Resumo: Este estudo aborda o conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. O objetivo geral do estudo foi a análise dos limites do poder do empregador no controle dos aparatos tecnológicos (e-mail, Skype, etc.) fornecidos pela empresa em relação à privacidade do empregado no ambiente de trabalho. O estudo foi baseado em uma revisão de literatura sobre o tema, a partir da doutrina e jurisprudência brasileira do Tribunal Superior do Trabalho. Concluiu-se que a utilização inadequada dos aparatos tecnológicos fornecidos pela empresa, implica em prejuízos o que legitima o empregador a adotar medidas suficientes para a fiscalização desses recursos. A utilização do e-mail da empresa para fins pessoais e lícitos, por parte do empregado, não configura a demissão por justa causa. Por outro lado, a fiscalização por parte do empregador sobre o conteúdo das mensagens pessoais do empregado utilizando os recursos da empresa não é considerada como uma invasão à privacidade do empregado. O direito à privacidade do empregado encontra limites no poder diretivo do empregador, e vice-versa. Ambos não podem ser abusivos. [1]
Palavras-chave: Direito à privacidade; Poder do empregador; Uso de aparatos tecnológicos da empresa.
Abstract: This study addresses the conflict between the power of the employer and the privacy of the employee in the work environment. The general objective of the study was the analysis of the limits of the power of the employer in control of technological devices (email, Skype, etc.) provided by the company in relation to the privacy of the employee in the work environment. The study was based on a literature review on the topic, from the doctrine and jurisprudence of the High Court of work. It was concluded that the inappropriate use of technological devices provided by the company, implies in losses which legitimates the employer to adopt adequate measures for the control of these resources. The use of company e-mail for personal and lawful purposes by the employee does not constitute dismissal for just cause. On the other hand, monitoring by the employer about the content of the employee's personal messages using company resources is not considered as an invasion of employee privacy. The right to privacy of the employee finds limits in the directive power of the employer, and vice versa. Both can not be abusive.
Keywords: Right to privacy; Power of the employer; Use of technological equipment of the company.
1. INTRODUÇÃO
A relação de emprego pressupõe o poder de comando e a subordinação do empregado, sendo reconhecida a superioridade jurídica do empregador estabelecida a partir do contrato de trabalho.
O poder de comando detido pelo empregador não é absoluto e encontra seus limites na observância dos direitos fundamentais dos empregados, sob pena de ser considerado abusivo.
Delimitou-se o tema deste estudo ao conflito entre o poder do empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. Os empregados têm o direito de se recusar a realizar atividades laborais que os humilhem ou os diminuam moralmente, ou ainda, que os coloquem sob risco grave.
Com o advento das tecnologias da informação e comunicação (TICs) um novo tipo de limite ao poder de comando tem sido questionado, que é o limite para o controle do uso de ferramentas eletrônicas (e-mail, acesso à internet, banda larga paga pela empresa, etc.) da empresa para fins pessoais dos empregados.
O uso das TICs tornou-se amplamente comum na sociedade contemporânea e, consequentemente, muitos trabalhadores passaram a utilizar esses recursos para fins pessoais durante o horário de trabalho e, em muitos casos, utilizando os recursos organizacionais. Isto fez com que muitos empregadores passassem a investir no controle da utilização das TICs durante o horário de trabalho e, também, nas despesas que o uso dessas ferramentas para fins pessoais dos empregados trazem para a empresa.
O objetivo deste estudo é analisar os limites do poder do empregador no controle das TICs em relação à privacidade do empregado no ambiente de trabalho.
Esta pesquisa é atual e relevante, uma vez que as empresas passaram a controlar seus colaboradores, mantendo fiscalização dos e-mails enviados, sites acessados na internet, conversas nas redes sociais e outros recursos tecnológicos utilizados pelos empregados no horário de trabalho. Neste contexto, tornou-se interessante a análise quanto aos limites e possibilidades de fiscalização do empregador sobre o uso dos meios digitais no ambiente de trabalho.
A metodologia empregada nesta pesquisa caracteriza-se como revisão e literatura, baseada na doutrina e jurisprudência sobre o tema. A coleta de dados foi realizada a partir de doutrinas do Direito do Trabalho e na jurisprudência sobre os limites do poder do empregador. A análise dos dados foi qualitativa, baseada na interpretação da pesquisadora sobre os materiais analisados.
Para facilitar a compreensão deste estudo, o texto foi dividido em três tópicos principais: o primeiro tópico aborda o poder do empregador, é apresentada a caracterização da relação de emprego e o poder de comando do empregador. O segundo tópico trata do uso das TICs nas organizações e o direito fundamental à privacidade frente ao poder de fiscalizar do empregador. Por fim, o terceiro tópico apresenta a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre o tema.
2. O PODER DE COMANDO DO EMPREGADOR
O direito do trabalho tem como pressuposto a liberdade de trabalho, que baliza o contrato e a relação de emprego. Segundo Genro (1994), na relação de emprego não há uma verdadeira opção do empregado ou do empregador, mas uma determinação do funcionamento do próprio modo de produção capitalista. É por esse motivo que existe a necessidade de firmar um contrato de trabalho.
O contrato de trabalho abarca efeitos específicos que implicam em obrigações do empregado e do empregador, quando esses efeitos estão presentes, ainda que não exista um contrato de trabalho formalizado, a relação de emprego pode ser configurada.
Para a relação de emprego, os principais elementos do conceito de empregado são: a pessoa física, a prestação pessoal do serviço (pessoalidade), a continuidade, a subordinação ao empregador e a remuneração (MARTINS, 2016).
Em relação ao empregador, Paulo e Alexandrino (2010, p. 57) afirmam que:
“A empresa é comumente conceituada como uma atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços destinados ao mercado, com objetivo de lucro. No âmbito do Direito do Trabalho, assume relevância nesse conceito a assunção do risco da atividade econômica. A empresa deve assumir tanto os resultados positivos quanto os negativos do empreendimento, não podendo estes últimos ser transferidos ao empregado”.
Portanto, empregador é a pessoa física ou jurídica que assume os riscos da atividade econômica, admite, dirige e assalaria a prestação pessoal de serviços.
Em toda relação de emprego existe um poder diretivo do empregador, que faz com que as diretrizes estabelecidas pela empresa sejam seguidas pelo empregado. Como observou Vecchi (2016, p. 371),
“[…] a relação de emprego é a relação jurídica obrigacional vista como um processo, nascida do contrato (em sentido não tradicional), travada e desenvolvida entre empregado e empregador. Nesta relação, o empregado (pessoa física) presta ou se obriga a prestar serviços de natureza não eventual, pessoal, com intuito de remuneração e subordinada (sob dependência) ao empregador (pessoa física, jurídica ou entes despersonalizados), o que dirige a prestação dos serviços ou a obrigação de prestar os serviços e o remunera em virtude do trabalho feito e, em certas circunstâncias, pela simples obrigação de prestar trabalho.”
A relação de emprego tem natureza jurídica contratual, e os elementos de sua formação àqueles comuns a configuração do contrato individual de trabalho. Para que uma relação de emprego seja configurada são necessários os seguintes elementos (VECHI, 2016, p. 372-376):
“i. Empregado: para que uma relação de emprego seja configurada é preciso que exista o empregado, que necessariamente terá que ser uma pessoa física, pois a pessoa jurídica não pode ser considerada como empregado. No contrato de trabalho o empregador adquire a força de trabalho do empregado, força de trabalho inerente à sua pessoa humana viva; é a força de trabalho viva que é colocada à disposição do empregador.
ii. Empregador: o empregador também deve estar presente para que a relação de emprego seja configurada, podendo ser tanto a pessoa física como jurídica, ou entes despersonalizados que se organizam em empresa e que contratam empregados.
iii. Prestação de serviços ou obrigação de prestar serviços: para que a relação de emprego seja configurada deve haver a prestação de serviços ou a obrigação de prestar serviços, que é a força de trabalho do empregado colocada de fato ou em potência à disposição do empregador. Este elemento significa que, em regra, é necessária a prestação efetiva de serviços nos moldes supracitados para caracterizar a relação de emprego. Contudo, pode haver, por meio de declaração negocial, a previsão de uma relação de emprego existente na qual o empregado não apenas se obrigue na prestação de serviços (futuros) embora ainda não prestados. Seria o caso da contratação de um empregado que ficasse a aguardar por um determinado tempo o momento em que o empregador o chamasse para a efetiva prestação de serviços.
iv. Não eventualidade: para que a relação de emprego seja configurada, o trabalho prestado não pode ser caracterizado como eventual, uma vez que a eventualidade descaracterizaria a figura do empregado. Considera-se como ‘eventual’ o trabalho episódico, extraordinário, fortuito, que não há como definir o momento em que será prestado, o período em que acaso será prestado, no qual não esteja presente o compromisso de renovação da prestação de serviços, bem como, em última análise, em que não esteja vinculado à própria atividade da empresa. A simples intermitência ou transitoriedade não desqualificam, por si só, o contrato de emprego, justamente pelo fato de que a intermitência e a transitoriedade não significam eventualidade.
v. Pessoalidade: para que a relação de emprego seja configurada, o empregado deve prestar serviços pessoalmente, visto que a prestação laboral é uma prestação intuito personae, personalíssima, vinculada de forma inseparável à pessoa do trabalhador.
vi. Remuneração/onerosidade: a relação de emprego possui caráter patrimonial, pois o empregado coloca à disposição do empregador a sua força de trabalho em troca de pagamento, o qual terá para ele, em regra, caráter existencial (aquisição e manutenção de sua própria pessoa). Assim, a relação de emprego é uma relação jurídica bilateral, comutativa (relativamente) e onerosa, na qual há o intuito de remuneração do trabalho prestado ou a prestar.
vii. Subordinação/dependência: a relação de emprego se configura como o vínculo processual em que uma das partes, o empregado, está em situação de dependência/subordinação à outra parte da relação, o empregador.”
O poder diretivo do empregador e a consequente subordinação do empregado considerados os elementos essenciais da relação de emprego. Segundo Coutinho (1999, p. 12),
“[…] o poder pode ser imposto a partir de uma força coercitiva interna ou externa revelada pela violência, pela capacidade de imposição, pela ameaça de um mal suficientemente dolorido ou desagradável, moral, pecuniário, físico, que leva o indivíduo ou o grupo a abandonar a sua própria vontade e se submeter; de um modo real, potencial ou imaginário. É a força multifacetária, apresentando-se como força jurídica, sempre, porém ligada à represália”.
É na empresa que ocorre a intermediação entre a economia, a política e a ética e que o poder se organiza e se legitima pelo direito, manifestando-se sob as formas de comando, regulamentação, fiscalização e sancionatório, para assegurar o equilíbrio entre as relações de autoridade e subordinação, como objetivos previamente estabelecidos (SCHIO, 2010).
Na relação de emprego, o empregador é quem possui o poder diretivo. A doutrina não tem uma divisão unificada em quanto às formas de manifestação desse poder do empregador.
De acordo com Pavelski (2009, p. 74),
“A exteriorização do poder de direção então ocorrerá quando o empregador ditar as ordens ao empregado, em relação à quando e como realizar suas atividades, o local em que elas serão realizadas. É por esse poder que o empregador organiza a atividade do empregado, da forma que melhor corresponda para a realização dos fins a que a empresa se destina”.
Neste contexto, o conteúdo da prestação de serviços do empregado vai ser preenchido com o tempo, devido à continuidade da relação empregatícia, aos acontecimentos sociais, econômicos que ocorrerão ao longo do tempo, e as aptidões do empregado, que irão determinar a organização do trabalho (PAVELSKI, 2009).
O empregador detém o poder de disciplinar, fiscalizar e regulamentar o desenvolvimento de sua empresa. Este poder deriva do direito de propriedade, das prerrogativas inerentes ao contrato de trabalho subordinado e das normas que regulam a empresa como instituição voltada para um fim determinado.
O poder de direção do empregador manifesta-se em três modalidades (MARTINS, 2016, p. 162-166):
“- Poder disciplinar: no exercício do poder disciplinar, pode o empregador aplicar penalidades ao empregado indisciplinado ou desidioso. As penalidades são: advertência (escrita ou verbal); suspensão (por até 30 dias); e, demissão por justa causa. As penalidades aplicadas pelo empregador são passíveis de revisão via ação judicial, na Justiça do Trabalho, que anulará aquelas que forem injustas ou abusivas.
– Poder de controle (fiscalizatório): este é o poder de fiscalização. Admite-se a revista pessoal no empregado, desde que não cause vexame ou ofensa à integridade moral. Outro fato que se inclui a este poder é a submissão do empregado ao cartão de ponto e ao livro de ponto.
– Poder de organizar (regulamentar): é o poder de nortear os rumos da empresa. Algumas legislações possibilitam a participação dos empregados na gestão da empresa. Pode o empregador organizar seu pessoal, editando um regulamento de empresa, ou classificá-lo, criando um plano de carreira, onde as promoções são reguladas pelos critérios de antiguidade e merecimento. Na prática, o poder de organização vislumbra-se na emissão de ordens, que podem ser pessoais (ao empregado) ou gerais (para todos os empregados)”.
O poder de direção do empregador está sujeito aos limites do artigo 483 da CLT, que possibilita ao empregado considerar rescindido o contrato de trabalho.
3. O USO DAS TICS NAS ORGANIZAÇÕES E O DIREITO FUNDAMENTAL À PRIVACIDADE FRENTE AO PODER DE FISCALIZAR DO EMPREGADOR
O avanço das tecnologias da informação e comunicação mudou os formatos de produção e realização das atividades laborais. Atualmente, o uso de e-mail, WhatsApp, Skype e outras ferramentas de comunicação se tornaram importante para otimizar a comunicação entre os colaboradores das empresas. Muitos empregadores disponibilizam celulares para seus empregados, com o objetivo de otimizar a comunicação organizacional e facilitar o acesso a eles durante o horário de trabalho, possibilitando o uso de ferramentas como e-mail corporativo e outras formas de comunicação digital.
Segundo Schio (2010), o e-mail restrito, corporativo ou com privacidade possui características semelhantes ou iguais funções do e-mail pessoal, assim como outras formas de comunicação via celular, como o WhatsApp, por exemplo, que independentemente de ser utilizado para fins de trabalho ou pessoais, possui as mesmas características. Entretanto, quando fornecidos pela empresa ao empregado, ou seja, cedidos pelo empregado ao empregado para fins profissionais, esses recursos constituem-se como ferramentas de trabalho, que “quando age com correio eletrônico da empresa, este trabalhador encaminha documento coassinado pela empresa ou órgão a que pertence” (p. 17).
Os direitos de personalidade do empregado, o direito à privacidade, podem ser eleitos como parâmetros para aferição, na prática, até onde o exercício do poder diretivo é legítimo. Segundo Pavelski (2009, p. 149),
“Se por um lado, as relações empregatícias modernas são dinâmicas e pautadas nos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do solidarismo, bem como porque contratuais encontram na legislação civil conceitos que a elas se aplicam, por outro lado, têm assumido características que encerram a abusividade de direito nas condutas, nas diretrizes traçadas pelo empregador, mitigando os direitos de personalidade dos empregados”.
De um lado, tem-se que ao empregador é lícito o poder diretivo e fiscalizatório, de modo que possa concretizar a organização da empresa e esta atinja os fins a que se propõe. Mas, frente aos direitos fundamentais do empregado este poder pode ser mitigado e mesmo limitado, assim como a subordinação do empregado não se configura como total e incondicional (PALVESKI, 2009).
Quanto ao direito à intimidade, este se aplica na esfera do trabalho, sempre levando-se em consideração que, embora exista forte vínculo pessoal na relação de trabalho, não se separam o trabalhador de sua prestação de serviços (BARROS, 1997).
Frente aos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal de 1988 e o poder do empregador, em muitos casos a relação de trabalho pode se configurar como abusiva. Segundo Masi (2003, p. 273),
“[…] os chefes não se limitam a pretender que os colaboradores assegurem os objetivos estabelecidos de vez em quando, mas se habituaram a interferir continuamente nos processos adotados pelos colaboradores para atingir esses objetivos.”
A intervenção da empresa com base em seu poder diretivo é sistêmica e, em muitos casos, pode levar ao comportamento abusivo do empregador, uma vez que “o mesmo homem que é livre como indivíduo, e é livre como cidadão, não goza de liberdade em seu local de trabalho – exatamente onde passa a maior parte da vida” (VIANA, 1996, p. 120).
A subordinação, também denominada como dependência, do ponto de vista jurídico, consiste no fato de que o empregado está adstrito a cumprir com as determinações (subjetivas ou objetivas) do empregador, mesmo que isso ocorra apenas pela sua integração à empresa. De acordo com o contrato de trabalho, o empregado disponibiliza sua força de trabalho a outrem (empregador), que utiliza, faz operar, segundo suas pautas, seus objetivos, seus interesses (VECCHI, 2016).
Mas, até que ponto o poder do empregador, o dever de subordinação do empregado, entram em conflito com a privacidade do empregado na utilização dos recursos tecnológicos da empresa? De fato, a jurisprudência do TST demonstra que muitos empregados utilizam recursos da empresa para fins pessoais, o que prejudica a produtividade e aumenta os gastos da empresa com recursos tecnológicos, como banda larga e outros. Nesse sentido, Schio (2010, p. 18) afirmou que:
“Releva destacar que a maioria dos internautas (44,5 milhões) acessa a rede justamente ou em casa ou no ambiente de trabalho. […] para fiscalizar e contingenciar o uso de ferramentas de internet e correio eletrônico, face à produtividade e tempo perdido para o uso de tais aparatos tecnológicos, muitos empregadores se valem de um monitoramento eletrônico de correios eletrônicos, bem como de acesso à internet, assim como medidas de bloqueio de páginas da web (proxy servers) e retenção de mensagens (anti-spam)”.
O uso de internet, e-mail e outros recursos eletrônicos no ambiente de trabalho por parte dos empregados leva a ineficiência e improdutividade, uma vez que constitui vasta distração na maioria dos casos. Mas, toda essa fiscalização da empresa não fere à privacidade do empregado? Segundo Bacellar (2003), a privacidade pode ser traduzida na atitude que toda pessoa tem de se resguardar dos sentidos alheios, ou seja, o direito de salvaguardar aspectos íntimos de sua vida pessoal, abrangendo a proteção da vida familiar e pessoa e à intimidade do lar dos indivíduos. A privacidade é considerada um direito fundamental do indivíduo.
Porém, Schio (2010) adverte que a privacidade não é um direito absoluto. Ao utilizar os recursos da empresa para fins pessoais, o empregado pode ter suas mensagens monitoradas pela empresa e esse direito do empregador tem sido reconhecido pelos tribunais como demonstrado no próximo tópico.
4. O CONFLITO ENTRE O PODER DO EMPREGADOR E A PRIVACIDADE DO EMPREGADO NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS PARA FINS PESSOAIS
O uso dos recursos tecnológicos de comunicação na empresa por parte do empregado para fins pessoais gera controvérsias. Uma parte da doutrina defende o controle do empregador por meio do e-mail profissional é lícito, pois o aparato foi disponibilizado pela empresa para o trabalho, e esta, sobre as consequências advindas deste é responsável. Essa assertiva pode ser considerada uma interpretação da Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal (SCHIO, 2010).
O entendimento do Ministro do TST João Orestes Dalazen sobre a questão foi o seguinte, conforme descrito por Schio (2010, p. 22-23):
Entendimento do Ministro do TST João Orestes Dalazen sobre o uso de e-mail da empresa para fins pessoais
“1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (‘e-mail particular’). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta de proteção constitucional e legal de inviolabilidade.
2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado ‘e-mail’ corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço.”
Nesse caso, é reconhecido o direito de fiscalizar do empregador. Assim, é inegável que o uso do e-mail da empresa, quando desautorizado pelo empregador, implica em indisciplina por parte do trabalhador. A jurisprudência do TST descrita a seguir, contudo, considera que o uso de e-mail corporativo para fins pessoais não é motivação para demissão por justa causa:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE EMAIL CORPORATIVO. FALTA GRAVE NÃO CONFIGURADA. HORAS EXTRAS. INVALIDADE DO BANCO DE HORAS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DA REVERSÃO DA JUSTA CAUSA. Não merece provimento o agravo de instrumento que não logra desconstituir os fundamentos do despacho denegatório de prosseguimento do recurso de revista, ainda mais quando a matéria tratada nos autos exige reexame do contexto fático-probatório da causa, o que atrai a aplicação da Súmula nº 126 desta Corte. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AIRR: 518520125020203, Relator: Vania Maria da Rocha Abensur, Data de Julgamento: 20/08/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/08/2014).
Portanto, se o trabalhador não obstruiu informações à empresa e certo de que aquela correspondência não caracteriza ato ilícito, tampouco prejudica a dinâmica de trabalho ou a imagem da empresa, não pode ser considerada a demissão do empregado por justa causa. Neste caso, como explica Schio (2010) é empregado o critério de proporcionalidade e razoabilidade.
Apesar de reconhecer que o uso lícito do e-mail corporativo não justifica a demissão por justa causa, o entendimento jurisprudencial do TST é de que a fiscalização das mensagens realizadas pelos empregados durante o horário de trabalho, utilizando aparatos tecnológicos fornecidos pela empresa, não fere o direito à intimidade do empregado:
“DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA. ACESSO AO CONTEÚDO DAS MENSAGENS ENVIADAS VIA SKYPE. Apesar de o Skype se tratar de ferramenta de comunicação acessível ao público em geral, quando destinada pelo empregador como ferramenta de trabalho, equipara-se à ferramenta corporativa. Portanto, não ofende o direito à intimidade, tampouco viola o sigilo da correspondência, o acesso pelo empregador ao conteúdo das mensagens trocadas pelos seus empregados em computadores da empresa, durante o expediente de trabalho, mormente quando cientificados os trabalhadores dessa possibilidade”. (TRT-12 – RO: 00007023820145120052 SC 0000702-38.2014.5.12.0052, Relator: GISELE PEREIRA ALEXANDRINO, SECRETARIA DA 3A TURMA, Data de Publicação: 11/09/2015).
Não existe uma normatização sobre a questão, assim, a punição com a demissão por justa causa não é cabível. Por outro lado, existe a prerrogativa do empregador em fiscalizar os conteúdos das mensagens dos empregados quando são utilizados os recursos organizacionais.
5. CONCLUSÃO
O poder de comando do empregador encontra limites frente aos direitos fundamentais do trabalhador. Contudo, no uso de aparatos tecnológicos fornecidos pela empresa, esse direito à privacidade não é absoluto, pois o empregador tem o direito de fiscalizar a utilização dos recursos da empresa por parte do empregado.
Recursos de tecnologia digital para comunicação como e-mail, WhatsApp, Skype e outros recursos semelhantes, quando utilizados no ambiente corporativo tem o objetivo de otimizar a comunicação entre os trabalhadores, fornecedores e clientes para beneficiar a produtividade organizacional. Essas ferramentas tecnológicas de comunicação apresentam custos mais baixos em comparação com as ligações telefônicas, além de possibilitarem comunicações mais rápidas. Contudo, quando utilizadas inadequadamente pelos empregados, como fonte de comunicações pessoais, essas ferramentas podem prejudicar a produtividade e a qualidade dos serviços prestados pelo empregador.
A utilização inadequada dos aparatos tecnológicos fornecidos pela empresa, implica em prejuízos o que legitima o empregador a adotar medidas suficientes para a fiscalização desses recursos.
A utilização do e-mail da empresa para fins pessoais e lícitos, por parte do empregado, não configura a demissão por justa causa. Por outro lado, a fiscalização por parte do empregador sobre o conteúdo das mensagens pessoais do empregado utilizando os recursos da empresa não é considerada como uma invasão à privacidade do empregado.
O direito à privacidade do empregado encontra limites no poder diretivo do empregador, e vice-versa. Ambos não podem ser abusivos.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário FIEO – UNIFIEO; Pós Graduada em Direito da Seguridade Social pela Faculdade LEGALE-SP; Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade LEGALE-SP
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