Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar a relação de trabalho, nas quais estavam submetidos os trabalhadores nas usinas açúcar em Cuiabá, entre 1930 a 1945, com ausência de um ordenamento jurídico que os protegesse das mãos dos coronéis, os trabalhadores ficavam entreguem a própria sorte, onde os mesmos trabalhavam em uma condição análoga a de escravidão. Com o advento da República Nova (1930-1964), e a limitação do poder dos coronéis, os trabalhadores viram despertar uma Consolidação de Lei Trabalhista, que assim os transformavam em cidadão, e paralelo a essa realidade houve uma transformação na produção de açúcar onde os engenhos foram substituídos pelas usinas, com máquinas vindas da Europa. E com as estas vieram os conceitos e as formas de lutas em busca dos direitos dos trabalhadores. [1]
Palavras chaves: Relação de trabalho; Escravidão; Coronéis; Usinas.
Abstract: The present study aims to analyze the working relationship, in which they were subjected workers in the sugar mills in Cuiabá, between 1930 to 1945, with the absence of a legal system to protect them from the hands of colonels, workers were delivering his own luck, where they worked in a condition analogous to slavery. With the advent of the New Republic (1930-1964), and the limitation of power of the colonels, workers saw Labour Law consolidation awakening, who so transformed to the citizen, and parallel to this reality there has been a transformation in sugar production where the machines were replaced by plants, with machines from Europe. And with these came the concepts and forms of struggles for workers ' rights
Sumario: A construção da Economia de Mato Grosso, entre os Séculos XVIII e XX. A Realidade dos Trabalhadores das Usinas de Açúcar. A Alvorada de Uma Nova Realidade. Consideração Final. Referências.
A construção da Economia de Mato Grosso, entre os Séculos XVIII e XX.
A história de Mato Grosso esta ligada ao trabalho obrigatório, ou segundo (MARX, 1867) “a exploração do homem pelo próprio homem”, não importando se ele era índio, negro, homem branco assalariado ou não, a história da região esta vinculada a falta de mão de obra para trabalhar nas lavouras de canas na região de São Paulo, com o descobrimento de ouro na região, para cá foram trazidos os negros africanos, na condição de escravos, com o passar do tempo à junção dessas três raças, surgiu um povo que agregou características distintas, e isso o fazia um ser ideal para suportar a dificuldade imposta pela região.
E de acordo com (VILELA DA SILVA, 2007, p 101) na década de vinte do século XVIII, foi introduzido na capitania de Mato Grosso as primeiras cabeças de gado, vindo de Curitiba, e desta forma, absolveu uma grande quantidade de mão de obra, para o trabalho na lida com os animais, os chamados vaqueiros, esses trabalhadores tinham uma relação de trabalho onde era visível a falta de relações de emprego, onde segundo (CORREA FILHO, 1969) “os vaqueiros mato-grossense usavam esporas com enormes rosetas presas aos pés descalços”, nesse período a pecuária era um dos principais elementos da economia de Mato Grosso. Na segunda metade do século XIX, iniciou-se em Mato Grosso, o desenvolvimento da indústria açucareira, onde os usineiros começaram a importas as máquinas da Europa para facilitar a produção do açúcar e água ardente, elas foram se estalando as margens do rio Cuiabá, onde as condições de trabalhos eram degradantes e análogas à condição de escravo.
E diante dessa nova realidade econômica, o responsável por gerar e participar deste processo, o trabalhador, não tinha um ordenamento que de certa forma o protegesse, dos abusos dos coronéis, pecuarista e empresários, mais mesmo em condição desigual, desenvolveu meios de resistência a essa condição.
E diante desta situação os trabalhadores começaram a se organizarem e segundo (GAETA ALEIXO, 1995, p.151) em 05 de abril de 1920, o presidente do Estado de Mato Grosso Francisco de Aquino Correa, recebeu uma carta assinada pelo senhor Feliciano Galdino de Barros, que naquele momento representava a União dos Operários de Mato Grosso, então desta forma entedia-se que há um foco de organização trabalhista.
A Realidade dos Trabalhadores das Usinas de Açúcar.
Iniciaremos o nosso trabalho analisando, o depoimento de Bento Rafael, trabalhador de uma usina de açúcar Aricá, feito a professora (Lúcia Helena Gaeta.) “Nós pobre, sem nada pra vive, calava com as mortes, trabalhava, não tinha voz naquele silencio que defendesse nós",(sic) neste depoimento percebemos a indignação do trabalhador, frente a uma realidade que não tinha a quem recorrer, ou um norte a seguir, devido falta de um ordenamento e ausência de alguns princípios como, por exemplo, o Princípio da Proteção, que visa garantir igualdade entre as partes pois sabemos que o trabalhador sempre será a parte mais fraca, e entendemos isso, quando Bento Rafael disse” não tinha voz naquele silencio que defendesse nós" desta forma (VOLIA BOMFIM, 2010. P.175), define assim o Princípio da Proteção:
“O princípio da proteção ao trabalhador tem fundamento na desigualdade, (…). No Direito do Trabalho há uma desigualdade natural, pois o capital possui toda a força do poder econômico. Desta forma, a igualdade preconizada pelo Direito do Trabalho, é tratar os desiguais de forma desigual”.
Em outro depoimento Bento Rafael nos mostra como era o dia a dia dos trabalhadores nas usinas “A usina deu trabalho, deu vida pro pobre que não tinha comida. Ai o homem virava inté bicho, só fazia gemê e chorá, pra comê tinha que inté suá sangue. Tinha coroné que ajudava a gente, arguns era mardito, ruim mandava batê e mata tudo aqueles que não queria fica na usina pra trabalha” (Lúcia Helena Gaeta. 1995 p.164)
Então percebemos que o coronel tinha o poder sobre a vida, de cada trabalhador, e o mesmo estava condenado à servidão.
De acordo com (SÉRGIO FERREIRA PANTALEÃO .2008) O empregado fica à mercê das vontades do empregador normalmente por três razões principais:
“a primeira é a inevitável servidão por dívida, ou seja, os trabalhadores, aliciados em municípios muito carentes, acabam sendo levados para trabalharem em localidades distantes”. Os míseros rendimentos dos primeiros meses de trabalho são para pagar as despesas de transporte, alimentação e vestuário, cobrados já pelo deslocamento de suas cidades até o local de trabalho; a segunda é em relação ao isolamento geográfico, em que o empregado, sem qualquer condição financeira ou de transporte, acaba se sujeitando ao trabalho forçado na esperança, em vão, de um dia poder se libertar; a terceira é a questão do confinamento armado. Os empregados, levados para estas fazendas de difícil acesso, são vigiados por guardas armados que ameaçam e até matam os trabalhadores que tentam fugir dos locais de trabalho”.
Com a caracterização de Sérgio Ferreira Pantaleão sobre o trabalho escravo e o depoimento de Bento Rafael, as evidencias nos levam a acreditar que era trabalho análogo a escravidão.
Os trabalhadores das usinas estavam envolvidos no processo de produção, que ia desde o plantio, até o embarque do produto, e havia toda uma organização logística e produtiva, em algumas usinas o uso de pinga, era fornecido pelos próprios administradores, como descreveu (RUBIN REZENDE,1939).
“Pela manhã formavam os trabalhadores em frente do capataz e era distribuída a pinga, tanto o homem como a mulheres e crianças. Logo depois se iniciava o trabalho orientado pelo administrador homem de confiança do proprietário. A qualquer arruaça do trabalhador, a qualquer palavra mal interpretada a qualquer trabalho desajeitada o responsável ia para o tronco”
O plantio acontecia de acordo com o período de chuva e nível do terreno, se a terra fosse baixa iniciava em outubro, e em janeiro e março nas terras alto, pois esse era o período chuvoso e alguns terrenos alagavam. E em certos períodos os trabalhadores chegavam a trabalhar dezoito horas por dia. As principais usinas da época foram a de São Gonçalo, da Conceição, Aricá, Flexas, Itaici, Maravilha, São Miguel, São Sebastião, Tamandaré, localizadas às margens do rio Cuiabá, e da Ressaca, às margens do rio Paraguai (1870-1930). (LENINE PÓLVOAS, 1983) nos mostra como estavam às produções em duas usinas no ano de 1923,
“Itaicy produzia 225 toneladas de açúcar e 5000 carradas de aguardente”. Mais adiante assinala que a “usina Maravilha produzia 1600 litros de álcool por dia, que desdobrados, atingiam mais 200 litros de aguardente”.
Pois devido à falta de proteção dos direitos dos trabalhadores e lembrando que ainda não existia a CLT (01/05/1943), e o cumprimento das obrigações trabalhistas ficavam a vontade dos coronéis, onde os latifúndios dos mesmos “usineiros” eram semelhantes a dos feudos, aonde eles tinham o poder político, econômico, e tinha o poder sobre a vida e morte das pessoas.
Para mudar essa estrutura não seria algo fácil, pois esse poder tem raízes profunda como nos mostra ANGELO BRIGATO ÉSTHER (1996),
“considera as relações de trabalho como uma das formas de relacionamento social e que, em função disso, expressam características da sociedade mais ampla”.
É o que KARL MARX (1859) chamou de superestrutura e infraestrutura, segundo ele:
‘‘O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual’’; todas as relações sociais e do Estado, todos os sistemas religiosos e jurídicos, todas as visões teóricas, que emergem na história, só podem, então, ser compreendidas se as condições de vida materiais da época correspondente forem compreendidas e se as primeiras forem derivadas destas condições materiais. ‘‘Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.’’
O trabalhador não tinha somente o patrão “coronel” como opressor, ele tinha toda uma superestrutura que legitimava a opressão dos donos de usinas, sobre ele, como poder religioso, judiciário, econômico, e diante desta realidade mórbida os trabalhadores vão desenvolverem várias formas de resistência.
A Alvorada de Uma Nova Realidade.
As resistências contra essa superestrutura surgiram de várias formas, e em situações diversificadas, como as fugas dos trabalhadores, o roubo ou furto de produto e ferramenta, o uso de bebidas alcoólicas, a morosidade na execução das atividades laborais, a falta de mão de obras, as sabotagens, essas e outras formas de agir, são sinais de que os trabalhadores não estavam contentes com a realidade, e desta forma, começam a creditar que se unissem poderiam mudar a realidade social e os coronéis começaram a sentir a força dessa união.
No dia 05 de abril de 1920, foi dirigido a Francisco Aquino Correa, até então presidente do Estado de Mato Grosso, uma carta da União dos Operários de Mato Grosso, assinada por Feliciano Caldino de Barros (1886-1938), o mesmo foi professor, escritor e político populista, e em 1924 fundou o Partido Trabalhista de Mato Grosso, (GAETA ALEIXO, 1995, p 115), percebemos ai a tomada de consciência da classe trabalhadora, principalmente em Cuiabá, onde surgir vários jornais, (MADUREIRA SIQUEIRA, 200.p 90,91) Themis mato-grossense (1839),Jornal Cuiabano oficial (1842), Gazeta Cuiabana (1847), Echo Cuiabano (1848), Imprensa Cuiabana (1850), A Voz da Verdade (1860), O Cuiabano (1867),O Popular (1868), A Situação (1868) esses periódicos eram responsável por trazer a Mato Grosso , as notícias sobre como as classes trabalhadoras, estavam se organizando nos principais centros, dentro e fora do país, e temos que destacar que uns eram tendenciosos e outros críticos (CORRÊIA BATISTA), já nas primeiras décadas do século XX, temos o surgimento de vários periódicos, como A LUZ (1924), O FIFÓ (1924-1925) A PEBLE (1927-1930), esses últimos, foram responsáveis por trazer ao Estado os “ecos” da greve de 1917, onde para a classe trabalhadora e críticos, foi a maior união de forças, entre os trabalhadores do brasileiro, (AUGUSTO ADDOR, 2013p 27), e nesse período as ideologias, começam a transformar o mundo nas relações de trabalho no país, e foi nesta década que surgiu com a Organização Social do Trabalho, (1919).
E de acordo com (GAETA ALEIXO, 1995.p, 266), foram formadas, outros tipos de organizações, que ajudaram na tomada de consciência por parte dos trabalhadores, (NETO DE OLIVEIRA, p,95) União dos Taifeiros (1917), Grêmio do Machenistas civis (1918), Centro Operário de Corumbá (1919), Sociedade dos pecadores de Corumbá (1923) Sociedade dos Marinheiros da Marinha Mercante (1918).
E não podemos esquecer o maior instrumento de conscientização que o homem já viu, a educação, ela teve um papel fundamental nesse processo de transformação social, mais, era uma prática que de certa forma era combatida pelos coronéis, como bem observou, (J. PERIPOLLI, 2002.p-39).
“Nesse período toda classe dominante brasileira, de modo geral que viviam no campo, sempre negaram uma educação qualificada para a classe trabalhadora”
E segundo (VERA CHAIA. 2010.p.3), com a criação do Código Eleitoral de 1932, a mulher que trabalhava fora poderia votar, e o mesmo, tornou se secreto, pondo o fim, no voto de cabresto, com a criação deste Código o coronelismo perdiam-se aos pouco o controle político, e a organização das eleições, cadastramentos dos eleitores e contagem dos votos, ficariam sobre a competência da Justiça Eleitoral.
Logo após Getúlio assumir o poder, segundo (CORRÊA, LUCIA SALSA) ele tratou de nomear interventores federais, e o primeiro interventor que para cá veio, foi o coronel Antonino Mena Gonçalves, um militar da carreira do exército, o Estado passou por sete anos de intervenção federal, e neste período vários coronéis foram presos, acusados de prática de trabalho escravo, e cárceres privados e torturas, e na região sul do Estado, os pecuaristas e a empresa Erva Mate Laranjeiras sofreram um duro golpe, onde no ano de 1943, foi criado o Decreto-Lei n° 5.941 de 28 de outubro, onde criou a colônia federal de Dourados e no mesmo ano foi criado o Decreto-Lei n° 5.812 de 13 de dezembro, onde criou o território Federal de Ponta Porã.
Diante desta nova realidade, vimos o que Karl Marx, chamou de superestrutura se desmoronar, pois o momento que o mundo estava passando, (Segunda Guerra Mundial), necessitaria de um novo olhar sobre a realidade, pois as ideologias nacionalistas, segregacionistas e imperialistas, surgiam como um inimigo bem mais poderoso que os poderes dos coronéis, e temos que ressaltar a participação honrosa dos mato-grossenses nesta guerra. E neste contexto o trabalhador brasileiro viveria uma nova realidade, onde uma economia basicamente agrária sentiria o inicio de uma industrialização e o mesmo teria que se adaptar aos novos tempos, mais agora o agente construtor da economia, já tinha um ordenamento, que de certa forma o protegia e segundo (DIEGO VIANA, 2001):
“Uma consolidação das leis trabalhistas era uma necessidade do governo Vargas, populista e dependente da aclamação popular. Nesse período foi criado o Ministério do Trabalho, e a maioria das leis trabalhistas nasceram após 1930, quando triunfou a revolução que levou Vargas ao poder. O sindicalismo crescia sob as asas do governo e foram feitas muitas leis para regulamentar o trabalho”.
E sobre a eficácia da CLT, o trabalhador de Mato Grosso, conseguiu construir com seus próprios méritos uma Relação de Emprego que o transformou em um trabalhador cidadão ou um cidadão trabalhador, e com essa mudança não foi o trabalhador que ganhou, mais o Estado, a Sociedade, a família, e somos sabedores que a luta é árdua, para fazer valer o que esta estabelecido, e por outro lado, estão tentando subtrair o que conseguimos, com políticas que atentam a dignidade do trabalhador e com isso querem nos transforma em simplesmente em trabalhadores.
Considerações final
Percebemos, que o trabalho esta inserido na história de Mato Grosso, e vimos que decorreram mais de dois séculos para que o trabalhador fosse, reconhecido como aquele que constrói a riqueza do Estado, e foi preciso tomar por base um depoimento de um trabalhador de uma usina de açúcar, para podermos analisar e interpretar a relação na qual o mesmo e centenas de trabalhadores estavam inseridos.
Contudo entendemos que a luta não pára, e cabe a cada um de nós, contribuir na construção e melhoramento das relações de emprego e minimizou as desigualdades sociais, e sabemos que não basta ter leis, faz se necessário o cumprimento da mesma, pois a finalidade da lei é o bem estar do cidadão e se não há bem estar, significa que o Estado Nação falhou e precisa ser responsabilizado, pois senão a voz de Bento Rafael se desfez com negligência da sociedade.
Acadêmico de Direito na Universidade Cuiabá
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