Intróito
O presente trabalho, obviamente não pretende esgotar com o tema dos juros moratórios aplicados conjuntamente com os juros compensatórios/remuneratórios, contudo pretende defender de forma ampla e argumentativa a tese de que tais juros são devidos a luz de princípios e leis dentro da gama legislativa e doutrinária brasileiras.
1) – O conceito de juros.
Trata-se de tarefa árdua conceituar juros em um país onde a simples menção da palavra “juro” passou a ser comportamento digno de baixo calão.
Vários autores da mais variada gama do saber jurídico, além de matemáticos e cientistas contábeis, procuraram conceituar juros da melhor forma possível e tentando agradar a gregos e troianos, chegando a diversas conclusões como podemos discriminar:
Sílvio Rodrigues[1], sobre o assunto, pontifica que:
“Juro é o preço do uso do capital. Vale dizer, é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina o define. Ele há um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de o não receber de volta.”
De Plácido e Silva[2], por sua vez, explicita:
“Juros, no sentido atual, são tecnicamente os frutos do capital, ou seja, os justos proventos ou recompensas que deles se tiram, consoante permissão e determinação da própria lei, sejam resultantes de uma convenção ou exigíveis por faculdade inscrita em lei.”
João Roberto Parizatto[3] é enfático ao prelecionar que:
“Juros pode ser conceituado como sendo o rendimento auferido pelo uso do dinheiro durante um determinado período, privando-se o credor de seu uso em tal período.”
Maria Helena Diniz[4] se capacitou em afirmar que:
“JURO. 1. Direito bancário. Rendimento de capital empregado. 2. Direito civil. a) Taxa percentual que incide sobre um valor ou quantia em dinheiro; b) pagamento que decorre da utilização do capital alheio, constituindo, portanto, fruto civil.”
Portanto, sem mais delongas, parece-nos claro que o conceito de juro mais direito seria o preço pelo uso de dinheiro alheio.
O pagamento desse dinheiro alheio em dias justifica o juro estipulado conforme índice ou tabela pré-fixada. Já o não pagamento em dias faz com que incidam juros pelo tempo em que esse dinheiro ficou em mãos alheias, fixando ainda mais o caráter de preço pelo uso.
Aqui vem a diferença que pretendemos demonstrar e comprovar. Enquanto que no primeiro caso, o do pagamento em dias, o juro tem caráter meramente remuneratório, ou seja, enquanto outrem fica com o dinheiro alheio esse dinheiro deve render algo para o primeiro indivíduo. No segundo caso temos um caráter eminentemente moratório, ou seja, a demora pelo pagamento gera tais juros.
2) – A Lei Civil em relação às taxas de juros.
Aqui veremos um grande problema se formar.
Dispunha o antigo Código Civil, de 1916:
“Art. 1062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionados (artigo 1.262), será de seis por cento ao ano.”
Assim, não havendo entre particulares ajuste quanto à taxa de juros, aplicar-se-ia, por força do dispositivo em tela, a taxa anual de 6%, ou seja, 0,5% ao mês. Os Tribunais, à época discutiram muito esse problema, contudo sem muita solução imediata.
O novo Código Civil, entretanto, mudou toda essa realidade, estabelecendo o seguinte:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
Atualmente, a taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil vigente é a denominada SELIC ou os juros previstos no artigo 161, § 1º, do CTN?
A exegese da parte final deste dispositivo legal, em que pese sua solar redação, até hoje não se encontra pacificada, havendo ardorosos defensores tanto da aplicação da taxa SELIC, quanto da aplicação da taxa anualizada de 12% ao ano.
A SELIC, tem a finalidade de analisar as variações das operações do sistema, e, ao mesmo tempo, impor aos títulos um rendimento pelo investimento feito pelos tomadores das letras da dívida pública.
No entanto, como bem observa o eminente Ministro Domingos Franciulli Netto[5], do Superior Tribunal de Justiça, não há previsão legal quanto ao que seja a taxa SELIC, determinando a lei apenas a sua aplicação.
A definição que melhor se enquadra à taxa em debate é a constante da Circular Bacen n.º 2.868/99, repetida na Circular Bacen n.º 2.900/99, ipsis litteris:
“Define-se Taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais.”
O uso da taxa SELIC atenta contra o princípio da segurança jurídica a realização de negócios sem saber quanto o devedor deve pagar ao final.
Para verificar a incongruência da taxa no Direito Civil, basta voltarmos nossa atenção para o modo de apuração da taxa. O governo a utiliza como forma de conter a inflação. Em conclusão, há óbices para a utilização da taxa para a hipótese do artigo 406 do novo Código Civil.
Portanto, há uma série de inconstitucionalidades no uso da SELIC como taxa a ser imposta para os juros moratórios. Dentre essas inconstitucionalidades está o ataque frontal aos princípios da Legalidade, da Proporcionalidade, da Razoabilidade, da Segurança Jurídica.
Sobrou-nos então o artigo 161, §1º do CTN que afirma o seguinte:
Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
Juristas reunidos na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF), sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr., do Superior Tribunal de Justiça, editaram o seguinte enunciado, antes da revogação do artigo 192, parágrafo 3°, pela Emenda Constitucional n° 40/03:
“Enunciado 20: A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês”.
Continuando, os mesmos juízes concluíram que:
“A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano.”
A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, quando instada a manifestar-se acerca do tema, emitiu o Aviso n. 010, GACOR/2003, publicada em 28 de março de 2003, que afirma que, quando a decisão judicial não estabelecer critério próprio para cômputo dos juros moratórios, e na ausência de convenção das partes,
“a taxa de juros a que se refere a parte final do aludido dispositivo deverá ser entendida como aquela reservada para a recuperação de créditos da Fazenda Nacional, qual seja, a de 1% (um por cento) ao mês, estabelecida pelo artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.”
Tendo sido a taxa SELIC criada por circular do Banco Central, fere também e principalmente os princípios da legalidade e da segurança jurídica, já citados aqui, estando destarte eivada de inconstitucionalidade formal e material
Portanto, antes que se ataquem o artigo 192, §3º da Constituição Federal, que simplesmente não existe mais, é necessário verificar, sem mordaças intelectuais, que esse é apenas um dos diversos argumentos contrários à aplicação da SELIC e favoráveis aos 12% anuais.
Entendido que a porcentagem dos juros em comento é mesmo de 1% ao mês, mister se faz esclarecer quando há a incidência dos mesmos. Para tanto, o CPC aponta claramente que os juros de mora incidem desde a citação válida:
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
A aplicação da taxa anual de 12% ao ano, conforme exposta no art. 161 do Código Tributário Nacional, não padece dos mesmos vícios, podendo assim ser utilizada com vantagem como taxa de juros moratórios.
3) – De que forma são devidos os juros moratórios especialmente quanto a cumulação com os remuneratórios/compensatórios
Como bem sabemos e já especificamos, a mora é a inexecução culposa da obrigação (mora debitoris), igualmente a recusa de recebê-la (mora creditoris), no tempo, lugar e forma devidos.
Em meio às conseqüências da mora podemos relacionar os juros moratórios.
O artigo 1061 do Código Civil de 1916 disciplinava que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistiam nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.
O artigo 404 do Código Civil de 2002 atualmente dispõe que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
No tocante à taxa legal dos juros moratórios, o artigo 1.062 do antigo Código Civil determinava que, quando não convencionados (artigo 1.262), eram de seis por cento ao ano, ou seja, 0,5% ao mês. O artigo 1.063 do mesmo Còdigo afirmava que eram ainda de seis por cento ao ano os juros devidos por força da lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.
No atual Código Civil, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa especificada, ou mesmo quando decorrerem de determinação legal, serão fixados de acordo com a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406 do CC/2002).
Conforme o Código Tributário Nacional, se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês (CTN, artigo 161, parágrafo 1º). Tal questão parece não aceitar tanta discussão.
“Os juros compensatórios e os moratórios são cumuláveis, dada a diversidade de fundamentos: os primeiros remuneram o capital exigível e os segundos consistem em indenização pelo retardamento na execução da prestação.”[6]
Quando houver essa cumulação, pela mora a taxa dos juros compensatórios será elevada de 1% e não mais, consoante artigo 5º do Decreto 22.626/33. Na prática, verifica-se que, além dos juros compensatórios sem limite legal, a taxa dos juros moratórios é normalmente estipulada nos contratos em 1% ao mês.
Relativamente ao condomínio, o Código Civil de 2002 afirma que o condômino em atraso no pagamento da contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados, ou, não sendo previstos, de 1% ao mês.
Na indenização por ato ilícito, são devidos juros compostos, ou seja, capitalizados anualmente, por aquele que praticou o crime, nos termos do artigo 1.544 do Código Civil de 1916[7].
O dies a quo dos juros moratórios, nas obrigações certas e líquidas, é o vencimento, nos termos do artigo 960, primeira parte, do Código Civil de 1916 e do artigo 397, caput, do Código Civil de 2002[8].
Quando não houver prazo assinalado, os juros moratórios são devidos desde a interpelação, notificação ou protesto, de acordo com a segunda parte do artigo 960 do Código Civil de 1916 e do artigo 397, parágrafo único, do Código Civil de 2002[9].
Em obrigações ilíquidas, contam-se os juros de mora desde a citação inicial, de acordo com o artigo 1.536, parágrafo 2º, do Código Civil de 1916 e Súmula 163 do STF. O artigo 405 do Código Civil de 2002 diz que os juros de mora contam-se desde a citação inicial[10].
Em obrigações conseqüentes de delito (ilícito civil), os juros contam-se desde o fato ilícito, a teor do artigo 962 do Código Civil de 1916 e artigo 398 do Código Civil de 2002. Consoante a Súmula 54 do STJ[11], os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual[12].
Fica –nos uma dúvida! Quando o capital passa a ficar em mora, ou seja, ocorre atraso no pagamento, ele não pode mais ser remunerado? E se for remunerado, não pode o devedor ser penalizado pela mora?
4) – Da impossibilidade de incidência conjunta de juros remuneratórios/compensatórios e moratórios frente a decisão equivocada do STJ
Dentro desse parâmetro, o STJ já se manifesta contra a cumulação dos juros remuneratórios/compensatórios com os juros moratórios, uma vez que, a seu entender trata-se de anatocismo, definição que nos parece estranha, vez que anatocismo seria cumulação dos mesmos juros, o que não é o caso. Contudo, temos:
“4. A teor da Sum. 102 desta Corte, a contagem de juros moratórios sobre compensatórios não constitui anatocismo vedado em Lei. 5. Precedentes.” (STJ – REsp 113980/SP; Ministro JOSÉ DELGADO; DJ 22.04.1997 p. 14399).
A súmula 102 impera que apenas em casos de ação de expropriação a cumulação dos remuneratórios com os compensatórios. Portanto, não há que se falar em cumulação desses dois parâmetros de juros, vez que o Colendo STJ não entende assim.
Como já definimos em linhas pretéritas os juros remuneratórios são devidos para o pagamento do uso do dinheiro e os juros moratórios uma espécie de castigo pelo não pagamento em tempo hábil e/ou combinado.
Os juros remuneratórios/compensatórios consistem em rendimento remuneratório do capital. Já os juros moratórios, constituem a pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação. Funciona como uma indenização pelo retardamento na execução do débito.
Por isso nos estranha o posicionamento que trata como anatocismo o que, na verdade é apenas cumulação de índices diferentes, inclusive datas, que se originaram em situações diferentes sobre a mesma dívida.
Qual a diferença a se fazer dos juros moratórios e dos remuneratórios/compensatórios?
Se um, no critério do STJ, começa quando o outro termina, se os índices, quando não convencionados são de 1%, porque fazer a diferença?
Se os juros são os mesmos não há qualquer necessidade de continuar estabelecendo parâmetros para um e para outro, trata-se apenas de juros precisando mudar apenas a fase em que são devidos.
Essa é a grande dificuldade que procuradores, magistrados, membros do Ministério Público e outros tantos juristas tem no momento de pensar quais os cálculos são pertinentes para atualizar e remunerar uma dívida.
A pergunta que fica é a seguinte: porque os demais Tribunais não se inflamam dessa forma de Justiça e começam a julgar determinando esse tipo de incidência cumulativa?
Advogado militante, consultor jurídico, especialista em Direito Público, especializando em Docência do Ensino Superior, sócio fundador do escritório Costa & Sousa Advogados Associados S/S e Costa & Sousa Eventos Jurídicos, confeccionou e publicou vários artigos científicos nas mais respeitadas revistas jurídicas de alcance nacional e em portais jurídicos na internet
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