Os defensores dos Direitos Humanos são homens e mulheres que acreditam que podem fazer a diferença, baseando-se nos princípios e valores proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos. Lutam contra o terror e a miséria social, econômica e política, contra a ameaça à dignidade humana de todas as pessoas. Os defensores lutam para proteger os mais fracos e punir o abuso de poder ameaçador e perigoso[1].
Profissionais e ativistas de todas as formações e condições sociais, os defensores dos Direitos Humanos na América Latina têm um ideal que os une, a proteção contra qualquer ameaça, principalmente aquela proveniente da violência e da injustiça social. E, o principal, contribuem para o fortalecimento local da legalidade, da juridicidade e da justiciabilidade.
A sua proeminente atividade é a constante lembrança a todos os Estados que devem cumprir suas promessas e suas obrigações de proteger a dignidade da pessoa humana transcritos nos Tratados Internacionais e transportados para a normatividade doméstica de seus territórios nacionais[2].
Temos acompanhado alguma evolução no Sistema Americano de proteção aos Direitos Humanos, contudo ainda observamos o desrespeito e a geração de uma utopia de Direitos Humanos na América Latina. Muitos de seus Governos não cumpriram seu compromisso de preservar os Direitos Humanos. A preterição e derrogação americana dos Direitos Humanos tiveram seu agravamento com o 11 de Setembro, o dia que institucionaliza uma legitimação à guerra norte-americana contra o terror no mundo, atropelando muitos dos Direitos Humanos pela segurança mundial. Sob a justificativa da segurança mundial, o Presidente dos EUA declara guerra contra o terror, espalhando tortura, maus-tratos, punições sem o devido processo legal.
Durante suas últimas eleições, o Governo dos EUA estimulou os Estados latino-americanos e seus Governos a incrementar o protagonismo de suas forças armadas, muitas vezes sobre a força da lei, com a finalidade de se defender o bem maior que seja a Ordem Pública Internacional e a segurança doméstica. Na história, Brasil, Guatemala, Honduras, México e Paraguai utilizaram suas forças militares para combater a delinquência e a instabilidade social. Seus Governos acabaram por elaborar leis mais severas, que em certas ocasiões violam o próprio sistema constitucional de garantias fundamentais.
Para além das influências externas, acresce-se a este quadro ameaçado a debilidade das instituições democráticas e o Estado de Direito dos países Latino-americanos. A instabilidade política fomentada pela corrupção, o crime organizado e a desigualdade econômica aguda acarretam uma grande crise institucional das ferramentas democráticas. O que dificulta ainda mais a atuação dos defensores de Direitos Humanos. Sem mencionar o fator tradicional-histórico da defesa dos Direitos Humanos em favor da causa que se remonta aos primeiros indígenas que lutaram contra o domínio espanhol, que mesmo em momentos de guerras civis, como no El Salvador e na Guatemala, havia quem lutava pelos Direitos Humanos e liberdades fundamentais[3].
É nesse contexto que os ativistas de Direitos Humanos lutam pelo cumprimento das obrigações que firmaram no respeito pelas regras internacionais e nacionais acerca dos Direitos Humanos com seus Estados e seus grupos armados. Mas sua tarefa não é nada fácil, pelo contrário são inúmeras as dificuldades e os perigos por esses enfrentados.
Algumas das atrocidades sofridas são: intimidações, restrições de deslocamento com o objetivo claro de se fazer desistir de suas atividades, perseguições e vigilância constante, restrição aos seus direitos fundamentais e garantias individuais como o direito à liberdade e à privacidade, à informação, para além de agressões físicas, psíquicas, torturas, ou seja, violações ao direito à dignidade da pessoa humana, vítimas de assassinatos deliberados, ameaças, intimidações, calúnias, difamações.
Sobre os pilares do Direito Internacional, os Governos Americanos se comprometeram em apoiar o trabalho de seus ativistas em Direitos Humanos. Contudo, a efetividade dos seus compromissos não tem sido percorrida na unanimidade dos países. De acordo com a Declaração sobre o Direito e o Dever dos Indivíduos, dos Grupos e das Instituições de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos toda pessoa tem o direito, individual ou coletivamente, de dispor de recursos eficazes e a ser protegida em caso de violação a esses direitos.
O Direito deve cuidar e prever uma reparação adequada e recursos eficazes para todos, inclusive aos defensores dos Direitos Humanos cujos direitos têm sido violados. Essa realidade se corrompe pela incompletude por parte dos Estados em garantir uma investigação exaustiva e adequada às ameaças e violações sofridas pelos seus defensores, em garantir um processo judicial imparcial, imerso na justiça social, exigindo o comparecimento dos responsáveis perante a justiça e sua punição devida.
Mas como assegurar a segurança e a integridade física desses ativistas quando seu objeto de investigação e intervenção é o próprio Estado e suas forças democraticamente instituídas, quando o Estado é o sujeito passivo de suas atuações? É também sabido que membros do Poder Judicial e de Instituições Oficiais encarregadas de investigação e esclarecimentos acerca das violações de Direitos Humanos também têm sido vítimas da sua maestria pelos próprios membros das forças de segurança pública. As violações não são investigadas por um organismo supranacional, independente, muitas vezes se desconhece até dos resultados dessas. E em alguns países, as violações de Direitos Humanos produzidas pelas forças armadas nacionais são submetidas a uma jurisdição militar especial, militar a julgar militar.
Acreditamos que a resposta esteja na consolidação dos princípios democráticos do moderno Estado Constitucional. O conceito de Constituição está intimamente ligado ao de “pacto” ou “contrato social”, pois numa sociedade baseada na história e nas tradições, difunde-se a idéia de uma sociedade fundada na vontade dos homens, que estabelecem entre si uma coletividade e definem regras e princípios fundamentais que devem se submeter. Sob o aspecto mais jurídico do que filosófico, a Constituição permite assegurar o respeito das regras pelas autoridades públicas e seus cidadãos, sendo a norma jurídica estatuída de maior hierarquia, sob uma acepção estática do ordenamento jurídico[4]. O Estado de Direito democrático envolve, por consequência, alguns elementos básicos: o pluralismo, principalmente o político, que se traduz como a raiz primária do princípio democrático, a juridicidade que caracteriza seus meios de concretização, corroborando o princípio do Estado de Direito e o bem-estar que, por sua vez, reflete o elemento valorativo e teleológico orientador do Estado[5].
Além da institucionalização das bases democráticas nas sociedades Latino-americanas deve-se ater também aos mecanismos de jurisdição de responsabilização e reparação, realçando a possibilidade de denúncias individuais ou coletivas ante os mecanismos internacionais como a Comissão Interamericana, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Comitê contra a Tortura, e inevitavelmente, o apoio jurídico e logístico provido por Organizações não-governamentais cuja missão seja a garantia da proteção dos defensores dos Direitos Humanos, em razão da manutenção ou expansão do espaço político disponível para o seu trabalho, temos o exemplo das Brigadas Internacionais de Paz[6].
Como recomendações sugere-se o atendimento aos princípios postos na Declaração sobre o Direito e o Dever dos Indivíduos, dos Grupos e das Instituições de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos[7], adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 9 de Dezembro de 1998. Em todos os níveis estatais, as entidades públicas devem comprometer-se na promoção e nos respeitos dos Direitos Humanos, protegendo seus defensores.
Deve-se institucionalizar ou procedimentalizar as investigações, a fim de torná-las eficientes e que sejam conduzidas a um fim satisfatório para a sociedade. Essas investigações devem primar pela autonomia e publicidade de seus resultados, mas também os Governos envolvidos devem estabelecer sistemas de informação que garantam a segurança dos agentes sociais envolvidos. O resultado esperado pela Comunidade Internacional é a punição dos culpados, baixa a impunidade! Todo membro das forças de segurança pública de um Estado que tenha participado em execuções extrajudiciais, desaparecimentos, tortura ou maus-tratos ou qualquer violação de Direitos Humanos deverá ser processado.
Deve-se buscar dissolver e desarmar os grupos paramilitares e as entidades envolvidas com o crime organizado. Garantir que os violadores dos Direitos Humanos contra os defensores sejam processados e condenados. Adotar programas integrados de proteção aos defensores controlado pelos poderes republicanos de um Estado.
Outra recomendação a sugerir seria uma proteção não somente nacional, mas uma proteção gerenciada por organizações internacionais, de preferência não-governamentais que acompanhassem as ações estaduais acerca da problemática como um controle externo, a aplicação plena das recomendações e resoluções internacionais, entre elas as medidas preventivas ou provisionais estabelecidas pelo Sistema Interamericano quando da proteção aos defensores de Direitos Humanos.
Sugere-se também o reconhecimento desses defensores, minimamente organizados em sociedade, como instituições sujeitas de direito internacional, com status supranacional, amparados por um sistema atípico de imunidades e privilégios, de prerrogativas.
Por fim, enaltece a urgência em ser adotado pela Assembléia Geral da OEA uma resolução sobre os defensores de Direitos Humanos que reconheça explicitamente a sua contribuição à promoção, descentralizada e à defesa dos Direitos Humanos, impondo aos Estados uma atenção e manutenção impreterível das garantias necessárias para a sua atuação. A segurança mundial só virá com o respeito aos Direitos Humanos.
Professora de Direito e assessora jurídica. Mestre em Direito, pela Faculdade de Direito de Lisboa e bacharel em Ciência Política
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