O consumidor por equiparação e o direito de ação em face de terceiros


A elaboração do presente artigo foi estimulada após uma indagação feita recentemente a um amigo, docente de uma instituição privada de ensino superior, o qual leciona a disciplina intitulada Consumerismo. Um de seus alunos propôs a seguinte questão:


É possível que os alunos acionem judicialmente um concessionário de serviços de fornecimento de energia elétrica caso haja um “apagão” na universidade, o qual venha a prejudicar totalmente determinada atividade acadêmica que aqueles estejam realizando no momento do fato danoso? Tomou-se como exemplo a situação fática vivenciada pelo alunado, que por sucessivos dias ficou impossibilitado de assistir às aulas, em virtude de piques de luz ocorridos na universidade, vindo a prejudicar sobremaneira o normal andamento das atividades acadêmicas. 


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Diante de tal questionamento, passamos a analisar o direito de ação do consumidor em face do dano causado por um terceiro, com o qual não guarda qualquer relação de direito material.   


Inicialmente, entendemos ser salutar uma recordação sumária da natureza jurídica do direito de ação do indivíduo perante o Estado. Ada Pellegrini Grinover nos fornece o seguinte conceito:


“Caracteriza-se a ação, pois, como uma situação jurídica de que desfruta o autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público subjetivo) ou um poder”. (GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria Geral do Processo: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco. 16a ed. São Paulo: Malheiros. 2000).


 De início, a primeira conclusão a que se chega, à luz da Teoria Geral do Processo, é de que tal possibilidade então existe, não se levando em conta qualquer questão de mérito diante de tal direito.


Ultrapassada essa questão, a legislação processual civil pátria dispõe que, para propor ou contestar ação, é necessário ter interesse e legitimidade (art. 3º do CPC).


Nesse ponto, algumas indagações afetas ao direito material poderiam vir a lume, na medida em que no presente caso afirmamos mais uma vez que inexiste, aparentemente, relação de direito material entre as partes que eventualmente venham a integrar a relação jurídica processual, no caso os aluno prejudicados (que mantém contrato de prestação de serviços com a instituição de ensino) e o concessionário.  


O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) inseriu inovações de natureza processual em nosso ordenamento jurídico, em homenagem à vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor, a fim de facilitar sua defesa e o acesso à Justiça para a satisfação efetiva de seus direitos.


Após analisar o problema proposto, entrevemos, todavia, não estarmos diante do consumidor padrão (Standard), assim definido no caput do art. 2º do CDC, mas do consumidor por equiparação (bystander), cuja definição se encontra no parágrafo único do dispositivo retro, que diz:


“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.


Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”


Passemos, então, a analisar a posição do consumidor perante o fornecedor com o qual guarda a relação de direito material, ou seja, a instituição de ensino à qual está vinculado por força de um contrato de prestação de serviços educacionais.


O CDC consagrou o instituto da responsabilidade objetiva do fornecedor, significando que este responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados ao consumidor, sendo verdadeiro corolário da Teoria do Risco do Empreendimento, tendo em vista os riscos aos quais os fornecedores estão sujeitos na cadeia de produção e no fornecimento de serviços. Assim, basta ao consumidor provar o dano e o nexo causal para que nasça o direito a reparação civil por ato ilícito. 


Visto que tratamos, aqui, de um prestador de serviços, não seria, então, o caso de o consumidor acionar o fornecedor com quem mantém o vínculo contratual, uma vez que, em princípio seriam as partes legítimas a compor os pólos ativo e passivo da lide? A resposta se encontra na dicção do art. 14, § 3º, II do CDC, in verbis:


“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.


§ 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:


II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”


A regra contida no artigo sob comento corrobora a idéia supra. Todavia, a resposta que procuramos se encontra na exceção transcrita no § 3º, II, uma vez que quem causou o dano foi a empresa fornecedora de energia elétrica, e não a universidade.


É de bom alvitre frisar que, no caso em tela, o fornecedor (instituição de ensino) também foi vitimado pelo evento danoso, não concorrendo sequer culposamente para que o mesmo ocorresse, estando, assim, amparado pela regra supra transcrita, a fim de se desincumbir de qualquer responsabilidade pelos danos causados.   


Vejamos agora a regra contida no art. 17 do CDC:


“Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se a consumidores todas as vítimas do evento.”


Abstraindo-nos de qualquer discussão sobre a relação existente entre as duas pessoas jurídicas envolvidas no problema proposto, isto é, se é relação de consumo ou não, patente está, lado outro, que tal relação existe entre o alunado prejudicado e a empresa de fornecimento de energia elétrica, à luz do artigo acima exposado. 


Posto isto, comprovada a culpa exclusiva da empresa fornecedora de energia elétrica, presentes a legitimidade e o interesse de agir dos consumidores diante do dano sofrido, concluindo-se no sentido da plena possibilidade do exercício do direito de ação daqueles em face de um terceiro, com o qual não mantenha relação estrita de direito material como requisito exigido pela legislação processual brasileira para que a relação jurídica processual se aperfeiçoe. Isto porque o Código de Proteção e Defesa do Consumidor constitui-se como disciplina jurídica autônoma, uma vez que encerra em si um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe conferem identidade própria, elementos necessários ao efetivo cumprimento de seu desiderato.



Informações Sobre o Autor

Vitor Vilela Guglinski


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Equipe Âmbito Jurídico

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