THE CONCEPT OF CRIME UNDER A NEW PERSPECTIVE: THE MEANINGFUL ACTION THEORY AND THE LANGUAGE PHILOSOPHY POSTULATE
Brief Considerations of its Main Pioneers
Autora: Camila Ferreira de Almeida
RESUMO: O objetivo da presente pesquisa é apresentar um breve panorama da denominada teoria da ação significativa do direito penal, desenvolvida inicialmente na Espanha por Vives Anton. O trabalho, portanto, cuida dos elementos teóricos iniciais dessa proposta de ressignificação da conduta penal. Os conceitos de crime no campo penal foram objeto de várias mudanças e diferentes teorias levando estudiosos a uma aspiração contínua por novas teorias que superassem os pontos negativos das antecedentes. Atualmente, tem-se destacado o fato de que há na conduta humana, penalmente relevante significados que devem ser interpretados à luz da linguagem. E então, desenvolveu-se uma nova teoria baseada na filosofia da linguagem de Wittgenstein. A proposta do artigo é, então, apresentar essa nova concepção que reestruturou toda a teoria do crime, em razão da nova perspectiva da linguagem no campo penal. Em específico serão analisados os aspectos básicos do dolo, que também recebeu influência com as mudanças da nova dogmática. Nesse intuito, serão exploradas algumas obras, principalmente as de Paulo César Busato, responsável por trazer essa teoria da Espanha para o Brasil. O trabalho servirá de início para futuras pesquisas mais aprofundadas sobre o tema.
Palavras-Chave: Teoria da Ação Significativa; Filosofia da Linguagem; Dolo.
ABSTRACT: The objective of this paper is to present a brief overview of the Meaningful Action Theory in Criminal Law, which was first developed by Vives Antón in Spain. Therefore, this work addresses the initial theoretical elements of this proposition of redefinition of criminal conduct. The concepts of crime in the criminal field have been the object of many changes and different theories, taking scholars to a constant search for new theories which would overcome the weaknesses of previous theories. Nowadays, one important aspect is that there are criminally relevant human conduct meanings that should be interpreted under the influence of language. Thus, a new theory based on Wittgenstein’s language philosophy was developed. As a result, the aim of this paper is to present this new conception, which has restructured all crime theory due to the new language perspective in the criminal field. To be more specific, the basic aspects of dolus, which were also influenced by the changes in the new dogma, will be analyzed. To do so, some pieces of work will be examined, especially the ones from Paulo César Bussato, who brought this theory from Spain to Brazil. This paper will serve as a point of departure for future detailed research in the field.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A Nova Perspectiva. 1.1. Breves Considerações da Concepção de Vives Antón.1.2. A Abordagem de Busato aos Elementos Básicos Iniciais. 2. A Filosofia Como Ponto de Partida. 2.1. A Linguagem na Visão da Filosofia. 2.2. A Filosofia da Linguagem de Wittgenstein. 3. A Teoria: Explanação Conceitual dos Pontos Principais. 3.1. A Reorganização da Estrutura. 3.2. O Dolo Sob Análise da Nova Perspectiva. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Keywords: Meaningful Action Theory, Language Philosophy, Dolus.
INTRODUÇÃO
A imputação de um crime à pessoa humana e a sua consequente condenação dependem do que é entendido da teoria da ação e de seus conceitos. É ela que conduz o julgador à decisão final para condenação ou absolvição, daí a importância de estudá-la.
Durante os séculos, as sociedades percorreram épocas que transpassaram as mais diversas dogmáticas referentes ao Direito Penal. Com isso, revelaram-se incontáveis momentos da história dos povos em que se discutiu como condenar uma pessoa por um crime. Essas mudanças de paradigma ao longo da história foram transformando as concepções de conduta humana e consequentemente da teoria do crime.
A aspiração pela condenação justa é o que leva os estudiosos e pesquisadores a não cessarem seus estudos sobre a teoria do delito. Entretanto, para mergulhar em um assunto tão profundo eles necessitam permear as ciências filosóficas, a fim de encontrar bases sólidas para construírem uma estrutura do crime. É nesse intuito que o professor espanhol Tomás Salvador Vives Antón começa a desenvolver a sua Teoria da Ação Significativa na Europa e vai buscar base filosófica em Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, um filósofo austríaco do séc. XX. Essa teoria não rompe com as ideias finalistas já conhecidas, mas sim vai ao seu encontro, propondo uma reestruturação e adequação às concepções filosóficas de linguagem.
A teoria foi trazida para o Brasil pelo professor Paulo Cesar Busato, cujas obras também serão objeto de análise nesse ensaio. Trata-se de tema de relevância teórica e científica frente à importância que carrega uma teoria do delito: de direcionar e conduzir o julgamento até a sentença. Sendo assim, uma teoria da ação é imprescindível para se analisar a ocorrência ou não de ato criminoso. A pouca visibilidade no Brasil desta teoria e o restrito espaço que ainda tem nas pesquisas acadêmicas só demonstram a necessidade de cada vez mais estudá-la, a fim de compreender de fato a essência da linguagem e como isso pode aproximar o julgador da realidade e do justo.
O artigo primeiro apresentará qual é essa nova perspectiva trazida da Espanha e em seguida serão expostas algumas breves considerações de Vives Antón, criador da teoria e de Busato, responsável por trazê-la o Brasil. O capítulo 2 se aterá em tratar da base filosófica que embasou esta nova teoria: a filosofia da linguagem de Wittgenstein.
A partir do capítulo 3 se iniciará a pesquisa da teoria em si, apresentando uma explanação conceitual dos pontos principais para em seguida, explicar como ficou a reorganização de sua estrutura. Por último tratar-se-á do dolo sob a análise dessa nova perspectiva, segundo concepções de Busato.
A metodologia utilizada foi puramente a pesquisa científica, doutrinária, com referencial teórico nas obras de Busato, assim como em outros artigos, revistas e livros de pesquisadores que se dispuseram a discorrer sobre esse assunto ainda novo no campo acadêmico brasileiro.
O que se entende aqui é que na medida em que a humanidade vai se desenvolvendo deve haver, paralelo a esse fenômeno, o estudo da conduta humana a partir das vertentes filosóficas.
Portanto, a pesquisa e desenvolvimento de uma teoria da ação devem estar em incessante aprimoramento. Deve-se almejar aperfeiçoar seus conceitos a fim de se aproximar ao máximo do julgamento justo e, além disso, adequar-se à realidade contemporânea da população humana e também à suas demandas.
1 A NOVA PERSPECTIVA
As teorias do delito objetivam sempre alcançar o justo. Trazem, então, conceitos e diretrizes que guiam a atuação do julgador para esse fim. Como explica Busato: “[…]a estruturação da teoria do delito é nada mais do que a composição de um veículo normativo que pretende servir de interface entre o fenômeno criminal e as instituições estatais” (2013, p. 207, grifo nosso).
Até o momento, já se experimentaram diversas teorias de imputação, tendo em vista que a estruturação da teoria do delito nem sempre foi uniforme, ela varia de acordo com o entendimento que se tem do que é a conduta, do que é a ação e por aí em diante. Com o passar dos anos, foram desenvolvidas a teoria causalista, social da ação, a finalista e o funcionalismo. Entretanto, embora seja majoritária a opção pelos sistemas tradicionais, já se percebe a aproximação de novas propostas, tais como a Teoria da Ação Significativa.
Na Europa, desde a década de 90, ela vem sendo formulada por Tomás Salvador Vives Antón, o criador desse novo modelo de imputação, baseado em dois fortes pilares, a filosofia da linguagem de Wittgenstein e a teoria da ação comunicativa de Habermas. George Patrick Fletcher, baseado nas ideias de Hans Welzel, também pensou sobre o conceito significativo da ação, mas lhe deu um nome diferente, “intersubjetivo”.
O que se pretende nessa nova teoria não é focar no que o sujeito fez, mas sim no significado do que fez e no significado dessa ação: “Neste modelo dotado de sentido, não se interessa naquilo que o infrator faz, mas no significado do que o infrator faz, a ação transmite um significado no mundo jurídico, logo, a conduta não pode ser desenvolvida no mundo do “ser”, de forma ontológica, nem tampouco axiológica, pois também não é situada totalmente no mundo do “dever ser”. A percepção do significado da ação é por intermédio da relação entre o sujeito e o objeto, por isso é dotada de sentido, uma vez que não podemos explicar a ação pelos fenômenos de liberdade interna da psique do agente, jamais poderemos ingressar nesse universo para identificar uma ação, mas somente por intercessão de seu sentido da ação baseada no contexto” (TEIXEIRA, 2015, grifo nosso).
E o contexto é um ponto importante nessa nova percepção. É, então, através dele que se entende o significado de uma frase utilizada, por exemplo. Nesse sentido, Fletcher afirma: “Perceber a ação é como entender uma linguagem. Entendemos o significado de uma frase pelo contexto em que se usa. Do mesmo modo percebemos por uma ação só entendendo o contexto no qual o ocorre. Na verdade, ação não constitui, por si, qualquer substrato ôntico, não tem existência no mundo do ser, é apenas um sentido, por que seu significado reside no próprio uso, em sua própria ocorrência” (FLETCHER, 1998, p. 7 Apud BUSATO, 2013, p. 90).
O sistema identifica a ação sob uma perspectiva pessoal e não uma perspectiva sem significado, algo do acaso, como também ensina Ortega: “Essa proposta de sistema penal repousa no princípio do liberalismo político e tem como pilares dois conceitos essenciais: ação e norma, unidos em sua construção pela ideia fundamental de ‘liberdade de ação’ (“a liberdade de ação à qual refere Vives é simplesmente aquela que permite identificar a ação como obra pessoal e não do acaso”)” (ORTEGA, [20–], grifo nosso).
Esses conceitos de ação e norma são ligados entre si pela liberdade de ação, esta mesma citada no trecho acima, que permite se conceber a ação como algo pessoal e não uma obra no acaso. Com relação à ideia que se teve de norma verifica-se: “O elo entre a norma e ação é a liberdade de ação, esta que, tradicionalmente, é vista como pressuposto da culpabilidade, para Vives, é pressuposto da própria ação. É a liberdade do indivíduo que origina a própria ação, portanto, deve ser vista diante do sistema normativo, motivo pela qual une norma e ação” (TEIXEIRA, 2015 p.234, grifo nosso).
Diante desse binômio, afirma-se que a liberdade de ação é um pressuposto da ação propriamente dita, e isso se dá porque a ação é enraizada de sentido, ou seja, de significado.
Importante enfatizar que, ainda que existam diversas críticas aos sistemas anteriores, a nova teoria admite todos os avanços percebidos até então, no decorrer de suas evoluções. Portanto, uma teoria moderna: “[…] deve estar assentada em instrumentos delimitadores negativos, na contenção do poder de punir e no respeito aos direitos e garantias fundamentais. É premissa inicial destacar que o sistema significativo de Vives Antón não pressupõe a demolição da construção dogmática que foi erigida, muito pelo contrário, mas propor através de um modelo de compreensão do significado uma nova pretensão valorativa do delito” (TEIXEIRA, 2015, p.234, grifo nosso).
Além de Vives, outros defensores dessa teoria como Zugaldía Espinar e Paulo César Busato ensinam que o conceito significativo de ação “(…) identifica-se melhor com um moderno Direito Penal, respondendo aos anseios de uma nova dogmática e respeitando os direitos e garantias fundamentais do ser humano” (ORTEGA, [20–]). Isso mostra que, embora “recém” idealizada, a teoria já apresenta uma evolução ao conceito de crime.
Cezar Roberto Bitencourt, a respeito na nova teoria, afirma que: “essa concepção tem a pretensão de traçar uma nova perspectiva dos conceitos e significados básicos do Direito Penal” (ORTEGA, [20–]). Acredita-se que da mesma forma que o finalismo de Welzel revolucionou a teoria do delito quando da sua criação, a teoria da ação significativa também representará uma grande evolução.
O idealizador da teoria, o professor Tomás Salvador Vives Antón nasceu em 1939 em Elche, Espanha. Iniciou seus estudos na faculdade de Direito da Universidad Complutense de Madrid em 1957. Após, continuou sua carreira acadêmica como relata o trecho seguinte: “[…] diplomándose en Criminología en 1971 (Valencia) y doctorándose en Derecho por la Facultad de Derecho de la Universidad de Valencia, el 28 de septiembre de 1973, con la tesis “La regulación de la autoría en los delitos cometidos por medio de imprenta”, que recibió el Premio Extraordinario de Doctoradode aquel curso académico. La misma tesis fue publicada en Madrid, en 1977, bajo el título: “Libertad de prensa y responsabilidad criminal (La regulación de la autoría en los delitos cometidos por medio de imprenta)”. (…) A lo anterior hay, por último, que añadir que ha sido miembro de distintas Comisiones en el seno del Ministerio de Justicia: desde la comisión que estudió la “Reforma del Proceso Penal” (años 1985 y 1986), pasando por la encargada de acometer la “Reforma de la Casación Penal” (1986 y 1987); siendo, finalmente, Vocal de la Sección Especial de la Comisión de Codificación para la Reforma del Proceso Penal (2005 y 2006). Es autor de numerosas publicaciones que figuran en las páginas dedicadas a Publicaciones del profesor Vives Antón” (ROYO, 2008).
O autor foi o primeiro a adotar os referenciais da filosofia da linguagem e da ação comunicativa para repensar os fundamentos do direito penal. Em seus estudos publicados em 1996, na Espanha, Vives relaciona a estrutura da imputação penal com os “jogos de linguagem”.
Vives não pretende romper drasticamente com os sistemas anteriores, o que ele busca é propor uma nova perspectiva à teoria do crime, por meio de novos significados para sua estruturação já ultrapassada: ação, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e punibilidade, “(…) sua nova visão simplifica o sistema de imputação e traz ínsito um resultado legítimo” (LAGE, 2015).
Nas palavras de Rocha, o que Vives buscou foi afastar: “[…] os processos mentais oriundos da ação e presentes na teoria do delito, o que, de certa forma, é uma porta aberta para inúmeros questionamentos, principalmente, na dificuldade oriunda de servir como parâmetro na análise concreta. Entretanto, percebe-se que não foi possível repelir por completo os elementos subjetivos na teoria significativa do delito, por conta da análise de critérios externalizados” (apud TEIXEIRA, 2015, p. 268).
E, então, o autor defende que aqui não se trata de um processo físico, mas sim da compreensão do sentido: “Desde essa perspectiva, a ação como significado atribuído socialmente – juridicamente – a certos movimentos corporais ou certa ausência deles, tende a se objetivar, a se definir com independência da intenção subjetiva, do mesmo modo que as palavras têm um significado objetivo, que não depende necessariamente da intenção com que foram pronunciadas. O autor (Vives) insiste na ideia de que não estamos perante processo físico algum, mas perante casos de interpretação da conduta pública, isto é, compreensão do seu sentido” (BORJA apud VIANNA, 2012).
Paulo Cesar Busato foi quem trouxe para o Brasil as ideias originais da Teoria da Ação Significativa de Vives. Autor de diversos livros e artigos da seara penal, publicados em diversos países, afirma que já superamos as teorias até então dominantes, essas já se tornaram insuficientes. O extremo do finalismo de Welzel – ontológico ou o funcionalismo de Jakobs – não bastaram para resolver os problemas reais. E que, portanto, deve ser adotado o modelo significativo, que em suas palavras é mais “justo e legítimo”.
Busato explica que não basta ter como objetivo o enquadramento do fato ao sistema de imputação: “já não se trata de aplicar o sistema de imputação tendo como único objetivo o enquadramento do fato no sistema, gerando uma realidade de imputação imutável e presumivelmente verdadeira” (apud LAGE, 2015).
Ele, então, problematiza da seguinte forma: “O modelo de sociedade do século XXI tem por características, essencialmente, ser uma sociedade de consumo e de comunicação (2013, p. 248). Convivemos em uma sociedade com enorme volume de informações interferindo nas relações pessoais. Tal volume facilitou a divulgação de produtos e alterou a lógica de mercado capitalista. Devemos concordar com BAUMAN e COSTA (apud BUSATO 2013, p. 249) que o mundo já “passou a etapa marxista da divisão entre capital e trabalho e das classes divididas entre industriais e trabalhadores, passando para o mundo da excedência, que divide as pessoas basicamente entre os que consomem e os que não consomem.” Surge, portanto, a necessidade de problematizar as normas que regem a sociedade: elas expressam os interesses dos grupos e merecem aceitação por parte deles? Em outras palavras, as normas podem ser justificadas e ser consideradas legítimas?” (LAGE, 2015).
Para que as normas sejam validadas, é necessária uma justificação através do contexto, isto é, para que se tornem válidas para aquele grupo determinado de pessoas, é necessária a expressão de comunicação de um sentido: “E é justamente a realização dessa ponte entre o ser e o dever ser que insere o direito enquanto expressão linguística” (BUSATO apud LAGE, 2015).
Neste sentido, Busato afirma que, segundo Vives, a ação tem seu sentido definido pelo contexto: “Vives [Antón] parte da concepção fundamental de que a ação não pode ser um fato específico e nem tampouco ser definida como o substrato da imputação jurídico-penal, mas sim representa ‘um processo simbólico regido por normas’ que vem a traduzir ‘o significado social da conduta’. Assim, para Vives o conceito de ações é o seguinte: ‘interpretações que podem dar-se, do comportamento humano segundo os distintos grupos de regras sociais’ e, portanto, elas deverão representar, em termos de estrutura do delito, já não substrato de um sentido, mas o sentido de um substrato” (BUSATO apud TEIXEIRA, 2015, grifo nosso).
Ou seja, as ações são percebidas e avaliadas pelas pessoas de formas diferentes. E por pessoas que nada tem a ver com o ato realizado. Logo, “isto nos leva a estabelecer como critério significativo na teoria da ação, as condições sociais que devem ser levadas em consideração anteriormente às da avaliação das considerações jurídicas inerentes às diferentes categorias da responsabilidade criminal” (MUÑOZ CONDE; CHIESA apud TEIXEIRA, 2015).
Assim, nota-se que a ação não pode ser verificada em dissonância com a realidade do próprio indivíduo que a pratica, e assim se diz que a “conduta se manifesta como uma expressão comunicativa” (TEIXEIRA, 2015). E a comunicação é efetiva, ou seja, completa, quando de fato exprime um sentido. É o que explica o trecho abaixo: “O processo de comunicação se diz completo quando exprime um sentido. Desta ideia, consoante HAFT (apud BUSATO, 2013, p. 251), afirmamos que não existe um direito inicialmente dito correto, tendo em mente que a validade das normas e as decisões que delas se originam só podem ser afirmadas a partir de um caso concreto, através de um processo argumentativo que busca o consenso dos interessados sobre a percepção do sentido exprimido, assemelhando-se ao que é feito no modelo jurídico anglo-saxão do common law. As normas de direito penal devem buscar sua validade em um sentido da realidade” (LAGE, 2015, grifo nosso).
Ou seja, a validade da comunicação depende do consenso dos interessados, para dessa forma transmitir um sentido aos participantes. Busato, então, conclui que Vives Antón criou um sistema que se adequa melhor à atual sociedade, e atende à realidade “a partir da compreensão da linguagem como acordo comunicativo que legitima as normas segundo pretensões de validade.” (LAGE, 2015)
A filosofia da linguagem mostra sua importância neste ponto. Passa a analisar a sociedade como uma estrutura de comunicação: “A filosofia da linguagem mostra sua grande contribuição ao direito neste momento; mesmo que de forma tardia, ao contrário das outras ciências sociais, propostas como a contribuição de HABERMAS e WITTGENSTEIN (Apud. BUSATO, 2013, p. 250 e 251) geram uma completa mudança de estrutura metodológica, pois analisam a sociedade como uma estrutura de comunicação (e não mais como estrutura de produção) e clamam por reorientação das estruturas normativas.” (LAGE, 2015)
Busato explica que os doutrinadores são pacíficos em afirmar que o mero pensamento não poderia constituir delito na prática, o que exclui a hipótese de punição de convicções ou de processos psicológicos (apud SANTOS, 2007).
O autor cita Winfried Hassemer: “O pensamento não é livre apenas pelo fato de que não podemos prendê-lo, mas também porque um Sistema jurídico-penal democrático deve ser entendido como um Direito penal de fato, e com isso se exclui a possibilidade de que e o prognostico de uma lesão futura o diagnóstico de uma periculosidade atual possa converter-se no único pressuposto da punibilidade.” (apud SANTOS, 2007)
Sendo assim, caberia ao jurista “interpretar o significado transmitido pelos gestos e fatos no contexto existente, conforme pressupõe a interpretação da filosofia da linguagem do segundo Wittgenstein.” (TEIXEIRA, 2015)
E então, antes de começar a tratar da teoria propriamente dita, é necessário visitar a ciência filosófica para entender a referida filosofia da linguagem de Wittgenstein.
A Filosofia é o campo do conhecimento que se ocupa de tratar dos problemas da humanidade através de sua busca incessante em compreender a forma com que o homem se relaciona com o mundo. De tal sorte que o seu significado literal é o amor à sabedoria. Segundo Pitágoras, filósofo pré-socrático (séc. VII a V A.C.) grego: “O filósofo não é dono da verdade, nem detém todo conhecimento do mundo. Ele é apenas uma pessoa que é amiga do saber.” (MENEZES, [20–])
Na seara filosófica, profundas discussões acerca de questões fundamentais dos seres humanos, como os valores morais, a própria existência humana, o conhecimento em si, a mente e a linguagem, são objeto de reflexão de inúmeros pensadores há muito tempo. Dessa forma, eles buscam, por meio de argumentos que utilizam a razão e a lógica, conhecerem sobretudo o pensamento humano face ao mundo e à realidade.
Portanto, quando se busca o conhecimento, a filosofia deve ser o ponto de partida para estudar questões essencialmente humanas e de tamanha complexidade, como no caso do artigo, o crime. Daí a importância da arte de filosofar: “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos… O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência… Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia” (DELEUZE apud MENEZES, [20–]).
E então, da arte de filosofar surgem novos conceitos, e de diferentes novos conceitos surgem diferentes novas teorias.
O Direito como ciência utiliza dessas teorias filosóficas em diversas disciplinas jurídicas, frente à tamanha dificuldade de tratar das relações humanas, ou mesmo dos seres humanos em si. E, então, dessa maneira nasce a Teoria da Ação Significativa amparada pela Filosofia da Linguagem.
A Palavra “linguagem”, de acordo com o dicionário, significa “expressão do pensamento por meio da palavra. Sistemas de sinais empregados pelo homem para exprimir e transmitir as suas ideias e pensamentos.” (ROCHA, 2015).
Essa palavra vem do termo em latim “logos”, que segundo o professor de Filosofia Flávio Netto Fonseca (2017), pode significar também relato, história, verbo e explicação. E já nas épocas antigas gregas a linguagem já era um ponto de discussão entre os filósofos. Conforme ele apresenta, Heráclito, filósofo grego pré-socrático, já dizia: “Tudo acontece de acordo com logos”, sendo assim, tudo acontece de acordo com o que é ‘falado’ através da linguagem.
E assim, desde então continuaram existindo sempre reflexões e discussões a cerca da linguagem, até que, enfim, ocorreu a “guinada linguística”, ou também chamada de “giro linguístico”. Representou um marco de desenvolvimento da filosofia durante o século XX.
A sua principal característica, é justamente a relação entre a filosofia e linguagem. Neste momento a chamada Filosofia da Linguagem ganhou evidência e, segundo Leite (2017), tende a ser o ponto central do séc. XXI.
Conforme ensina a autora, no giro linguístico, os filósofos direcionaram suas atenções para a linguagem, pois verificaram que: “A mente não consegue apontar para o real e explorar o real sem a linguagem, pois esta não é apenas a expressão de pensamentos e, sim, a maquinaria do próprio pensamento e a única forma pela qual acessamos o pensamento nosso e de outrem” (LEITE, [20–], grifo nosso).
Neste momento do século XX, diante de toda a evidência que se começava a dar para a linguagem, um filósofo se destacou e foi o principal responsável por esta “Guinada Linguística” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE, [20–]): Ludwig Joseph Johann Wittgenstein.
Wittgenstein foi um filósofo austríaco (1889-1951), nascido em Viena, Áustria. Foi para a Inglaterra estudar engenharia aeronáutica. Tendo em vista a crescente valorização da lógica na época, mudou-se para Cambridge em 1911, sob orientação de Gottlob Frege (1848-1925), matemático, lógico e filósofo alemão, um dos principais criadores da lógica matemática moderna, para estudar os fundamentos de matemática com Betrand Russell (1872-1970), um dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos que viveram no século XX.
E, então, em 1914, alistado no exército austríaco, foi para Cracóvia lutar na Primeira Guerra Mundial. Em meio ao caos das trincheiras austríacas da Guerra (SILVA, [2015?]), ele escreve sua primeira obra, o Tractatus Logico-Philosophicus, publicada posteriormente, em 1921. Mais tarde, em 1936, começa a escrever Investigações filosóficas e conclui em 1944.
De acordo com Zica, a Filosofia da linguagem é: De acordo com Zica, a Filosofia da linguagem é: “[…] o ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos fenômenos linguísticos. Ela trata de um ponto de vista filosófico, da natureza do significado linguístico, da referência, do uso da linguagem, do aprendizado da linguagem, da criatividade dos falantes, da compreensão da linguagem, da interpretação, da tradução, de aspectos linguísticos do pensamento e da experiência. Trata também do estudo da sintaxe, da semântica, da pragmática e da referência” (ZICA, 2014).
A sua filosofia da linguagem tem a tarefa de analisar justamente a relação entre a linguagem com o mundo, ou seja, “a possível coincidência entre linguagem e realidade (…) examina até que ponto proposições escritas ou ditas representam os dados da experiência sensível e, portanto, têm sentido (…)”(MARSELHA, 2011).
Para Wittgenstein: “os limites da minha linguagem denotam os limites de meu mundo” e isso, segundo Joel Santos de Marselha (2011), é a função da linguagem: descrever a realidade, pois nada pode existir fora dela. Segundo ele: “(…) a linguagem é o conjunto de proposições que descrevem ou figuram algum estado de coisa possível; o sentido destas resulta do fato de descreverem algo que acontece na realidade. A linguagem é a totalidade das proposições e constitui figura da realidade, modelo de uma situação possível: ‘A proposição é figurada da realidade. A proposição é o modelo da realidade tal como a pensamos’ (Tractatus Logico-Philosophicus 4.01.)” (MARSELHA, 2011).
Houve duas fases de Wittgenstein que coincidem justamente com suas duas obras: Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas. Tendo o filósofo alterado profundamente suas ideias entre um trabalho e outro.
A sua obra Tractatus Logico-Philosophicus (1921) influenciou as principais vertentes contemporâneas da filosofia analítica da linguagem, por isso, tamanha a sua importância (COELHO, 2009).
Na primeira fase, do Tractus, o filósofo direcionou as tarefas da filosofia para “o estudo da Lógica de nossa linguagem do uso que fazemos dela” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE [20–]).
Conforme ensinamentos do curso de introdução à filosofia da Universidade Federal de Sergipe, Wittgenstein acreditava que seria possível solucionar todos os problemas de significação aplicando “uma espécie de cálculo lógico de base matemática”.
Entretanto, ele mesmo verifica erro nessa ideia, já que se fosse dessa forma, todos os mais diversos usos da linguagem poderiam ser explicados com base em “um único modelo estrutural: o modelo referencial, que pressupõe que ‘o significado’ de uma expressão é ‘a coisa’ pela qual ela está”, simplesmente.
Mais tarde, afirma que existem muitos outros referenciais da linguagem também com sentido igualmente. Nessa fase havia uma preocupação com a questão sintática e semântica, isto é, com regras que definem a formação das sentenças através de palavras e com as regras que determinam um campo semântico.
Já em sua segunda fase, Investigações Filosóficas, obra que foi publicada apenas após a sua morte em 1953, o filósofo trouxe uma nova abordagem da filosofia da linguagem. “Ocupou-se intensamente tanto de filosofia da matemática como de filosofia da psicologia, chegando a resultados igualmente radicais nos dois campos (tanto da linguagem ‘objetiva’ da matemática como na linguagem ‘subjetiva’ da psicologia)” (COELHO, [2009?]).
Nesta fase, ele já não pensa que os significados das palavras são oriundos de uma estrutura formal como antes, agora o significado depende do contexto de aplicação, ou seja, passa a ter um caráter pragmático. As regras pragmáticas: “(…) não podem ser formadas como as anteriores e introduzem um fator contextual irredutível no exame da significação de uma palavra ou expressão. São regras, portanto, ligadas aos usos das expressões, o que pode sempre introduzir variações imprevisíveis na significação” (COELHO, [2009?], grifo nosso).
Perante isto, o significado da palavra ou expressão passou a ser determinado, para Wittgenstein, pelo uso, ou seja, pelo contexto em que foi usado, e intitula isto de “Jogos de Linguagem”.
O autor chama essa nova concepção, que substituiu a lógica que antes fundamentava suas ideias, de “Gramática”, que seriam “regras que não podem ser estabelecidas de antemão (…) em um esquema formal, mas que só podem ser descobertas a partir de um trabalho de investigação (“ a investigação filosófica”), de descrição e de comparação de diversos jogos de linguagem contextualizados” (COELHO, [2009?]).
Nesta obra, definiu também os chamados argumentos da linguagem privada – abordando a filosofia da psicologia –, que em palavras de Giovane Silva ([2015?]) “versam sobre a possibilidade de uma linguagem que só poderia ser compreendida pelo próprio falante, uma linguagem diretamente derivada da experiência privada.” Isso é o domínio mental.
Ou seja, Wittgenstein não entende o “interno” como coisa privada do sujeito, que só ele conhece, mas como algo que poderia perfeitamente ser conhecido por outra pessoa. Essa concepção intitulada de “Mito da Interioridade” mudou drasticamente o que se pensava a respeito da “relação entre o corpo e alma”, do pensamento, vontade, dores e sentimentos próprios do sujeito.
Com sua morte em 1951, foram publicados diversos de seus materiais, o que levou a muitos comentários e discussões literárias na época e que até hoje servem para interpretações filosóficas.
Suas obras representaram em grande desenvolvimento de pensamento, ao trazer a filosofia da linguagem à base da teoria do delito: “[…] a dogmática penal, com recorte epistemológico na teoria do delito não superou o “giro linguístico” da quebra da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, o que provoca, de certa forma, a permanência exagerada de elementos ontológicos principalmente na conceituação do delito. E é exatamente esta base oferecida pela filosofia da linguagem que constrói o suporte necessário para a formulação da teoria significativa do delito” (TEIXEIRA, 2015).
Alguns autores afirmam que o Direito Penal não poderia resistir à não aproximação da Filosofia da Linguagem, como ocorre também em outras áreas do conhecimento humano: “Segundo Hassemer (1984, p. 221), essa aproximação progressiva entre o Direito e a linguagem advém justamente da necessidade daquele de produzir respostas a problemas práticos: ‘A classificação da semiótica – teoria da linguagem e de seu uso – é muito útil, se se quer conhecer os limites nos quais a lei pode vincular o juiz. Na “sintaxe” ou sintática trata-se das relações dos sinais linguísticos entre si, de gramática, de lógica, de forma e de estruturas. Na semântica, trata-se das relações dos sinais linguísticos com a realidade, de significado, de experiência, de realidade. Na pragmática se trata da relação dos sinais linguísticos com o seu uso em situações concretas, de ação, de comunicação, de retórica, de narração’” (BUSATO, 2016).
Essa filosofia trará de fato mudanças para o Direito, como por exemplo, a mudança da pretensão de verdade pela de justiça, e já é estudada por vários autores, cada qual na sua matéria e profundidade: “as teorias da argumentação e da comunicação têm possibilitado uma mudança de ponto de vista desde as aspirações do próprio direito, no sentido de, por um lado, mudar a pretensão de verdade por uma pretensão de justiça e, de outro, permitir a confluência de aspectos normativos e ontológicos pela medida da comunicação de um sentido. Essa posição, porque inovadora, naturalmente conta com adesão ainda tímida, embora nitidamente crescente, no cenário jurídico penal do civil law – por exemplo: Vives Antón (1996); Martínez-Buján Pérez (2012); Orts Berenguer; González Cussac (2004); Borja Jiménez (1999, p. 117 e ss); Cuerda Arnau (2009); Carbonell Matteu (2004, p. 139 e ss); Gorriz Royo (2008); Ramos Vázquez (2008). No Brasil, assumindo expressamente a dimensão da linguagem na elaboração da teoria do delito Busato (2007); Mascarenhas Júnior (2009) e Porciúncula (2014). Adotando o modelo comunicativo de um conceito de ação, Tavares (2009, p. 200 e ss). De um modo mais superficial, Queiroz (2008, p. 9). Há, sem dúvida, algum fator que lhe explica” (BUSATO, 2016).
E assim, T. S. Vives Antón criou a Teoria da Ação Significativa baseada na filosofia de Wittgenstein, segundo a obra Investigações Filosóficas, a partir de seus estudos sobre os jogos de linguagem. Vives entende que a ação é manifestada em linguagem e o sentido se dá pelo contexto e não por determinações previamente estabelecidas: “a linguagem deixa de ser um instrumento de comunicação do conhecimento e passa a ser condição de possibilidade para a própria constituição do conhecimento” (STRECK apud TEIXEIRA, 2015, p. 228). Vives Antón explica sua ideia por meio de um exemplo: “De forma clara e metodológica, Vives explica sua concepção por intermédio de um exemplo, vejamos para um melhor entendimento: “[…] minha compreensão de uma partida de futebol depende de que conheça as regras do jogo e de que, por conseguinte, possa efetuar uma correta atribuição de intenções aos movimentos dos jogadores: se desconheço as regras, não sou capaz de inferi-las e ninguém me explica, não entenderei o jogo e não saberei, em realidade, o que está ocorrendo ali (nem sequer poderei prever o que tenta fazer um jogador que esteja de posse da bola). Mas, uma vez as conheço e posso fazer por conseguinte, as atribuições de intenção corretas, nem sempre qualificarei as jogadas (as ações dos jogadores) com base nas intenções que lhes atribuo: v.g., se um defensor tem a intenção de afastar a bola de sua área, mas acaba enviando-a ao seu próprio gol, não direi que aliviou a defesa, mas sim que marcou um gol contra. As atribuições de intenção encontram-se, segundo o referido, encravadas no seguir de regras e são construtivas do significado, em termos gerais, mas não na forma de uma relação um a um: as regras, que se materializam em atribuições de intenção, operam, com frequência, prescindindo do propósito de quem as segue ou infringe” (apud TEIXEIRA, 2015,p. 230).
A interpretação do significado dentro da sua teoria é útil para entender o objetivo do sujeito ativo com a ação praticada, já que não há formas de alcançar o pensamento de uma pessoa e afirmar o que se passava em seu íntimo no momento do delito. “As manifestações gramaticais passaram então a ser o fio condutor do pensamento, expressas por meio das sentenças. Essa reviravolta só foi possível (…) porque a teoria da linguagem decidiu reestruturar sua própria composição. Ela deixa de ser um instrumento de comunicação colocado fora do conteúdo do pensamento, e passa a ser interpretada como forma de expressão da representação dos pensamentos.” (BRITTO, 2014. p. 95).
Quem defende a teoria da ação traz a ideia contrária do conceito ôntico-ontológico da teoria finalista da ação, isto é, defende que não há forma de um conceito de conduta humana ser aplicável para os mais variáveis tipos de ações humanas que possam existir.
Enquanto isso, no sistema atual a ação humana penalmente relevante é a que encontra tipificação legal, na ação significativa ocorre de outra forma: “[…] a concepção significativa da ação, que constitui um dos pressupostos fundamentais desta orientação, sustenta que os fatos humanos somente podem ser compreendidos por meio das normas, ou seja, o seu significado existe somente em virtude das normas, e não é prévio a elas; por isso mesmo é que se fala em tipo de ação, em vez de falar simplesmente em ação ou omissão ou até mesmo em ação típica. Em poucas palavras, a ação deve ser entendida a partir de seu SIGNIFICADO. Logo, é necessário que seja compreendida e interpretada conforme as normas. Não há, segundo essa teoria, um conceito ontológico (essência) e universal (padrão) de ação, pois elas não possuem existência antes das normas que a define” (ORTEGA, [20–]).
Essa nova concepção buscou os direitos e garantias fundamentais do ser humano como base. Além disso: “a ação significativa pede um significado de conduta, para conexão com a norma prévia. O novo conceito de ação requer a interpretação perante uma norma prévia. Não é simplesmente uma ação fundada nos requisitos do movimento corporal voluntário, para todo e qualquer ato. Uma ação baseada em signo social, dependendo do meio praticado, é justificada perante o direito, descaracterizando eventual ação negativa para norma previamente adotada pelo poder legislativo como conduta penalmente relevante. Há, com a teoria da ação significativa, o registro de uma mudança do plano cartesiano e geral para um plano de sentidos, com avaliação social do significado da ação praticada e suas consequências” (MACHADO, [20–]).
Para exemplificar essa teoria, Muñoz Conde usa o seguinte exemplo: “[…] no caso do condutor de um veículo que imprudentemente faz uma ultrapassagem em local proibido e, ao fazê-lo, larga o volante para tirar um inseto que lhe picou o rosto, subitamente perdendo o controle de seu conduzido, provocando um acidente, o relevante é a ação de conduzir como um todo e não o ato reflexo involuntário de mover a mão, que é tão somente uma parte da ação global.” (MUÑOZ CONDE; GARCÍA ARÁN apud VIANNA, 2012).
É inovadora a visão que se passa a ter da conduta, para essa teoria não importa o que o agente faz, mas sim o significado desses atos perante um contexto.
Como já se pôde perceber, analisar a conduta é primordial para se estudar a teoria. Neste sentido Silva afirma: “veja-se: a depender da teoria da conduta utilizada como base do sistema penal, pode ser que todo o sistema analítico de crime seja alterado e, com isso, tenhamos hipóteses de ausência de conduta onde antes tínhamos uma clara situação de erro de tipo ou proibição. O que seria mais benéfico nessas hipóteses? Conseguir-se afirmar uma ausência de conduta, sem sequer avaliar a tipicidade da conduta, ou buscar a resposta no tipo subjetivo? A resposta é óbvia (melhor que não tenhamos conduta alguma) e o trato adequado das teorias da conduta em direito penal é crucial para tanto”.
A teoria “tenta realizar uma ponte entre o pensamento ontológico e o pensamento axiológico em busca do que ele denomina (a partir de Harbemas) de pretensão de validez genérica da norma.” (FORTUNA, 2014).
Portanto, “(…) há, com a teoria da ação significativa, o registro de uma mudança do plano cartesiano e geral para um plano de sentidos, com avaliação social do significado da ação praticada e suas consequências” (FONSECA, 2017). Ou seja, a ação baseada em significado social depende estritamente do meio em que é praticada. Isso descaracteriza uma eventual ação negativa perante uma norma já prevista pelo poder legislativo como conduta típica (penalmente relevante).
A imputação passa a ser analisada através das interpretações dos atos traduzidos nas condutas realizadas, e não por regras já pré-estabelecidas: “o sistema de imputação tem vinculação com a linguagem da prática social e seus significados já estabilizados. A partir dai que se analisa o perfil da imputação no âmbito da teoria do delito. Wittgenstein utiliza jogos de linguagem para identificar sentidos aceitáveis dentro de contextos, negando somente uma única regra descritiva, universal prévia e absoluta. Com isso, substitui a descrição por compreensão e significado de contextos onde ocorrem fatos que podem ser analisados do ponto de vista da teoria do delito. A teoria do delito e seus elementos são vinculados aos valores contidos nos jogos de linguagem. O discurso jurídico penal deve ser vinculado aos valores obtidos dentro dos contextos oferecidos pela linguagem de cada sistema onde existe o fato a ser analisado” (FONSECA, 2017).
Atualmente, a teoria do delito é dividida em fato típico ilícito e culpável. Entretanto, a teoria da ação significativa traz uma divisão diferente. Pode-se afirmar que não há um rompimento com as teorias tradicionais, mas sim uma reorganização, dividindo a teoria em pretensões de validade (relevância, ilicitude, reprovação e necessidade de pena) e consequentemente aproximando a estrutura da realidade prática.
Em síntese o que Vives estabeleceu foi: a estrutura do delito composta por uma pretensão de relevância, dividida em relevância conceitual e relevância de ofensividade; uma pretensão de ilicitude; uma pretensão de reprovação e; uma pretensão de necessidade. Conceitos esses que serão analisados a diante.
Tomás Salvador Vives Antón primeiramente substituiu a ação típica pelo tipo de ação. George Patrick Fletcher, assim como Vives, entende que as ações são diferentes de fatos, isto é, as ações têm significados, enquanto os fatos são apenas descritivos. E o ponto central dessa imputação é identificar ao final o significado produzido por esta ação, sempre dentro de um contexto.
Integram o tipo de ação: a ação, omissão e nexo de causalidade e resultado. Nessa teoria, o nexo de causalidade não requer o resultado naturalístico, no plano empírico, ele se estabelece apenas “na mente do intérprete, que busca dar sentido ao acontecimento, levando em conta o plano linguístico do seu significado” (FONSECA, 2017).
A teoria valoriza o comportamento humano. Dessa forma, as normas e regras dependem de sentido e da presença do elemento humano, excluindo a possibilidade de serem exclusivamente normativistas. Daí se explica o objetivo das normas de tentar atingir uma pretensão de justiça: “com isso, afirma-se que pretensão de justiça não tem como base estrutural a simples e única fonte normativa, ou seja, a regra pura. Da mesma forma, para que a norma tenha validade diante de casos em concreto, é necessário que seja fundamentada com base numa escolha decisiva do agente, perante as opções de conduta existentes” (FONSECA, 2017).
Sendo assim, a sociedade reconhece a validade de uma norma quando há credibilidade das regras no contexto social. Ou seja, quando se analisa o fato sob essa teoria do crime, se pode identificar se a norma ou regra penal a ser aplicada é ou não relevante para o que se considera justiça.
As condutas têm um significado que precisa ser relevante para o Direito Penal, então precisam apresentar perigo de lesão ao bem jurídico. Nesse sistema, o bem jurídico não é mais visto como um objeto de proteção jurídica estático. Passa a ser visto sob um conceito significativo, perante a influência da linguagem. É uma “referência argumentativa”, e isso justifica a necessidade de intervenção da punição do Direito Penal.
A partir daí, tem-se que todos os elementos que comporão a estrutura têm que ser vinculados ao sentido da ação.
A pretensão de relevância é composta pela relevância conceitual e de ofensividade: “a pretensão de relevância é afirmada pela pretensão conceitual de relevância e pela pretensão de ofensividade. O tipo de ação ou omissão percebido diante de evento passível de violar ou por em perigo bem jurídico revela a pretensão de relevância. A pretensão de ofensividade revela a importância das condutas destacadas para o Direito Penal, em vista dos bens jurídicos lesados ou em perigo (equivalente à antijuridicidade material)” (FONSECA, 2017).
A pretensão de relevância funciona verificando se aquela ação tem – como o próprio nome já indica – relevância para o Direito Penal. Nota-se que a ação aqui não depende de qualquer elemento subjetivo, o que desde já a diferencia das ideias finalistas. Ela se divide em pretensão conceitual de relevância e pretensão de ofensividade.
A pretensão conceitual representa o encadeamento entre conduta e o tipo, podendo ser comparada com a ideia finalista de tipicidade. Nesta pretensão deve-se relacionar a o tipo de ação e a sua compreensão com a lei, lógica que se enquadra no princípio da legalidade. A ação deve necessariamente possuir um significado que necessite da incidência do Direito Penal. O elemento subjetivo da ação é apenas analisado quando da sua exteriorização, isto é, a partir do momento em que se exprime no mundo exterior uma ação ou omissão, podem ser verificados seus sentidos.
Em se tratando de ação e omissão é importante fazer um recorte. Para que haja um delito é indiscutível a necessidade de ação ou omissão de um indivíduo, em contrapartida, não havendo não se poderia puni-lo, “ou seja, a primeira coisa a verificar é se o tipo em questão corresponde efetivamente à incriminação de uma conduta. Essa identificação, no modelo significativo, já não ocorre a partir da identificação de uma ocorrência física-ontológica, mas sim através da identificação de uma dimensão de sentido de um comportamento que expressa uma ação ou omissão. Um tipo somente se justifica a partir de que pretenda a incriminação de uma ação ou omissão” (BUSATO apud TEIXEIRA, 2015, p.233).
Mas não são todas as ações e omissões que dizem respeito ao direito penal. Isto é, para a conduta merecer uma intervenção punitiva, antes deve ter relevância para a matéria penal, daí a denominação de pretensão de relevância.
Enquanto isso a pretensão de ofensividade significa analisar se o bem jurídico em questão é ou não digno de receber a proteção penal. Ideia essa que se assemelha à antijuridicidade material finalista. Então, só quando for possível identificar violação ou perigo de violação ao bem jurídico protegido, há a pretensão de ofensividade. A isso se aplica o princípio da “ultima ratio”, ou seja, da mínima intervenção do Direito Penal.
Já a pretensão de ilicitude, ou também, antijuridicidade formal: “[…] consiste da verificação do proibido nas condutas comissivas e omissivas, é o momento em que se cruza os elementos subjetivos do tipo de ação com a contrariedade descrita na norma penal (…). É, neste momento que, para o sistema significativo se vislumbra a análise dos elementos dolo e imprudência, como a ação é determinada pelo sentido em que se dão as regras, ‘a determinação da ação que se realize não depende da concreta intenção que o sujeito queira levar a cabo, mas do código social conforme o qual se interpreta o que ele faz’” (VIVES ANTÓN apud TEIXEIRA, 2015, p.235).
Dessa forma, a pretensão de antijuridicidade, ou pretensão de ilicitude, ou antijuridicidade formal, deve ser buscada na regra que previu que a conduta viola o ordenamento jurídico: “é identificada na afirmação da regra de que determinada conduta viola o ordenamento jurídico. Haverá pretensão de antijuridicidade se existir dolo e imprudência (tipo subjetivo), sem a presença das causas de justificação” (FONSECA, P., 2017).
Nessa teoria embasada na filosofia da linguagem, a ação é analisada conforme o seu significado e o dolo e a culpa “avaliados na anti-normatividade, pois nem toda a ação é intencional, é necessário, portanto, verificar a relação do significado da ação com o resultado produzido” (TEIXEIRA, 2015, p. 236).
O dolo e a culpa não mais ficariam na pretensão de relevância (equivalente à tipicidade no conceito analítico de crime atual) e viriam para essa pretensão de ilicitude.
Sendo assim, a exclusão da ilicitude deverá ser analisada juntamente com a sua pretensão e não na culpabilidade, como propõem as teorias tradicionais.
Enquanto as pretensões de relevância e de ilicitude são vinculadas à ação, a de reprovação recai sobre o sujeito praticante da conduta: “a pretensão de reprovação, ou seja, a culpabilidade é preenchida pela imputabilidade e pela consciência da ilicitude. Tomás Salvador Vives Antón afirma que “a la pretensión de ilicitud, que versa sobre la acción, sigue la de reproche, que recae sobre el autor.” Pela pretensão de reprovação, busca identificar a possibilidade de o agente ter agido de outro modo, sendo possível” (FONSECA, P., 2017).
Quanto à pretensão de reprovação, pode ser comparada com a culpabilidade, é estritamente relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, já que não leva em conta a ideia que há de “homem médio”, ela admite que cada pessoa é diferente uma da outra. E, então: “[…] a reprovação jurídica da ação praticada deve levar em consideração primeiramente a validade da norma, para posteriormente, identificar se o sujeito é racional, ao ponto de identificar o caráter ilícito do fato. Admite-se, assim, os aspectos criminológicos voltados para a co-culpabilidade” (TEIXEIRA, 2015, p. 236).
O autor Salo de Carvalho explica detalhadamente: “baseado no pressuposto de que a desigualdade do sistema é revigorado na operacionalização do juízo de reprovação […] Assim, somente poderiam ser estabelecidos juízos isonômicos de reprovabilidade individual pelo ato delitivo se, na análise do autor socialmente referido, fosse constatado que existiu, por parte do Estado, ação efetiva na distribuição de oportunidades, com a satisfação mínima dos direitos fundamentais dos acusados. Do contrário, verificadas situações de manifestada desigualdade, sobretudo de carências materiais (socioeconômicas), os parâmetros de valoração da culpabilidade se diferenciam em decorrência da diminuição do grau de autodeterminação do sujeito” (CARAVLHO apud TEIXEIRA, 236).
Por último, a pretensão de necessidade significa a necessidade de pena. Necessita analisar a proporcionalidade da pena nesta etapa. Aqui não há presença de elementos pessoais que excluem a pena, por exemplo, há apenas requisitos objetivos para punir. Também não há possibilidade de medidas de graça (anistia e indulto). Em suma, a pretensão de necessidade da pena trata da avaliação da necessidade de aplicação da pena, já que se aplicada sem motivo, tornar-se-ia injusta. Paulo Cesar Busato cita o princípio da proporcionalidade para explicar essa pretensão: “É justamente no afã de aprofundamento dessa tendência, e procurando detalhá-la e ajustá-la às questões dogmáticas e políticocriminais, que se inclui na afirmação do delito mais uma pretensão de validade da norma: a pretensão de punibilidade. […] Trata-se, como é óbvio, de uma afirmação do princípio da proporcionalidade e que deve ser certificada no caso concreto” (BUSATO apud TEIXEIRA, p.237).
Contudo, a ideia dessa pretensão não pode se confundir com o conceito de punibilidade já conhecido, advindo das teorias existentes. A punibilidade conhecida é adstrita às circunstâncias pessoais (por exemplo, morte do agente) ou processuais (por exemplo, prescrição executória), que não impossibilitam a aplicabilidade de pena. Enquanto que esse conceito se refere às causas genéricas, a pretensão de necessidade da pena confere atenção individual ao sujeito.
O Dolo é dividido em elementos cognitivos (consciência) e volitivos (vontade), portanto, elementos internos do sujeito. Daí vem a dificuldade do julgador em analisar a intenção do agente, tendo em vista esses elementos psíquicos.
O art. 18, do Código Penal brasileiro diz: “[…] quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Entretanto, nada mais foi dito com relação aos possíveis critérios para que o julgador utiliza para averiguar se de fato o sujeito agiu com dolo. Isto é, constata-se o dolo sem nenhum critério pré-determinado com amparo legislativo e, por esse motivo, essa constatação se torna: “[…] a forma mais grave de atribuição subjetiva do ilícito, e assim, não é possível admiti-lo sem uma concreta demonstração. Por isso, o reconhecimento do dolo sempre dependerá de uma demonstração objetiva de intenção subjetiva. Desse modo, a ideia do que fundamenta o dolo está completamente conectada com sua demonstração, definitivamente, com sua prova” (BUSATO, 2013 p. 402, grifo nosso).
Frente a essa discussão as teorias do delito vêm tentando resolver os desafios a respeito do dolo. A filosofia da linguagem, por sua vez, apresenta uma proposta de reformulação de alguns elementos do sistema de imputação penal, principalmente nos mais subjetivos, como já foi abordado no decorrer do trabalho, e o dolo é um deles.
Para o precursor da teoria, o dolo resulta de um dolo neutro, que é a intenção do sujeito de realizar fato antijurídico. É “[…] o compromisso para com a produção do resultado, expressa em uma decisão contra o bem jurídico.” (VIVES ANTÓN apud BUSATO, 2013, p. 411).
Na ação significativa, a consciência e a vontade fazem parte do dolo. Para Vives, ele somente é identificado se existir por parte do autor uma manifestação no sentido do compromisso de atuar. Ele entende que: “[…] é necessário pôr em relação as regras sociais que definem a ação como uma das que interessa ao Direito penal em relação às competências do autor, ou seja, as técnicas que o autor domina. Assim, em um procedimento puramente axiológico e não através do intento de buscar inacessíveis dados psicológicos, ‘poderemos determinar o que o autor sabia’. Em resumo: ‘só podemos analisar manifestações externas; mas, através destes manifestações externas podemos averiguar a bagagem de conhecimento do autor (as técnicas que ele dominava, o que ele podia e o que não podia prever ou calcular) e entender, assim, ao menos parcialmente, suas intenções expressas na ação’” (BUSATO, 2013, p. 412).
Essa “gramática do conhecimento” (BUSATO, 2013, p. 412) é, então, perceber através do que o sujeito externa, quais são os seus domínios e daí entender se ele poderia ou não prever as consequências de determinado comportamento, por exemplo.
A previsão mencionada é o reflexo de “hábitos sociais, do reconhecimento a respeito do que comumente acontece a partir de determinada realização” (BUSATO, 2013, p. 413) e não algo interno do sujeito, já que “se a previsão é característica distintiva do dolo, essa somente pode ser atribuída a partir da conjugação entre técnicas que o autor dominava e o contexto das regras sociais das consequências de determinados atos.” (BUSATO, 2013, p. 413).
O elemento intelectual é, então, justamente, o autor ter conhecimento e compreensão de que está realizando um tipo de ação ou omissão.
Já o elemento volitivo é nada mais do que o querer produzir um resultado, isto é, realizar o fato típico. E para isso, é necessária, concomitantemente, a presença do elemento cognitivo, que é saber o que se está fazendo. Nesse sentido, Vives afirma que: “o dolo como compromisso supõe a necessidade de conhecimento, de saber, mas também um grau de vontade: a intenção que podem entender-se como um querer, não naturalístico, mas normativo” (CARBONELL MATTEU apud BUSATO, 2013, p.415).
Na ação significativa, a vontade é entendida como: “a ação legitimada pela linguagem social e por uma lógica reconhecida e comum de atribuição de significado” (PALMA apud BUSATO, 2013, p.415). Essa linguagem social é comum entre todos, inclusive ao autor: “linguagem social quer dizer que essa linguagem é partilhada inclusive pelo próprio autor, razão pela qual suas motivações e representações não são desprezadas no processo de atribuição” (BUSATO, 2013, p.415).
Entretanto, para que a linguagem tenha sentido é necessária a sua compreensão. Nesta linha, o autor afirma que: “A compreensão do sentido depende, pois, de uma participação em um atuar comunicativo onde ‘um falante fala com um ouvinte sobre algo, expressando o que ele tem em sua mente” (HABERMAS apud BUSATO, 2013, p.415).
E, então, Busato refere-se ao agir comunicativo de Habermas para explicar o processo de comunicação, que, segundo este, se dá em três dimensões: como expressão da intenção do falante; como expressão para o estabelecimento de uma relação interpessoal entre falante e ouvinte; como expressão de algo no mundo: “Quando o falante diz algo de um contexto cotidiano, ele se refere não somente a algo no mundo objetivo (como a totalidade daquilo que é ou poderia ser), mas ao mesmo tempo a algo no mundo social (como totalidade das relações interpessoais reguladas de modo legítimo) e a algo no mundo próprio, subjetivo, do falante (como a totalidade das vivências manifestáveis, às quais tem um acesso privilegiado).”
O autor, então, conclui a respeito da linguagem que: “[…] uma vez que o estabelecimento de um sentido depende da validade do processo de comunicação, e isso, por seu turno, depende de basear-se em regras compartilhadas, determinadas pela inclusão de todos no discurso, fica claro que a opção pela linguagem como mecanismo de legitimação da atribuição de um sentido doloso de uma conduta figura como uma proposta humanista e respeitosa à ideia de alteridade” (BUSATO, 2013, p.417, grifo nosso).
CONCLUSÃO
Neste trabalho foram apresentados os elementos iniciais da Teoria da Ação Significativa, desenvolvida inicialmente na Espanha por Vives Antón, e trazida para o Brasil pelo professor Busato. Foram apresentadas breves considerações dos elementos iniciais da teoria sob as concepções de Vives e Busato. Em seguida, a filosofia foi usada como ponto de partida para se iniciar a análise da teoria propriamente dita, perpassando seus elementos principais e sua estrutura.
Por último, tratou-se do dolo, elemento basilar do Direito Penal, que também se beneficiou com as influências da filosofia da linguagem.
Diante dessa análise, pôde-se concluir que a base filosófica da linguagem deu à teoria maior amplitude, alcançando aspectos mais subjetivos se comparada as anteriores, como bem conclui Miranda: “Com influência da filosofia de linguagem de Wittgenstein e da ação comunicativa de Habermas, Vives Antón formula sua teoria resgatando o conceito de ação, desta vez, baseado no sentido significativo. É o verdadeiro marco para a dogmática penal – a dogmática, hoje, para ser crítica, precisa estar fundada na Filosofia da Linguagem, embora não só nela- pois respeita todas as condicionantes já criadas anteriormente, como bem coloca o próprio autor e seus interpretes, nada foi criado de novo, apenas foi reorganizado as categorias do crime de acordo com as mais variadas críticas desenvolvidas ao longo da construção da teoria do delito” (apud TEIXEIRA, 2015, p.237, grifo nosso).
Apesar de atualmente já se ouvir falar no Brasil dessa teoria, ainda não tomou sua devida importância no âmbito acadêmico brasileiro. De qualquer forma: “É de grande mérito a Teoria Significativa do delito de T. S. Vives Antón, trata-se de uma formulação rebuscada e precisa, com bases filosóficas sólidas e atuais, reordena as categorias internas do delito sobre uma ordem coerente, seus predecessores ao interpretar sua teoria diagnosticam justamente o avanço trazido por esta teoria nos moldes da ação comunicativa. Sem sombra de dúvidas, ainda vai contribuir, cada vez mais, para a comunidade acadêmica, justo porque talvez seja possível adotar as reformulações trazidas pelo teórico diante das incertezas provocadas pelas teorias tradicionais, as ressalves são poucas, conforme apresentado, mas que precisam ser avaliadas” (MIRANDA COUTINHO apud TEIXEIRA, 2015, p.238, grifo nosso).
Portanto, a teoria do delito vem há séculos sendo formulada e reformulada, mas sempre mantendo a máxima do fato típico, antijurídico e culpável. A mudança que se experimenta caminha entre as distintas interpretações de cada um desses elementos.
Com isso, conclui-se que inovações e desenvolvimento nas concepções de conduta humana são importantes e, portanto, a nova teoria deve ganhar espaço nos estudos brasileiros para, então, ser aplicada pelos julgadores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITTO, Cláudia Aguiar Silva. Processo Penal Comunicativo: comunicação processual à luz da filosofia de Jüngen Habermas. Curitiba: Juruá, 2014. p. 95.
BUSATO, Paulo Cesar. Delitos de Posse e Ação Significativa – Crítica aos Besitzdelikte a partir da Concepção Significativa da Ação. 2016. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5608026.pdf>. Acesso em 19 abr. 2018.
BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013 p. 207.
COELHO, Maria Priscila. Linguagem e os limites da filosofia: uma leitura de Wittgenstein. [2009?]. Departamento de Filosofia–PUCRJ. Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2009/relatorio/ctch/fil/maria.pdf>. Acesso em 14 de set. 2017.
FONSECA, Flávio Netto. O conceito de “Logos”. 2017. Disponível em: <http://www.philosophy.pro.br/logos.htm>. Acesso em 16 set. 2017.
FONSECA, Pedro H. C. Teoria da ação significativa: uma crítica sob o viés do finalismo. 2017. Disponível em: <http://delictae.com.br/index.php/revista/article/view/24>. Acesso em 19 abr. 2018.
FORTUNA, Marcelo. Teoria da ação significativa. 2014. Disponível em: <https://profmarcelofortuna.wordpress.com/2014/07/15/teoria-da-acao-significativa/>. Acesso em: 21 abril 2018.
LAGE, Daniel Dore. Novos Fundamentos para o Direito Penal: filosofia da linguagem e a teoria do crime (Parte 1). 2015. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/novos-fundamentos-para-o-direito-penal-filosofia-da-linguagem-e-a-teoria-do-crime-parte-1>. Acesso em 21 abr. 2018.
LEITE, Gisele. Compreender a virada linguística. [20–?]. Disponível em:<https://giseleleite2.jusbrasil.com.br/artigos/302375339/compreender-a-virada-linguistica>. Acesso em 14 set. 2017.
MACHADO, Prado. O que é a teoria da ação significativa? Disponível em: <https://pradomachadoadv.jusbrasil.com.br/artigos/478424015/o-que-e-a-teoria-da-acao-significativa>. Acesso em: 20 abr. 2018.
MARSELHA, Joel Santos. A linguagem e seus limites. [6 fev. 2011.] Disponível em: <http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=1308>. Acesso em 14 set. 2017.
MENEZES, PEDRO. FILOSOFIA, O que é. [20–?]. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/o-que-e-filosofia/>. Acesso em 14 set. 2017.
ORTEGA, Flávia Teixeira. Teoria Significativa da ação. [20–?]. Disponível em: <https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/291268663/teoria-significativa-da-acao>. Acesso em 17 de abr. 2018.
ROCHA, Antônio Olinto Marques da. Minidicionário Antônio Olinto da Língua Portuguesa. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2005.
ROYO, Elena M. Górriz. Libros escritos por Tomás Salvador Vives Antón. [2008?]. Disponível em: < https://www.tirant.com/editorial/autorList/tomas-salvador-vives-anton-3745>. Acesso em 20 abr. 2018
SANTOS, Alinne Kerymi. Causas de ausência de conduta no direito Penal: a importância das causas de ausência como fator inicial na análise do crime. 2007. Disponível em: <http://www.emap.com.br/conteudo/biblioteca/monografias/Alinne%20Santos.pdf>. Acesso em 02 abr. 2018.
SILVA, Douglas Rodrigues. Por que estudar as teorias da conduta em Direito Penal? 2012. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/por-que-estudar-as-teorias-da-conduta-em-direito-penal/> Acesso em 14 abr. 2018.
SILVA, Giovane Rodrigues. Ludwig Wittgenstein. Privacidade: o interior e o exterior. [Editorial]. Mente, Cérebro e Filosofia: Fundamentos para a compreensão contemporânea da psique. v. 9, p.7-15, [2015?].
TEIXEIRA, Yuri Serra. A Teoria Significativa Do Delito De T.S. Vives Antón e a Limitação ao Poder De Punir. Amazônia em Foco, Castanhal, v. 4, n.7, p. 222-241, jul./dez., 2015. Disponível em: <revista.fcat.edu.br/index.php/path/article/download/246/168>. Acesso em 29 abr 2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE. Wittgenstein e a Filosofia da Linguagem. [20–?]. Disponível em: <http://www.cesadufs.com.br/ORBI/public/uploadCatalago/17151824022014Introducao_a_Filosofia_Aula_20.pdf.>. Acesso em 14 set. 2017.
VIANNA, Leonardo. Algumas Considerações Sobre a Teoria Significativa da Ação de Tomás Salvador Vives Antón: uma visão para além do finalismo. 2012. Disponível em: <http://direitopenalracional.blogspot.com.br/2012/02/algumas-consideracoes-sobre-teoria.html>. Acesso em 20 abr. 2018.
ZICA, João Paullo Uchoa. Filosofia da Linguagem. [13 jun. 2014.] Disponível em: <http://www.joseferreira.com.br/blogs/filosofia/nao-deixe-de-ler/filosofia-da-linguagem/>. Acesso em: 27 jul. 2017.
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…