substancial.
Novamente a referida autonomia fora confirmada por Chiovenda, processualista notável que revelou que a ação era um direito derivado do direito material violado, exercitável perante o órgão jurisdicional, para que o Estado atuasse a vontade da lei, à míngua do cumprimento espontâneo pelo obrigado. Ele assentava que havia direitos a uma prestação dos quais o obrigado se desincumbia, cumprindo-os.
Entretanto, verificada a violação e diante da impossibilidade de se atuar manu militari a vontade de lei, surge um novo direito de obter essa atuação por obra do Estado e que, uma vez exercido para esse fim, sujeitava o adversário que dele não se podia desvencilhar o cumprimento.
Por essa razão, sustentava Chiovenda[13] que o exercício desse direito implicava em sujeição da parte contrária. O seu raciocínio era conclusivo ao afirmar que essa espécie de direito em que o titular fazia que outrem se submetesse à sua vontade mediante ato unilateral de exercício não podia ser lesado; não havia contraprestação, senão sujeição, posto encerrar um poder, denominado potestativo. Esse poder era o de provocar os tribunais para a atuação da vontade concreta da lei.
Então soma-se aos adjetivos abstrato e autônomo ao direito de ação, e passou-se a conceber o direito de ação, também como direito potestativo. O equívoco de Chiovenda, o mesmo que incidiu Wach, foi de atribuir esse poder apenas ao titular do direito, retirando com a mão canhestra a autonomia que antes havia sido conferida com a mão destra.
A referida conclusão ultimada fez com que a doutrina atribuísse aos renomados doutrinadores a condição de precursores da teoria concreta do direito de ação, em contraposição à teoria abstrata, de maior aceitação.
Como seguidores, Carnelutti, Degenkolb, Plosz, José Alberto dos Reis, Ugo Rocco, Jaime Guasp, Eduardo Couture, Enrico Tullio Liebman[14], Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Luís Eulálio de Bueno Vidigal e Lopes da Costa[15] entre outros.
Com relação ao tema, pode-se ainda afirmar que o direito brasileiro é eclético embora seja inegável que nosso CPC operou a adição da autonomia e da abstração do direito de ação.
O CPC de 1973 fora muito influenciado particularmente pela doutrina eclética de Liebman, considerado o fundador e o pai da escola de Direito Processual Civil Brasileira, quando de seu exílio no Brasil, fugindo dos horrores da Segunda Grande Guerra Mundial e do Il Dulce[16].
Consoante Liebman, o direito de ação não significava o simples direito de acesso aos tribunais de forma incondicionada, por isso, esse poder de provocar a jurisdição denomina-se o direito de petição de cunho fortemente constitucional.
O doutrinador italiano ressaltava que, ao lado deste, havia o direito de ação, abstrato, autônomo e exercitável, no afã de obter-se uma decisão de mérito, e somente com a resposta acerca da questão de fundo é que se poderia considerar existente e efetivo do direito de agir.
Assim, para o autor obtivesse essa decisão de mérito, o autor deveria preencher certos requisitos, aos quais denominou condições da ação.
Observa-se, desta forma, que a doutrina de Liebman situava-se numa faixa intermediária entre o concretismo, para entrever-se a existência do direito alegado para entrever-se a existência da ação, e o abstrativismo puro, segundo o qual o exercício do direito de ação poderia mesmo incorrer em abusos, porque incondicional e franqueado a qualquer cidadão como decorrência de seu status civitatis.
As condições da ação figuram, assim, uma concepção de Liebman, como anteparo ao exercício abusivo do direito de ação. Uma vez não preenchidas, exoneram o juiz de apreciar o meritum causae[17], autorizando-o a proferir uma decisão meramente formal, reconhecendo ter faltado ao autor aquelas mínimas condições para responder sobre a questão de fundo, daí a denominação desse fenômeno da falta das condições da ação e carência de ação[18].
A verificação da presença das condições da ação, como evidente, faz-se preliminarmente ao julgamento da pretensão. Insustentável a doutrina concreta ou concretista que, segundo sua coerência, considera as condições da ação como requisitos indispensáveis à obtenção de uma decisão favorável.
O CPC de 1973 fora fiel à doutrina de Liebman e considerou as condições da ação questões distintas e obstativas da análise do mérito, conforme prevê o art. 485 do NCPC: “O juiz não resolverá o mérito quando: I- indeferir a petição inicial; II- o processo ficar parado durante mais de um ano por negligência das partes; III- por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de trinta dias; IV- verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V- reconhecer a existência de perempção, de litispendência e de coisa julgada; VI- verificar a ausência de legitimidade ou de interesse processual. VII-acolher a alegação de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII-homologar a desistência da ação; IX- em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X- nos demais casos prescritos neste Código. (…)”.
Deve ser observado a proibição do juiz de decidir o que já foi por ele mesmo decidido, entretanto, não abrange questões de ordem pública (como pressupostos processuais, condições de ação).
Muitos doutrinadores colocam como pressuposto ou condição de execução apenas a existência do título executivo, a exemplo de Humberto Theodoro Junior para quem o título executivo é a expressão integral das condições da ação executiva.
Cogita-se no pressuposto prático que é o inadimplemento e o pressuposto teórico que é o título. O NCPC não faz expressa menção sobre as condições da ação da teoria eclética de Liebman.
O tema “mérito” envolve sempre acirrada polêmica. Efetivamente, há um segmento que entende que este se identifica com a ideia de qua se houver exercício de pretensão à tutela jurídica processual haverá jurisdição. E, por consequência, julgamento de mérito. Assim, se reconhecida a ausência de uma ou mais das condições da ação, estará declarando o autor sem pretensão de direito material, por conseguinte, examinando o mérito.
Desta forma, o julgamento por si só, sempre representaria exame de mérito, independentemente de haver declaração sobre o direito material em concreto, pois presente exame da causa in status assertiones[19].
Já outro entendimento associa o conceito de mérito a chamada questão de fundo, ou seja, ao exame do direito material posto em causa. Em síntese, houve decisão sobre o conflito de interesses, houve exame de mérito. Não há alteração no que se refere ao interesse[20] e à legitimidade como condições da ação.
Também não houve alteração no que diz respeito à existência, como regra, de pertinência entre a ação e o direito que se pretenda valer, admitindo-se, porém, casos expressos de substituição processual.
Consequentemente, o implemento das condições da ação revela apenas que o autor faz jus ao pronunciamento do mérito, que lhe pode ser favorável ou não.
A moderna visão do concretismo e de abstrativismo à luz do decretado princípio da efetividade processual fazendo repensar os aforismos do passado.
A emancipação científica do processo infelizmente conduziu a um contraste com os demais ramos de direito, notadamente o do direito material, e propiciou o apartheid entre a seara cível e a seara processual, e de forma que os direitos materiais passaram a ser persequíveis em juízo por meio de instrumentos inadequados, incapazes de tutelar adequadamente.
A inadequação ou inadaptação da realidade normativa aos reclamos práticos conclamou a doutrina, a questionar o alcance do acesso à justiça.
Hodiernamente, interpreta-se a garantia constitucional do art. 5º, inciso XXXV da CF/1988 com a explicitação infraconstitucional do art. 189 Código Civil, com a necessidade de contemplar-se a ação adequada a assegurar justa solução do direito violado ou ameaçado de lesão, em prol do prestígio que a ordem jurídica e o aparelho judicial devem merecer do jurisdicionado, quando impedido legalmente de exercer a autodefesa.
A moderna concepção do direito de ação sob o ângulo processual exige que a todo direito corresponda uma ação adequada que o assegure, sem que isso implique retorno ao imanentismo, ao concretismo ou mesmo à origem civilista da actio romana.
É sabido que o próprio Liebman[21], em sua terceira edição de seu Manuale, já não classificava mais a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação. Talvez, porque tenha percebido que o pedido juridicamente impossível representa à inexistência do direito material invocado, o que se consubstancia no mérito da causa.
Por essa razão, agiu corretamente, o NCPC ao não mais mencioná-la. Explicitou claramente que o falecimento da parte em ação intransmissível, ou seja, personalíssima extingue o processo sem resolução do mérito.
Mas assevera Marinoni e Mitidiero que a intransmissibilidade do direito subjetivo à pretensão poderá ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando o direito somente pode ser exercido por aqueles participantes da relação processual. Já a relativa, permite que o direito alegado pela parte falecida em juízo transmitir-se aos seus sucessores.
Já quanto ao prazo que antes era de quarenta e oito horas e, doravante, será o prazo de cinco dias, o que definitivamente destoa dos objetivos do novo codex que é a celeridade processual por conta da majoração temporal para o suprimento do abandono ou negligência com a demanda proposta.
Originariamente, pela concepção civilista da ação, considerada esta, um aspecto do próprio direito subjetivo violado ou ameaçado, classificava-se as ações segundo a natureza do direito e do objeto próprio do pedido. Aduzia-se a ação pessoal, ação real, ação mobiliária, ação imobiliária, ação petitória, ação possessória e, etc.
Por outro lado, a doutrina procedimentalista fundindo os conceitos de processo e procedimento, classificava as ações como ação ordinária, sumária, sumariíssima, ação especial e ação executiva. Outros doutrinadores adotam outros adotam diferentes critérios como ações acessórias e ações preventivas.
Segundo Assumpção Neves tanto o CPC de 1973 como o NCPC consagraram a teoria eclética distinguindo as condições da ação do mérito. A princípio, Liebman criador da teoria eclética ao tratar do tema, apontava três espécies de condições da ação, depois reduziu para apenas duas, inserindo explicitamente a possibilidade jurídica do pedido no interesse de agir[22].
Nesse sentido ratifica o art. 17 do NCPC a necessidade para se postular em juízo de se ter interesse e legitimidade. Consignou Assumpção Neves que o legislador de alguma forma atendeu aos críticos da teoria eclética. Especialmente aos defensores da teoria abstrata de ação.
Exige-se, portanto, a análise do caso concreto para se constatar a existência de interesse de agir e legitimidade para que possa o juiz possa resolver o mérito.
A retirada da possibilidade jurídica do pedido nem sempre conduzirá o juiz a entender as situações atualmente atualizadas sob a visão de que sejam causas de falta de interesse de agir. Nesse diapasão fora elucidativo o Enunciado 36 do II Fórum Permanente de Processualistas (FPP) in verbis: “As hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido[23] ensejam improcedência liminar do pedido”. É o caso do pedido juridicamente impossível.
Nas hipóteses em que impossibilidade jurídica não deriva do pedido, mas das partes ou da causa de pedir, entendendo mais adequado que, mesmo diante da aprovação do dispositivo ora em comento, o juiz continue a extinguir o processo sem a resolução de mérito, agora com fundamento na ausência de interesse de agir[24], em sua modalidade adequação.
Por exemplo, na cobrança de dívida de jogo, por exemplo, não parece correto o julgamento por improcedência, o que significaria que o direito de crédito alegado pelo autor não existe, o que não conduz com a realidade.
Pois afinal, a vedação no sistema jurídico na cobrança judicial dessa espécie de dívida, não quer dizer que esta não exista.
O art. 18 do NCPC repetiu o equívoco constante no vigente no art. 6º do CPC. Contudo mais interessante era a redação originária do parágrafo único do dispositivo legal, havendo substituição processual, o juiz determinaria que fosse dada ciência ao substituído, da pendência do processo; nele intervindo, cessaria a substituição.
Em sentido oposto, por não existir qualquer vedação legal ou lógica, o juiz poderá, inclusive de ofício, determinar a intimação, com o que estará realizando o princípio do contraditório real.
Sem a imposição legal, entretanto, trata-se de mera faculdade do juiz, não se podendo concordar com o Enunciado 110 do FPPC[25], que aparentemente processual, e sendo possível identificar o substituto, o juiz deve determinar a intimação deste último para querendo, integrar o processo.
Cabe ressaltar a existência de corrente doutrinária que defende a limitação extraordinária à tutela individual, afirmando que essa espécie de legitimação se defende em juízo um direito subjetivo singular de titularidade de pessoa determinada.
Sendo o direito difuso e direito coletivo inaplicável a legislação extraordinária. Sob influência dos estudos alemães sobre tema, ainda defendem que a legitimação ativa nas ações que têm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira espécies de legitimidade autônoma para a condução do processo.
Não obstante o entendimento do STF o art. 138 do NCPC incluir a intervenção de amicus curiae[26] entre às intervenções de terceiro, o que pressupõe que, a partir da admissão do seu ingresso no processo, passe a atuar na qualidade de parte.
O primeiro parágrafo do referido dispositivo legal, entretanto, prevê que o amicus curiae não tenha legitimidade recursal salvo para a interposição de embargos de declaração e na hipótese prevista no terceiro parágrafo (decisão que, julgar incidente de resolução de demandas repetidas), o que será paradoxal se efetivamente atuar como parte no processo a partir de sua intervenção de qualquer terceiro interveniente[27].
No art. 290. V do NCPC está previsto que o valor da causa nas ações indenizatória mesmo aquelas fundadas em danos extrapatrimoniais, será o valor que o autor pretende receber. O dispositivo legal supera o equivocado entendimento do STJ, entendendo expressamente a exigência de pedido determinado ao pedido de indenização por dano moral.
O art. 320 do NCPC embora a redação confusa admite pedidos implícitos tais como os juros legais e correção monetária e as verbas de sucumbência incluindo os honorários advocatícios. Já o art. 321 do NCPC reprisa o teor do art. 290 do CPC/1973.
Segundo ao art. 85, primeiro parágrafo do NCPC, caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto aos honorários ou ao seu valor, será cabível a ação autônoma para a sua definição e respectiva cobrança.
A cumulação de pedidos é versada pelo art. 325 do NCPC sendo infelizmente mantido o caput do dispositivo correspondente, mas já pacificado pelo STJ, de que os pedidos cumulados devem ser dirigidos contra o mesmo o réu.
Continua mantida a dispensa de conexão entre os pedidos, bem como os requisitos de admissibilidade da cumulação, antes previstos no art. 292, segundo parágrafo do CPC/1973 e, mormente consagrados no art. 325, primeiro parágrafo do NCPC.
O CPC de 1973 previa que os pedidos não poderiam ser incompatíveis entre si, mas tal exigência só era aplicável na cumulação própria (simples e sucessiva).
Veramente, não há problemas em cumular pedidos incompatíveis mas na concessão de pedidos incompatíveis entre si que nas espécies de cumulação imprópria (subsidiária/eventual e alternativa), que se caracterizam pela possibilidade de concessão de apenas um dos pedidos cumulados, não haverá nenhum problema na incompatibilidade dos pedidos.
Sabendo-se de antemão que o autor, na melhor das hipóteses, receberá somente um dos pedidos formulados, a exigência legal deve ser afastada. Fora feliz o NCPC em seu art. 325, terceiro parágrafo, a inaplicabilidade dessa exigência para a espécie de cumulação prevista no art. 324 que versa justamente sobre as duas espécies de cumulação imprópria[28] (subsidiária/ alternativa).
Será admitida a cumulação de pedidos mesmo quando tenham diferentes procedimentos desde que o demandante optar pelo procedimento comum e, este for adequado à pretensão.
Tal dispositivo processual dá clara permissão para a adoção de diferentes procedimentos especiais ou técnicas processuais diferenciadas na cumulação de pedidos, desde que compatíveis com o procedimento ordinário.
O art. 324, caput do NCPC consagra essa espécie de cumulação de pedidos ao prever ser lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, mesmo que não acolha o anterior.
Já adiante se disciplina a cumulação alternativa, para que o juiz acolha um deles. Apesar de existirem quatro tipos de cumulações, mas o NCPC só disciplinou somente duas, justamente as espécies de diminuição imprópria.
O art. 65, parágrafo único do NCPC concede expressamente legitimidade ao Ministério Público para arguir a incompetência relativa.
Infelizmente o NCPC não conseguiu se livrar da abusividade[29] da cláusula de eleição de foro agora presente em qualquer espécie de contrato, e não só nos contratos de adesão.
Prevê o art. 63, terceiro parágrafo, a possibilidade de reconhecimento de ofício da incompetência territorial (na realidade a única espécie de competência relativa) sempre que a cláusula se mostra abusiva.
A análise de abusividade deverá considerar o caso concreto e independentemente da qualidade de réu (pois o dispositivo não exige que o réu seja hipossuficiente[30]). Só estará presente na hipótese do foro indicado na cláusula de eleição de foro, se for prejudicial ao exercício da ampla defesa do demandado.
Procedimentalmente, o juiz, ao reconhecer a abusividade da cláusula de eleição de foro, a reputará ineficaz e enviará ao juízo pertinente do foro do domicílio do réu.
Tal declaração de ineficácia não vincula o réu, que no momento da prolação da decisão, ainda será um terceiro no processo. Assim, sendo citado o réu já no foro de seu domicílio, em decorrência do art. 63, terceiro parágrafo do NCPC, o réu poderá excepcionar o juízo, através da preliminar da contestação pleiteando a aplicação da cláusula de eleição de foro ao caso concreto, com o que os autos deverão ser reencaminhados ao juiz de origem.
O art. 114 do CPC/73 apesar de a incompetência territorial ser reconhecida excepcionalmente de ofício, a competência continua a ser relativa, não sendo possível ao juiz reconhece-la de ofício após o transcurso de prazo para defesa do réu. É a consagração da preclusão pro iudicato temporal.
A excepcional adoção de prazo próprio para o juiz é mantida no NCPC para o reconhecimento de ofício da abusividade da cláusula de eleição de foro.
Com a mudança do procedimento ordinário[31] que passa a ser o único procedimento comum, o réu será citado para comparecer a uma audiência, e não mais para contestar.
Já havendo alegação de incompetência relativa, entretanto, não teria sentido impedir a análise da referida alegação seja por incompetência relativa ou absoluta antes da realização da audiência.
O art. 337, caput do NCPC prevê a possibilidade de protocolo da contestação com alegação de incompetência relativa ou absoluta no foro do domicílio do réu, sendo essa peça enviada ao juízo onde tramita a demanda, que deverá suspender a realização da audiência. Uma vez acolhida a dita alegação, o juízo que enviou a peça restará prevento, e, por este, será finalmente designada, se for o caso, a nova audiência.
É bom frisar que independentemente da natureza da incompetência arguída esta será alegado apenas como preliminar da contestação. Aliás, a exceção de incompetência estava mesmo no “fim de seus dias” pois vinha o STJ admitir a aplicação do princípio da instrumentalidade, o que acenava com a inutilidade e desprestígio da exceção processual em comento.
Segundo o NCPC caso o juízo competente não se manifestar sobre os atos processuais praticados pelo juízo incompetente, estes continuarão a gerar seus efeitos.
Assim, somente em caso de decisão expressa em sentido em contrário e a decretar explicitamente a ineficácia dos atos processuais já produzidos.
A opção do legislador do NCPC conflita com a manutenção da incompetência absoluta entre as causas de ação rescisória (art. 967, inciso II do NCPC).
Cabe alertar que não se deve confundir vício de nulidade com vício de rescindibilidade, a justificativa clássica para o cabimento de ação rescisória somente contra a incompetência absoluta era a gravidade do vício nesse caso.
Assim, se deixa de ser viciada a dita decisão, torna-se paradoxal que possa após o trânsito em julgado ser desconstituída por meio de ação rescisória.
O art. 64, segundo parágrafo do NCPC exige que o juiz ao se defrontar com a alegação de incompetência, intime a parte contrária para se manifestar a respeito, é o cumprimento do chamado contraditório participativo, mesmo diante de matéria de ordem pública.
As regras de competência relativa têm natureza dispositiva e podem ser flexibilizadas. O art. 47 do NCPC disciplina a competência das ações reais imobiliárias, mantendo regra anterior do art. 95 do CPC/73 de competência absoluta no foro da situação do imóvel, sempre que essa espécie de demanda tiver como objeto direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras, nunciação de obra nova e posse.
Já quanto os outros direitos reais como uso, usufruto e habitação a rega a ser aplicada será outra e, haverá três foros concorrentes, podendo o autor escolher entre o foro da situação do imóvel, do domicílio do réu ou foro eleito por cláusula contratual de eleição de foro.
Ao criar dispositivo legal específico para as ações possessórias, o legislador deu a entender que a posse não é direito real. Mas, a opção não veio alterar a tradicional regra para competência absoluta do foro da situação do imóvel.
O art. 48 do NCPC disciplina a competência do foro do domicílio do autor da herança para as ações de inventário, partilha, arrecadação, cumprimento de disposição de última vontade, impugnação e anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu. Houve apenas uma inclusão da impugnação ou anulação da partilha extrajudicial[32].
Uma omissão legislativa do CPC infelizmente não fora saneada, diz respeito ao falecimento no exterior de sujeito que possua domicílio certo no exterior e deixa bens no Brasil. A melhor doutrina defende a regra do foro concorrente. Admitindo-se a competência de qualquer dos lugares onde estejam os bens. A analogia deve ser feite com o art. 48, parágrafo único do NCPC, equiparando-se o autor da herança ao sem domicílio certo e morto no Brasil.
Todas as modificações providas pelo NCPC no âmbito de conceito de direito de ação e a identificação de seus elementos visam propiciar a segurança jurídica aliada a celeridade processual, dar maior efetividade ao acesso à justiça.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)
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