Resumo: O presente artigo propõe reflexão sobre o conceito de Estado nas Relações Internacionais. A análise se pautará nos conceitos de Estado criados pelas Escolas do Realismo, do Liberalismo e da Sociologia Histórica. Serão utilizados textos de Waltz, Jervis, Mearsheimer e Rose, para abordar a Escola Realista. Para a corrente teórica do Liberalismo não institucionalista, utilizar-se-á Moravcsik, Digwerth, Pettberg, Keohane, Nye, Rosenau, Czempie e Slaughter. Por último, para expor o conceito de Estado da Sociologia histórica, serão abordados Tilly, Hobden, Hobson e Wallerstein.
Palavras-chave: Conceito de Estado – Realismo – Sociologia Histórica – Liberalismo
Abstract: This article seeks to propose reflection on the concept of State in International Relations. The analysis shall be founded on the concepts of State created by Realism, Liberalism and Historical Sociology. Writings of Waltz, Jervis, Mearsheimer and Rose, will be used to address Realism. For Liberalism Moravcsik, Digwerth, Pettberg, Keohane, Nye, Rosenau, Czempie and Slaughter shall be read. Finally, to expose the concept of State for Historical Sociology, Tilly, Hobden, Hobson and Wallerstein will be addressed.
Keywords: Concept of state – Realism – Historical Sociology – Liberalism
Sumário: Apresentação. 1. O Conceito de Estado para o Realismo. 2. O Liberalismo e o Conceito de Estado. 3. O Conceito de Estado segundo a Sociologia Histórica. Considerações Finais. Referências.
Apresentação
Antes mesmo de abordar de forma mais atenta o tema proposto por esse artigo, que é a análise do conceito de Estado segundo o entendimento de três importantes correntes teóricas das Relações Internacionais, cabe aqui expor algumas considerações basilares sobre a ideia de teoria e, principalmente, de conceito. Procura-se, através dessas palavras introdutórias, estimular o senso crítico sobre a possibilidade ou não de se criar conceitos e teorias de forma imparcial e neutra.
A conceituação, que pode ser entendida como a criação de representações gerais e abstratas da realidade, é um exercício intimamente ligado à prática de se fazer teoria. Teoria, similarmente, é entendida como uma representação simbólica e simplificada da realidade, formada por um conjunto logicamente articulado de hipóteses, que pressupõem uma ou mais leis subjacentes, cujo objetivo é explicar e prever a realidade.
Dentre os inúmeros meios utilizados por teóricos para explicar a realidade, a criação de conceitos é, sem dúvida, uma de suas principais ferramentas. A busca por melhor compreensão do mundo social que nos cerca não é somente pautada na análise de fatos, mas, também, na criação de julgamentos de valor do que, verdadeiramente, é a realidade. Entende-se, assim, que devemos descartar, desde o início, a ideia de que os fatos podem ser analisados de forma imparcial. Ou seja, conclui-se que sempre haverá interesses, percepções e a experiência prévia do cientista pautando a forma como se dará a avaliação dos fatos e, por consequência, da realidade.
Dessa forma, uma vez que o conceito é representação e não a realidade de fato, deve-se compreender que a prática de se conceituar não passa de uma construção humana. Através da utilização de símbolos semânticos, que nada mais são que a palavra ou o discurso, idealiza-se o que seria a realidade. Não devemos esquecer que inexiste construção teórica capaz de acessar diretamente a fonte da verdade. Ou seja, os cientistas estão dentro da caverna de sombras de Platão e não na luz aberta das formas. Mesmo que haja cientistas que acreditem ter saído da figurada caverna de Platão, não há quaisquer indícios científicos para se afirmar que de fato isso ocorreu. Assim, devemos entender que toda e qualquer corrente teórica não passa de uma construção; de uma visão de mundo. Não se pode confundir teoria e conceituação com a própria realidade.
As características centrais que são frequentemente atreladas aos conceitos e teorias também são uma construção e escolha humana, no sentido de se entender que atributos como abstração, reducionismo, parcimônia e universalismo são objetivos desejáveis ao se criar conceitos e teorias. Sobre esse último atributo, é interessante citar Amado Cervo (2008, p.13) quando afirma que ao contrário das teorias, os conceitos “não renegam suas raízes nacionais ou regionais – interesses, valores e padrões de conduta – por tal razão não se apresentam com a ambição explicativa universal das teorias”. Nesse sentido, segundo Cervo, a utilização de conceitos seria preferível ao próprio emprego de teorias para se fazer ciência no campo de estudos das Relações Internacionais.
De qualquer forma, a realidade, ao contrário dos conceitos e teorias, é extremamente complexa, imprevisível e variável. Paradoxalmente, é importante notar que é amplamente defendido que a criação de um conceito deve carregar os atributos simplificadores acima mencionados para que, assim, se torne aplicável ao maior número de casos possível. Além disso:
“Concepts are too important to just let go. They are the most fundamental tools of social scientists. To fulfill their functions in ordering our everyday observations, concepts need to balance precision with flexibility and clarity with the possibility of including qualitatively new observations.” (DINGWERTH; PATTBERG, 2006, p. 198).
Nesse sentido, percebe-se que Dingwerth e Pattberg afirmam que é necessário que os conceitos sejam flexíveis e admitam a possiblidade de mudança. Porém, essa característica é dificilmente observável nas teorias do mainstream das Relações Internacionais (RI), por exemplo. Na verdade, a ideia de mudança simplesmente não é contemplada no arcabouço teórico de muitas teorias das RI. Por isso, de certa forma, a mudança é vista como irrelevante e até indesejável, no sentido de que ameaçaria a validade das teorias do mainstream das Relações Internacionais.
Por esses motivos, devemos perceber que a construção conceitual certamente estará carregada das experiências sociais do seu criador, estando imbuídas de valores e interesses do cientista que a idealizou. Por mais pretensioso que seja o intelectual que lida com as relações internacionais, ele não extrai de sua própria mente o conceito acabado. A contribuição pessoal é essencial, na medida em que a criação de conceitos pertence ao autor, que inevitavelmente acrescenta experiências e percepções dele próprio. (CERVO, 2008, p. 14).
Por isso, a discussão deste trabalho é das mais ricas no campo de estudos das Relações Internacionais. A proposta é ousada e complexa, uma vez que se propõe abordar conceito recorrente nos estudos das RI, e que possui múltiplos significados. Mesmo que se apresente como complicado, acreditamos que este estudo pode contribuir substancialmente para gerar melhor compreensão dos diferentes conceitos de Estado defendidos por essas três correntes teóricas.
A variedade de entendimentos sobre esse tema é vasta e, por isso, a delimitação do alcance desta pesquisa deve ser bem examinado. Assim, busca-se estudar o conceito de Estado baseado em três correntes teóricas das RI: o Realismo, o Liberalismo não institucionalista e a Sociologia Histórica. Incialmente, abordaremos a Escola Realista, fundamentando a discussão principalmente em artigos de Waltz, Jervis, Mearsheimer e Rose. Depois, debateremos sobre a corrente Liberal, focando nos trabalhos de Moravcsik, Digwerth e Pettberg, Keohane, Nye, Rosenau, Czempie e Slaughter. Por último, demonstraremos a conceituação de Estado para a corrente da Sociologia Histórica, centrando a discussão nos trabalhos de Tilly, Hobden, Hobson e Wallerstein. A discussão aqui exposta lançará mão também, subsidiariamente, de outros autores relevantes.
Será possível perceber, no decorrer deste trabalho, uma grande variação da utilização do conceito de Estado entre essas três correntes teóricas. O Realismo, focado no estudo do comportamento do Estado, se absterá, em grande medida, a utilizar fatores internos do Estado para conceituá-lo. Já os Liberais, irão conceder maior ênfase a esses fatores, buscando o entendimento do funcionamento da própria engrenagem interna dos Estados. E, por último, a Sociologia Histórica defenderá um Estado mais complexo, dividido internamente em diferentes burocracias e centros de poder.
Com toda essa complexidade em mente, não se busca aqui propor a união das conceituações das diferentes correntes teóricas em uma única construção do conceito de Estado. O objetivo, na verdade, é gerar entendimento sobre as diferentes conceituações propostas pelas três Escolas, visando encontrar, possivelmente, fatores comuns entre as distintas linhas teóricas apresentadas. Talvez, essa busca por linhas mestras entre os conceitos das três teorias, em alguma medida, possa interconectar algumas das ideias expostas por cada uma delas sobre esse conceito essencial ao estudo das Relações Internacionais.
1. O Conceito de Estado para O Realismo
O conceito de Estado, principalmente para os Realistas, é fundamental, uma vez que ele é considerado ator central por essa corrente teórica. Segundo Jervis (1998, p. 980), “O Realismo tem várias versões, mas a presunção de que os Estados são considerados os principais atores e que o seu foco é na sua própria segurança é central para a maioria delas.” No entanto, esta corrente teórica carece de uma conceituação mais aprofundada e clara do que seria de fato o Estado. Ou seja, a visão Realista é centrada no Estado como ator proeminente do cenário internacional que busca a sua soberania, independência, segurança e poder. Porém, raramente fala-se de forma pormenorizada sobre o que, de fato, caracterizaria esse Estado. Como pode-se perceber do texto de Moravcsik e Legro:
“Debates among realists, liberals, epistemic theorists, and institutionalists have traditionally centered around the scope, power, and interrelationship of variation in material capabilities (realism), national preferences (liberalism), beliefs (epistemic theory), and international institutions (institutionalism) on state behavior.” (LEGRO; MORAVCSIK, 1999, p. 11).
Ou seja, o foco do Realismo é estudar o comportamento estatal, buscando determinar quais são os fatores que influenciam e moldam a sua ação no cenário internacional. Não há dúvidas em se afirmar que esses fatores variam consideravelmente entre as diferentes versões do Realismo, sendo que algumas correntes valorizam a estrutura, outras, as unidades, percepções e os fatores domésticos. Porém, o estudo do comportamento estatal, por si só, não é capaz de determinar, de fato, o que é o Estado.
Mearsheimer, um dos grandes expoentes do Realismo Ofensivo, representa bem essa falta de conceituação do Estado. Em The Tragedy of Great Power Politics, um de seus mais célebres trabalhos, ele expõe seis perguntas que considera os pontos centrais à sua pesquisa. Segundo o autor:
“First, why do great powers want power? What is the underlying logic that explain why states compete for it? Second, how much power do states want? How much power is enough? […] What is power? […] What strategies do states pursue to gain power, or to maintain it when another great power threatens to upset the balance of power? […] What are the causes of war? […] When do threatened great powers balance against a dangerous adversary and when do they attempt to pass the buck to another threatened adversary? (MEARSHEIMER, 2001, p. 13)”.
Fica evidente, do excerto selecionado, que o papel do Estado e do poder são centrais à pesquisa de Mearsheimer. Porém, em momento algum, ele considera a conceituação de Estado como fator fundamental de sua pesquisa. Tem-se a impressão de que o conceito de Estado é considerado como dado. Ou seja, o Estado é considerado um fato, que não exige interpretações ou explicações do seu significado. O que exige explicação para os Realistas é como esse Estado irá se comportar nas suas relações com outros atores das Relações Internacionais e quais serão os fatores determinantes em ditar esse comportamento.
Porém, pode-se concluir que o Estado, para o Realismo Ofensivo de Mearsheimer, é um ator que busca, acima de tudo, a busca do poder como meio de se manter uma entidade soberana. Essa ideia poderia ser contraposta ao Realismo Estrutural de Waltz, que valoriza a ideia de defesa do Estado. Assim, um dos conceitos centrais de Estado para Mearsheimer e o seu status de entidade soberana, não sujeita às vontades de outras unidades. O Estado, para que exista, deve se manter soberano e isso é alcançado através da busca pelo poder. Nesse sentido, Snyder afirma:
“How these two theorists can reach such different conclusions is something of a puzzle. Waltz (and most other realists) would find little fault with Mearsheimer's list of "bedrock assumptions": The system is anarchic, great powers possess some offensive capabilities, no state can be certain of others' intentions, survival is the primary goal, and actors are rational. From these assumptions, Mearsheimer deduces that great powers will fear each other and will constantly seek to alleviate this fear by maximizing their share of world power. (SNYDER, 2002, p. 154)”.
Da mesma forma, Brooks expõe as diferenças de entendimento entre duas correntes do Realismo sobre o comportamento estatal, porém, em momento algum se propõe a abordar o conceito de Estado:
“[…] realism is divided regarding state preferences: neorealism emphasizes military security as the overriding priority, whereas postclassical realism maintains that states ultimately pursue power – a concept that contains an inherent tension between military security and economic capacity, where neither goal is necessarily subordinate to the other”. (BROOKS, 1997, p. 472).
Torna-se evidente que o estudo proposto por este trabalho, de analisar o conceito de Estado segundo a corrente Realista, exige esforço dedutivo, uma vez que dificilmente se encontram conceituações explícitas de Estado nessa corrente teórica. A conceituação de Estado para os Realistas é, assim, extremamente limitada.
Com o intuito de buscar melhor compreender o conceito de Estado para o Realismo é fundamental entender os seus princípios basilares. Nesse sentido, é pacífico entre as diferentes correntes Realistas que o Estado, enquanto ator central, busca autonomia política na esfera internacional, e atua para modificar ou manter políticas de status quo sendo que, para isto, necessita de poder para viabilizar seus interesses. As ações do Estado são políticas e têm um fim político, e para isso precisam ser racionais.
Com vista à importância concedida à racionalidade do Estado, verifica-se que a moral, as crenças e as preferências ideológicas, segundo a visão do mainstream do Realismo, não podem permear as ações do Estado. Porém, é importante ressaltar que essa percepção não é dividida por todas correntes Realistas. Segundo Rose:
“A distinct methodological perspective flows from neoclassical realism's theoretical argument: analysts wanting to understand any particular case need to do justice to the full complexity of the causal chain linking relative material power and foreign policy outputs. Realism, in this view, is a theoretical hedgehog: it knows one big thing, that systemic forces and relative material power shape state behavior. People who ignore this basic insight will often waste their time looking at variables that are actually epiphenomenal. Yet people who cannot move beyond the system will have difficulty explaining most of what happens in international relations.” (ROSE, 1998, p. 165).
Percebe-se que para Rose, tanto uma análise focada somente na unidade, quanto uma voltada somente para a estrutura não serão completamente bem sucedidas em explicar o comportamento dos Estados. É necessário conciliar essas duas variáveis. Porém, fica evidente que o foco do Realismo é determinar o comportamento Estatal, buscando compreender como ele influencia e é influenciado pelo Sistema Internacional. Entre os textos do Realismo selecionados para este trabalho, esse padrão é recorrente, demonstrando a falta de conceituação do Estado.
Da mesma forma, Jervis afirma que o Estado é também o ator central, mesmo que haja papéis desempenhados por outras instituições que não o Estado no cenário internacional, uma vez que:
“[…] discussion of the roles of bureaucracies, economic sectors, multinational corporations, and transnational interests, in most cases it is the state that is the target of their activities and it is mainly through national policies that these groups can have influence”. (JERVIS, 1998, p. 981).
Assim, Jervis defende, mesmo que não explicitamente, que o Estado é o alvo das atividades de tantas outras instâncias que atuam nas Relações Internacionais, como burocracias, setores econômicos, corporações multinacionais e interesses transnacionais. Mesmo que se considere a importância dessas demais instituições, percebe-se que, para Jervis, elas giram em torno do Estado e do seu peso preponderante nas RI.
Para Jervis (1998, p. 988), a ideia de que o comportamento racional dos Estados seria resultante da atitude dos líderes nacionais, que agiriam sempre em favor dos interesses do Estado e não de si mesmos, é falsa. As utilidades que eles maximizam não são sempre as do Estado como um todo. Sendo assim, Jervis não compartilha com os demais Realistas o entendimento de que o Estado é um ator homogêneo, unitário, não suscetível aos interesses dos seus governantes, que estariam apenas a serviço dos interesses do Estado.
Porém, afirma ele, cada vez mais as identidades e os interesses da elite estão sendo levados em conta pelos Realistas ao se avaliar o comportamento estatal. Nesse sentido, Jervis defende a reformulação do entendimento de Estado do Realismo, afirmando que é necessário considerar outros fatores além das pressões sistêmicas e do jogo de poder para se determinar o que constitui o Estado e o seu comportamento no cenário internacional.
Contrariando a ideia exposta por Jervis, poderia ser citado o Realismo Estrutural de Waltz (2000, p. 8), que defende que as qualidades internas dos Estados não são capazes de guiar o seu comportamento no cenário internacional. Nesse sentido, a principal crítica exposta por Waltz é quanto à capacidade de regimes democráticos em serem capazes de manter a paz entre Estados. Waltz, dessa forma, defende nitidamente um sistema internacional formado por Estados homogêneos e fechados, que têm as suas ações ditadas pelo sistema internacional e não por fatores internos.
Percebe-se, dessa forma, que a importância dada às unidades e à conceituação de Estado varia conforme a escola do Realismo analisada. Para os Realistas Estruturais, como Waltz, por exemplo, as unidades têm pouca importância, prevalecendo a importância do sistema internacional e das relações entre os Estados. Já para os Realistas Neoclássicos, as unidades, que são por excelência os Estado, são também consideradas relevantes. Porém, deve ser considerado que esse tipo de análise proposta pelo Realismo Neoclássico gera riscos. Segundo Rose:
“If neoclassical realists continue to incorporate unit-level intervening variables into their basic power-oriented argument, ironically, they might find themselves bumping into chastened Innenpolitikers coming from the other direction. For as Matthew Evangelista has noted, "Perhaps the most promising development in the field is the recognition among scholars inclined toward domestic explanations for foreign policy that these explanations are inadequate”. (ROSE, 1998, p. 170).
Assim, apreende-se que o argumento Realista sobre os Realistas Neoclássicos é que a sua pesquisa poderia gerar certo relativismo sobre as ações no cenário internacional, retirando a capacidade de previsão pela qual os Realistas tanto trabalham para manter. Uma análise que considera fatores de política interna como determinantes geraria mais confusão do que esclarecimentos, segundo os Realistas mais ortodoxos. Porém, percebe-se que a definição de Estado dos Neoclássicos vai muito além daquela dos Realistas Estruturais, que nem mesmo consideram fatores internos ao Estado para determinar o seu comportamento.
Talvez, uma concepção que poderia ser tida como amplamente aceita pela Escola Realista é que o Estado é um território limitado por fronteiras, se constituindo de tudo o que se encontra dentro desse território, incluindo a sua população, recursos naturais, governo e militares. Além dessas características, poderia ser citado que o Estado é também considerado atemporal, no sentido de que a análise Realista não busca compreender a mudança, no sentido de que as unidades políticas mantêm as mesmas características e comportamentos. Na verdade, sua capacidade de previsão se sustenta exatamente nessa qualidade de imutabilidade do sistema de Estados.
Como demonstrado acima por Rose, há divergências teóricas dentro do próprio Realismo, como os Realistas Neoclássicos, que são mais preocupados com essas questões domésticas. Porém, é amplamente questionável se esses teóricos são, de fato, Realistas ou teóricos de outras correntes das Relações Internacionais, discussão essa que poderá ser fruto de trabalho futuro.
Conclui-se, dessa forma, que a não definição do que é de fato o Estado é uma das grandes falhas do Realismo, que tem o Estado como um evento natural que não exige análise. Porém, deve-se considerar que essa aparente falha não é acidental, mas intencional, uma vez que um Estado de complexa conceituação, que exija a análise de fatores internos e a separação de diferentes centros de poder internamente ao Estado, minaria a teoria Realista. Esta corrente depende de conceituações abrangentes, homogeneizantes e estáveis. O Realismo simplesmente não pode ser conciliado com um Estado intricado, que representa o jogo de forças internas de poder, em disputa com tantos outros centros burocráticos internamente às suas fronteiras. O Estado Realista, para que a teoria sobreviva, deve ser homogêneo, racional e imutável.
2. O Liberalismo e o Conceito de Estado
A análise desta corrente teórica apresenta, em boa medida, os mesmos desafios e problemas encontrados com a análise do Realismo, no sentido de que não há conceituação explícita do que é o Estado para os Liberais não institucionalistas. As conclusões que se obteve dessa análise foram fruto de inúmeras assimilações e conexões feitas sobre diferentes textos selecionados, que, de certa forma, puderam expor implicitamente algumas das visões principais dos autores sobre qual é o conceito de Estado. Porém, mesmo apresentando problemas similares, deduz-se que a concepção de Estado para essa corrente teórica é divergente da concepção realista. Segundo Slaughter:
“The conception of the unitary state is a fiction, but it has been a useful fiction, allowing analysts to reduce the complexities of the international system to a relatively simple map of political, economic, and military powers interacting with one another both directly and through international organizations”. (SLAUGHTER, 2008, p. 9).
Esta corrente está diretamente preocupada como questões como Governança, Governo Global, diferentes níveis de atividade social e influência destas nas decisões do Estado. Assim, é visível uma maior interferência de fatores domésticos no estudo do Estado, que é, de certa forma, entendido como um mero representante dos interesses societais. Assim, consideram-se como os principais atores, os atores societais, que são racionais e evitam o risco a todo custo. Deve ser salientando, entretanto, que existe certo nível de autonomia atribuído ao Estado, uma vez que os teóricos dessa Escola reconhecem que é o Estado quem decide, gerando algum nível de independência para essa entidade, que permanece, assim, central ao Liberalismo não Institucional.
Porém, nem sempre os atores societais agem racionalmente e utilizam meios pacíficos. Segundo Moravcsik, três fatores são determinantes em aumentar os riscos da utilização de meios violentos para se alcançar os objetivos almejados pelos atores societais: crenças divergentes, conflito sobre recursos escassos e desigualdade na representação do poder político. Dessa forma, percebe-se que esses fatores internos de violência, desigualdade e falta de identificação nacional podem levar o Estado a conflitos.
Por isso, pode-se afirmar que a teoria liberal não institucionalista é uma teoria “de baixo para cima”, já que o fator determinante da política internacional é exercido pelos atores societais. As teorias estruturalistas como o Realismo e o Institucionalismo afirmam que o que os Estados fazem é determinado principalmente por considerações estratégicas e não pelo que eles querem realmente. Ou seja, a estratégia utilizada para se alcanças os objetivos é diferente entre as teorias do mainstream e o Liberalismo não institucionalista. Nesse sentido, Moravcsik afirma:
“Deriving state preferences from social preferences is thus a central theoretical task of liberal theory. […] State preferences, the ultimate ends of foreign policy behavior, are distinct from “strategies”—the specific policy goals, bargaining demands, institutional arrangements, tactical stances, military or diplomatic doctrines that states adopt, advocate, or accept in everyday international politics.” (MORAVCSIK, 2008).
Assim, para essa corrente teórica, os fins seriam mais importantes que os meios. Ou seja, as variações nos fins importam mais que as variações dos meios. (MORAVCSIK, 1997). Dessa forma, o próprio conceito de Estado deve respeitar essa importância dada aos fatores societais, internos ao próprio Estado.
A corrente teórica do Liberalismo não institucionalista defende principalmente a ideia de que a sociedade é capaz de influenciar o governo em suas políticas internacionais. Podem ser citados ainda outros fatores influenciadores como os interesses do Estado, as instituições internacionais e as ideias societais. A tendência de se estudar as mudanças de preferência de um Estado, principalmente geradas por fatores internos, é intensa e deve ser analisada com cuidado. Assim:
“Another fundamental implication of liberal theory concerns its status as a “systemic” theory. To some, the central liberal claim—in essence, “what states want determines what they do”—may seem commonsensical, even tautological. Yet for the past half-century, mainstream international relations theories, notably realism and institutionalism but also nonrational theories, have defined themselves in opposition to precisely this claim.” (MORAVCSIK, 2008).
Percebe-se que para essa corrente teórica, a manutenção da soberania, da segurança nacional e da integridade territorial não são fins, mais meios utilizados para alcançar as preferências demandadas pelos grupos sociais. (MORAVCSIK, 2008). Assim, a própria existência do Estado serviria aos fins que desejam alcançar os atores societais. O Estado deixa de ser um fim em si mesmo, para passar a ser meio. O Estado passa a ser meio no sentido de que é através dele que os grupos sociais podem exercer poder para alcançar os seus objetivos. O Estado é o representante dos interesses sociais e, dessa forma, irá agir conforme esses interesses.
Outro ponto central desta corrente teórica é a ideia de que o Estado constitui um dos muitos níveis de atividade humana. Assim, nos confins territoriais do Estado, a autoridade seria exercida por este, que mantém o poder coercitivo centralizado. Porém, acima do Estado, no cenário internacional, como se daria esse exercício de poder?
Nesse sentido, se propõe a alteração do termo “Relações Internacionais”, por “Governança Global”, uma vez que foi demonstrado que o Estado se caracteriza como apenas um dos vários níveis de atividade humana. O termo “Governança Global” é mais adequado, pois ele presume uma variedade de atores que exercem influência na política internacional. No entendimento de Dingwerth e Pattberg:
“[…] while the conceptual focus of international relations is actor-centered – the term centers on how two or more nation-states will behave when they need to coexist in a single world – the governance perspective chooses a different point of departure. The most fundamental observation we make when we make use of our global governance lens is not the existence of specific actors (e.g., states), but the existence of norms, rules, and standards that structure and constrain social activity.” (DINGWERTH; PATTBERG, 2006, p. 198).
Assim, para Dingwerth e Pattberg, o Estado seria somente mais um centro de propagação de normas, poder, padrões e cultura. O Estado é entendido como um ator central, mas não o único. A sua capacidade de concentrar diversos tipos de poder e gerar influência no sistema internacional é reconhecido, mas se assume que a atividade humana acontece em diferentes níveis, e todos eles devem ser levados em consideração numa análise da Governança Global.
Ou seja, a ideia de Estado como representante dos interesses sociais pode ser expandida para outros atores internacionais, como Instituições Internacionais e Organizações Não Governamentais. É evidente, assim, que o cerne do estudo dos Liberais não institucionalistas é focado nas unidades, mas não somente nas unidades entendidas como os Estados, mas também nos próprios indivíduos.
Nesse sentido, Rosenau e Czempiel (2000, p. 23) afirmam que “Estados, sem dúvida, ainda são ativos e importantes, mas a sua participação nos processo de política mundial são de um tipo diferente, menos dominante, levando à conclusão de que mudanças sistêmicas fundamentais ocorreram”. Rosenau e Czempeil defendem, assim, que a representação dos interesses dos grupos sociais não necessariamente precisa ocorrer através do Estado, que tem perdido influência, mas por meio de vários outros centros de poder atuantes em diferentes níveis de atividade social.
É importante também citar a ideia exposta por Slaughter (2008), quando trata sobre o governo desagregado. Esse conceito se traduz como uma maior capacidade das instituições domésticas em atuarem além dos limites dos Estados, inclusive com outros atores internacionais. Essa ideia é contrária à de Estado unitário, no qual se entende que uma única voz e todas as discussões sobre como agir internacionalmente já foram feitas domesticamente. Um exemplo seriam as cortes, que têm voz internacional, ou o papel de reguladores de bancos e diplomatas.
Porém, deve ser ressaltado que muitos dos níveis de atividade humana ainda são, para a Perspectiva Liberal, mantidos dentro do Estado. O globalismo da força de trabalho, ou das forças militares ainda está contido no nível estatal. Essa ideia, exposta principalmente por Keohane e Nye, demonstra que o conceito de Estado dessa corrente teórica mantém a importância política do Estado como organizador de grande parte das atividades humanas.
O conceito de Estado, em suma, para o Liberalismo não institucionalista, pode ser entendido como uma agregação de poder centralizado que é capaz de organizar as atividades humanas dentro dos seus confins territoriais. Porém, mesmo dentro do Estado, haverá organizações sociais, em certa medida, autônomas do Estado e que, na prática, definem os interesses dele mesmo. Nesse sentido, ao observar que a tendência é a desagregação do Estado, Slaughter (2008) afirma que os Estados criam mecanismos para reagregar os interesses de diferentes instituições e, nesse sentido, ainda atuam como atores unitários frente a outros Estados.
Deve ser ressaltada a ideia de que para essa corrente teórica, mesmo que o Estado-nação tenha perdido espaço em alguns setores de atividade social, ele não está prestes a ser substituído como o instrumento primordial de governança doméstica e internacional. Conclui-se, assim, que o Estado é o ator mais importante, mas certamente não é o único.
3. O Conceito de Estado segundo a Sociologia Histórica
Das três escolas aqui apresentadas, a sociologia histórica é, sem dúvidas, a que mais se preocupa em realizar uma conceituação atenta do que caracteriza o Estado. Exatamente por essa escolha conceitual, a sua aplicação nas RI é, muitas vezes, associada à ideia de complementariedade que a Sociologia pode proporcionar às RI com a sua definição de Estado. Assim, das três correntes de Relações Internacionais selecionadas, a que mais se preocupa em analisar de forma cuidadosa o conceito de Estado é, sem dúvida, essa corrente importada da Sociologia. A visão da Sociologia, mais voltada para a sociedade e menos para as variáveis políticas, pode muito contribuir para o campo de estudos das Relações Internacionais. Nesse sentido, Hobden (1998, p. 5) afirma que “para os sociólogos históricos, Estados, sociedades e governos são vistos como formações sociais separadas, mas interconectadas”.
Ou seja, percebe-se que a ideia Realista de que o Estado é constituído por tudo o que está contido dentro de seu território já não é mais aceita pela Sociologia Histórica, que busca fazer diferenciações necessárias entre população, governo e Estado. Nesse viés, ainda segundo Hobden:
“One particular problem with the realist approach is that it prejudges the character of non-state actors. These are seen as subsidiary to the state and constrained within territorial limits. By contrast, the approach to the state in Historical Sociology generates the possibility of a much wider agenda for International Relations. It opens the possibility of discussing the state, both as an actor in competition with other domestic social formations, and in terms of its relations with other states and with other actors in different territories.” (HOBDEN, 1998, p.5).
O Estado seria, assim, um dentre tantos outros atores relevantes nas Relações Internacionais. Deve-se ressaltar também que essa competição entre atores não ocorre somente no nível entre Estados ou supranacional, mas também domesticamente, dentro de cada um dos Estados. A burocracia interna ao Estado representa uma entre tantas outras. Esse entendimento de Estado seguramente pode contribuir para gerar uma teoria mais atenta aos fatores internos, sendo capaz de ir além do que foi construído pelas teorias Liberais e Realistas.
Outra grande diferença no conceito da Sociologia Histórica, quando comparada com a definição do Realismo, é a visão da Teoria Realista de que o Estado se caracteriza como uma instituição homogênea e dominante que sempre existirá, desconsiderando por completo a contingência histórica da política global. Para Tilly:
“O sistema de estados que os europeus moldaram não existiu sempre. Não durará para sempre. Será difícil escrever o seu obituário. De um lado, vemos a pacificação da vida civil europeia e a criação de instituições políticas mais ou menos representativas, ambos produtos de uma formação de estado impulsionada pela busca do poder militar. Do outro lado, observamos a crescente destrutividade da guerra, a intervenção pervasiva dos estados na vida dos indivíduos, a criação de instrumentos incomparáveis de controle de classes. Até que outras formas substituíam o estado nacional, nem uma nem a outra alternativa o fará. A única resposta real é afastar da guerra o imenso poder dos estados nacionais e orientá-lo para a criação de justiça, segurança pessoal e democracia.” (TILLY, 1996, p. 314-315).
Ou seja, a ideia de que o Estado sempre existiu e permanecerá da mesma forma para sempre não é aceita pela Sociologia Histórica. Por isso, a capacidade de se fazer previsões científicas seria deixada de lado pelos Sociólogos Históricos, porém, se ganharia na capacidade de se explicar a transformação da realidade. Não há dúvidas em se afirmar que o estudo e a compreensão da mudança são um dos focos da análise da Sociologia Histórica. Nesse sentido, Hobden, ao analisar Wallerstein, afirma:
“A key element of Wallerstein's work is that he views the world-system as historical. It has a beginning, middle and end. He argues that all world systems go through a period of crisis, following which they collapse and are replaced by another system. The modern world-system is in this sense no different from any other.” (HOBDEN, 1998, p. 172).
Wallerstein está, assim, segundo Hobden, mais preocupado com o sistema internacional do que com o Estado, uma vez que dá maior importância ao primeiro. Uma das críticas feitas a Wallerstein é exatamente a sua falta de conceituação do Estado em favor do maior peso dado ao sistema internacional. Essa falta de conceituação do Estado faz com que a sua teoria se volte muito mais para fora, do que para dentro do Estado. Ou seja, é dada maior relevância às pressões sistêmicas do que às pressões internas ao Estado para explicar o comportamento deste, empobrecendo a sua conceituação de Estado.
Os outros teóricos da Sociologia Histórica, como Tilly, Hobson e Hobden focam suas análise em definir o que seria de fato o Estado e, por isso, são de maior utilidade para esta pesquisa. De qualquer forma, Wallerstein concede certa autonomia para as unidades, uma vez que afirma:
“[…] a capitalist market, by definition, can never be either an entirely free market or an entirely closed administered market. The ceaseless accumulation of capital precisely requires something in-between: a partially free market. This kind of market is the constructed result of the efforts on the one hand of some powerful economic actors to achieve relative monopolies by combining productive efficiencies and political influence and the contrary efforts of other actors to break or dilute these monopolies by combining alternative productive efficiencies and political influence.” (WALLERSTEIN, 1996, p. 89).
Ou seja, Wallerstein assume que o poder hegemônico, que tem ao seu dispor o Sistema Internacional busca a criação de mercados relativamente livres, o que beneficia o próprio poder hegemônico e o alcance de seus objetivos políticos. Assim, a própria criação do Sistema Internacional passaria pelo poder hegemônico, que institui as regras do jogo da forma que melhor lhe convenha. Mesmo assim, Wallerstein assume que o poder hegemônico não estaria completamente livre para atuar, reforçando o papel preponderante do Sistema Internacional. Segundo o autor:
“The ideal situation in terms of capital accumulation for the system as a whole is the existence of a hegemonic power, strong enough to define the rules of the game and to see that they are followed almost all of the time. When rivalry is replaced by hegemony as systemic condition, it does not mean that the hegemonic power can do anything; but it does mean that it can prevent others from doing things that will significantly alter the rules.” (WALLERSTEIN, 1996, p. 98).
O que se percebe é que Wallerstein defende a ideia de que a potência hegemônica consegue ditar o comportamento de outras unidades, mas não é capaz de agir livremente no Sistema Internacional, estando condicionada por este. Assim, definir com profundidade o que seria de fato o Estado para Wallerstein é, em certa medida, secundário. Certamente, a definição pormenorizada do conceito de Sistema Internacional é mais relevante para sua teoria.
Em conclusão, pode-se afirmar que a Sociologia Histórica desenvolve conceito de Estado mais complexo e detalhado do que o apresentado pelo Realismo e pelo Liberalismo não institucionalista. O Realismo apresenta o Estado como uma entidade territorial abstrata e a Sociologia Histórica vê o Estado como uma centralização de poder coercitivo e administrativo em instituições. Nesse sentido, a definição da Sociologia Histórica, mesmo que isso seja menos perceptível em Wallerstein, mais se assemelha a ideia de Estado como representante de interesses de comunidades, defendida pelos Liberais, do que com o conceito de Estado Realista. (HOBDEN, 1998).
Para a Sociologia histórica, deve haver uma clara distinção entre o território que compõe o Estado, no seu sentido global, e a terra de propriedade do Estado, no seu sentido institucional. Da mesma forma, deve haver a diferenciação entre a população total e a população que trabalha para o Estado. (HOBDEN, 1998).
Igualmente, para a Sociologia Histórica a análise do Estado não pode se resumir a um estudo das relações entre os Estados, mas também envolver as relações domésticas de cada Estado. Assim, o Estado não é visto como um ator unitário, hermeticamente fechado, homogeneizado, mas como um ator entre vários.
O Estado, para a Sociologia Histórica, deixaria de representar tudo aquilo contido dentro dos confins territoriais soberanos que o compõe, ideia essa defendida pela visão Realista, para se tornar um Estado mais complexo, múltiplo e fragmentado em diferentes setores, seja no sentido econômico, de poder coercitivo, seja na divisão da força de trabalho. A burocracia estatal é um dos tipos de setores que compõem o Estado, mas é impossível de se afirmar que tudo que está dentro do Estado é o próprio Estado. Para esta Escola, o Estado tem um papel muito mais limitado que o papel desempenhado pelo Estado do Realismo.
Considerações Finais
Este estudo demonstrou o quanto importante conceituar é para a prática de se fazer teoria. Em Inserção Internacional, Amado Cervo (2008, p. 1) afirma, logo na introdução de sua obra, que “Um conjunto de conceitos, quando entrelaçados pela função de dar compreensão a determinado objeto de estudo na área das ciências humanas, conduz, em nosso entender, à teoria”. Por isso, conceituar é, também, fazer teoria. Não por menos, observamos, no decorrer deste trabalho, abordagens bastante distintas de um mesmo conceito das Relações Internacionais, que é o Estado.
Esses diferentes entendimentos, do que constitui de fato o Estado, são fruto das visões provirem de diferentes teorias, que mantêm juízos diferenciados do que constitui o mundo, o sistema internacional e também, é claro, o Estado. Após essa breve análise de alguns fatores relevantes de três escolas das Relações Internacionais percebe-se que os conceitos de Estados defendidos por cada uma delas possuem grandes diferenças, mas também semelhanças.
O Realismo, sem se atentar para as variações internas da Escola, apresentou a ideia clássica de Estado, que é aquela que afirma que tudo o que está contido dentro dos confins territoriais do Estado é o próprio Estado. Não haveria diferenciação entre governo, população e Estado. Demonstrou-se que essa negação de se avaliar fatores internos ao Estado é proposital, uma vez que o princípio da parcimônia e da capacidade de se fazer previsões científicas exigem esse tipo de abordagem do Realismo. Apresentamos também, no próprio Realismo, o rumo diferente que o Realismo Neoclássico propôs, no sentido de considerar fatores domésticos e percepções como importantes para se entender as Relações Internacionais. Porém, questiona-se se os Neoclássicos deveriam ou não manter a bandeira realista sobre as suas teorias, uma vez que conceitos importantes do Realismo, como poder e segurança, foram, de certa forma, deixados de lado pelos Neoclássicos.
O Realismo deveria se preocupar principalmente com o jogo de poder entre Estados e não com questões de percepções, discursos e instituições internacionais, que são conceitos defendidos por outras escolas das Relações Internacionais. Os Neoclássicos, por exemplo, divergem substancialmente do conceito de Estado defendido pelo Realismo Estrutural, pois o Estado não é entendido como um ator unitário, estilo bola de bilhar, mas sim como um ator complexo e heterogêneo.
Talvez a grande diferença entre a conceituação Realista e da Sociologia Histórica sobre o Estado reste na incapacidade do primeiro em prever a mudança, que é o fator central da pesquisa da Sociologia Histórica. Segundo Robden:
“A second point is that those who point to the Realism of the work of Skocpol, Tilly, Mann and Wallerstein, miss a central point abour the discipline of Historical Sociology: the centrality of the notion of time and change. A central tenet of Realism is its claim to be timeless. It is easy to find examples – from Thucydides to Buzan. This is contrary to the position of historical sociologists. The central aim of Historical Sociology is to provide an analysis of context and development of social forms. For Historical Sociology there are no givens – the development of all social phenomena is open to analysis. By contrast, realists are much less concerned with the issue of change – continuity characterises their work. Hence central to the work of historical sociologists is the analysis of change.” (HOBDEN, 1998)
Assim, deve ser ressaltado que a Sociologia Histórica não é uma abordagem originalmente das Relações Internacionais, mas sim da Sociologia. Por isso, ela necessariamente deve passar pelo problema dos conceitos pré-formados, que seria o entendimento de que os conceitos nem sempre são entendidos da mesma forma por diferentes ramos das ciências sociais.
Em conclusão, percebemos que o conceito de Estado assumiu importantes variações entre as três correntes teóricas apresentadas. Um padrão recorrente para determinar as diferenças entre as teorias foi, sem dúvida, a importância dada por cada uma delas aos fatores domésticos na determinação do conceito de Estado.
Outro ponto importante apresentando aqui foi a desagregação do Estado em diferentes centros de poder, proposta pela Sociologia Histórica. Poderia ser citada, ainda, a ideia de Estado como representante dos interesses sociais, delineada pelo Liberalismo não institucional. Enfim, conclui-se que é impossível gerar conceituação de Estado capaz de agregar todas as diferentes características delineadas por essas três correntes, mas percebe-se também o quanto benéfica pode ser uma análise pormenorizada dos pontos fracos e fortes de cada uma delas em contribuir para o melhor entendimento do conceito de Estado. Defende-se, assim, o pluralismo teórico como método de pesquisa eficiente e produtivo quando aplicado ao campo de estudos das Relações Internacionais.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012) e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina
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