Resumo: É fato que a célula familiar, em suas múltiplas manifestações de contemporâneos arranjos, se apresenta, especialmente em razão do substancial relevo concedido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dotada de substancial relevo, constituindo a base da sociedade. Ora, em decorrência disso, mister se faz anotar que a família é carecedora de uma especial atenção, notadamente em decorrência do sucedâneo de conflitos e consequências advindos do término do vínculo afetivo entre os cônjuges/companheiros, configurando um fenômeno de dissociação familiar. Desta feita, tendo em vista o amplo número de conflitos originados no seio da célula familiar, impende destacar o papel substancial desempenhado pelos meios alternativos e complementares, dentre os quais a mediação familiar recebe fundamental enfoque, para a resolução, principalmente devido à ineficiência do Poder Judiciário, muitas vezes, em resolver as situações concretas colocadas sob o seu apreço. Neste passo, o presente se debruça em desenvolver uma análise acerca da contribuição que a mediação familiar apresenta na resolução dos conflitos decorrentes do término das relações afetivas, substancializando mecanismo importante na preservação da prole do desgaste existente.
Palavras-chaves: Mediação Familiar. Cultura de Paz. Empoderamento do Indivíduo. Dignidade da Pessoa Humana.
Sumário: 1 Cenário Fático do Desenvolvimento da Mediação Familiar; 2 O Corolário da Dignidade da Pessoa Humana no Ordenamento Brasileiro e a Mediação Familiar: O Empoderamento do Indivíduo na Formação da Cultura de Paz; 3 A Mediação Familiar como Instrumento de Resgate da Pessoa Humana nas Relações Familiares; 4 Considerações Finais
1 Cenário Fático do Desenvolvimento da Mediação Familiar
Contemporaneamente, é possível destacar que o divórcio e a separação, até o advento da Emenda Constitucional N° 66, de 13 de Julho de 2010[1], que promoveu a alteração no artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, se tornaram acontecimentos corriqueiros na vida ocidental. A célula familiar, enquanto instituição basilar da sociedade, foi alvo de maciças transformações associadas à industrialização, à modificação dos costumes vigentes e ao desenvolvimento do trabalho feminino, bem como o abandono do modelo clássico de família patriarcal, pautada em aspectos patrimoniais e conservadores. O novel cenário acarretou profundas e drásticas mudanças no papel do homem, que, até meados do século XX, desempenhava a função de provedor e detentor da tomada das decisões, e da mulher, subjugada a uma sociedade machista. É fato que essa alteração de papéis influenciou, de maneira determinante, no relacionamento do casal. “Esse novo contexto social suscitou mudanças concernentes à fecundidade, à queda de popularidade do casamento, ao aumento da instabilidade conjugal, à monoparentalidade e à recomposição familiar”[2]. Acerca do tema, convém trazer à colação o entendimento firmado por Gondim:
“As famílias enfrentam um processo de instabilidade, uma vez que as mudanças ainda não foram assimiladas pela sociedade de um modo geral. Os familiares ainda não conseguem administrar as diferenças que estão surgindo em meio aos novos modelos de entidade familiar. Com as transformações de papéis pré-estabecidos, os familiares precisam negociar a todo o instante suas diferenças. Na verdade, o conflito é inerente às relações familiares, uma vez que a família é dinâmica, composta por complexas relações entre os seus membros. Nesse liame, estão presentes constantemente desavenças, ou seja, no cotidiano das pessoas, as brigas familiares são uma realidade, gerando, em muitos casos a violência doméstica, vitimando principalmente, mulheres, crianças e idosos”[3].
É perceptível, deste modo, que os arranjos familiares tornaram-se mais fluídos e instáveis, não mais se observa a solidez das relações que duravam décadas; ao reverso, a dinamicidade da vida contemporânea e os problemas dela decorrentes, conjugada por uma incessante busca pela felicidade, valor este dotado, cada vez mais, de relevância na cultura ocidental, culminam com o desgaste da convivência entre os cônjuges/companheiros. Assim, diante de um novo contexto social, a mediação familiar emerge como instrumento apto a propiciar aos indivíduos uma dissolução menos traumática e contornada de maior humanidade dos vínculos afetivos, em especial devido ao fato de que as formas tradicionais adotadas para finalizar um casamento ou união estáveis não refletem a realidade dos indivíduos e de sua prole. Forçoso é reconhecer que a mediação familiar encontra-se inserta em uma orientação de sociedade que fomenta a autopromoção, a comunicação entre os seus indivíduos e o desenvolvimento da responsabilidade.
Ao lado disso, a mediação busca a estruturação de uma mudança cultural, especialmente no que se refere ao poder dos indivíduos de tomar às decisões que influenciam a realidade em que se encontram inseridos. Trata-se, com efeito, de privilegiar a autonomia da vontade das partes, ao invés de recorrer a um terceiro que decida por eles, sendo que o Estado-juiz é o último recurso, quando todas as vias de negociação fracassaram. Neste passo, ainda, deve-se destacar que “a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e o desenrolar do mesmo é feito com base na consensualidade, pois só assim se alcançam soluções que servem os interesses de ambas as partes”[4]. Ora, é verificável, neste primeiro momento, que a mediação familiar viabiliza a confluência de interesses de ambas as partes. Com efeito, é um processo de gestão de conflitos no qual um casal aceita ou mesmo solicita a intervenção confidencial de uma terceira pessoa, dotada de qualificação, para que encontre por si mesmo os fundamentos de uma avença duradoura e mutuamente aceitável, que contribuirá para a reorganização da vida pessoal e familiar. Nesta toada, cuida trazer à colação o entendimento apresenta por Fuga, em especial quando frisa:
“A mediação familiar é uma prática para restabelecer relações, quando tudo indica que a família está desmantelada por consequência da dissociação entre o homem e a mulher, tentando minorar os prejuízos para os filhos. Com a intervenção da mediação familiar, é possível compreender que a separação e o divórcio não significam a dissolução da família, mas sua reorganização. […]. Em matéria de família, só consegue avaliar bem o que ocorre quem está passando pelo sentimento, seja de amor, de ódio ou indiferença. Por isso, são as partes as únicas que podem interpretar seus afetos: nem o advogado, nem o juiz, nem o mediador podem fazê-lo. Por isso, a sociedade civil tem afrontado tanto o direito de família. O amor não pode ser interpretado por normas”[5]. (grifo nosso).
Vale frisar, também, que a mediação familiar combate à escalada de desentendimentos decorrentes do moroso e litigioso procedimento adotado no cenário jurídico vigente, não permitindo que as partes alcancem o conflito extremo, permitido pelo sistema adversarial. “A ideologia ganhador-perdedor vigente no sistema tradicional judiciário é substituída por uma nova abordagem baseada na cooperação entre as partes envolvidas e não na competição”[6]. A mediação familiar se apresenta como forma inovadora de abordagem jurídica e também como alternativa ao sistema tradicional judiciário adotado para tratar os conflitos, nos quais se valoram a cooperação e a disponibilidade em promover a solução destacam-se como elementos imprescindíveis para a realização de um acordo. O sistema jurídico apresenta como robusto aspecto a confrontação entre as partes em litígios, despertando, corriqueiramente, conflitos inúteis, alongar as batalhar e enfraquecer o relacionamento após a desestruturação do arranjo familiar.
Deve-se, ainda, destacar que a lentidão administrativa, os custos do julgamento concernente ao exercício da autoridade parental e da pensão alimentícia, bem como o desrespeito desses julgamentos contribuem para o agravamento da finalização dos laços familiares. Não se pode olvidar que o sistema adversarial contribui cada vez menos para minorar a dor e o sofrimento experimentados durante a ruptura conjugal, entravando a possibilidade da construção de um acordo amigável. No sistema vigente, pautado na conflituosidade que caracteriza os procedimentos judiciais, os litigantes são obrigados, corriqueiramente, obrigados a apresentar motivos justificadores para a dissolução do vínculo existentes, os quais são distintos dos verdadeiros, o que tão somente acentua o conflito. A mediação não trata dos motivos ensejadores da dissolução dos liames afetivos, mas sim busca solucionar os problemas decorrentes dessa ruptura, com o fito de promover a reorganização futura da célula familiar.
Neste aspecto, é possível destacar que a mediação, notadamente em caso de divórcio e de dissolução de união estável, tem assento com o intuito de preencher as lacunas do sistema judiciário clássico, em especial no que se refere às transformações familiares que ocorreram durante as décadas passadas. Assim, para atender a essas mudanças na vida familiar, sem que haja ainda maior desgaste aos integrantes da célula familiar, é necessário estruturar um procedimento que solucione os problemas sociais e afetivos associados à ruptura conjugal. “Vale salientar que a importância do uso da mediação familiar é fundamentada como mecanismo de pacificação de lides sob a visão de que o mesmo consolida o aprimoramento das soluções de conflitos familiares”[7].
2 O Corolário da Dignidade da Pessoa Humana no Ordenamento Brasileiro e a Mediação Familiar: O Empoderamento do Indivíduo na Formação da Cultura de Paz
A República Federativa do Brasil, ao estruturar a Constituição Cidadã, concedeu, expressamente, relevo ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe “dos princípios fundamentais”, sendo positivado no inciso III do artigo 1º. Com avulte, o aludido preceito passou a gozar de status de pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, toando como fundamento para todos os demais direitos. Nesta trilha, também, há que se enfatizar que o Estado é responsável pelo desenvolvimento da convivência humana em uma sociedade norteada por caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos, no qual a população reste devidamente representada, de maneira adequada, participando e influenciando de modo ativo na estruturação social e política. Ademais, é permitida a convivência de pensamentos opostos e conflitantes, sendo possível sua expressão de modo público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo resistência por parte do Ente Estatal.
Nesse alamiré, verifica-se que a principal incumbência do Estado Democrático de Direito, em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas que visem a eliminação das disparidades sociais e os desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um sistema pautado na democratização daqueles que detém o poder. Ademais, não se pode olvidar que “não é permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa humana”[8], tal ideário decorre da proeminência que torna o preceito em comento em patamar intocável e, se porventura houver conflito com outro valor constitucional, aquele há sempre que prevalecer.
Frise-se, por carecido, que a dignidade da pessoa humana, em razão da promulgação da Carta de 1988, passou a se apresentar como fundamento da República, sendo que todos os sustentáculos descansam sobre o compromisso de potencializar a dignidade da pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante, como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, se faz proeminente, sob pena de não haver razão para a existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida colocar em saliência que a Constituição de 1988 consagrou a vida humana como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de inviolabilidade.
Evidenciar se faz necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana não é visto como um direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico, mas sim um atributo inerente a todo ser humano, destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos alocados sob a epígrafe “fundamentais”, que se encontram agasalhados no artigo 5º da Constituição Cidadã. Ao se perfilhar à umbilical relação manutenida entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pode-se tanger dois aspectos basais. O primeiro se apresente como uma ação negativa, ou passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa, está atrelada ao “sentido de promover ações concretas que, além de evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a todos”[9].
Comparato alça a dignidade da pessoa humana a um valor supremo, eis que “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerando em sua dignidade substância da pessoa”[10], sendo que as especificações individuais e grupais são sempre secundárias. A própria estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do Estado, conforme as ponderações aventadas, só se justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade da pessoa humana, dispensando esforços para concretizarem tal dogma. Mister se faz pontuar que o ser humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que, preexistem à sua valoração, os descobre e passa a dispensar proteção, variando em decorrência do contexto e da evolução histórico-social e moral que condiciona o gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário em comento é a síntese substantiva que oferta sentido axiológico à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[11], determinando, conseguintemente, os parâmetros hermenêuticos de compreensão.
A densidade jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana no sistema constitucional há de ser, deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um corolário supremo no trono da hierarquia das normas. A interpretação conferida pelo corolário em comento não é para ser procedida à margem da realidade. Ao reverso, alcançar a integralidade da ambição contida no bojo da dignidade da pessoa humana é elemento da norma, de modo que interpretações corretas são incompatíveis com teorização alimentada em idealismo que não as conforme como fundamento. Atentando-se para o princípio supramencionado como estandarte, o intérprete deverá observar para o objeto de compreensão como realidade em cujo contexto a interpretação se encontra inserta. Quadra trazer à baila o magistério do Ministro Marco Aurélio, ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 46/DF, quando pontuou:
“Interpretar significa apreender o conteúdo das palavras, não de modo a ignorar o passado, mas de maneira a que este sirva para uma projeção melhor do futuro. Como objeto cultural, a compreensão do Direito se faz a partir das pré-compreensões dos intérpretes. Esse foi um dos mais importantes avanços da hermenêutica moderna: a percepção de que qualquer tentativa de distinguir o sujeito do objeto da interpretação é falsa e não corresponde à verdade. A partir da ideia do “Círculo Hermenêutico” de Hans Gadamer, evidenciou-se a função coautora do hermeneuta na medida em que este compreende, interpreta as normas de acordo com a própria realidade e as recria, em um processo que depende sobremaneira dos valores envolvidos”[12].
Ao lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para assegurar a unidade material da Constituição senão o corolário em testilha. Como bem salientou Sarlet, “um Estado que não reconheça e garanta essa Dignidade não possui Constituição”[13]. Ora, considerando os valores e ideários por ele abarcados, não se pode perder de vista que as normas, na visão garantística consagrada no Ordenamento Brasileiro, reclamam uma interpretação em conformidade com o preceito em destaque. Nesta toada, entalhadas tais lições, ao se direcionar uma interpretação para o Direito de Famílias, cuida ter uma visão pautada em valores sensíveis, em razão dos próprios sentimentos que impregnam as relações afetivas.
Trata-se de ramificação da Ciência Jurídica em que se pode contemplar a materialização dos ideários de afeto e de busca pela felicidade. Nesta esteira, ainda, infere-se que o afeto se apresenta como a verdadeira moldura que enquadra os laços familiares e as relações interpessoais, impulsionadas por sentimentos e por amor, com o intento de substancializar a felicidade, postulado albergado pelo superprincípio da pessoa humana. Ao lado disso, tal preceito encontra-se hasteada como flâmula a orientar a interpretação das normas, inspirando sua aplicação diante do caso concreto, dando corpo a um dos fundamentos em que descansa a ordem republicana e democrática, venerada pelo sistema de direito constitucional positivo.
Por oportuno, torna-se forçoso o reconhecimento que o novel ideário, no âmbito das relações familiares, com a promulgação da Constituição Federal de 1988[14], com o fito de estabelecer direito e deveres decorrentes de vínculo familiar, consolidando na existência e no reconhecimento do afeto, tal como pela busca da felicidade. Consoante se extrai do entendimento jurisprudencial coligido, os preceitos mencionados algures, decorrem do feixe principiológico advindo da dignidade da pessoa humana, sendo dotados de proeminência e maciço destaque na caminhada pela afirmação, gozo e ampliação dos direitos fundamentais. Ao lado disso, não se pode olvidar que sobreditos paradigmas se revelam como instrumentos aptos a neutralizar práticas ou mesmo omissões lesivas que comprometem os direitos e franquias individuais. Nesta senda de exposição, “o direito de família é o único ramo do direito privado cujo objeto é o afeto”[15].
Forçoso, ainda, colocar em destaque que o direito à busca da felicidade representa derivação do superprincípio da dignidade da pessoa humana, apresentando-se como um dos mais proeminentes preceitos constitucionais implícitos, cujas raízes imergem, historicamente, na própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776. Ao lado disso, em ordem social norteada pelo racionalismo, em de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana consonância com a teoria iluminista, o Estado “existe para proteger o direito do homem de ir em busca de sua mais alta aspiração, que é, essencialmente, a felicidade ou o bem-estar”[16]. O homem tem sua atuação motivada pelo interesse próprio, o qual, corriqueiramente, se materializada na busca pela felicidade, competindo à sociedade, enquanto construção social destinada a proteger cada indivíduo, viabilizando a todos viver juntos, de forma benéfica.
Impostergável se faz o reconhecimento do afeto e da busca pela felicidade, enquanto valores impregnados de juridicidade, porquanto abarcam a todos os indivíduos, suplantando qualquer distinção, promovendo a potencialização do superprincípio em destaque. Ademais, em se tratando de temas afetos ao Direito de Família, o relevo deve ser substancial, precipuamente em decorrência da estrutura das relações mantidas entre os atores processuais, já que extrapola a rigidez jurídica dos institutos consagrados no Ordenamento Pátrio, passando a se assentar em valores de índole sentimental, os quais, conquanto muitas vezes sejam renegados a segundo plano pela Ciência Jurídica, clama máxima proteção, em razão das peculiaridades existentes. O patrimônio, in casu, não é material, mas sim de ordem sentimental, o que, por si só, inviabiliza qualquer quantificação, sob pena de coisificação de seu detentor e aviltamento à própria dignidade da pessoa humana. Supera-se o aspecto essencialmente patrimonial que caracteriza as relações de cunho privado, voltando-se, doutro modo, especial atenção ao afeto e aos sentimentos, na condição de detentores de juridicidade.
3 A Mediação Familiar como Instrumento de Resgate da Pessoa Humana nas Relações Familiares
É cediço que o término dos vínculos conjugais, quer seja por meio do divórcio, quer seja por meio da dissolução de união estáveis, causa profundas marcas entre os pais e filhos, contudo, estes ressentimentos são de fácil percepção em condições em que o relacionamento foi rompido com animosidade, beligerância e acentuado estresse. Teruel, em consonância com as ponderações estruturadas, destaca que “considera-se que o conflito é inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal, contribuindo tanto para a dissolução quanto para o fortalecimento do vínculo”[17]. Com efeito, quando enfrentado da forma adequada, com maturidade e orientado por profissionais competentes, pode ajudar a fortalecer os liames familiares, principalmente se forem decorrentes de um processo natural de crescimento, algo característico da relação marital. Não é imprescindível que um conflito existente signifique o fim de uma relação, porém independente de qual fim ocorra, este deve ser concebido como uma oportunidade de amadurecimento e crescimento da relação.
“Os mediados, […], no caso de divórcio, deveriam recorrer a mediação no intuito de ser mais uma ferramenta para enfrentamento das transformações decorrentes deste novo cenário, com suas renúncias e responsabilidades próprias, afeitos às novas mudanças”[18], como bem explicita Gondim. Ora, a mediação familiar, enquanto mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos, apresenta um aspecto mais robusto no que se refere ao seu papel diante da dissolução dos vínculos conjugais. Quadra anotar que a mediação não se assenta tão somente nas causas que deram ensejo ao desgaste e esfacelamento dos vínculos afetivos entre os mediados; ao reverso, busca, por meio da conscientização, obstar a escalada do conflito familiar, saneando o sofrimento humano decorrente do embate característico do término da relação entre os cônjuges/companheiros, revolvendo o cerne da questão, com o escopo de evitar o crescimento do conflito e a intensificação de seus efeitos nos integrantes da célula familiar. Neste sentido, Oliveira evidencia que:
“A mediação vai mais longe, à procura das causas do conflito, para sanear o sofrimento humano que daí se origina ao casal e aos seus descendentes. O objetivo é evitar a escalada de conflito familiar que nem sempre se extingue com mero acordo imposto de cima para baixo. Por meio das seções de mediação, chama-se o casal à responsabilidade pelo reencontro, afim de que se preserve a convivência, senão da sociedade conjugal, de pessoas separadas que sejam conscientes dos efeitos que, inexoravelmente, advém da sociedade desfeita”[19].
É cediço, ainda, que a mediação familiar torna-se mais complexa quando há a presença de filhos, porquanto o escopo é resguardar os melhores interesses das crianças e dos adolescentes, a fim de que não sejam expostos aos efeitos danosos decorrentes do término da relação entre os genitores. “Estes conflitos em torno da criança são, na maior parte do tempo, conflitos não resolvidos pelo casal: a criança torna-se este instrumento privilegiado permitindo aos pais, que não realizem o luto da relação, permanecer juntos no conflito”[20], como bem destaca Ganância. Tal fato se dá, destaque-se, em decorrência da utilização da criança como instrumento para remediar as feridas advindas do esfacelamento das relações conjugais, sendo, por vezes, empregados como um bálsamo para cuidar do orgulho aviltado ou mesmo um projétil no conflito bélico a que os genitores se encontram inseridos. Verifica-se, de maneira corriqueira, uma busca desenfreada pela punição do outro, sendo que os filhos para a se apropriados, convertendo-se em coisas, dando azo a desvios que oscilam desde a desqualificação do outro genitor até a busca pela erradicação deste na formação da prole, conferindo concreção à síndrome da alienação parental.
Ao lado disso, os conflitos entre cônjuges/companheiros, decorrente de uma resolução insatisfatória e deficiente, em grande parte das vezes, extrapolam a esfera daqueles, passando a orbita em torno dos filhos, os quais são utilizados como munição para agravar e desgastar ainda a dissolução conjugal. “A criança e/ou adolescente passa a ser instrumento e lamento para compor os discursos de discórdia. Por vezes passa a ser a própria causa raiz da dissenção entre o casal, seja pelo tipo de criança e da lide de educar”[21], em razão de uma conjunção de múltiplos fatores, como, por exemplo, a falta de maturidade para passar pelo doloroso processo de dissolução dos vínculos conjugais, bem como o aumento da responsabilidade em prover e educar os filhos. Nazareth, a respeito da criança e/ou adolescente, no doloroso processo de dissolução dos vínculos conjugais, concede destaque que: “Ela precisa que seus pais se reconhecem mutuamente, mesmo que separados. Ela precisa de adultos que compreendam suas necessidades e que não satisfaçam suas vontades, fazendo tudo o que quer, fazendo tudo em seu nome”[22].
É imprescindível para os filhos, a partir do explicitado, que os pais mantenham uma relação pautada no respeito mútuo, não podendo, com a dissolução dos liames conjugais, afastar os sentimentos de afeto e compreensão tão necessários para o processo educacional das crianças e adolescentes. Doutro modo, não é possível utilizar o discurso de preservação dos filhos para sustentar uma união desgastada, porquanto em um relacionamento esfacelado é costumeiro haver o fortalecimento de mágoas, acusações recíprocas, angústia, além de um sucedâneo de sentimentos que apenas contribuem para o sofrimento de todos os que se encontram inseridos na célula familiar afetada. “As crianças e/ou adolescente necessitam de um ambiente saudável para o seu crescimento físico e psíquico, sendo bem administrado o divórcio, será mais saudável do que uma união infeliz e desgastada”[23]. Desta maneira, buscando estabelecer uma dissolução em que haja a preservação dos filhos dos efeitos negativos, a mediação familiar atua como instrumento que oportuniza ao casal uma reestruturação das relações parentais, de forma pacífica, por meio do confrontamento com a realidade, as angústias e os anseios de ambos, viabilizando a restauração da confiança afetada.
Um dos mecanismos enfatizados pela mediação está jungido na importância da coparentalidade, notadamente no que se refere à necessidade dos filhos de manter relação, alimentar o envolvimento, proximidade e interação com ambos os genitores. A partir deste viés, é possível destacar que a mediação possibilita uma melhoria nos liames entre o casal desfeito, o que privilegia de sobremaneira a convivência, o relacionamento dos filhos com seus pais. O escopo da mediação familiar é que os mediado resgatem o diálogo rompido, no qual é valorada a solidariedade, a boa-fé e responsabilidade entre aquele, pois se busca a preservação das relações de índole continuada, propondo uma substancial modificação no paradigma vigente. Trata-se de incentivo às partes para que possam perceber, de maneira positiva, os conflitos, assimilando-os como fatos inerentes à relação entre as partes. “Podemos dizer que a mediação familiar tem um poder de operar mudanças ou transformações, abrindo inúmeras portas e caminhos para que cada pessoa envolvida no processo de mediação”[24].
É possível, a partir desta perspectiva, que os conflitos familiares, precipuamente os que abranjam o divórcio e a dissolução dos vínculos conjugais, podem ser objeto de resolução na mediação familiar, em especial para assegurar a preservação dos integrantes da célula familiar. Por derradeiro, a mediação familiar opera nas mudanças, permitindo variados posicionamentos, nos quais as partes envolvidas nos conflitos optam pela melhor solução que seja satisfatória mutuamente. Ambiciona-se estruturar o protagonismo e a responsabilização dos mediados, sensibilizando-os da relevância da participação de cada um na tomada das decisões em prol da reorganização da família.
4 Considerações Finais
A partir das ponderações arvoradas, buscou-se conferir importância a mediação, enquanto instrumento para a solução dos conflitos familiares, alargando a ótica sobre a pacificação e a inclusão social, bem como o acesso à justiça, saliento, deste modo, o benefício trazido para a sociedade. Dessa maneira, a mediação logra êxito em pacificar a lide florescida dentro da família, sendo de uso adequado para promover a comunicação, isto é, o diálogo, consolidado sentimentos como respeito mútuo e afeto entre os mediados e os demais integrantes da célula familiar. Assim, constata-se que a mediação familiar é eficiente, porquanto resgata a humanização dos envolvidos, configurando verdadeiro pilar de pacificação social. Alcança-se, desta maneira, que há a valorização da pessoa humana diante do conflito, tornando-o dotado de capacidade para promover a resolução dos conflitos de âmbito familiar, visando a busca pela paz.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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