Resumo: O presente artigo versa sobre a ocorrência, em casos específicos, de crime de estelionato quando da revenda de veículos (ou outros bens) alienados fiduciariamente.Palavras Chave: Estelionato, Alienação fiduciária, Veículos, Fraude
Abstract: This article deals with the occurrence, in specific cases, of the crime of embezzlement when the resale of vehicles (or other assets) with liens (pledge), by fiduciary contracts.
Keywords: Crime of Embezzlement, Fiduciary contracts, Vehicles with pledge.
Sumário: I. Introdução; II. A evolução legislativa e do instituto; III. Conceituação do problema; IV. Entendimento jurisprudencial; V. Conclusão; Referências.
I. Introdução:
Com o crescimento das condições da classe média, principal compradora de bens de consumo e bens de consumo duráveis, no pós Segunda Guerra, foi necessário encontrar meios seguros juridicamente e capazes de permitir por um lado a aquisição destes bens, muitos deles novidades criadas na II Guerra, e por outro lado, o pagamento ao vendedor/fabricante. O agente financeiro, então tomava acesso da situação para intervir nesta equação de modo a garantir os valores necessários às compras. Restava estabelecer garantias a ele e meios de acesso, o mais barato possíveis, a estas linhas de crédito.
Optou-se pelo modelo da alienação fiduciária em garantia, que nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira “Este tipo de alienação transfere ao credor o domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida”.[1]
No modelo assim desenhado a confiança – fidúcia – está exatamente aposta no garantidor financeiro da operação, geralmente um banco, que, ao término do contrato e contra o pagamento de todas as prestações em que são divididos o capital e sua remuneração, transfira a propriedade ou o domínio da coisa àquele que detém a posse direta dela.
O instituto é antiqüíssimo, provavelmente nascido na Roma antiga, mas no Brasil sua aparição regulamentar somente se daria, efetivamente, em meados da década de 1960.
O elemento legal que em 1969 disciplinaria, por primeiro a modalidade, àquela época apenas permitida para que organismos financeiros com registro no BACEN (depois estendido para consorciadoras também) atuassem como entes fiduciantes, foi o Decreto Lei 911, que recriou o artigo 66 da lei nº 4.728 de 1965, a primeira a disciplinar o instituto em nosso direito. O DL 911, foi um tanto derrogado, modificado e acrescido, mas mantém vivas suas principais características.
Vejamo-lo:
“DECRETO-LEI Nº 911, DE 1º DE OUTUBRO DE 1969.
Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências
Art. 1º O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte redação:
“Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.
§ 1º A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, será obrigatòriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além de outros dados, os seguintes:
a) o total da divida ou sua estimativa;
b) o local e a data do pagamento;
c) a taxa de juros, os comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula penal e a estipulação de correção monetária, com indicação dos índices aplicáveis;
d) a descrição do bem objeto da alienação fiduciária e os elementos indispensáveis à sua identificação.
§ 2º Se, na data do instrumento de alienação fiduciária, o devedor ainda não for proprietário da coisa objeto do contrato, o domínio fiduciário desta se transferirá ao credor no momento da aquisição da propriedade pelo devedor, independentemente de qualquer formalidade posterior.
§ 3º Se a coisa alienada em garantia não se identifica por números, marcas e sinais indicados no instrumento de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identidade dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor.
§ 4º No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o proprietário fiduciário pode vender a coisa a terceiros e aplicar preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver.
§ 5º Se o preço da venda da coisa não bastar para pagar o crédito do proprietário fiduciário e despesas, na forma do parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor apurado.
§ 6º É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.
§ 7º Aplica-se à alienação fiduciária em garantia o disposto nos artigos 758, 762, 763 e 802 do Código Civil, no que couber.
§ 8º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciàriamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, inciso I, do Código Penal.
§ 9º Não se aplica à alienação fiduciária o disposto no artigo 1279 do Código Civil.
§ 10. A alienação fiduciária em garantia do veículo automotor, deverá, para fins probatórios, constar do certificado de Registro, a que se refere o artigo 52 do Código Nacional de Trânsito.”
Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver.
§ 1º O crédito a que se refere o presente artigo abrange o principal, juros e comissões, além das taxas, cláusula penal e correção monetária, quando expressamente convencionados pelas partes.
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
§ 3º A mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor considerar, de pleno direito, vencidas todas as obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial.
Art. 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.
§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 4o A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2o, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.(Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 5o Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 7o A multa mencionada no § 6o não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)
§ 8o A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)
Art. 4 º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 1974)
Art. 5º Se o credor preferir recorrer à ação executiva ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução.
Parágrafo único. Não se aplica à alienação fiduciária o disposto nos incisos VI e VIII do Art. 649 do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 1974)
Art. 6º O avalista, fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida do alienante ou devedor, se sub-rogará, de pleno direito no crédito e na garantia constituída pela alienação fiduciária.
Art. 7º Na falência do devedor alienante, fica assegurado ao credor ou proprietário fiduciário o direito de pedir, na forma prevista na lei, a restituição do bem alienado fiduciàriamente.
Parágrafo único. Efetivada a restituição o proprietário fiduciário agirá na forma prevista neste Decreto-lei.
Art. 8º O Conselho Nacional de Trânsito, no prazo máximo de 60 dias, a contar da vigência do presente Decreto lei, expedirá normas regulamentares relativas à alienação fiduciária de veículos automotores.
Art. 8o-A. O procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)
Art. 9º O presente Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, aplicando-se desde logo, aos processos em curso, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 1 de outubro de 1969; 148º Independência e 81º da República.”
O instrumento normativo acima transcrito também elenca todo o procedimento a ser usado na hipótese de impontualidade ou mora do fiduciário, inclusive com as peculiaridades atinentes à execução e/ou da cautelar satisfativa de busca e apreensão incidentes na espécie. Como natural da espécie e da época histórica onde criada, a legislação ainda afastou algumas outras normas que, mais benéficas, poderiam incidir sobre o tema.
II. A evolução legislativa e do instituto.
Com o tempo e, notadamente após o império da estabilidade econômica que o Real trouxe aos brasileiros, o sistema que já era bastante bem quisto, recebeu alguns acréscimos, por exemplo com o aparecimento da lei 9414 de 1997, que permitiu que o instituto fosse, enfim, estendido às coisa imóveis, permitindo, desde então, uma nova forma de financiamento imobiliário.
Com o aparecimento da Lei 10.406 em 2002, que instituiu o Código Civil atualmente vigente, foi dedicado o capítulo IX, da Propriedade Fiduciária, ao tema, vejamos:
“CAPÍTULO IX Da Propriedade Fiduciária
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
§ 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.
Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:
I – o total da dívida, ou sua estimativa;
II – o prazo, ou a época do pagamento;
III – a taxa de juros, se houver;
IV – a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.
Art. 1.363. Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:
I – a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;
II – a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.
Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.
Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.
Art. 1.366. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.
Art. 1.367. Aplica-se à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.427 e 1.436.
Art. 1.368. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”
Aqui, de se ressaltar que o texto explícito do artigo 1368-A do diploma, lá inserido por força da lei 10.931 em 2004, vedou a derrogação das leis específicas sobre o tema. Em assim sendo, a legislação atual complementa a legislação originária, no que esta não for dispare às novas normas.
Também, de se ressaltar a possibilidade, agora viável, de que o credor seja pessoa física.
III. A conceituação do problema:
O instituto em questão não guarda, como vimos de ver, nenhuma grande surpresa ao operador do direito, de modo geral é excelente meio de garantia financeira que permite juros menores, isto em face da menor dificuldade, caso não se dê o adimplemento do empréstimo, pela facilidade de retomada e posterior hasteamento do bem garantidor da operação.
Contudo, devido, talvez a vã esperança de se fazer dinheiro fácil, ou devido a grandes dificuldades financeiras pelas quais passe o devedor culminam, não raro, com a venda do bem alienado fiduciariamente a terceiros, mais ou menos esclarecidos conforme o caso.
Embora a venda em si não seja vedada pela lei, desde que haja manifesta concordância do Credor, de modo geral, ela acaba ocorrendo sem que este sequer saiba do que se passa já que embora detentor do domínio, a posse direto do bem permanece com o devedor.
Se para bens imóveis esta operação é bem mais difícil, para bens móveis, notadamente automóveis, a operação é muito facilitada, quando não estimulada, por prática comercial comezinha.
Exemplificando, não é raro o caso em que o devedor, em situação econômica difícil, vende o veículo a comerciante do setor automobilístico, ou a terceiro, com a obrigação deste continuar o pagamento das prestações, que, assim, tem seu adimplemento garantido apenas por questões de fé, já que o negócio, que não fora submetido ao credor é, a rigor, inválido perante ele e, desta forma não lhe pode ser oposto em situações de inadimplemento, como excludente da responsabilidade pela obrigação contratada.
Ocorre que, também não raras vezes, alguns se aproveitando da situação, acabam revendendo o bem dantes alienado fiduciariamente a terceiros sem a eles sequer avisar que existe esta alienação.
Isto a despeito da obrigatoriedade de inclusão do gravame no documento de porte do bem (inscrito ante o órgão de trânsito, ao contrário da inscrição primitiva, apenas no RTD).
Esta operação que, por si só representa uma dupla fraude, pois visa enganar tanto o credor fiduciante como o comprador, é tipificada criminalmente nos incisos I e II do segundo parágrafo do artigo 171 do Código Penal, senão vejamos:
“Estelionato
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.
§ 1º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º – Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria
I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;”
Os resultados práticos da conduta, de modo geral causam danos tanto ao ente credor que perde sua garantia na vindoura execução ou ação de busca e apreensão, quanto ao comprador que compra por boa mercadoria que não o é. O prejuízo acaba atingindo a ambos, ao credor porque a dívida nunca é, ao completo satisfeita e ao comprador do bem, porque jamais terá meios de regularizar o bem que comprou, exceto remindo o débito e resolvendo sua pendência, no âmbito cível, em perdas e danos contra o primitivo devedor fiduciário, não raro, evanescente.
IV. O entendimento jurisprudencial:
O entendimento majoritário em nossas cortes caminha no sentido de que apenas quando a venda corre em desarmonia com o estampado na lei penal (inciso II do parágrafo segundo do artigo 171), ou seja, quando a venda ocorre sem que o comprador saiba da existência do gravame. Podemos acompanhar este entendimento nos seguintes acórdãos:
“Estelionato. Alienação de coisa alheia como própria. Venda de veículo alienado fiduciariamente sem informar o comprador da restrição.
Caracterização. Materialidade e autoria comprovadas. Prova testemunhai e documental suficientes para a manutenção do decreto condenatório. Penas e regimes bem fixados diante da personalidade do réu. Recurso improvido.”[2]
“Estelionato. Disposição de coisa alheia como própria. Acusado que compra um
veículo e, após transferi – lo a seu genitor, mediante financiamento, o vende a terceiro, sem informá-lo acerca da alienação fiduciár ia que pesava sobre o
automóvel. Prova documental hábil, corroborada pela prova testemunhal, apontando a realidade da fraude. Condenação de rigor. Penas mínimas.
Substituição que atende à finalidade da lei penal. Regime aberto, para o caso de descumprimento, adequado. Apelo improvido.”[3]
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
INEXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA PARA AFERIR SE A VÍTIMA POSSUÍA CONHECIMENTO DA REAL SITUAÇÃO DO OBJETO DA TRANSAÇÃO NEGOCIAL CELEBRADA.
1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não se verifica in casu.
2. A cópia do contrato de compra e venda de veículo, ora juntada aos autos, além de ilegível, não é prova idônea e suficiente, por si só, para afastar a tipicidade do delito imputado ao paciente, porquanto, na hipótese, para se aferir, com precisão e segurança, o efetivo conhecimento da situação do objeto de transação negocial – automóvel alienado – pela vítima, faz-se necessário o exame do conjunto probatório e o cotejo da prova testemunhal.
3. Ordem denegada.”[4]
“Alienação de coisa alheia como própria e adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Venda de veículos (tratores) alienados fiduciariamente, depois de eliminados por abrasão os números identificadores do bloco do motor e retiradas as plaquetas de identificação das caixas de câmbio e bombas injetora e hidráulica. Caracterização. Materialidade e autoria comprovadas. Tratores que, por expressa determinação legal (Código de Trânsito, posterior ao decreto que pôs em vigor a Convenção de Viena sobre o Trânsito Viário) são considerados veículos automotores. Inexistência de consunção entre a adulteração de número identificador e a fraude posterior. Não provimento do recurso da defesa, provimento do recurso do Ministério Público.”[5]
Neste outro julgado observamos a situação inversa, quando há a informação de existência do ônus, o que gerou a absolvição do acusado, vejamos:
“Apelação. Estelionato. Venda de veículo onerado e sustação de cheque dado em garantia, depois de uma primeira devolução por falta de fundos. Inexistência de prova satisfatória quanto à intenção preordenada da fraude, bem como da inexistência de prévia informação quanto ao ônus. Recurso da defesa provido, para absolver o apelante por falta de provas.”[6]
À título de manifesta curiosidade há um julgado antigo, do STF, no HC 55.081 de SP, julgado em 10/08/1977 e publicado dois dias depois em que o paciente adquirira financiamento para a aquisição de um veículo Mercedes Benz a ser importado da Alemanha, quando o carro foi desembaraçado, ato contínuo, antes que a financeira registrasse o contrato, à época no Registro de Títulos e Documentos, o paciente tratou de vender o bem a terceiro e de passar-lhe um recibo de venda ser reserva de domínio. Ao depois, tendo pagado os débitos na ação de busca e apreensão o Paciente indignava-se com a condenação que sofrera e o Ministro Eloy da Rocha, por fim indeferiu o HC.
V. Conclusão:
Vimos de ver que a alienação fiduciária em garantia, conquanto excelente meio para barateamento do custo do crédito e conseqüente acesso deste aos seus tomadores, popularizou-se, até pela simplicidade e rapidez da recuperação das garantias, recebendo inúmeros diplomas legais até que o Código Civil, hoje em curso permite seu uso até para que pessoas físicas se valham do instituto.
Em que pese esta simplificação, vezes há em que o tomador do crédito aliena o bem, de forma irregular, sem comunicação ao credor fiduciante, porém ressalvando em contrato ou de outra forma eficaz ao comprador, que pesa sobre o bem ônus fiduciário, assumindo ou não, a responsabilidade de quitar as prestações vincendas. Quando a irregularidade é apenas esta, não cabe tipificação penal, por manifesta impossibilidade legal.
Noutras ocasiões o devedor ao alienar o bem, sequer ressalva ao comprador (não raro de forma dolosa mesmo) a existência do ônus. Neste caso vende como sua coisa que, de direito não o é, dando azo a sua incursão no crime do artigo 171, §2º I e II do Código Penal, no qual figurarão como vítimas, postulamos, tanto o comprador como a financeira, tornando-se, assim, ambos capazes à propositura da ação penal.
Advogado militante em direito empresarial e tributário
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…