O consumidor destinatário final ou stricto sensu: conceito e proteção legal

Os consumidores fazem parte de uma casta social que necessita de tratamento especializado, isto é, com garantias e tutelas peculiares que protejam a sua vulnerabilidade.

Tal constatação é um dos núcleos da problemática que envolve a apropriada identificação das características que envolvem uma relação de consumo, bem como, de quem efetivamente é esse consumidor que necessita de proteção.

Em termos de relação de consumo, é certo que o Código de Defesa do Consumidor supriu a lacuna legislativa que existia em nosso ordenamento jurídico que, até a entrada em vigor da lei consumerista, regulava as relações de consumo por meio do Código Civil. No entanto, havia com a aplicação da legislação civil um tratamento igualitário entre as partes o que não pode ser admitido em nenhuma espécie de relação de consumo, ante ao desequilíbrio patente entre consumidores e fornecedores.

Nesse passo, diante do progresso da sociedade fez-se necessária uma legislação mais adequada a esse tipo de relação jurídica. Surge, então, o CDC para regulamentar as relações de consumo formadas de um lado pelo consumidor individual ou coletivo e de outro o fornecedor de produtos ou serviços.

Sanando a até então, omissão legislativa, o Código de Defesa do Consumidor, traz a conceituação de consumidor de quatro formas muito adequadas e que ainda hoje permanecem atuais.

A primeira definição de consumidor trazida pelo CDC, podemos encontrar no caput do seu Artigo 2º, que determina como consumidor o destinatário final de um produto ou serviço. Em outras três oportunidades o legislador consumerista tratou de conceituar a pessoa do consumidor como: a coletividade de pessoas que haja intervido na relação de consumo, prevista no parágrafo único do mesmo Art. 2º do CDC; a vítima do acidente de consumo (Art. 17, CDC); o consumidor exposto às práticas comerciais e de consumo (Art. 29, CDC).

O CONSUMIDOR DESTINATÁRIO FINAL

Foi opção do legislador conceituar consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, podem ser consumidores as pessoas físicas e as jurídicas desde que sejam destinatárias finais de determinados produtos ou serviços. Melhor dizendo, o consumidor pessoa física é aquele que retira do mercado de consumo um produto, mas não com a intenção de revenda. Com relação à pessoa jurídica o que a qualifica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio, isto é, para a satisfação de suas necessidades, sem a pretensão de repassa-los à terceiros ou utiliza-los na produção de outros bens.

A intenção estampada no CDC foi a de esclarecer que a pessoa jurídica além de fornecedora poderá também ser consumidora. Sobre o tema, bem explica o Profº. Rizzatto Nunes: “… como a norma não faz distinção, trata-se de toda e qualquer pessoa jurídica, quer seja uma microempresa, quer seja uma multinacional, pessoa jurídica civil ou comercial, associação, fundação etc”.[1]

Nessa esteira podemos concluir que a pessoa jurídica de direito público também poderá ser considerada consumidora, desde que seja destinatária final de um produto ou serviço.

É certo que as atividades econômicas aí incluído o mercado de consumo, compreendem a produção, a circulação, a distribuição e o consumo, de maneira que será considerado consumidor para fins da norma em análise, aquele consumidor (pessoa física ou jurídica) que  ao adquirir um produto ou serviço, coloca fim na cadeia de produção.       

Ainda, falando do consumidor destinatário final, será possível estender a aplicação da legislação consumerista àqueles consumidores que utilizam os produtos os serviços, mesmo que não os tenha adquirido. Assim, se João comprar um litro de leite para utilizar no café da manhã, serão considerados consumidores além de João (que adquiriu o litro de leite) como também todos os que tomarem do leite (não adquiriram, mas consumiram como destinatário final).

Nos ensinamentos de José Geraldo Brito Filomeno, “o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem no mercado de consumo que adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial” [2].

Por está razão, embora o texto da lei não defina quem é destinatário final, a doutrina de forma geral admite como muito inteligentes as expressões utilizadas pelo legislador ao disciplinar que consumidor é tanto quem adquire como quem utiliza o produto ou serviço encerrando o ciclo de produção.

Para ilustrar o que já comentamos, pensemos nos seguintes exemplos:

1. O consumidor adquire para seu uso próprio, um automóvel em uma concessionária. Temos uma peculiar relação de consumo, de um lado o consumidor (destinatário final) e de outro a Concessionária (fornecedora).

2. Uma concessionária que adquire veículos da fabricante e os revende no mercado de consumo. Nesta situação a concessionária não poderá ser entendida como consumidora, pois ela adquiriu os veículos, mas não encerrou a cadeia econômica da produção, isto é, ao revender os veículos será considerada fornecedora, eis que figura como intermediária no mercado.

O ponto controvertido na interpretação da norma ocorre quando a mesma concessionária adquire veículos, não para revendê-los no mercado, mas para utilizá-los internamente como bem de produção. Para atenuar as dúvidas, a doutrina desenvolveu as chamadas Teorias Finalista e Maximalista.

A TEORIA MINIMALISTA OU FINALISTA

Para os adeptos da teoria finalista, o conceito de consumidor está intensamente ligado à questão econômica da aquisição do produto ou serviço, sendo consumidor somente o destinatário final e econômico. Deste modo, para esta corrente se alguém adquire ou utiliza produto ou serviço para continuar a produzir, obtendo-o para revenda ou para uso profissional, não será considerado consumidor, para fins da norma, posto que não será o destinatário final.

Segundo os finalistas deve haver uma aplicação restritiva das normas do CDC a cada caso concreto, de modo que consumidor é aquela pessoa não profissional que adquire um produto ou serviço para uso próprio ou de sua família e, excepcionalmente, a pessoa jurídica, desde que sem fins lucrativos.

É nesse ponto que reside o debate, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar consumidor, inclui expressamente a pessoa jurídica como consumidora, exigindo-se tão somente que seja ela destinatária final do produto ou serviço.

Assim, como conceituar a Pessoa Jurídica que adquire, por exemplo, um aparelho de ar condicionado para instalar em seu escritório profissional e comercial? Seria ela consumidora destinatária final do produto?

Sob a ótica desta autora, me atrevo a dizer que as pessoas jurídicas podem sim ser consumidoras nos termos da lei e na qualidade de destinatárias finais de produtos ou serviços, já que não há óbice legislativo que as exclua da tutela do CDC, ficando esse debate na ceara da doutrina e da jurisprudência, mas que na minha modesta opinião estão à margem do nosso sistema jurídico, vez que foi a vontade do legislador consumerista incluir a Pessoa Jurídica como consumidora sempre que for destinatária final de um produto ou serviço.

A TEORIA MAXIMALISTA

A teoria maximalista entende que a expressão “destinatário final” deve ser interpretada de maneira ampla e extensiva para atingir o maior número de relações possível. Segundo os adeptos dessa teoria não importa se a pessoa física, jurídica ou profissional adquiriu o produto ou serviço com o fim de lucro ou tão somente para consumo próprio.

Para os maximalistas a aquisição de todo e qualquer produto ou serviço seria suficiente para enquadrar o adquirente como consumidor, não havendo que se investigar se foi para uso próprio ou para fins lucrativos, não há, portanto, a preocupação com a finalidade da aquisição.

No entender de Claudia Lima Marques: “… os maximalistas veem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não-profissional. O CDC seria um Código Geral sobre o consumo, um Código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores” [3]

Importante esclarecer que tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária dos nossos tribunais adotam a teoria finalista, mas admitem algumas exceções à restrição para atender alguns casos concretos que necessitam de proteção em razão da vulnerabilidade, inclusive, a pessoa jurídica em determinadas situações.

É o entendimento do Egrégio STJ: “… O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em beneficio próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens e serviços…” [4].

A meu ver a questão se resolve com a interpretação do CDC que mais se aproxima da teoria finalista, mas com a impressão de que o legislador não quis estabelecer um conceito taxativo de consumidor, deixando para a doutrina e para a jurisprudência também esta tarefa.

CONCLUSÕES

Em suma, a parte as demais espécies de consumidores, nosso objetivo com o presente estudo foi estudar o consumidor “destinatário final”, conforme caput do Art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, não afasto a possibilidade de estudarmos em um próximo trabalho as demais classificações de consumidores previstas em nosso ordenamento jurídico.

Cumpre comentar, outrossim, que o CDC nasceu para regular um principio constitucional disciplinado no Artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição da República, qual seja, a defesa do consumidor.

Deste modo, o legislador constituinte ao inserir a defesa do consumidor entre os Direitos e Garantias Fundamentais, impôs uma norma cogente: “O Estado promoverá a defesa do consumidor”. Trata-se de dever do Estado e uma garantia ao consumidor.

Assim, em que pese as discussões acerca de quem é o consumidor destinatário final do produto ou serviço, importante mesmo é a proteção jurídica à essa classe dispensada pelo CDC em nítido cumprimento a um dever legal do Estado imposto pela Constituição da República, assegurando o equilíbrio desse modelo de relação jurídica.

 

Referências
ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
RIZZATTO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
RIZZATTO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Notas:
[1] RIZZATTO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.88.
[2] FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 28.
[3] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 142
[4] STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0007827-9, rel. Min. Denise Arruda, j. 4-11-2008

Informações Sobre o Autor

Juliana Pullino

Advogada e Professora Universitária Mestre em Direitos Difusos e Coletivos Especialista em Direito Civil e Processo Civil


Equipe Âmbito Jurídico

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