Resumo
Esse artigo apresenta um comparativo entre as redações anterior e vigente do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, modificado pela Emenda Constitucional n. 45 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho destacando um dos temas de maior polêmica que fora a mudança do vocábulo emprego por trabalho, o impacto causado e a situação dos servidores estatutários pós-Emenda 45.
Para consecução dos objetivos da nova Emenda, o Governo Federal designou uma secretaria extraordinária do Ministério da Justiça, sob o comando do Dr. Sérgio Renault, na tentativa de resolver um dos principais problemas do Judiciário brasileiro: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional, cujas conseqüências afetam diversos setores da sociedade, prejudicando, inclusive, o desenvolvimento nacional, como se pode ver no discurso de abertura do “Pacto de Estado em favor de um judiciário mais rápido e republicano.”[1]
Buscar-se-á aqui, especificamente, não só analisar a situação dos servidores públicos, antes e depois da Reforma, como também tentar extrair a intenção do legislador ao modificar o artigo 114, inciso I da Constituição Federal, através de um comparativo entre a redação anterior e a atual e uma análise do projeto que lhe deu origem durante o processo legislativo.
Finalizaremos abordando a solução dada pela Suprema Corte para pôr fim ao aparente conflito de competência gerado com a nova redação do inciso I do artigo 114 expondo as razões motivadoras da suspensão dada pelos Ministros de toda e qualquer interpretação concernente ao referido inciso que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de litígios que envolvam servidores públicos estatutários.
1. Texto comparativo
Objetiva-se, preliminarmente, com a colação dos artigos – redação original x redação atual – identificar a questão polêmica trazida com o advento da emenda: a situação dos servidores públicos diante da nova competência da justiça trabalhista.
Sua importância se deve ao fato de que nenhum outro inciso do citado artigo fora alvo de tanta polêmica. Isso porque o trilhar da nova competência afeta todo um entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito, há tempos pacificado pelos tribunais. Passemos, pois, ao vigente teor do inciso I do referido dispositivo, in verbis:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Obs.: suspensão da interpretação para estatutários – liminar ADI 3395)” (grifo nosso)
….(omissis)
Analisemos, então, a redação original:
“Art.114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como dos litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
…(omissis)
Ora, percebe-se no alto da nova redação o grifo para o vocábulo trabalho, e, como definiu a doutrina trabalhista, a despeito de a CLT, equiparar equivocadamente contrato de trabalho com relação de emprego, pelo exemplo do teor do artigo 442, primeiro, trabalho, é gênero do qual emprego seria espécie.
A classificação trazida à baila se extrai da vontade da própria constituição exposta no artigo 7º, I, XXIX, XXXIV.
Por conseguinte, a principal e polêmica mudança, surge com a alteração da palavra “emprego” contida no texto anterior por “trabalho”, haja vista a amplitude dessa última que abarca um sem fim de relações jurídicas, como por exemplo o pedreiro, a diarista, os profissionais autônomos e no tocante ao artigo os servidores estatutários.
Assim, o artigo 114 atribuiu competência ao pretório trabalhista para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A leitura atenta do novo artigo revela-nos segundo o Professor Rodolfo Pamplona Filho: “a existência de três regras constitucionais básicas de competência material da Justiça do Trabalho, podem ser assim sistematizadas: competência material original, competência material derivada e competência material executória.
A Emenda Constitucional n.45/2004 em nada alterou esse conceito, ao contrário, até o reforçou. A problemática cingiu-se em desvendar o sentido e o alcance da expressão “relação de trabalho”.
Ora, o que parece ser uma simples alteração: “emprego” por “trabalho”, trouxe à tona um conflito já resolvido pela jurisprudência do STF, a exemplo da ADIN 492-1, RDT 80/168 – no sentido de excluir da competência da Justiça Trabalhista – a apreciação das questões envolvendo servidores detentores de cargo efetivo, e, ou, em comissão, pois, não se pode olvidar que são espécies de relação de trabalho.
A expressão relação de emprego da redação anterior restringia a competência trabalhista às relações jurídicas entre trabalhadores com CTPS – carteira de trabalho e previdência social, mesmo que o fossem para reconhecimento do vínculo trabalhista.
Atualmente a nova redação abrange as decorrentes do trabalho autônomo, eventual, estatutário, cooperativo, avulso, etc e essa amplitude não fora despropositada, pois se assim o fosse o projeto de emenda de plenário de número 136 apresentada pelo Senador Arthur da Távola, do PMDB do Rio de Janeiro, com a proposição do restabelecimento do vocábulo “ relação de emprego”, teria sido apreciado.
Portanto, a ratio legis, da referida mudança fora intencional, pois a própria essência da reforma é a busca pela celeridade. Nessa ânsia vislumbrava-se que a partilha dos processos da afogada justiça comum, com os magistrados da justiça especializada do trabalho, seria um início de desafogamento além do que, ninguém melhor para decidir sobre questões correlatas à relação trabalhista.
Os juízes da Justiça Comum receberam com “bons olhos” a mudança. Já na Justiça do Trabalho a alteração implica muito mais que quantidade de processos. A ampliação levará assuntos diversos da relação de trabalho, ou seja, os magistrados teriam que conhecer de ações de outros ramos do Direito, como por exemplo, ações de cunho consumerista dentro de uma relação de trabalho.
Para melhor visualizar a questão supra exposta exemplifica-se com a questão de uma empreitada em que o tomador do serviço não paga integralmente um pedreiro, por exemplo, pela não satisfação com a qualidade do serviço prestado. Aqui entrariam em confronto dois princípios protecionistas: o de proteção ao operário e o de proteção ao consumidor dentro dos limites de uma Justiça “acostumada” à proteção do primeiro.
Em tese são princípios de mesmo peso valorativo. Assim, caberia aos magistrados analisar o caso concreto e fazer uma ponderação entre os princípios.
O problema é que aquela justiça especializada trabalha dia-a-dia com princípios específicos, e, ponderar com outros decorrentes da relação ampliada já os tornariam, em tese, parciais.
O temor por essa “parcialidade” talvez tenha motivado a supressão da parte final do Parecer de número 1747, de 17.11.2004 onde exclui os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos entes referidos, da apreciação da Justiça Trabalhista.
Os tribunais há muito afastavam a competência trabalhista para apreciarem questões envolvendo servidores públicos, haja vista a obrigatoriedade do regime jurídico único imposta aos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional pela redação original do artigo 39 da Constituição Federal, declarando, inclusive inconstitucional o artigo 240 da Lei 8.112/90.
Destarte, uma nova problemática surge: havia ratio legis em ampliar demasiadamente a competência também em relação aos servidores estatutários? Ou, teria sido uma falha provocada com a supressão in fine do texto original do projeto? Se, a resposta à primeira indagação fosse positiva estaria aqui comprometendo toda uma celeridade da Justiça do Trabalho, o que provocaria uma verdadeira confusão, abarrotando o STJ em solução de conflitos negativos provocados pela atual redação do artigo 114, I.
Ocorre, todavia, que o texto efetivamente promulgado com a Emenda n. 45/2004, suprimido após haver sido submetido à promulgação pela Câmara dos Deputados, não faz qualquer ressalva quanto aos sujeitos da relação de trabalho.
Abrange, ao revés, todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive os entes de direito público externo, da administração pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Município, o que poderá comprometer a tão elogiada celeridade do procedimento da Justiça Trabalhista; pois, além dos estatutários, aquela Justiça especializada, deverá apreciar litígios que envolvam contrato de trabalho (art. 442 da CLT), e até contrato de serviços (artigo 593 do Código Civil) como supracitado.
Assim, questões que abordem temas como o trabalho autônomo, transportes rodoviários, contratos de empreitada, representação comercial, contratação de profissionais liberais, dentre muitas outras, serão sempre discutidas e processadas perante a Justiça do Trabalho e não mais perante a Justiça Comum, como outrora.
Apesar de uns entenderem estar se privilegiando a Justiça Trabalhista, estar-se-ia, por conseguinte, afetando consideravelmente a celeridade trabalhista imposta constitucionalmente.
2. Solução dada pelo Supremo Tribunal Federal
Diante das controvérsias, resolve o STF suspender temporariamente o referido inciso através de liminar na Ação de Inconstitucionalidade – ADI n. 3.395, proposta pela AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, tendo como relator o ministro Cezar Peluso e que ora colacionamos devido à relevância neste contexto, verbis:
A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE – propõe a presente ação contra o inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC nº 45/2004. Sustenta que no processo legislativo, quando da promulgação da emenda constitucional, houve supressão de parte do texto aprovado pelo Senado.
Diz, mais, que a redação da EC nº45/2004, nesse inciso, trouxe dificuldades de interpretação ante a indefinição do que seja "relação de trabalho". Alega que há divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os federais, "(…) ausente a precisão ou certeza, sobre a quem coube a competência para processar as ações decorrentes das relações de trabalho que envolvam a União, quando versem sobre servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas." (fl. 7).
O SUPREMO, quando dessa redação, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da L. 8.112/90, pois entendeu que a expressão "relação de trabalho" não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores públicos. Para estes o regime é o "estatutário e não o contratual trabalhista" (CELSO DE MELLO, ADI 492).
Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT.
Leio GILMAR MENDES, há "Oportunidade para interpretação conforme à Constituição … sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição. … Um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica …" (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1998, págs. 222/223).
Poderá, como afirma a inicial, estabelecerem-se conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista, quanto à competência desta ou daquela.
Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ‘ex tunc’. Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004.Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a "(…) apreciação … de causas que … sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo".
Publique-se. Brasília, 27 de janeiro de 2005. /
Vê-se no decisum acima a solução para a problemática surgida com a supressão do projeto exigindo do judiciário uma interpretação condizente com o sistema. Observa-se também que o conflito entre normas constitucionais deve ser resolvido buscando a unicidade da ordem jurídica como destacou o relator.
Os que enxergam na ampliação da competência trabalhista a solução para o desafogamento de outros juízos torçem para que essa decisão seja revista pelo pleno. Até lá, entretanto, dado os efeitos erga omnes da decisão, há de ser respeitada em primeira e segunda instâncias.
Revista pelo pleno de forma a abranger os servidores estatutários traria para a Justiça do Trabalho na ampliação de sua ratione materiae, uma grande responsabilidade que comprometeria sua estrutura, pois os juízes do trabalho já receberão em decorrência da emenda 45/2004 inúmeros feitos da área cível, obrigando-os inclusive a se reciclarem.
É diante dessas hipóteses, que trarão limitações de cunho operacional à Justiça do Trabalho, que se vê a importância de o pleno referendar a decisão da Suprema Corte, para afastar de vez as causas instauradas entre o poder público e os seus servidores.
Não obstante os interesses contrariados fazerem com que as posições de estudiosos, doutrinadores e mesmo da jurisprudência tenham entendimentos divergentes, opostos e até mesmo contraditórios – daí toda discussão surgida com o inciso I do artigo 114 – observa-se no caso dos servidores estatutários uma disputa de competência sui generis, um conflito negativo gerado pela própria redação da emenda constitucional que se consubstanciou numa verdadeira queda de braço ao contrário.
Os juízes não anseiam por mais competência, concordando, sim, com a distribuição da mesma, desde que feita de forma responsável, mormente, no que diz respeito ao aumento do número de órgãos julgadores, otimização informatizada da justiça, redução significativa dos instrumentos recursais, especialmente aqueles nitidamente protelatórios e os que impedem a continuidade e a celeridade dos procedimentos.
Tem-se, por conseguinte, de um lado os que enxergam na nova redação do artigo 114 da Constituição Federal uma ampliação da competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre quaisquer ações onde o conflito resulte de uma relação de trabalho humano e do outro lado, os que insistem em que nada mudou, negando a vontade do legislador, manifestada na Emenda Constitucional 45, já aprovada e em vigência com a aplicação imediata que lhe é inerente.
Resta apenas buscar a real inteligência de cada inciso a fim de não deturpar a “vontade” da Constituição, como explicita Wille Zur Verfassung, tantas vezes citado nos decisuns do Supremo Tribunal Federal, o guardião da nossa Carta, quando buscado a interpretar conforme a Constituição (técnica interpretativa).
Poder-se-á ainda, referendada pelo pleno, ser excluída de vez interpretações que abarquem a situação do estatutário, não pela natureza jurídica do vínculo servidor-poder público, mas pela coerência e obséquio à efetiva prestação jurisdicional que é a verdadeira ratio legis de toda a reforma.
Advogada em Fortaleza especializanda em Direito Empresarial
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