Resumo: Pretende-se com o presente artigo apresentar ponderações a respeito do papel do Judiciário diante da necessidade de efetivação de políticas públicas, e da necessidade da efetivação dos direitos sociais. Tendo como premissa inicial a Teoria do Diálogo das Fontes, idealizada pelo jurista alemão Erik Jaime[1], apresenta-se a ideia de “Ativismo Judicial” e de “Judicialização dos Direitos” como espécies do gênero “Controle Judicial”, defendida pela corrente constitucional moderna, com o intuito de averiguar qual a importância da interpretação e da aplicação das normas constitucionais, no processo civil contemporâneo, imprescindíveis para a busca da efetiva prestação da tutela jurisdicional. Para tanto, verifica-se a necessidade de analisar os conceitos e a evolução histórica do ativismo judicial, com a diferenciação de judicialização de direitos, em todas as suas vertentes, aptas a demonstrar uma nova postura do magistrado, verificando a manutenção da sua imparcialidade no exercício dos poderes processuais. Procura-se, ainda, verificar a influência do ativismo diretamente sobre o comportamento do juiz no chamado “processo civil constitucional”, sobretudo na busca da efetivação do “direito às políticas públicas”, não apenas atuando como um mero espectador do embate dialético entre os colitigantes, mas sim como participante ativo da condução do processo. Ainda, atento à ideia, buscou-se assegurar a aplicação mais adequada dos princípios da igualdade das partes e da composição justa da lide, adequando-se às pretensões que a sociedade tem no efetivo papel do Magistrado.
Palavras-chaves: Constitucional – Ativismo Judicial – Processo Civil – Judicialização – Direitos Sociais – Juiz.
Abstract: The purpose of the present article presents considerations about the Judiciary's role concerning the need for effective implementation of public policies, on the necessity of realization of social rights. With the initial premise of the sources Dialogue Theory, created by the German Erik Jaime, presents the idea of "Judicial Activism", advocated by modern constitutional power in order to ascertain how important the interpretation and application of constitutional norms , essential to the pursuit of effective adjudication. Therefore, there is the need to analyze the concepts and the historical evolution of Judicial Rights, with differentiation of Judicialization Activism, in all its aspects, able to demonstrate a new attitude of the magistrate, checking the maintenance of impartiality in the exercise of enforcement powers. Also neediness to verify the influence of activism directly on the judge's behavior in so-called "constitutional process", especially in the pursuit of realization of the "right to public policies" not only as a mere spectator of dialectical clash between litigants, but as an active participant process conduction. Still, aware of the idea, we tried to ensure the most appropriate application of the principles of equality of the parties and fair composition of the dispute, adapting to the claims that society has the effective role of the Magistrate.
Keywords: Constitutional – Judicial Activism – Civil Procedure – Knowledge Process –Judicialization – Social Rights – Judge.
Sumário: Resumo. Abstract. 1. Introdução; 2. O Direito Constitucional Contemporâneo e a Jurisdição Constitucional; 3. Judicialização e Ativismo Judicial: Distinção; 4. Conceito e Breve Evolução Histórica do Ativismo Judicial; 5. Reflexos na Atuação dos Magistrados; 6. Conclusão.
1. Introdução
CANDIDO RANGEL DINAMARCO utiliza a expressão “Juiz Pilatos” para expressar o repúdio ao Magistrado inerte, que só observa e não interfere no processo, tão somente atribuindo a má prestação jurisdicional às partes litigantes, “lavando as suas mãos”, escondendo-se na ideia da busca pela verdade formal e de uma efetividade apenas aparente[2].
Leciona o ilustre doutrinador que “o juiz moderno tem o dever de participar da formação do material sobre o que apoiará afinal a sua livre convicção”[3], da mesma forma que “o processo civil moderno repudia a ideia do juiz Pilatos, que, em face da instrução processual mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falha aos litigantes”[4].
Certamente, o Juiz é a figura central do Processo Civil, no sentido de que a sua atividade é capaz de produzir resultados diretos nas vidas dos jurisdicionados. Nesse sentido, em razão da visão cada vez mais publicista do processo, cabe ao magistrado corrigir e superar determinados obstáculos à efetiva prestação jurisdicional, fazendo uso dos poderes a ele atribuídos pela lei processual.
Nas palavras de SIDNEI AGOSTINHO BENETI: “O Juiz, nesse sentido especial, é, também, um ‘político’, porque participa da direção comportamental da sociedade”[5].
Assenta-se que a atividade jurisdicional é exercida por meio dos agentes que compõe o Estado-Juiz, substituindo à vontade das partes para solucionar os conflitos. O Juiz, personificando o poder do Estado e ciente de seus poderes-deveres, tem a necessidade de promover efetivamente a pacificação social, deixando de lado quaisquer ambições de cunho pessoal, de seus próprios valores como homem, para atuar de acordo com a vontade da lei.
Nesse sentido, ensina o renomado jurista uruguaio EDUARDO JUAN COUTURE:
“El problema del juez consiste em eligir um hombre a quién há de asignarse la misión casi divina de juzgar a sus semejantes, sin poder abdicar de sus pasiones, de sus dolores y de sus impulsos de hombre. Ser al mismo tempo juez y hombre constituye um dilema dramático; como decía finamente el canciller D´Auguesseau, lo prodigioso del juez es que lo puede todo para la justicia y no puede nada para sí mismo”[6].
O processo é, pois, o instrumento ou mecanismo pelo qual o Estado exerce o poder jurisdicional e, como todo instrumento, deverá ser efetivo quando atingir a sua finalidade primordial.
Não procuramos com o presente trabalho determinar ou estabelecer regras sobre o tema em questão, mas sim tão somente apresentar especulações e levantar ideias sobre a função do magistrado na relação jurídica processual, almejando a busca pela verdade real e a concretização das finalidades almejadas pelo nosso sistema processual.
Nestes termos, abandonando a visão clássica e tradicional de aplicação e interpretação das normas constitucionais, a doutrina contemporânea apresentou o conceito de Ativismo Judicial, como forma indispensável de evolução do Direito e da própria técnica de interpretação legislativa.
A partir desse princípio, analisa-se a efetiva participação dos Julgadores na vida dos jurisdicionados, tendo os processos judiciais como instrumento de exteriorização e de cumprimento efetivo do princípio constitucional de “Acesso à Justiça”.
É imperioso reconhecer que modernamente o magistrado (julgador) vem ganhando uma posição mais ativa na atuação jurisdicional, abandonando sua antiga postura de “mero espectador” do embate dialético entre as partes, se ocupando do processo como interessado participativo, não no benefício individual, mas sim buscando os escopos ao qual se vale o processo: a pacificação social e a manutenção da ordem jurídica.
Em vários ramos do direito é possível verificar a presença do Ativismo como forma de interpretação e aplicação das chamadas “intenções legislativas”. Nesse mesmo sentido, a Judicialização dos direitos emerge não apenas como uma forma de propiciar uma maior participação do magistrado na efetivação das políticas públicas, mas também de complementar e interpretar o próprio sentido buscado pela norma.
Por vezes, no nosso sistema Judiciário, o Supremo Tribunal Federal tem sido provocado a se pronunciar sobre matérias que, formalmente, competiam ao Poder Legislativo se manifestar, no entanto, em razão de sua omissão, assim não o fez.
Se o Código Civil de 2002 inovou ao adotar um sistema de cláusulas abertas e concedeu subsídios aos juízes para aplicarem princípios como o da boa fé objetiva, ou da função social do contrato e da propriedade, a Constituição Federal de 1988 fez o mesmo no que se refere às políticas públicas, ao incluir em seu texto princípios como o da dignidade da pessoa humana e o da justiça social, constituindo núcleos axiológicos para a tutela jurídica.
O resultado prático dessa integração é uma série de decisões judiciais garantindo direitos individuais que acabam, na prática, por interferir diretamente no ramo das políticas públicas.
Por fim, o que se procura demonstrar com o presente trabalho é a discussão sobre os mecanismos processuais de que se vale o Juiz para que o processo traga “resultados práticos e efetivos” ao jurisdicionados, principalmente para a concreta, justa e tempestiva distribuição de Justiça, possibilitando a maior tutela possível ou adequada aos direitos inerentes aos seres humanos.
2. O Direito Constitucional Contemporâneo e a Jurisdição Constitucional
A jurisdição constitucional, nas palavras de HANS KELSEN, significa “a garantia jurisdicional da Constituição”, emergindo como um “elemento do sistema de medidas técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais”. Em outras palavras, é a outorga de poderes a um órgão jurisdicional para verificar a conformação das leis e demais atos ao texto constitucional.
Nesse sentido, o chamado “neoconstitucionalismo” pode ser concebido como um conjunto de teorias e princípios que pretendem descrever o processo de constitucionalização de sistemas jurídicos contemporâneos, denominado como o “fenômeno da invasão da Constituição”.
Isto porque, afirma-se atualmente a existência de um modelo axiológico de Constituição, no qual se exprime uma constitucionalização de direitos, abandonando a visão dicotômica entre direito público e privado, passando a analisar todas as matérias a partir de um filtro constitucional.
Segundo posições filosóficas e ecléticas, as principais bases teóricas do constitucionalismo moderno ou contemporâneo podem ser sintetizadas na importância concedida aos princípios e valores componentes dos sistemas jurídicos constitucionalizados; a ponderação como técnica de interpretação ou de resolução de conflitos entre princípios, valores e bens constitucionais; a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo ordenamento jurídico, em suas relações públicas e privadas; e o protagonismo dos magistrados, em relação ao legislador, na função de interpretar e aplicar as normas constitucionais[7].
Nas palavras de ROBERT ALEXY, pode-se traçar o seguinte perfil do constitucionalismo contemporâneo: “mais princípios do que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que lei; mais juiz que legislador”[8].
O efeito dessas ideias pode ser constatado, no nosso ordenamento jurídico, em outros ramos do direito como, por exemplo, no Direito Civil, em que o sistema de cláusulas gerais adotado pelo Código Civil de 2002 constitui uma “porta de entrada” para os valores e princípios constitucionais nas relações particulares, regidas pela autonomia privada. No Direito Processual Civil, de igual maneira, o intérprete e aplicador das leis também, por vezes, é chamado a empregar dessa técnica de ponderação, no intuito de analisar minuciosamente o real alcance das normas e sua influência no processo.
Para o ilustre doutrinador e constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“No Estado constitucional de direito, a Constituição passa a valer como norma jurídica. A partir daí, ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado. Nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal entendida a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte na interpretação final e vinculante das normas constitucionais”[9].
Ao assumir tal entendimento, a Constituição passa a ser vista como um documento normativo, centro do ordenamento jurídico, cuja supremacia não passa a ser unicamente formal, mas material e axiológica. Da mesma forma que os tribunais e os juízes passam a desempenhar papel de protagonismo na concretização da Constituição, dos direitos fundamentais e das políticas públicas previstos em seu texto.
Segundo PAULO BONAVIDES, “o método silogístico, dedutivo, arrimado à subsunção, cede lugar ao método axiológico e indutivo que, com base nos princípios e nos valores, funda a jurisdição constitucional contemporânea, volvida mais para a compreensão do que para a razão lógica, de sentido formal, na aplicação da lei”[10].
O ilustre ministro Luís Roberto Barroso afirma que as especificidades das normas constitucionais levaram a doutrina e a jurisprudência a desenvolver um sistema próprio de princípios (de natureza instrumental e não material) ou pressupostos lógicos, metodológicos ou finalísticos, aplicáveis à normas constitucionais. São eles, na ordem que se afigura mais adequada: o da supremacia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade[11].
Em suma, a adoção desse sistema constitucional permite a positivação de normas fundamentais, caracterizadas por seu denso conteúdo de valor normativo, de caráter material ou axiológico, tendente a influenciar toda a atividade pública e privada, sobretudo, e mais precisamente, de transformar o ordenamento jurídico.
3. Judicialização e Ativismo Judicial: Distinção
Entende-se por “Judicialização” a resolução de conflitos de ordem política, moral, científica e social realizada pelo Poder Judiciário, em face dos Poderes Executivo e Legislativo, tendo em vista, geralmente, a omissão destes.
Pela doutrina, esta omissão é denominada como “síndrome da ineficácia (ou inefetividade) das normas constitucionais”[12], tendo em vista que determinados dispositivos constitucionais originam de uma obrigação legislativa e necessitam de regulamentação pelo legislador originário.
O Judiciário muitas vezes, visando garantir o gozo dos direitos previstos nos dispositivos constitucionais, que, em tese, só poderiam ser exercidos com criação de uma norma infraconstitucional pelo legislador, é obrigado a exceder sua competência, fato que caracteriza a judicialização.
Nesse sentido, citam-se os apontamentos de CASTRO:
“A judicialização da política ocorre porque os Tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo mostram-se falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos’”[13].
Por seu turno, CITADINO afirma que a judicialização é um meio de se concretizar a Constituição, pois representa um “alargamento do seu círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito”[14].
Assim, percebe-se que a preocupação maior é com o bem estar social, garantindo aos cidadãos, mesmo diante da falta de regulamentação ou de omissão, o exercício de seus direitos.
O jurista e Professor LUÍS FLÁVIO GOMES diz que para Arthur Schlesinger “há ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição no sentido de garantir direitos[15]”.
Para o autor, se a Constituição prevê um determinado direito e ela é interpretada no sentido de que esse direito seja garantido, não há ativismo, mas sim, judicialização do direito considerado. Continua, informando que, por seu turno, o ativismo ocorre sempre que o juiz “inventa uma norma”, ou seja, cria um direito ou inova o ordenamento jurídico. Além disso, cita o autor duas espécies de ativismo judicial: o inovador e o ativismo revelador.
É preciso distinguir essas duas espécies de ativismo judicial: o ativismo judicial inovador e o ativismo judicial revelador. No primeiro caso, o julgador cria a própria norma, ou o direito, ex novo, ainda inexistente no ordenamento. Por sua vez, o ativismo revelador surge a partir da criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, com fundamento nos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa.
Ressalta-se que neste último caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, não no sentido de criar uma norma nova, mas sim no de complementar a interpretação de um princípio ou de um valor constitucional.
A atividade do intérprete e aplicador das normas, tanto na judicialização quanto no ativismo judicial, é a de aplicar ou interpretar minuciosamente o alcance das normas constitucionais, a ponderação de princípios e a influência que eles possuem na ordem jurídica, seja pela omissão dos Poderes Públicos na sua atuação, seja pela existência de lacunas nas próprias normas constitucionais ou infraconstitucionais.
4. Conceito e Breve Evolução Histórica do Ativismo Judicial
A ideia de Ativismo conduz com a contextualidade do Direito Contemporâneo, pertinente à atividade jurídica e à ação judiciária. Da mesma forma, está intimamente ligada à atuação de um Poder (Judiciário); à função do “jus dicere”; ao processo e à própria organização Judiciária e Tripartição dos Poderes.
O Ativismo representa uma atitude proativa de interpretação da própria Constituição, explanando seu sentido e sua extensão. O conceito apresentado, antes de ser uma ideologia, representa uma atuação jurisdicional diante de situações em que ocorre o encolhimento do Poder Legislativo, ou seja, onde exista uma inadequação entre a esfera política e a sociedade, impossibilitando a prestação jurisdicional de maneira efetiva.
A doutrina moderna tem conceituado o ativismo judicial como sendo uma postura a ser adotada pela Suprema Corte, que a leve ao reconhecimento de sua atividade como elemento fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional.
O vocábulo “Ativismo” pode ser empregado com mais de uma acepção. No âmbito da ciência do Direito, ele é utilizado para designar a atuação do Poder Judiciário excedendo-se aos poderes que lhe são conferidos pela ordem jurídica.
A corrente filosófica considera o ativismo como sendo uma doutrina específica que privilegia condutas que buscam, de modo legítimo, realizar transformações na “realidade em detrimento da atividade exclusivamente especulativa, frequentemente subordinando sua concepção de verdade e de valor ao sucesso ou pelo menos à possibilidade de êxito na ação”[16].
A controvérsia existente na doutrina, a respeito da origem do termo Ativismo Judicial, surge referente a dois aspectos: a sua origem e sua definição.
O eminente jurista e Ministro do Supremo Tribunal Federal LUÍS ROBERTO BARROSO afirma que o Ativismo Judicial despontou com um matiz conservador, citando como exemplo a Suprema Corte Americana que utilizou o ativismo para a manutenção da segregação racial: “Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial”[17].
Para o nobre doutrinador, o Ativismo Judicial é uma atitude, uma escolha do Magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais, expandindo seu sentido e alcance, e normalmente está associado a uma retração do Poder Legislativo:
“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público”[18].
Historicamente, o vocábulo “Ativismo” foi empregado pela primeira vez em 1917, pela imprensa belga. Contudo, em 1947, o jornalista Arthur Schlesinger, numa interessante reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos, mencionou o ativismo judicial para caracterizar atuação do juiz que interpreta a Constituição no sentido de garantir direitos que ela já prevê[19].
Somente no início dos anos de 1970, ainda nos Estados Unidos, é que a sua postura foi efetivamente consagrada pela Suprema Corte, que passou a proferir decisões concretas, com efeitos mais abrangentes do que aqueles unicamente previstos pela lei ou pela Constituição.
Na corrente jurídica norte-americana, o doutrinador e historiador Vincent Blasi (Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de Colúmbia, Nova York), em seu artigo intitulado “A Corte Suprema, instrumento de mudança”[20], afirma que o Direito Constitucional Americano vem analisando o ativismo judicial desde os primeiros momentos do século XX, sem deixar de acompanhar a sua aplicação em algumas decisões judiciais.
Notadamente, no direito norte-americano a aplicação do ativismo na interpretação e aplicação das normas constitucionais pode ser verificada em algumas decisões históricas, a exemplificar pela sentença prolatada no emblemático caso de Watergate, no qual a Suprema Corte obrigou e determinou a Richard Nixon que entregasse as fitas gravadas no gabinete presidencial; ainda, no caso “Brown vs. Bord of Education”, considerado um dos maiores exemplos de aplicação do ativismo, julgado no ano de 1954, quando a Corte Suprema decidiu pôr fim à doutrina apregoada pelos Estados Sulistas de segregação racial, estabelecida desde o ano de 1896. Por intermédio da referida decisão, a Suprema Corte Norte-americana deliberou a respeito da possibilidade de filhos de negros estudarem nas escolas públicas destinadas, até então, exclusivamente aos brancos.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal admite a interpretação e a aplicação do ativismo judicial no direito constitucional pátrio, principalmente demonstrando a influência da doutrina para o aperfeiçoamento da entrega da prestação jurisdicional.
Os principais casos de ativismo na Corte Suprema Brasileira estão estampados em alguns julgamentos emblemáticos, como no reconhecimento da fidelidade partidária; na determinação da extensão aos servidores públicos federais da lei reguladora de greve por parte dos empregados celetistas; e na resolução de limites estabelecidos para as atividades das Comissões Parlamentares de Inquérito, evitando, assim, eventuais abusos e arbitrariedades que pudessem ser praticados.
Outro caso emblemático de atuação ativa do Supremo Tribunal Federal está representado no julgamento do direito de creche e pré-escola às crianças até seis anos de idade, direito este assegurado pelo próprio texto constitucional (artigo 208, inciso IV), decorrente da compreensão global do direito à educação como um dever jurídico, cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao Município (RE/AgR 410715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21/11/2005).
Ainda, a vedação do nepotismo nas três esferas de Poderes, Federais, Estaduais, Municipais e Distritais também se apresenta como exemplo da aplicação do ativismo pelo Supremo Tribunal Federal, estampada no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 12, com relatoria do eminente Ministro Carlos Ayres Britto e no julgamento do Recurso Extraordinário nº 579.951, do ilustre Ministro Ricardo Lewandowsky.
Importante ressaltar que na referida Ação Direta de Constitucionalidade, o STF consolidou o entendimento por meio da edição da Súmula Vinculante nº 13, que não derivou diretamente de controvérsia jurídica relativa à norma constitucional expressamente prevista, mas sim de discussão relacionada à constitucionalidade de atos jurídicos emanados pelo Poder Público.
Não obstante a existência de Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público acerca do assunto, que, ressalta-se, não possuem caráter “erga omnes”, o Supremo Tribunal Federal inovou ao invocar para si a regulamentação de competência de matéria distinta daquelas hipóteses configuradoras do artigo 103-A da Constituição Federal, previstas para edição da Súmula Vinculante.
Contudo, ressalvada posições contrárias sobre o assunto, a atuação do Supremo Tribunal Federal inequivocamente se adapta à nova ordem constitucional e aos anseios sociais, impedindo a propagação da corrupção no poder público por meio do nepotismo, obstáculo lógico à democracia e à consolidação do Estado de Direito.
Em Instâncias inferiores, talvez o mais contundente caso em número de decisões judiciais são as ações que pedem o fornecimento de medicamentos de alto custo que não estão na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), muitas vezes concedidas liminarmente pelos magistrados de primeiro grau.
O número de decisões sempre se apresentou de maneira relativamente considerável perante o Poder Judiciário, tanto que o Supremo Tribunal Federal deu à causa status de repercussão geral, acarretando, inclusive, na realização de audiência pública no ano de 2.009, a terceira apenas na história da Corte, para debater o tema antes de proferir a decisão de mérito (Recurso Extraordinário nº 657.718 e Suspensão de Segurança – SS nº 3.691, publicado no DJE, em 28/04/09)[21].
Posteriormente à realização da Audiência Pública, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em 19 de maio de 2009, reafirmou a jurisprudência da própria Corte em decisão proferida no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 553.712/RS:
“Ademais, o aresto impugnado encontra-se em harmonia com a orientação da Corte que, ao julgar o RE 271.286-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, entendeu que o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Salientou-se no referido julgado, que a regra contida no art. 196 da Constituição tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro”[22].
Na decisão emanada pela Presidência do Supremo Tribunal Federal, na Suspensão de Tutela Antecipada – STA nº 175, e que retrata o posicionamento atual daquela Excelsa Corte, o argumento da “Reserva do Possível” foi superado diante da impostergável necessidade de serem efetivados os direitos à saúde e à vida dos cidadãos.
Decidiu-se pela impossibilidade de restrição do direito à saúde e à vida, sem que o Estado demonstre a insuficiência de recursos destinados para a área da saúde, ressaltando que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos Excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis[23].
Ao deferir certa prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o cumprimento de direito constitucionalmente previsto.
Assim, o Supremo Tribunal Federal, atuando como “guardião da Constituição”, tem o dever de ser provocado para manifestar-se quando estiverem em riscos direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Conforme especifica o advogado e professor ARNOLDO WALD “qualquer política pública prevista na Constituição Federal e que serve para todo o país tem que ser julgada somente pelo Supremo”[24].
De fato, logicamente a Constituição Brasileira não contempla todas as possibilidades existentes e possíveis de políticas públicas, que também se modificam conforme a época e as necessidades da sociedade. O Ativismo Judicial, portanto, se apresenta apenas como uma possibilidade de preenchimento das lacunas apresentadas pela própria lei.
Anota-se, pois, que o Ativismo busca realçar a imposição da vontade explícita e implícita emanada pela norma positivada, interpretada com base nos postulados e princípios a que a ela estão subordinados, dentro do próprio ordenamento jurídico posto pelo Estado.
O ativismo judicial conduz o julgador a atribuir um processo de racionalização do direito quando está em jogo valores componente da dignidade humana e da cidadania. Quando empregado com ponderação e afastado de qualquer influência ideológica, adequa-se aos parâmetros estabelecidos para o constitucionalismo da era atual, que se caracteriza por defender a aplicação imediata dos postulados e princípios que informam a Constituição, concretizando a sua vontade[25].
Portanto, o ativismo judicial contribui, consequentemente, para impor a força normativa da Constituição, especialmente, no que concerne à aplicação das políticas públicas, quando estiver em risco a proteção da dignidade humana, da cidadania e de outros considerados valores fundamentais.
Assim, pela influência da doutrina constitucional contemporânea, os métodos tradicionais de interpretação e aplicação das normas de direito, quer constitucionais, quer infraconstitucionais, não mais atendem aos anseios da sociedade moderna. Busca-se, portanto, tornar efetivo e eficaz os princípios fundamentais que lhe são assegurados, especialmente os da dignidade da pessoa humana, da razoável duração do processo, da valorização social do trabalho, da igualdade, de proteção à saúde, da liberdade, entre outros.
5. Reflexos na Atuação dos Magistrados
O Ativismo Judicial, sobretudo pelos posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal, atua diretamente sobre o comportamento do juiz no chamado “processo constitucional”, em busca da efetivação judicial de um “direito às políticas públicas”, menos submisso às leis ou às doutrinas estabelecidas e às convenções conceituais.
Sua atividade não importa numa simples aplicação da norma, que a deixe de maneira inalterável no processo. Ao contrário, consiste numa atitude tomada de consciência no presente, para as diretrizes de decisões futuras.
Ao permitir que o juiz participe ativamente da condução do processo, nosso ordenamento visou assegurar o direito a um julgamento justo, capaz de atender aos anseios sociais e garantir a almejada pacificação social. Ainda, atento à ideia, buscou-se assegurar a aplicação mais adequada dos princípios da igualdade das partes e da composição justa da lide, adequando-se às pretensões que a sociedade tem no efetivo papel do Magistrado.
O doutrinador e renomado jurista J. J. Careira Alvim, enfocando o ativismo judicial no campo do Direito Processual, explica:
“O ativismo judicial, de um lado, põe em realce a instrumentalidade do processo, possibilitando ao juiz chegar à verdade real em vez de contentar com verdade apenas formal, e, de outro, exorciza alguns mitos processuais judiciais como a neutralidade do juiz e o ‘quod non est in actis non est in mundo’. O ativismo judicial traduz também a posição do juiz no processo, tendente a suprir desigualdade processual das partes, decorrente de omissões processuais de seus patronos, com o objetivo de concretizar o principio da igualdade material das armas”[26].
O juiz assume alguns compromissos com o ativismo judicial, principalmente no direito constitucional contemporâneo e nos demais ramos do “Direito Processual Constitucional”, no sentido de adotar uma postura interpretativa de lei, de qualquer natureza, que tenha os valores presentes na vida do cidadão como sendo o centro a ser atendido pelos seus efeitos concretos.
Portanto, o que as novas ideias e posicionamentos acerca da “Judicialização” e do “Ativismo Judicial” proporcionam é justamente estreitar a relação entre juiz e sociedade, possibilitando a busca por medidas eficazes, aptas a aprimorar todos os demais ramos do direito e, principalmente, garantindo a efetivação da desejada pacificação social.
6. Conclusão.
Pelo presente trabalho, procura-se apresentar que o processo possui um papel extremamente importante relativamente ao Estado Democrático de Direito, na medida em que funciona como instrumento apto a atingir a almejada paz social, principalmente pelo Estado enquanto Poder Público.
O processo e as decisões que dele resultam procuram cessar com as lacunas, com as omissões, bem como com a deficiência de linguagem presentes nas normas jurídicas, interpretando o Processo Civil Contemporâneo, à luz da Constituição Federal, tendo o processo e o poder desempenhado pelo juiz enquanto julgador a função de interagirem entre si, possibilitando uma integração ou modificação da norma infraconstitucional, na medida de motivar pressões no legislador para transformar as normas e os textos positivados, assumindo um elo entre Estado e sociedade, ainda que de tais interpretações resultem em fontes normativas e de constituição de direitos.
O objetivo maior que se procura atingir pelo Estado Democrático de Direito é a garantia de liberdades e direitos individuais, para desta forma alcançar por meio do Acesso à Justiça e do respeito aos fundamentos e aos princípios constitucionais, a solução rápida do litígio e dos conflitos sociais.
A própria Constituição Federal de 1988, estabeleceu, dentre outros, o fundamento da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio do Devido Processo Legal que asseguram aos jurisdicionados o direito a um processo “justo”, célere, igualitário, efetivo e com garantia de ordem e paz social, cumprindo, assim, o Estado a finalidade para a qual foi criado.
Considerar o processo como instrumento do Estado Democrático de Direito, subentende-se que ele atinge os escopos sociais, políticos e jurídicos, objetivando uma prestação efetiva da tutela jurisdicional, ou seja, considerá-la como a própria garantia de acesso ao Estado, enquanto Poder Público, com a finalidade de “suprir as angústias sociais”.
Assim, o ativismo judiciário, entendido como o fenômeno de intensificação da ação do Poder Judiciário, voltado para a concretização de direitos e demandas sociais através da interpretação principiológica, se mostra uma evolução natural das democracias modernas.
Com a ideia de Ativismo Judicial, verifica-se uma manifestação de amplitude da jurisdição constitucional, na judicialização de questões sociais, morais e políticas, sem que se transformem os juízes e tribunais em instância hegemônica, comprometendo a legitimidade democrática de sua atuação, exacerbando as suas capacidades institucionais.
O que o Ativismo busca, na verdade é realçar a imposição da vontade explícita e implícita pela norma positivada, interpretada com base nos postulados e princípios a que a ela está subordinada, dentro do próprio ordenamento jurídico posto pelo Estado. Busca-se tornar efetivo e eficaz os princípios fundamentais que lhe são assegurados, especialmente os da dignidade da pessoa humana, da razoável duração do processo, da valorização social do trabalho, da igualdade, de proteção à saúde, da liberdade, entre outros.
Inegável que o aplicador da lei assume diversas obrigações com o ativismo judicial, principalmente no processo civil moderno, no sentido de adotar uma postura interpretativa de lei, de qualquer natureza, que tenha os valores presentes na vida do cidadão como sendo o centro a ser atendido pelos seus efeitos concretos. Portanto, o que o Ativismo propicia é estreitar a relação entre juiz e as partes processuais, possibilitando a busca por meios e provas aptas a aprimorar o melhor convencimento do Magistrado, e consequentemente, da efetivação da verdade real.
A atividade do intérprete no ativismo judicial é aplicar minuciosamente o alcance dos princípios e a influência que eles possuem na ordem jurídica, seja pela omissão dos Poderes Públicos na sua atuação, seja pela existência de lacunas nas próprias normas constitucionais ou infraconstitucionais.
A publicização do processo e a sua consequente democratização estão a exigir do juiz uma postura mais humana e ética, a fim de garantir um efetivo acesso ao Judiciário. Ao assumir poderes instrutórios mais amplos, toma o julgador a iniciativa de agir onde a lei apenas faculta a atuação e assume com prudência a postura de equilibrar o processo dispositivo com o processo inquisitivo, para realizar a plenitude do comando jurisdicional que o Estado a ele delegou.
Mestrando em Função Social do Direito: Acesso à Justiça pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura – EPM/SP. Pós-graduado em Direito Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ/SP. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito “Laudo de Camargo” da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Participou e concluiu, “suma cum laude”, dos cursos “Contracts: From Trust to Promise to Contract” e “Leaders of Learning – Liderança e Planejamento em Aprendizagem”, na Harvard Law School/USA. Participou e concluiu o curso “European Union Law”, na Universidade Paris I Pantheón-Sorbonne/FR. Professor assistente da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP/SP. Membro da Comissão Permanente de Estudos de Processo Constitucional do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Autor de livros e artigos jurídicos
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