Resumo: O objetivo deste artigo é abordar a importância da questão relativa ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais e seu surgimento na doutrina constitucional e, em especial, no pensamento brasileiro.
Palavras Chave: Direitos Fundamentais, Conteúdo Essencial, Núcleo Essencial, Teoria Relativa, Teoria Absoluta.
Abstract: This paper aims to demonstrate the importance of the theory of the essential content of fundamental rights. It will address matters from its emergence in the constitutional doctrine, especially in Brazilian thought.
Keywords: Fundamental Rights, Essential Content, Core Essential, Relative Theory, Absolute Theory.
Sumário: Introdução; 1. A teoria do Limite dos Limites; 2. A Proteção do Núcleo Essencial; 2.1. Prolegômenos da Teoria; 2.2. Núcleo Essencial no Constitucionalismo Brasileiro. 3. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O conteúdo essencial dos direitos fundamentais ou o núcleo intangível dos direitos tem sido utilizado como ponto de partida para diversas abordagens jurídicas acerca da interpretação dos direitos fundamentais, notadamente quando se fala da ponderação de direitos e do princípio da proporcionalidade ou do princípio da vedação de retrocesso social, sem contudo precisar-se o seu significado jurídico.
Esse núcleo intangível tem sido tratado como verdadeiro axioma, considerada como óbvia a existência do núcleo essencial ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de teoria daí decorrentes, embora não tem sido suficientemente examinado seu alcance, sua estrutura e sua natureza.
A análise presente reveste-se de importância em face da grande repercussão que tal exame terá na complementação de visível lacuna doutrinária no estudo dos direitos fundamentais. O próprio Supremo Tribunal Federal tem utilizado a compreensão do conteúdo essencial dos direitos fundamentais[1], contudo sem explicitar a definição conceitual que adota, nem indicar parâmetros seguros que possibilitem identificar o seu alcance.
Não basta afirmar que o direito fundamental tem um núcleo essencial. O constitucionalismo democrático deve ir além, partindo da compreensão que as constituições foram criadas como instrumentos eficazes da luta pela realização dos direitos fundamentais. Logo, todo o debate deve ser circunscrito à idéia de que o direito deve realizar um valor e que os direitos fundamentais reclamam, ao menos, a preservação do conteúdo essencial desses tão caros direitos.
Na dogmática do Direito Constitucional tem-se a preocupação primordial com o exame da compatibilidade constitucional dos atos jurídicos e com necessidade de estabelecer uma cultura constitucional firmemente dirigida a assegurar os direitos fundamentais. Nessa quadra é necessário um mínimo de esforço para sistematizar a matéria, justamente para evitar que se violem direitos fundamentais. Assim é que se revela fundamental o estudo.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente ensaio inicialmente trata da tese que versa sobre o “limite dos limites”, como um parâmetro limitador da atuação do legislador, no seu nobre papel de conformar e realizar os direitos fundamentais, sobretudo num estado que prima pelo postulado da legalidade.
Em seguida, após contextualizar o aparecimento na doutrina, justificando seu surgimento na última metade do Século XX, na Alemanha do pós-guerra, apresenta alguns países que seguiram a experiência e influência germânica de positivação do núcleo essencial, registrando a sua expressão bem posta nas constituições espanhola e portuguesa.
Passa pela análise do princípio do conteúdo essencial dos direitos fundamentais no direito constitucional Brasileiro, e em especial, na forma implícita como a Constituição da República do Brasil de 1988 tratou da matéria, mas no firme posicionamento do Supremo Tribunal Federal aceitando a existência desse núcleo inexpurgável.
1 a teoria dos limites dos limites
Sob o regime da legalidade, coube ao legislador a relevante tarefa de conduzir o estado na realização dos direitos fundamentais, implementando-o e estabelecendo os marcos de sua concreção, com certa discricionariedade. Certa porque essa abertura não significa que podem, nessa tarefa, agir ao seu talante, desconsiderando a necessidade de obediência à que lhe outorgou o dever-poder, quem seja, a constituição.
Por isso, essa liberdade de conformação ou o poder de conformação do legislador não lhe oferece a possibilidade de ultrapassar o limite do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. O poder de conformar não equivale à faculdade ilimitada de disposição, porque o legislador não recebeu um mandato livre, mas um mandato adstrito a uma vontade bem expressa no pacto maior.
A possibilidade de se restringir não pode ser assumida de forma aleatória, sob pena de admitir a supressão, por via ordinária, do próprio direito fundamental estampado no Texto Constitucional ou, como anuncia Gilmar Ferreira Mendes,
“da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‘limites dos limites’ (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas”[2].
A proteção dos direitos fundamentais contra restrições que atinjam o núcleo essencial dos direitos fundamentais é, como indica Daniel Sarmento, um “reduto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição”[3].
Ignacio de Otto y Pardo[4] explica que o conteúdo essencial é o limite do limite porque “limita a possibilidade de limitar, porque señala um limite más allá del cual no es posible la actividad limitadora de los derechos fundamentaes y de las luberdades publicas”. Representa, como visto, uma barreira de defesa da cidadania à ações violadoras praticadas pelas autoridades constituídas.
Conforme elucida Ingo Wolfgang Sarlet[5] deve-se atentar a necessidade de impor um limite a este limite, estabelecendo “restrições à atividade limitadora no âmbito dos direitos fundamentais, justamente com o objetivo de coibir eventual abuso que pudesse levar ao seu esvaziamento ou até mesmo à sua supressão”.
O conteúdo essencial, como demonstrado, representa um limite que se impõe à possibilidade de conformação e restrição dos direitos fundamentais, representando o seu mínimo intangível, indisponível ao poder público.
2 A proteção do núcleo essencial
2.1 PRELEGÔMENOS da teoria
A idéia de um núcleo essencial refere-se a uma categoria central da dogmática jurídico-constitucional da última metade do Século XX[6], atenta à necessidade de estabelecer um último reduto de garantia contra as leis e medidas fortemente restritivas dos direitos fundamentais.
A preocupação com o desenvolvimento de uma teoria do limite aos limites ganhou espaço de desenvolvimento teórico na Alemanha do pós-gerra, e em especial na Lei Fundamental de 1949, para que se evitasse a repetição do ocorrido com a Constituição de Weimar, que teve seu catálogo de direitos fundamentais esvaziado pela obra do Poder Legislativo da Alemanha Nazista.
Esse aspecto histórico justifica a expressão consignada no artigo 19, inciso II, da Lei Fundamental alemã, que impede o esvaziamento da eficácia dos direitos fundamentais, pela ação do poder público, em especial, do poder legislativo[7], responsável pela conformação dos direitos fundamentais.
Na mesma linha, as Constituições portuguesa[8] e espanhola[9] contemplam semelhantes disposições que limitam à ação do poder público na restrição ou conformação dos direitos fundamentais.
J.J. Gomes Canotilho[10], lançando olhar sobre a disposição constante no texto português, afirma que esta “garante e protege um núcleo essencial destes direitos contra leis restritivas (núcleo essencial como reduto último de defesa)”, evidenciando o espaço de proteção contra leis que exorbitem dos limites impostos pelos direitos fundamentais ao órgão encarregado de conformá-los.
Mas os estudos sobre o tema têm na Alemanha o seu primeiro espaço de desenvolvimento e a sua produção mais. Decorre da construção hermenêutica em torno do artigo 19, inciso II, da Lei fundamental de Bonn, que dispõe que em caso algum poderá um direito fundamental ser atingido em seu núcleo essencial, o entendimento doutrinário no sentido de que o conteúdo essencial do direito fundamental (Wesensgehalt) constituiria o elemento restritivo à atividade limitadora dos Poderes constituídos no âmbito dos direitos fundamentais.
Viviana Molaschi tratando do direito à assistência social na Constituição Italiana, registra a necessidade de respeito ao conteúdo essencial daquele direito, em decisões judiciais na Itália, especialmente a proferida pela Corte Constitucional Italiana, número 226/2000[11], de 22 de junho de 2000, que àquela altura claudicava na defesa do conteúdo essencial, afirmando que “a fronte di decisioni di questo genere non ci si può non interrogare sula possibilità di configurare anche in relazione al diritto all’assistenza una soglia di tutela rappresentata dal contenuto essenziale del diritto”[12].
Como visto, a riqueza de abordagens e de previsões em diversos textos constitucionais, permite afirmar que há, indiscutivelmente, um avanço do desenvolvimento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais no constitucionalismo atual.
2.2 NÚCLEO ESSENCIAL NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO
A ordem constitucional brasileira não contemplou expressa ou diretamente a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais[13]. Esta circunstância, todavia, não implica reconhecer inexistente um dever de proteção desse núcleo essencial, como bem indica Gilmar Ferreira Mendes ao afirmar “inequívoco que tal princípio decorre do modelo garantístico utilizado pelo constituinte. A não-admissão de um limite ao afazer legislativo tornaria inócua qualquer proteção fundamental” [14].
Paulo Ricardo Schier[15] defende, noutro aspecto, que a fundamentação da preservação do núcleo essencial está vinculada à compreensão da extensão das cláusulas pétreas[16], na medida em que elas representam “verdadeiras barreiras de proteção contra a ação do poder constituinte revisor, buscando resguardar um determinado núcleo de bens constitucionais e direitos com o fim da manutenção de dada identidade constitucional”.
Ambos subscrevem a importância e a presença do núcleo essencial no direito constitucional local.
Cabe pontuar ainda que, no Brasil, como corolário do artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como das normas que definem os objetivos constitucionais da República (artigo 3º da CF/88), ao Estado brasileiro é imposto o desenvolvimento permanente do grau de concretização dos direitos fundamentais, que também abrange, conseqüentemente, a maximização da proteção dos direitos sociais no sentido de impedir que o legislador retroceda na densificação de tais direitos, para além do seu conteúdo essencial.
Ingo Sarlet[17] tem proclamado que medidas restritivas dos direitos fundamentais que afetem o seu conteúdo essencial padece de constitucionalidade. No mesmo sentido, Ana Maria D’Avila Lopes[18] registra que como conseqüência da necessária atividade do legislador para desenvolver e concretizar os direitos fundamentais, a idéia de um conteúdo essencial surge para prevenir possíveis excessos que assegurasse que estes direitos fossem regulados “sem perder as características que os identificam como tais”.
Além da doutrina pátria, a jurisprudência constitucional brasileira também tem se voltado para o tema. O Supremo Tribunal Federal tem revelado a apreensão dessa idéia de limite do limite também entre nós, tendo com base a vigente Constituição Federal de 1988 e, também, a Constituição de 1967/69.
Na Representação número 930, o Ministro Rodrigues Alckmin, tratando sobre a liberdade de conformação do legislador na regulamentação do exercício de profissão, em seu voto deixou assentada sua preocupação com a fixação de “quais os limites a que a lei ordinária tem de ater-se, ao indicar as ‘condições de capacidade’. E quais excessos que, decorrentes direita ou indiretamente das leis ordinárias, desatendem à garantia constitucional”. Antes, lembrou que não pode o legislador estabelecer, a seu critério e alvitre, a restrição, sob pena de configurar-se uma inutilidade a existência do direito fundamental em evidência.
Passo à frente, já diante da Constituição de 1988, no curso do ano de 2005, o Ministro Celso de Mello remarcou a idéia, no julgamento da ADI 3.540-MC[19], consignando no seu voto “que quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais” [20].
No voto proferido no julgamento do Mandado de Segurança n. 24.045[21], o Ministro Joaquim Barbosa lembrou que embora o Poder Legislativo possa conformar, com certa liberdade, o procedimento de defesa, cabe ao Poder Judiciário evitar situações que violem o núcleo essencial do direito à ampla defesa.
Fazendo referência à decisão mais recente, no Habeas Corpus n. 82.959[22], relatado pelo o Ministro Marco Aurélio, Gilmar Ferreira Mendes[23] afirma que o STF entendeu que a “imposição de regimes integralmente fechado para cumprimento de condenação nos crimes hediondos configuraria lesão ao princípio do núcleo essencial”.
Como examinado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileiras têm aceitado, aberta e reiteradamente, a existência de uma intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, como última esfera de proteção dos direitos, protegendo-o de qualquer atuação tendente a comprometer sua essência.
CONCLUSÃO
É certo que a definição do conteúdo essencial dos direitos fundamentais não é uma teoria bem desenvolvida no constitucionalismo brasileiro, mas indiscutivelmente representa importante acréscimo para tornar a doutrina dos direitos fundamentais um porto de segurança contra as mazelas e desrespeitos tão insistentemente tentados pelo poder público, especialmente pelos poderes a quem se confiou a conformação da constituição.
Como visto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm aceitado a teoria do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, apesar de tergiversar quanto ao critério para determinar-se o conteúdo deste, ou o valor que possui.
Os direitos fundamentais não podem ser tomados por uma visão reducionaista, que os contemple tão somente como limites ao poder estatal, mas também se constituem, cada vez mais, como diretrizes positivas de sua atuação e esta dimensão positiva deve impregnar conseqüentemente a garantia do conteúdo essencial. Esta última, não pode ser entendida como uma mera barreira a ação do legislador, numa função meramente defensiva, mas deve ser tomada de um modo mais ativo, como verdadeiro mandato para um promissor desenvolvimento dos direitos fundamentais.
A definição teórica em torno de um conteúdo essencial dos direitos fundamentais poderá consagrar a chamada cidadania reivindicatória, na feliz expressão de Adreas Krell[24], na medida em que ficará patente a reserva de proteção do cidadão.
Bacharel em Direito graduado pela Universidade Católica do Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela UNIFACS – Universidade Salvador. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Procurador do Estado da Bahia. Professor de Direito Constitucional e Econômico do Curso de Graduação em Direito da UNIFACS e da Faculdade Baiana de Direito. Advogado
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