O direito à repactuação dos contratos administrativos e os limites regulatórios do Estado

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o surgimento do direito à repactuação dos contratos administrativos como garantia dos particulares em faces das prerrogativas que a Administração Pública possui. A verificação parte de uma comparação entre disposições legais e infralegais com princípios constitucionais, identificando a posição jurídica e o nível de proteção que se deve destinar a esse direito, elencando os entendimentos jurisprudenciais e legais mais atuais e relevantes sobre o tema. Visa, ademais, demonstrar os delineamentos jurídicos do instituto que lhe estão sendo dados em contraposição ao vazio regulatório que existe no momento. Por fim, tece considerações subjetivas a respeito de como deveria ser tratada a repactuação diante dos princípios do desenvolvimento, da livre iniciativa, da eficiência e da economicidade, com estabelecimento de idéias para incentivar a edição de novas regras jurídicas com vistas à integração do direito pátrio.

Palavras-chave: Administrativo. Contratos administrativos. Equilíbrio econômico-financeiro contratual. Reajustamento de preços. Repactuação.

Résumé: Cette étude vise à analyser l'émergence du droit à la renégociation des contrats administratifs comme garantie pour les particuliers face aux prérogatives dont dispose l'Administration publique. La vérification part d'une comparaison entre dispositions légales et infralégales avec des principes constitutionnels, identifie la position juridique et le niveau de protection devant être destinés à ce droit, et liste les interprétations jurisprudentielles et légales les plus récentes et les plus pertinentes sur la question. Le travail vise, par ailleurs, à montrer les contours juridiques de l’institut qui lui sont donnés en rapport au vide réglementaire existant actuellement. Enfin, il tisse des considérations subjectives à propos de la manière dont devrait être traitée la renégociation, prenant en considération les principes de développement, d'efficacité et d'économie, et sème des idées visant à encourager la création de nouvelles règles juridiques à intégrer à la législation brésilienne.

Mots-clés: Administratif. Contrats administratifs. Equilibre économico-financier contractuel. Révision des prix. Renégociation.

Sumário: Introdução. 1. O equilíbrio econômico-financeiro contratual: contraposição à supremacia exacerbada da Administração Pública. 1.1. O princípio da supremacia do interesse público nos contratos administrativos. 1.2. As garantias dos particulares. 1.3. O reequilíbrio econômico-financeiro e a teoria da imprevisão. 1.4. Formas de expressão do reequilíbrio econômico financeiro. 2. Repactuação: um instituto inovador. 2.1. O surgimento no direito brasileiro. 2.2. Fontes e fundamentos: em busca de uma definição jurídica. 2.3. A repactuação e o equilíbrio econômico-financeiro: distinção ou relação? 2.4. O vazio regulatório e as limitações ao direito de repactuar. 2.4.1. Previsão no instrumento convocatório e contratual. 2.4.2. Contratos aplicáveis. 2.4.3. Interregno mínimo de um ano. 2.4.4. Necessidade de requerimento e preclusão lógica. 3. O princípio do direito ao desenvolvimento: uma proposta de mudança positiva. 3.1. O direito ao desenvolvimento nas relações contratuais com o Poder Público. 3.2. O princípio da eficiência e da economicidade em risco. Conclusão. Referências.

Introdução

O contrato administrativo é figura distinta no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista a participação da Administração Pública em um dos pólos da avença. Prerrogativas que a põem em um plano vertical existem em um dilema com direitos e garantias dos contratados que a elas vão se submeter. A ausência de disposições normativas regulando amplamente os institutos aplicáveis incentiva mais ainda o conflito com os direitos dos contratantes. Até onde vão esses poderes e essas garantias e até que ponto é permitida a sua ampliação e restrição pelos entes estatais é uma questão que se encontra numa zona ainda considerada nebulosa.

Este trabalho tem por objetivo analisar os questionamentos relativos ao direito à repactuação de contratos administrativos sujeitos ao regime da Lei 8.666, de 1993, como direito recentemente compreendido que é e como forma de garantia dos particulares contratados. Ficam excluídos do objeto de análise os contratos de delegação de serviços públicos, incluindo as Parcerias Público-Privadas e demais formas de parcerias, e a perspectiva de utilização desse instrumento em benefício da Administração Pública. A verificação se pauta no estudo do direito enquanto garantia dos contratados na execução de contratos administrativos.

1. O equilíbrio econômico-financeiro contratual: contraposição à supremacia exacerbada da Administração Pública.

1.1. O princípio da supremacia do interesse público nos contratos administrativos.

O desenvolvimento do assunto a ser abordado exige uma explicação quanto à racionalidade de sua existência dentro da sistemática do direito pátrio e dos seus contrapontos pertinentes. Nesse sentido é que surge a necessidade de detalhar a sua identificação no cenário jurídico através da elucidação dos contratos administrativos e da supremacia do interesse público como ponto de partida para a demonstração de sua fundamentação.

O contrato, segundo Caio Mário Pereira da Silva (2009, v. 3, p. 7), pode ser entendido como “um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”. No ordenamento jurídico brasileiro, a regulamentação sobre os contratos nos remete a duas espécies principais que se diferenciam em razão do regime jurídico aplicável e dos interesses em jogo. De um lado, têm-se os contratos realizados entre particulares ou entre particular e o Estado, quando este atua como particular, os quais possuem como base legal, em síntese, o Código Civil de 2002. Do outro, existem os pactos que são realizados entre particulares e o Poder Público, utilizando-se este de suas prerrogativas estatais. São, portanto, os contratos privados e públicos ou, como também denominados, contratos administrativos.

A Administração Pública, dessa forma, também firma contratos com a aplicação do regime jurídico de direito privado, de acordo com o art. 62, §3º da Lei 8.666, de 1993, como, por exemplo, na realização de contratos de seguro[1]. Porém, nessas situações, o Poder Público se coloca em igualdade com o particular, não utilizando suas prerrogativas e incidindo, com isso, a paridade entre os contratantes. Assim leciona José dos Santos Carvalho Filho:

É evidente que, quando a Administração firma contratos regulados pelo direito privado, situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do sistema contratual comum. Na verdade, considera-se que, nesse caso, a Administração age no seu ius gestionis, com o que sua situação jurídica muito se aproxima da do particular.” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 190).

Dessa sorte, nos contratos em que se aplica o regime privado, há uma relação jurídica de plano horizontal, de forma que as partes envolvidas ficam em igualdade de poderes na firmação, execução e finalização da avença. A relação jurídica é de autêntica paridade entre os contratantes. A razão disso decorre justamente dos interesses que estão em jogo. Nesse sentido, as partes são livres para contratar como bem entenderem, de acordo com seus interesses, observada a função social contratual, a probidade e a boa-fé dos pactuantes (CC/2002, art. 421[2] e 422[3]). Destarte, a vontade de um não prevalece sobre a do outro por mera imposição, já que os interesses não se submetem a qualquer hierarquia.

Além disso, os contratos privados possuem uma regulamentação geral, aplicável a todos os pactos que possuem essa natureza, bem como normas que regem contratos específicos, ou, como denominado pela doutrina, contratos típicos. As normas de cunho geral pairam sobre todas as relações jurídicas contratuais, com aplicação de princípios e determinações básicas, fundamentadas na paridade de poderes entre os contratantes. Assim, o contrato privado pode ser realizado entre quaisquer pessoas, atendidos os requisitos previstos em lei.

Os contratos públicos ou administrativos, por sua vez, são assim intitulados pelo fato de portarem um diferencial em relação aos pactos privados, que é a aplicação de um regime jurídico de direito público (de natureza vertical), caracterizado por um conjunto de normas que colocam o Poder Público em estado de superioridade. Essa situação, como explica Arthur Cerqueira Valério e Maria Carolina Maurício Verçoza (VALÉRIO; VERÇOZA, 2007, p. 34), decorre também do interesse que está em jogo na relação jurídica, isto é, a necessidade de proteção do interesse público.

O Estado, enquanto ente representante da coletividade, atua em busca da concretização do interesse geral, necessitando, para tanto, de prerrogativas que assegurem a prevalência do bem-estar da sociedade, em contraposição a interesses particulares contrários. Dessa forma, em havendo conflito entre o interesse público, defendido pelo Estado, e o interesse particular, aquele deve prevalecer sobre este. Isso é a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, como salienta Márcia Walquiria Batista dos Santos (PIETRO; RIBEIRO (Coord.), 2010, p. 385), asseverando que as necessidades coletivas devem se sobrepor sobre as individuais, tendo em vista o bem-estar da população.

Não há dúvidas de que a finalidade do Estado é a concretização do interesse público, conquanto foi criado justamente para protegê-lo e atingi-lo. Tanto é assim que o próprio ordenamento jurídico possui diversos instrumentos de garanti-lo contra abusos, desvios, etc. Exemplos disso são as exigências de um procedimento licitatório para a escolha da proposta mais vantajosa (CF/88, art. 37, XXI); aplicação de penalidades severas aos que incorrem em improbidade administrativa (Lei 8.429, de 1992); exigência de concurso público para investidura em cargo público (CF/88, art. 37, II); e assim por diante.

Dessa forma, nos contratos administrativos, a Administração Pública atua em busca da concretização do interesse público, o qual deve prevalecer sobre interesses privados. A partir disso, é possível justificar a existência de prerrogativas que a colocam em superioridade sobre o particular contratado, a exemplo das denominadas cláusulas exorbitantes (Lei 8.666/93, art. 58), que lhe permitem proceder a atos decorrentes de sua posição, tais como modificação e rescisão do pacto unilateralmente, fiscalização da execução, sanções extracontratuais, etc.

Assim, não são poucas as prerrogativas do Poder Público no ordenamento jurídico brasileiro[4]. Nesse sentido, para a abordagem correta do tema, levar-se-á em consideração apenas os contratos administrativos. Isso porque, nesses pactos, em que há incidência do regime jurídico de direito público, as prerrogativas estatais justificam a existência de institutos jurídicos diversos dos previstos para o regime privado, como se demonstrará adiante. 

1.2 As garantias dos particulares.

A existência de tantos instrumentos em favor do Estado, por outro lado, pode causar uma instabilidade para as empresas que tenham a intenção de contratar com ele, o que poderia causar, inclusive, um desinteresse em prestar o bem almejado pela Administração Pública. Com isso, é necessária a existência de garantias asseguradas aos particulares e que estas sejam efetivamente observadas na execução dos contratos administrativos.

Assim, a estabilidade e, conseqüentemente, o lucro são as maiores garantias que podem ser estabelecidas em favor dos particulares contratados pelo Estado para que executem sua atividade com presteza e eficiência. No contrato administrativo, o contratado tem a certeza de que, muito embora a Administração Pública possua prerrogativas, estas se restringem às situações aludidas pela legislação, em estrita observância ao princípio da legalidade (CF/88, art. 37, caput).

A estabilidade aludida é, principalmente, de cunho econômico, já que o contratado tem a garantia de que o Poder Público não irá se submeter à falência e que a empresa contratada terá o seu crédito recebido, já que este é um direito constitucional, previsto no art. 37, XXI, da Carta Magna[5]. Destarte, a estabilidade econômica é a mais importante garantia que o particular possui, sabendo-se que, ao final, o seu lucro deverá ser obtido em conformidade com a proposta por ele apresentada.

O dispositivo precitado prevê justamente essa situação, estabelecendo a segurança jurídica de que o contratado precisa, qual seja: a garantia de que haverá o seu lucro previsto na proposta e que este será caracterizado pela proporcionalidade entre o encargo a ser executado e a contraprestação a ser paga pela Administração Pública, conforme a proposta inicial. É o que se denomina de equilíbrio ou equação econômico-financeira do contrato administrativo, que detém fundamento constitucional e é tratado com princípio magno.

Nesse contexto, explicita Hely Lopes Meirelles:

O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do contratado objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o projeto, ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público”. (MEIRELLES, 2006, p. 208).

A estabilidade econômico-financeira (proporcionalidade entre encargo/remuneração) é uma garantia que também existe nos pactos privados, mas que incide com maior ênfase nos contratos administrativos, já que o particular contratado está mais vulnerável ao ius variandi decorrente das prerrogativas do ente contratante, necessitando de mais instrumentos para concretização do seu direito. Isso tudo decorre de uma proteção jurídica que os executores dos contratos administrativos precisam para manter sua atividade operante e, dessa forma, realizar com eficiência e presteza a atividade pretendida pelo Poder Público, pois, como afirmou Márcia Walquiria Bastos dos Santos (2009, p. 326), o particular “objetiva lucro, sob pena de não conseguir cumprir as obrigações ao longo do prazo total de execução do contrato”.

A não observância dessa relação de proporcionalidade acarreta prejuízos para os dois entes contratantes, já que, tanto o particular não obterá o lucro previsto para realizar a atividade, como a Administração Pública não terá também um serviço eficiente e completo a seu alcance, prejudicando, dessa forma, o interesse coletivo. É o que ocorre, por exemplo, em alterações de projetos de obras já em execução, em que o particular precisa ter uma maior remuneração para executar o acréscimo de encargos impostos pelo Poder Público, sendo necessário, portanto, o restabelecimento do equilíbrio contratual, como já chegou a decidir o Superior Tribunal de Justiça[6].

Assim, a equação econômico-financeira é uma garantia existente em contraposição às inúmeras prerrogativas de que a Administração Pública é titular, com o objetivo de assegurar um mínimo de segurança e estabilidade na relação jurídica. O Poder Público tem o dever, portanto, de manter a relação de proporcionalidade para obter um serviço eficiente e para garantir a justa remuneração do contratado.

Por outro lado, no que concerne à efetiva concretização desses direitos, é evidente que o ente público não deveria criar qualquer embaraço à obtenção dessas garantias, sob pena de incidir em inconstitucionalidade e tornar um caos a sua atividade administrativa, pois poucos iriam querer contratar com ele. Todavia, o dever muitas vezes não corresponde ao ser, sendo necessária a utilização de vias alternativas para se buscar o direito garantido por lei e pela Carta Magna, principalmente através do Poder Judiciário, instituição de suma importância na garantia e concretização dos direitos dos cidadãos.

Na prática, seja por falta de regulação, seja por falta de esclarecimento acerca do assunto, o Poder Público, por vezes, coloca óbices à concretização do direito, através do estabelecimento de normas e procedimentos equivocados. Porém, qualquer forma de tentar impedir a consecução do direito ao equilíbrio econômico-financeiro não deve ser aceita e deve ser expurgada do mundo jurídico, por ser ilegal e, ao mesmo tempo, infringir princípios constitucionais. O assunto será mais bem tratado a frente.

1.3. O reequilíbrio econômico-financeiro e a teoria da imprevisão.

Tanto nos contratos administrativos, como nos contratos privados, a aplicação do princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda) é plenamente aceito. Isso porque tal postulado possui fundamento constitucional (CF/88, art. 5º, XXXVI[7]) e defesa unânime por parte da doutrina. Nas lições de Caio Mário da Silva Pereira (2009, v. 3, p. 14), por meio dele, os contratos fazem lei entre as partes, de forma que devem ser cumpridos e exauridos em todos os seus termos, não havendo autores que cheguem a infirmá-lo. Assim, o descumprimento por uma das partes constitui ato ilícito que gera o dever de reparar por aquele que assim procedeu.

Por outro lado, com o tempo, percebeu-se que o princípio da força obrigatória dos contratos era insuficiente para regular as relações negociais, principalmente quando havia mudanças circunstanciais entre os contratantes que geravam desequilibro entre os encargos pactuados.  Com isso, surgiu a denominada cláusula rebus sic stantibus, criada com o intuito de proteger o equilíbrio entre as partes, de forma a manter a proporcionalidade entre o encargo e o valor devido, evitando enriquecimentos sem causa.

A solução para o problema veio como forma de permitir uma composição pacífica quanto à continuidade do negócio jurídico, mantendo-se os interesses e benefícios das partes contratantes incólumes. Nesse ponto, a referida cláusula sofre diversas releituras e denominações, mas todas justificadas com o mesmo objetivo, que é a manutenção do equilíbrio de encargos, e, nesse sentido, é que se compreende o equilíbrio ou a equação econômico-financeira contratual. O contrato deve ser compreendido de maneira dinâmica, de forma que as alterações sociais e econômicas da avença devem ensejar a sua renegociação, como forma de primar pelo bem da relação negocial e pela boa-fé dos contratantes, conforme salientado por Leonardo Mattieto (2007, p. 129-130).

Renata Faria Silva Lima explica também a sistemática do surgimento da mencionada cláusula:

Observada a legítima formação de um contrato, instala-se, por sua força jurídica, o vínculo obrigatório e presumidamente justo entre os contratantes. Contudo, a obrigatoriedade contratual está indissoluvelmente ligada à comutatividade ou ao equilíbrio entre as prestações das partes. Se eventos posteriores por elas não previstos afetam esta comutatividade e, conseqüentemente, a justiça contida na equação econômica-financeira inicialmente avençada, a aplicação do pacta sunt servanda se torna flexível, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio das prestações. […]

A obrigatoriedade contratual tornou-se relativa, permitindo a revisão do conteúdo do negócio ou, até mesmo, a resolução do contrato quando modificadas as condições em que tal contrato foi firmado, a partir da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, visando ultimar a proteção do equilíbrio entre as partes, para o restabelecimento da comutatividade e, principalmente, para a proteção às garantias constitucionais, entre as quais o princípio da igualdade e repressão ao abuso econômico”. (LIMA, 2007, p. 10-12).

A citada cláusula é compreendida melhor ainda se observada sob o prisma dos demais princípios aplicáveis às relações contratuais, tais como o princípio da boa fé, da probidade e da função social da avença. Todos estes, de uma forma ou de outra, acabam por demonstrar a mesma finalidade, que é a de impedir o enriquecimento de uma das partes em prejuízo da outra, em virtude de eventos futuros não previstos inicialmente, idéia esta que acabou por consolidar o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Segundo esta máxima, não deve haver ganho de uma das partes do negócio jurídico em detrimento do outro contratante, sem que, para tanto, haja sua concordância.

O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, nesse sentido, retrata justamente a boa-fé que deve permear os contratos em geral. Além disso, objetiva assegurar a manutenção da igualdade entre os encargos durante a execução contratual e que nenhuma das partes obtenha lucro sem um título que legitime tal situação. É medida também de evitar injustiças e incentivar sempre a manutenção das avenças, como asseverou Caio Mário Pereira da Silva (2009, v. 2, p. 277-278).

Esse princípio é claro e totalmente aplicável à situação dos contratos administrativos.  Em havendo aumento de gastos para o contratado, este deve ter o direito de repassá-los às cláusulas econômicas do pacto realizado com a Administração Pública, como medida de lhe garantir estabilidade e segurança jurídica na execução da avença, de forma que não haja prejuízo a qualquer das partes envolvidas. Como ressalta Carlos Pinto Coelho Motta (2001, p. 288): “o salutar pressuposto da boa-fé deve presidir a relação entre particular e o Estado, eliminando o risco do enriquecimento ilícito de qualquer das partes […]”.

Destarte, a manutenção da equação econômico-financeira do contrato administrativo é uma garantia do particular contratado, da qual não pode a Administração Pública se eximir, limitando-a ou impedindo a sua proteção. Deve ela ser aplicada para manter o negócio jurídico sob a proporcionalidade que inicialmente havia se estabelecido de acordo com a proposta apresentada no certame licitatório.

Se não fosse assim, as relações contratuais dos particulares com o Poder Público se tornariam um caos em face de tantas prerrogativas que este possui. Assim, esse direito manifesta-se como uma clara garantia do particular existente em contraposição às inúmeras prerrogativas justificadas pelo interesse público. É, dessa forma, um direito que garante estabilidade e, conseqüentemente, segurança jurídica, sendo, como salienta Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 631), uma equação intangível.

Ademais, nos contratos administrativos, a manutenção da equação econômico-financeira possui fundamento constitucional, estabelecido no art. 37, XXI, da Carta Suprema, conforme já apontado anteriormente[8]. Assim, qualquer forma de impedir a manutenção dessa relação equacional, seja através de atos administrativos, legislativos ou judiciários, resultará sempre em inconstitucionalidade, devendo ser expurgado do mundo jurídico. Afirma novamente Renata Faria Silva Lima (2007, p. 58) que “configurará inequívoco ato ilícito qualquer ato emanado pela Administração que venha a negligenciar o seu dever de manutenção da essência do objeto ou das cláusulas econômico-financeiras”.

Posto isto, o problema está em desvendar quais atos podem ser considerados como geradores de ruptura da equação econômico-financeira dos contratos administrativos, bem como os requisitos para a sua configuração. Para isso, é necessário buscar a conceituação do instituto e detalhar seus desdobramentos. Nesse sentido, o já citado doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 630) afirma que o “equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá”.

Marçal Justen Filho (2009, p. 455), por outro lado, leciona que “a equação econômico-financeira é a relação entre encargos e vantagens assumidas pelas partes do contrato administrativo, estabelecida por ocasião da contratação, e que deverá ser preservada ao longo da execução do contrato”. O Tribunal de Contas da União, no Manual de Licitações e Contratos Administrativos, por ele publicado em seu endereço eletrônico, conceitua o equilíbrio econômico-financeiro da seguinte maneira:

O equilíbrio econômico-financeiro consiste na manutenção das condições de pagamento estabelecidas inicialmente no contrato, a fim de que se mantenha estável a relação entre as obrigações do contratado e a retribuição da Administração, para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento”. (TCU, 2006, p. 286).

Por fim, Hely Lopes Meirelles conceitua o equilíbrio, afirmando que:

[…] a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste. Essa relação encargo-remuneração deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que o contratado não venha a sofrer a indevida redução nos lucros normais do empreendimento”. (MEIRELLES, 2008, p. 218).

Como se percebe, todos esses conceitos direcionam à mesma idéia estabelecida no art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, no sentido de se garantir a manutenção das propostas inicialmente apresentadas, ou seja, assegurar a proporcionalidade entre o encargo atribuído e o preço ofertado. A divergência que surge a respeito do tema é se qualquer modificação do equilíbrio econômico-financeiro poderá ensejar direito do particular a restabelecer a relação inicial. Para explicar a situação, os juristas estabelecem uma diferenciação entre as chamadas áleas contratuais, especificando-as em álea ordinária e extraordinária.

Essas duas áleas, como as próprias denominações sugerem, se diferenciam pela imprevisibilidade do ato ou de suas conseqüências. Enquanto a álea ordinária poderia ser prevista pelo contratado, a álea extraordinária decorreria de fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis. A primeira, portanto, segundo Márcio Cammarosano (2007, p. 342), decorre da própria atividade empresarial, enquanto que a segunda não se sabe quando ou como poderá ocorrer.

Em vista disto, algumas decisões começaram a afirmar que o equilíbrio econômico-financeiro só seria rompido quando comprovada a ocorrência de fato imprevisível ou previsível, porém de conseqüências incalculáveis. Assim, apenas em caso de ocorrência de ato decorrente da álea extraordinária é que a equação seria modificada, segundo esse entendimento. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região[9], por exemplo, chegou-se a afirmar, em relação à realização de convenções coletivas de trabalho ocorridas após a assinatura do contrato administrativo, que “[…] A concessão de aumento salarial aos empregados da contratada, por força de dissídio coletivo, não se caracteriza como causa a ensejar a revisão do contrato, porque não existe desequilíbrio econômico-financeiro, que somente se configuraria se o encargo trabalhista fosse imprevisível […]”.

Na verdade, trata-se de uma confusão entre institutos jurídicos. Com o surgimento da idéia de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro no ordenamento jurídico pátrio, foi adotada também, paralelamente, a denominada teoria da imprevisão, segundo a qual, a renegociação contratual para adequação do valor ocorreria sempre que ocorressem fatos supervenientes imprevisíveis (álea extraordinária), sem a exigência de maiores formalidades, independentemente do momento. Por outro lado, a ocorrência de fatos previsíveis não poderia ser compensada no contrato administrativo durante certo lapso temporal, estando também sujeita a maiores requisitos. São situações completamente distintas.

A aferição quanto à previsibilidade do ato não engloba todos os casos de ruptura da equação econômico-financeira. A razão disso é que, mesmo havendo previsibilidade em relação ao fato surgido, este pode simplesmente não ter sido incluído originariamente no preço ofertado inicialmente, ensejando, assim, o desequilíbrio entre os encargos, principalmente em contratos extensos, onde não há como se antever sequer uma margem da porcentagem que poderá vir a ocorrer. A questão está em definir se essa desestabilização pode ensejar revisão do contrato anteriormente firmado e, nesse ponto, é que entra a teoria da imprevisão, impossibilitando a alteração ante a existência de previsibilidade do ato durante um período preestabelecido.

Efetivamente, a doutrina, em sua grande maioria[10], adota a teoria da imprevisão como forma de definir a possibilidade ou não de se alegar o desequilíbrio econômico-financeiro contratual para obter um realinhamento econômico do contrato administrativo. Todavia, não se pode negar que a Constituição Federal de 1988, no dispositivo que garante a manutenção da equação aludida, não faz qualquer diferenciação no que atine à previsibilidade do ato, tendo havido, nesse ponto, restrição de um direito constitucional, o que demonstra, ao menos formalmente, a ocorrência de inconstitucionalidade de qualquer ato administrativo, legislativo ou judiciário que exclua os atos previsíveis da proteção do princípio do equilíbrio econômico-financeiro contratual.

Porém, não é de se negar que a aplicação da teoria da imprevisão, na forma aludida, é adotada no âmbito de todos os poderes, nunca tendo sido, contudo, levada ao Supremo Tribunal Federal para análise da constitucionalidade da sua restrição em relação à disposição constitucional. Entretanto, esse fato não impede a análise crítica por parte dos estudiosos, os quais podem se deleitar sobre a matéria, ainda obscura e pouco enfrentada pelos juristas.

O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser ensejado por diversas situações, sendo a teoria da imprevisão apenas um instrumento de definição das hipóteses de sua aplicação em um nível de formalidade menor, tendo em vista a imprevisibilidade que lhe é peculiar. Assim, a aferição da inexistência de previsão do ato gerador do desequilíbrio de encargos seria uma forma de decidir sobre a existência ou não do direito do contratado de rever a relação de proporcionalidade em conformidade com a proposta inicialmente apresentada, sem maiores restrições, durante um período preestabelecido.

1.4. Formas de expressão do reequilíbrio econômico-financeiro.

As situações que podem ensejar a necessidade de restabelecer a equação econômico-financeira podem ser as mais variáveis. Desde que seja desfeita a relação de proporcionalidade estabelecida em conformidade com a proposta apresentada pelo contratado, haverá, por via de conseqüência, desequilíbrio contratual. A Carta Magna garante a manutenção das condições efetivas da proposta. O problema é que, muito embora seja um direito constitucional do contratado, a doutrina e a jurisprudência vêm sendo seletiva em relação às hipóteses que permitem a renegociação do preço para voltar à equação inicial.

Como visto antes, é plenamente aceita a idéia de que o reequilíbrio econômico-financeiro é obrigatório quando comprovada a ocorrência de um fato integrante da álea extraordinária[11], ou seja, não prevista inicialmente pelo contratado (aqui incluído o fato do príncipe, a alteração unilateral do contrato, o caso fortuito, a força maior, etc.), apontando-se, para tanto, a fundamentação do art. 65, §1º, II, d, da Lei 8.666, de 1993.  Muito embora os doutrinadores classifiquem diferentemente as formas de expressão da álea extraordinária, é certo que, para a sua configuração, basta que haja a ocorrência de um fato imprevisto ou, pelo menos, de conseqüências imprevisíveis ou incalculáveis, após a apresentação da proposta no certame licitatório e que este fato não tenha ocorrido por culpa do contratado.

O que importa, na verdade, é que o licitante não tenha previsto na sua proposta a ocorrência daquele fato oneroso. O caso fortuito, a força maior, o fato do príncipe, o fato da administração e demais elementos indicados pela doutrina como ocorrências distintas são sempre acontecimentos não previstos pelo contratado no momento da apresentação da proposta, fazendo jus o particular ao restabelecimento da equação econômico-financeira. A proporcionalidade de encargos, em conformidade com a proposta inicial, é um direito e um princípio constitucional que deve ser observado por qualquer dos poderes (MEIRELLES, 2006, p. 208).

A questão que surge é quando se indaga acerca da inclusão de hipóteses integrantes da álea ordinária como geradoras do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro. Essa espécie de risco é considerada pela doutrina como a que decorre normalmente da atividade empresarial e que, assim, é facilmente prevista pelo contratado. É o caso, por exemplo, do aumento normal do preço, decorrente da inflação, com aumento do valor dos insumos, mão-de-obra, etc. Tal aumento de gasto é compensado através dos reajustes e, mais recentemente, através da repactuação, instituto novo e ainda não bem compreendido no direito. 

Com isso, chegou-se a argumentar que esse aumento ordinário de gastos não geraria direito à alteração da situação econômica do contrato. A fundamentação utilizada para se afirmar isso é a de que a álea ordinária não acarreta o desequilíbrio contratual, pois a sua variável deveria estar incluída na proposta. Dessa forma, alegam que o fundamento para existir o reajuste e a repactuação do contrato administrativo, com a finalidade de compensar encargos ordinários, não decorreria do direito à equação econômico-financeira, mas de uma concessão, ou melhor, faculdade da Administração Pública.

Esse entendimento, todavia, contradiz o direito assegurado pela Constituição Federal de 1988, sendo uma confusão de institutos, como mencionado anteriormente. O reajuste de preços ou a repactuação de um contrato administrativo é uma forma de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro a partir da compensação do aumento de gastos ordinários. Os dois institutos, de uma forma ou de outra, visam amenizar a elevação de custos decorrentes da inflação monetária. Na verdade, o passar do tempo entre a proposta apresentada e o desenvolvimento da execução contratual causa a modificação dessa equação econômico-financeira e, conseqüentemente, gera a necessidade de se adequar a proporcionalidade dos encargos. Não se trata, pois, de uma faculdade, mas de uma obrigação da Administração Pública em conceder esse direito.

A diferenciação que existe é a de que os fatos extraordinários, ou de conseqüências extraordinárias, seguem um regramento diferente, com requisitos diferenciados, distinto dos aplicados à compensação de gastos ordinários, fato este que não os excluem do quadro normativo do direito ao equilíbrio econômico-financeiro estampado na Constituição Federal de 1988. Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 647-648), tratando dos reajustes de preços nos contratos administrativos, enfatiza que essa compensação é uma forma de salvaguardar a equação econômico-financeira contratual, direito constitucional dos contratantes, e é concretização do dever de boa-fé da Administração Pública nas avenças, sobre a qual deve estar sempre pautada.

Assim, seja a álea ordinária ou extraordinária, a afetação da equação econômica contratual gera o direito ao reequilíbrio de encargos, mas se diferencia em razão dos requisitos e da moldagem jurídica a que são submetidos. Destarte, o direito decorrente da álea ordinária pode observar prazos maiores para que haja a sua compensação no contrato administrativo; pode ser exigida a manifestação expressa do interessado no direito (requerimento); e assim por diante. O que não se pode é excluir o direito do contratado sob a alegação de que não faz parte do seu direito constitucional, limitando-o ao bel prazer da Administração Pública.

O Poder Público não está na relação jurídica visando à obtenção de lucro, mas sim à concretização do interesse público e, portanto, deve observar a garantia constitucional do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro, não podendo criar óbices à sua consecução. A adequação contratual é manifestação expressa da cláusula rebus sic stantibus e deve ser observada também como direito constitucional do contratado.

2. Repactuação: um instituto inovador.

2.1. O surgimento no direito brasileiro.

O conceito de repactuação do contrato administrativo não pode ser extraído da simples leitura de um dispositivo de lei. Pelo contrário, a definição desse instituto só é possível de ser fixada a partir de uma análise da conjuntura de normas, precedentes e lições doutrinárias, que, muitas vezes, mesmo conjugados, são insuficientes para esclarecer corretamente a sua moldura jurídica. Mais importante ainda é conhecer o seu surgimento no direito brasileiro, visando entender o seu funcionamento e a sua estrutura desse direito para encontrar seu delineamento conceitual.

Como explicado anteriormente, os contratos administrativos se diferenciam dos privados pela aplicação de um regime jurídico de direito público que coloca a Administração Pública em um estado de superioridade. A justificativa para isso é a necessidade de proteção do interesse público por plena aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Por outro lado, os particulares precisam de garantias para poder executar o contrato com estabilidade e segurança, pois, do contrário, diminuiria o interesse em contratar com o Poder Público.

A repactuação se encontra justamente entre esses direitos relativos ao interesse patrimonial do contratante privado. Entretanto, a principal norma atual sobre licitações e contratos administrativos no direito brasileiro, Lei 8.666, de 1993, não previu expressamente o instituto citado, pelo menos não sob essa nomenclatura. Isso porque, inicialmente, tendo em vista o período de instabilidade financeira presenciado pelo Brasil, não era possível a sua estruturação e aplicação nos moldes atuais.

Inicialmente, só se aceitava a adoção de índices oficiais para reajustar o pacto, já que o contratado não iria conseguir comprovar os aumentos de custos sempre que o tivesse, uma vez que os preços oscilavam constantemente. O seu surgimento efetivo só ocorreu a partir da estabilização da moeda, com a implantação do Plano Real, especialmente a partir da promulgação de algumas leis como, por exemplo, a Lei 8.880, de 1994[12]; 9.069, de 1995[13]; e 10.192, de 1998[14]. Márcia Walquiria Batista dos Santos explicita a dificuldade pela qual passou o país:

Esse assunto começou a ganhar importância antes do Plano Real e durante o mandato do Presidente Collor de Mello, em que a inflação era galopante; era o panorama em que viviam as licitações, em momento anterior à edição da Lei nº 8.666/93. Quem trabalhou com licitações à época do Decreto-Lei nº 2.300/86 sabe as dificuldades em celebrar contratos de longo prazo e como era freqüente a questão das solicitações de revisão de preços. […] Eu me lembro do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, fazendo a distinção entre ter um reajuste de 80% no contrato ou de 2% ou, às vezes, nenhum. Como esse reajuste era significativo em uma época em que havia inflação, essas atualizações acabavam acontecendo de uma forma quase que automática e mensalmente”. (SANTOS, 2009, p. 325-326)

Dessa forma, a impossibilidade de previsão da situação financeira futura do país apenas permitia duas formas de garantir o interesse patrimonial do contratante nos pactos administrativos, as quais foram intituladas de revisão ou recomposição e reajustamento de preços (arts. 40, XI; 55, III; e 65, I, d e §6º, da Lei 8.666, de 1993), embora, não raras as vezes, tenham sido utilizadas para significados indevidos. A previsão dos dois institutos teve por escopo garantir a proporcionalidade entre os encargos incumbidos ao particular e sua compensação financeira correspondente. É cabível, assim, diferenciá-los.

O contratante faz jus à revisão ou recomposição do contrato administrativo quando ocorre um fato ulterior e alheio à vontade do contratado, e não previsível por este, que acarrete aumento de seus encargos, ou seja, ocorre quando o fato decorrer da álea extraordinária. É o caso, por exemplo, das hipóteses elencadas no art. 65, §1º, II, d, da Lei 8.666, de 1993[15]. Também pode ser suscitada sua ocorrência quando o Poder Público altera unilateralmente o contrato, art. 65, §6º, da legislação citada. Como se verifica, a desproporcionalidade entre encargos surge de um fato alheio à normalidade da execução contratual, fator este que enseja prejuízo excessivo a uma das partes contratantes.

O reajustamento de preços, por outro lado, foi entendido, de início, restritivamente como reajuste de preços, instituto este que tem por base a aplicação de um índice oficial sobre o valor do contrato, de forma automática, com vistas a compensar o aumento dos custos decorrentes da inflação. Esse procedimento, da forma aludida, se justificava pelo fato de que, àquela época, seria muito difícil comprovar o aumento de encargos em um período de plena instabilidade, em que um dia não retratava os custos da data seguinte. José dos Santos Caravalho Filho (2010, p. 217), por exemplo, até hoje, ainda elucida a diferença entre revisão e reajuste na forma citada, aludindo apenas à aplicação do índice. Deve-se salientar também que, como ensina Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, 2006, p. 210-211), “o reajustamento contratual de preços não se confunde nem impede a revisão do contrato e a recomposição extraordinária de preços […]”.

Com a implantação do plano real, a economia brasileira passou a ter estabilidade e a inflação começou a ser um fato previsível, com a possibilidade de, em regra, prever uma margem da futura variação de preços, o que possibilitou o surgimento da repactuação como uma espécie de reajustamento de preços ao lado do reajuste[16][17]. Haja vista a maior previsibilidade da economia brasileira e, em especial, da inflação de mercado, começou-se a exigir que, para obter o reajustamento de preços, o contratado deveria comprovar o aumento de seus custos, através de documentos hábeis e de planilhas comparativas de preços, já que a aplicação de índice poderia não retratar a verdade dos fatos, onerando injustamente ou o particular ou a Administração Pública.

A aplicação automática de índice para reajustar os valores do contrato e permitir uma equiparação de encargos se mostrou menos eficaz do que a utilização da repactuação. A incidência automática poderia não retratar o efetivo aumento de custos, vez que estes variavam de acordo com o conteúdo e a forma de execução do pacto. Outra razão é que a maioria dos custos do contratado já estava amortizada com um período curto após o início da execução da avença, sendo a aplicação do índice prejudicial ao ente contratante, como explica Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO, 2009, p. 465).

Em que pesem tais considerações, deve-se destacar que a legislação continua prevendo a possibilidade de utilização do reajuste, já que o art. 40, XI[18], da Lei 8.666, de 1993, não foi revogado, mantendo a faculdade de utilização de índices específicos ou setoriais. No mesmo sentido é a Lei 10.192, de 2001, que, em seu art. 2º[19], também a permite. Porém, mesmo com expressa disposição nesse sentido, o Tribunal de Contas da União vem decidindo que deve ser utilizada a repactuação para equiparar os encargos do contrato, e não a incidência de percentuais específicos. No Acórdão nº 0265-05/10 – Plenário, determinou à Caixa Econômica Federal que:

[…] quando realizar repactuações de valores por meio de termo aditivo, efetue um diagnóstico analítico dos componentes do custo do contrato e pondere a real necessidade de se reajustar cada um deles, abstendo-se de simplesmente aplicar os percentuais de reajuste aos itens unitários, de forma a restabelecer o equilíbrio entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração do serviço, conforme estabelecido nos arts. 40, inciso XI; 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93, e no art. 5º do Decreto nº 2.271/97”. (TCU, 2010).

Assim, vem sendo recomendado pelo TCU a adoção da repactuação no lugar do reajuste, com a finalidade de buscar cada vez mais a efetiva variação dos custos. Embora o tema não se apresente claro em sua definição, a utilização da repactuação, abstendo-se de aplicar índices automaticamente, representa a melhor opção para os contratantes, pois retrata a equiparação dos encargos de forma mais condizente com a realidade, evitando-se o enriquecimento sem causa de qualquer dos envolvidos no negócio jurídico.

Registra-se que a primeira norma que utilizou a nomenclatura da repactuação foi a Resolução nº 10, de 1996, do Conselho de Coordenação e Controle de Empresas Estatais – CCE[20], em que pese não ter trazido nenhuma contribuição elucidativa sobre o tema, apenas suscitando a sua existência. Mesmo após esse ato normativo, não veio a ser editada qualquer lei a respeito do tema, diferenciando a repactuação como um direito distinto do reajuste. O ordenamento jurídico, assim, se mostra precário em face do vazio normativo existente. A Lei 8.666, de 1993, traz apenas previsão do reajustamento de preços, gênero do qual a repactuação é espécie (art. 40, XI, e 55, III, da Lei 8.666, de 1993). As Leis 9.069, de 1995, e 10.192, de 2001, também não prevêem essa nomenclatura, utilizando-se sempre da palavra do termo reajuste ou do gênero reajustamento.

A possibilidade de o Poder Executivo regular esses dispositivos foi concedida pelas Leis n.º 8.666, de 1993, e 10.192, de 2001. A primeira, prevendo o gênero do reajustamento de preços, não detalhou tal instituto, permitindo o regramento através de atos normativos infralegais, desde que não entrem na seara de matérias exclusiva de lei. Por outro lado, a segunda, e seu art. 3º,

§2º, concedeu praticamente um “cheque em branco” ao Poder Executivo de todas as federações, permitindo que fosse regulado o reajuste de preços, desde que respeitada a anualidade prevista. No âmbito federal, por exemplo, a partir dessas liberações, foram editadas algumas regras sobre a repactuação, podendo-se utilizar como exemplos o Decreto 2.271, de 1997, e a Instrução Normativa nº 02, de 2008, do MPOG, principais atos normativos a respeito da matéria.

No entanto, não é demais destacar que essas permissões apenas possibilitam ao Poder Público regulamentar o dispositivo, não podendo criar ou modificar direitos previstos em lei e, muito menos, na Carta Magna, em respeito ao princípio da separação dos poderes (CF/88, art. 2º) e da legalidade (CF/88, art. 5, II). O sistema jurídico brasileiro não admite a utilização do regulamento autônomo, mesmo se concedido através da legislação o poder de regulação, haja vista que o único meio de o Poder Executivo dispor sobre matéria de lei é através de lei delegada, procedimento previsto na própria Constituição de 1988.

2.2. Fontes e fundamentos: em busca de uma definição jurídica.

A partir dessas considerações, é possível buscar um norte para a definição da repactuação no sistema jurídico brasileiro, levando-se em conta os fatores elencados anteriormente. Como se ponderou, a repactuação é considerada espécie de reajustamento de preços, ao lado do reajuste, e não se confunde com a recomposição de preços.

Assim, a repactuação do contrato administrativo tem por finalidade retomar a equivalência entre os encargos do contratado e sua contraprestação financeira, ante a defasagem dos valores contidos na proposta decorrente do aumento da inflação, como, por exemplo, aumento do valor da mão-de-obra, de uniformes, de equipamentos e assim por diante. Os meios de equiparar tais obrigações são através da comprovação do aumento dos gastos (repactuação) ou da aplicação automática de índices ao valor do contrato (reajuste).

Disto, já se vê que a repactuação possui fundamento na cláusula rebus sic stantibus, criada como forma de relativização do pacta sunt servanda. O surgimento dela vem da necessidade de se adequar o aumento de gastos ordinários com a contraprestação recebida da Administração Pública. Entretanto, os documentos que a ela fazem referência não se dispõem a conceituá-la de forma didática, restringindo-se a fazer a diferenciação em relação ao reajuste e ao reajustamento de preços.

Os poucos doutrinadores que enfrentam a matéria também encontram dificuldades em definir de forma clara o conteúdo desse direito. Marçal Justen Filho (2009, p. 465), por exemplo, leciona que: “a repactuação consiste numa modalidade de revisão de preços, realizada a cada doze meses, a ser obrigatoriamente adotada nos contratos de serviços contínuos com prazo superior a doze meses, praticados pela Administração Pública federal indireta”.

Como se percebe, a conceituação trazida pelo doutrinador referido é passível de diversas críticas. Dentre elas, é possível citar, como mais evidente, o equívoco utilizado quanto à nomenclatura e à restrição de sua utilização por parte da Administração Pública federal indireta. Conforme se expôs anteriormente, a repactuação é espécie de reajustamento de preços e não de revisão, podendo ser utilizada por qualquer entidade da Administração Pública, qualquer ente federado, desde que incidente em contratos administrativos.

Arthur Cerqueira Valério e Maria Carolina Mauricio Verçoza (2007, p. 38) conceituam repactuação de preços com o instrumento que visa estabelecer a “variação real de preços, desde que haja previsão no edital; observância do interregno mínimo de um ano e demonstração analítica, por meio de uma planilha, da efetiva variação […]”. A definição aludida também se preocupou mais com os requisitos do que com a didática do direito em apreço.

O governo federal, por outro lado, também tentou destinar uma conceituação a respeito desse instituto. Trata-se da Instrução Normativa nº 02, de 2008, editada pelo Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que, em seu anexo I, inciso XX, alterado pela Instrução Normativa nº 03, de 2009, do mesmo órgão, afirmou que a repactuação:

[…] é a espécie de reajuste contratual que deve ser utilizada para serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, de modo a garantir a manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do contrato, devendo estar prevista no instrumento convocatório com data vinculada à apresentação das propostas para os custos decorrentes do mercado e do acordo ou convenção coletiva ao qual o orçamento esteja vinculado para os custos decorrentes da mão de obra;”. (MPOG, 2009).

A redação do dispositivo precitado e os conceitos trazidos são detalhados e resumem aspectos atinentes aos requisitos da repactuação, os quais não são suficientes para um consenso didático. Para elucidar a definição a que se busca, todavia, necessita-se definir primeiramente os seguintes elementos: fato-gerador, sujeitos passivos e ativos da relação e os pressupostos de validade. A conjunção de todas essas características possibilita uma compreensão mais ampla da estrutura da repactuação, como direito novo que é.

 No que concerne ao fato-gerador do direito à repactuação, é possível afirmar que as normas não indicam plenamente a situação que se enquadra na hipótese normativa. Inobstante essa lacuna, sua estrutura normativa e finalidade com que foi criada demonstram que é o aumento de custos ordinários o fato gerador do direito, visando manter o equilíbrio econômico-financeiro, assegurado pela Constituição Federal de 1988.

Assim, a conceituação deve levar em consideração as situações que ensejam a repactuação, ou seja, os motivos que a fazem surgir. Nesse mesmo sentido, esse direito é gerado a partir do momento em que há aumento dos custos contratuais para uma das partes, ensejando desproporção entre as obrigações previamente estipuladas. Como já foi explicitado antes, esse instituto é uma espécie de reajustamento de preços e surge a partir da comprovação efetiva do aumento de gastos despendidos na execução da avença inicialmente firmada e não previstos preliminarmente na proposta de preços.

Contudo, a diminuição dos custos destinados pelo particular, em virtude da amortização que pode ocorrer em algumas espécies de contrato após o transcorrer de certo lapso temporal, também é fato gerador da repactuação. Esse ponto de vista, porém, não faz parte da análise efetivada no presente estudo, que visa unicamente a verificar a repactuação como garantia constitucional dos particulares contratados.

Quanto ao sujeito passivo do direito em apreço, pode-se dizer que não se restringe a apenas um órgão ou entidade pública em específico. Pelo contrário, a repactuação deve ser aplicada a qualquer contrato administrativo, seja qual for a pessoa jurídica de direito público que o estiver gerindo. Todavia, não se pode negar que a sua regulação em âmbito municipal, estadual e distrital é muito precária, praticamente inexistindo normas a respeito, já que é um direito novo e que ainda está em fase de discussão no tocante aos seus moldes existenciais.

Já no que diz respeito ao sujeito ativo, faz jus ao direito em apreço todo o particular que tiver os gastos destinados àquele contrato aumentados. Em existindo o fundamento para requerer a adequação das obrigações e atendidos os requisitos normativos, o particular poderá pleitear a repactuação do pacto firmado, não sendo dado à Administração Pública causar embaraços injustificados a sua concessão. Assim, uma vez cumpridos os requisitos, o particular tem direito à repactuação com o objetivo de preservar o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste, como conclui Gilberto Bernardino de Oliveira Filho (2007, p. 135).

Deve-se ressaltar, contudo, que a Administração Pública também pode ser sujeito ativo desse direito, quando há amortização dos gastos pelo particular, diminuindo seus custos durante a execução contratual (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 135). Nesse caso, os papéis se invertem e o Estado passa a ser sujeito ativo, sendo o particular o sujeito passivo da relação de renegociação.

Por fim, os pressupostos de validade da realização da repactuação são aqueles de cunho procedimental e meritório (requisitos normativos), que visam viabilizar a análise e a concretização do direito do particular. São exemplos disso, a apresentação de propostas de preços com a correta demonstração da variação de custos, a observância do interregno mínimo de doze meses, a existência de disponibilidade orçamentária pela entidade pública e a adequação aos valores praticados pelo mercado, requisitos estes previstos no Decreto 2.271, de 1997, e na Instrução Normativa MPOG nº 02, de 2008.

Diante dessa perspectiva, é possível buscar um consenso entre os pontos apresentados e trazer uma mediação entre as características encontradas, chegando ao conceito de que a repactuação é o direito a que faz jus o particular contratado em face do Poder Público contratante (ou vice-versa, a depender da situação), diante de um contrato administrativo, quando há aumento ou diminuição ordinária de custos utilizados para a execução contratual, fato possível de ser previsto pelos contratantes, desde que atendidos os requisitos de cunho procedimental e relativos ao mérito do pleito.

Saliente-se que o presente trabalho não tem por finalidade a exaustão de uma definição estanque e indiscutível, mas sim a conjugação de elementos estruturais comuns do instituto em estudo, buscando elucidar de forma objetiva o direito em questão. Ademais, a conceituação de um direito é variável e inconstante, principalmente quando ele se caracteriza como inovador, podendo sofrer alterações adaptáveis ao ponto de vista adotado.

A partir dessas considerações, visto que a repactuação detém a finalidade de compensar o aumento de gastos decorrente da inflação econômica suportada pelo contratado, faz-se necessário esclarecer se esse instituto se enquadra como direito constitucional, fundamentado no princípio do equilíbrio econômico-financeiro esculpido no art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988 ou se este direito se encontra fora do âmbito normativo de proteção constitucional, definindo, posteriormente, as conseqüências do entendimento a que se chegar.

2.3. A repactuação e o reequilíbrio econômico-financeiro: distinção ou relação?

Um dos grandes temas que se mostra confuso ainda sobre a matéria da repactuação do contrato administrativo é sobre a sua inclusão como instrumento de reequilíbrio econômico-financeiro da avença. Seja na doutrina, seja na jurisprudência dos tribunais ou, até mesmo, no próprio âmbito do Poder Executivo, encontram-se divergências de entendimentos. A razão disso são os diversos desdobramentos que a conclusão disso pode levar.

No Tribunal de Contas da União, por exemplo, decidiu-se expressamente, através do Acórdão nº 1563/2004 – Plenário, que os incrementos de custos com mão-de-obra (os quais são geradores do direito à repactuação) “não se constituem em fundamento para alegação de desequilíbrio econômico-financeiro”[21]. Por outro lado, em 2006, através do Acórdão 361 – Plenário, afirmou-se que “o desequilíbrio econômico poderá ensejar futuramente a revisão ou repactuação contratual”.

No Poder Judiciário, por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que o aumento dos custos ordinários não permite a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro (RESPs 134797/DF, 411101/PR e 382260/RS). Todavia, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região já chegou a considerar o aumento de custos decorrente da mão-de-obra causa geradora da ruptura da equação financeira, na Apelação Cível nº 406602/RJ.

Já a doutrina majoritária alude geralmente à repactuação como medida de assegurar a proporção de encargos, a exemplo de Gilberto Bernadino de Oliveira (2007, p. 132), Karine Lilian de Sousa Costa Machado (2008, p. 244) e Fernando Vernalha Guimarães (2009, p. 332). Os demais juristas que não se propõem a analisar a questão mais a fundo, adstringindo-se a explicitar os requisitos para a obtenção do direito.

Em que pese essas dissonâncias, como visto, a equação econômico-financeira equivale à proporcionalidade entre o preço apresentado na proposta inicial e o encargo atribuído ao particular contratado. Por outro lado, o reequilíbrio econômico-financeiro é justamente o instrumento utilizado para voltar ao estado inicial, mantendo-se a execução do ajuste sem prejuízo para qualquer das partes envolvidas. Nesse sentido, o desfazimento dessa relação de proporcionalidade enseja uma nova análise das cláusulas financeiras do contrato administrativo e, nesse ponto, é que as nomenclaturas variam (revisão, recomposição, reequilíbrio, etc.).

A necessidade de manutenção do equilíbrio de encargos é um direito constitucional, decorrente do disposto no art. 37, XXI, da Carta Magna e também é considerado como princípio. Não há dúvidas de que esse direito insculpido no texto máximo do ordenamento jurídico pátrio advém de uma consolidação da cláusula rebus sic stantibus. Destarte, é a mudança no estado das coisas que justifica a adequação contratual, como bem explica Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 639-640).

A repactuação de preços do contrato administrativo também decorre da alteração do estado das coisas. O contratado faz jus à alteração das cláusulas financeiras da avença pelo fato de ter havido aumento dos seus custos. O que a diferencia dos demais é que a sua hipótese de incidência corresponde a um fato que, atualmente, é previsível: a inflação. É esse fenômeno que altera o preço dos insumos e da mão-de-obra, acrescendo os gastos que o contratado tem que despender na execução contratual.

Registre-se que, inicialmente, o Tribunal de Contas da União, ainda em 1995, na Decisão 457/1995 – Plenário, entendia ser possível a alegação de desequilíbrio contratual para hipóteses de aumento inflacionário. O relator da referida decisão compreendeu que, muito embora a inflação seja um fato previsível, os seus índices não o são, de sorte que esse fato poderia ser entendido como conseqüências incalculáveis, estando, portanto, dentro da previsão contida no art. 65, II, d, da Lei 8.666, de 1993.

Ocorre que, durante o período de estabilização financeira do país, a jurisprudência e uma parte da doutrina passou a entender que a inflação não poderia ensejar o desequilíbrio contratual, já que esse fato seria previsível, estando incluído, portanto, dentro da álea ordinária, a ser suportada pelo contratado. Assim, os particulares contratados pela Administração Pública deveriam incluir, quando da elaboração de sua proposta, a possível variação de custos decorrente da inflação, mesmo que não acarretasse a realidade do aumento de gastos.

Com essa linha de argumentação, alguns juristas começaram a defender a repactuação do contrato administrativo como um direito infraconstitucional, fora do âmbito de proteção do princípio do equilíbrio econômico-financeiro[22], decorrente de um benefício que o Poder Público poderia conceder, desde que previsto nos termos do contrato e do instrumento convocatório do certame licitatório. Assim, para requerer esse direito, não se poderia alegar o desequilíbrio econômico-financeiro[23], mas sim deveria ser verificada a existência de previsão nos instrumentos de vinculação para obter a compensação de encargos.

A razão dessa mudança de entendimento foi que o aumento de gastos decorrente da álea ordinária deveria estar incluído na proposta, pelo menos dentro de uma variação plausível e previsível. Dessa forma, em caso de não estar prevista e haver o desequilíbrio, a culpa seria do licitante-contratado, o qual deveria suportar esse ônus. Com isso, a manutenção da proposta estaria garantida e a desproporção entre o encargo e a contraprestação seria culpa do contratado, que não poderia gerar direito ao reequilíbrio e, da mesma maneira, não infringiria a Carta Maior.

Alegou-se também, para tanto, a falta de praticidade e efetividade em se adotar a possibilidade de inclusão dos gastos ordinários do contratante no pacto administrativo. O Parecer emitido pelo Ministério Público Junto ao TCU, constante do teor da Decisão 457/1995 – Plenário daquela corte de contas, explica bem o fundamento aludido:

De fato, admitir a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos fora da via estreita definida pelo estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, vale dizer, aceitar a recomposição de preços nos contratos a todo tempo e modo, na hipótese de o contratante apenas demonstrar alterações na relação econômico-financeira, seria negar qualquer sentido prático ao instituto da licitação e premiar o licitante que, por má-fé ou por inépcia empresarial, apresentou proposta que, com o tempo, se revelou antieconômica. A licitação, na hipótese em questão, poderia conduzir a Administração à escolha de propostas apenas aparentemente mais econômicas. As empresas que oferecessem propostas adequadas, escoimadas em previsões bem feitas e com margem de lucro razoável, poderiam ser derrotadas por propostas mal calculadas, que manifestariam seus malefícios somente meses mais tarde”. (TCU, 1995).

Ademais, já que é previsível o fato da inflação, afirmou-se que estaria, portanto, sem a proteção da teoria de imprevisão, de vez que não poderia ser compreendido sob o prisma da equação econômico-financeira do contrato administrativo, como defende o Parecer nº AGU/JTB 01/2008, aprovado pelo Advogado-Geral da União (AGU, 2008, p. 5).

Em que pese tais considerações, é fácil perceber que esse posicionamento deixa de levar em consideração outros fatores, restringindo-se a alegar a previsibilidade do ato como forma de excluí-lo das hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro e conseqüentemente do direito constitucional que é. A questão de a inflação ser previsível não a exclui do direito constitucional à proporcionalidade entre encargo e contraprestação. O reajustamento de preços, aí incluída a repactuação, é uma maneira de se garantir a manutenção de tal equação, como afirma Diógenes Gasparini (1995, p. 391-392).

O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser expresso por diversos instrumentos e, nesse ponto, deve-se destacar que a Constituição Federal 1988, em seu art. 37, XXI, não faz qualquer diferenciação em relação ao fato gerador da ruptura da equação financeira decorrer da álea ordinária ou extraordinária, deixando para a legislação infraconstitucional apenas o regramento regulatório. Assim, não cabe ao legislador ou mesmo ao próprio intérprete do direito restringir um direito constitucional ao ponto de extinguir situações de seu âmbito de proteção sob qualquer alegação. O que pode haver, isso sim, é o estabelecimento de requisitos diferentes para hipóteses distintas, já que o dispositivo em apreço concedeu ao legislador a competência para regulá-lo com a expressão “nos termos da lei”.

O reajustamento de preços é meio para restabelecer e manter a equação financeira do pacto administrativo, mas que, em virtude de ser possível a previsão da inflação, pelo menos em uma margem razoável, sofre maiores limitações. Dessa forma, a proposta apresentada pelo licitante deve conter a perspectiva de inflação dentro dos índices normais, de forma que a superação do percentual possível de ser previsto deve ser considerada como fato extraordinário e, nessa hipótese, o instrumento de restabelecer a equação será através da revisão de preços, e não do reajustamento[24].

Entretanto, toda proposta apresentada é elaborada com base em um período de validade e a superação desse período enseja a necessidade de se reavaliar o efetivo aumento de custos para a continuidade na execução do ajuste, sob pena de não serem mantidas as condições efetivas da proposta. Dessa maneira, o reajustamento do contrato administrativo é uma forma de manter o equilíbrio econômico-financeiro contratual, mas que, em virtude de suas características próprias, sofre limitações diversas da revisão de preços.

A manutenção do contrato administrativo, sem a renegociação das cláusulas econômico-financeiras causa desequilíbrio contratual infringe a Constituição Federal de 1988. O que difere os fatos previsíveis dos imprevisíveis é a forma de se compensar o aumento de gastos nos contratos administrativos e os requisitos a que estão submetidos, não se devendo, porém, excluí-los do âmbito de proteção da equação econômico-financeira contratual. Como afirma Hely Lopes Meirelles (2008, p. 218), ao conceituar o reajustamento de preços, é dever de a Administração Pública garantir a relação de encargo/remuneração, sendo o reajustamento (aqui incluída a repactuação) um instrumento para assegurar o equilibro contratual.

Portanto, a repactuação deve ser considerada como direito de cunho constitucional, protegido pelo princípio do equilíbrio econômico-financeiro, não podendo o Estado eliminá-lo. Entretanto, não se confunde com a revisão de preços, que é fundada na imprevisibilidade do ato modificador das circunstâncias, pois se submetem a requisitos e pressupostos diferenciados. Assim, como afirma Fernando Vernalha Guimarães (2009, p. 333), não é “faculdade da Administração, mas um direito do contratado – que tem, como contrapartida, um dever jurídico imposto à Administração”.

2.4. O vazio regulatório e as limitações ao direito de repactuar.

A repactuação do contrato administrativo, como instituto recentemente compreendido que é, possui deficiência regulatória, carecendo de normas que o detalhem[25]. No mesmo sentido, o reajuste de preços, mesmo sendo um direito mais antigo do que a repactuação, também não conta com grande contexto normativo, de forma que, até mesmo a tentativa de aplicação análoga de dispositivos, não se revela satisfatória.

Para se ter uma noção, não há nenhuma lei que se refira expressamente ao termo “repactuação” no sentido consolidado pela doutrina e jurisprudência pátria. Quando se utiliza essa palavra, é para indicar um novo contrato, uma revisão de cláusulas, ou, até mesmo, uma confusão com o instituto da revisão de preços. O reajuste, por outro lado, encontra previsão expressa em leis esparsas e no art. 40, XI, da Lei 8.666, de 1993.

Já o reajustamento de preços (aqui entendido como o gênero que compreende as espécies repactuação e reajuste de preços) também encontra previsão na Lei 8.666, de 1993, mais especificadamente no art. 55, III.  Mesmo este gênero, mencionado pela legislação geral de licitações e contratos administrativos, não possui regramento detalhado, de forma que o vazio normativo perpassa todos os institutos mencionados.

A questão que se põe, a partir disto, é a seguinte: a regulação da repactuação poderia se estabelecer exclusivamente por regulamentos do Poder Executivo? Ressalte-se que, para responder a essas indagações, é necessária a utilização de um raciocínio jurídico sistemático, já que não há enfrentamento expresso sobre o problema pela doutrina e jurisprudência.

É necessário destacar, inicialmente que, em face do princípio da legalidade, a repactuação, tal como é compreendida atualmente, não esbarra em qualquer óbice. O equilíbrio econômico-financeiro, previsto na Constituição Federal (art. 37, XXI), que é o ápice do ordenamento jurídico brasileiro, dá fundamento à criação de diversos instrumentos para a sua concretização, principalmente pela previsão de que tal direito será exercido nos termos da lei. Dentre esses instrumentos, criou-se o reajustamento de preços, que está expressamente previsto na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos.

Assim, o reajustamento de preços é gênero, no qual se incluem o reajuste e a repactuação, de forma que encontram guarida na legislação infraconstitucional, atendendo, portanto, ao princípio da legalidade. Nesse sentido, além de poder vir a serem editadas outras leis, a previsão legislativa citada permite que o Poder Executivo regule esses institutos, com base no art. 84, IV[26], da Constituição Federal de 1988.

Essa regulação, por outro lado, não permite inovação na ordem jurídica, haja vista a dependência a que se submete em relação à lei. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008, p. 917), aludindo à distinção entre lei e regulamento, afirmam que ela “não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei pode inovar originariamente no ordenamento jurídico”.

Assim, o regulamento tem por finalidade dar execução à lei editada pelo Poder Legislativo. Para tanto, não pode haver inovação, criação, extensão ou supressão do âmbito de incidência das previsões normativas. O Executivo, assim, deve dispor relativamente à forma de execução da determinação já contida na lei. Esse procedimento tem por finalidade preservar princípios constitucionais, como o da legalidade (CF/88, art. 5º, II) e o da separação dos poderes (CF/88, art. 2º). Nesse sentido, elucida Alexandre de Moraes:

O exercício do poder regulamentar do executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da Separação de Poderes (CF, arts. 2º; 60, §4º, III), pois, salvo em situações de relevância e urgência (medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo. Assim, o regulamento não poderá alterar disposição legal, nem tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposição legislativa”. (MORAES, 2004, p. 442).

Assim, o regulamento permitido pelo direito brasileiro é o executivo, com a finalidade de dar cumprimento às leis. A única exceção, em que há ainda resquício do regulamento autônomo no ordenamento jurídico pátrio, é o previsto no art. 84, VI[27], que se limita a situações restritas e excepcionais, de forma que não se configura como regra geral e é inaplicável a situação em análise. Registre-se, ademais, que não se pode também utilizar da legislação para outorgar, por via transversa, poderes ao Poder Executivo para legislar através de regulamento, exceto quando utilizada a lei delegada, expressamente prevista pela Carta Magna (CF/88, art. 59, IV[28]).  Destarte, não é dado ao legislador passar uma espécie de “cheque em branco” para o Poder Executivo utilizar-se de instrumento não autorizado pelo direito pátrio, conforme alude Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2008, p. 351-352).

Inobstante a possibilidade de o Poder Executivo regulamentar a legislação para sua fiel execução, a restrição de não poder inovar no ordenamento jurídico juntamente com a ausência de legislação pertinente mantém a dificuldade na edição de normas a respeito da repactuação. A Administração Pública, portanto, vive um dilema entre o princípio da legalidade e o vazio regulatório precitado, em virtude da inércia do legislativo. No entanto, não é dado ao Poder Público extrapolar os limites normativos que lhe são próprios, regulando direitos através de vias inadequadas.

Todavia, utilizando-se dos regulamentos, começaram-se a editar atos normativos infra-legais, com a finalidade de estabelecer procedimentos para possibilitar a concretização da repactuação. A inexistência de lei a respeito do tema ensejou a necessidade de se utilizar de outros instrumentos para regular o instituto precitado. Exemplos recentes disso é o Decreto Federal nº 2.271[29], de 1997, e a Instrução Normativa nº 02[30], de 2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

A definição do limite do poder regulatório estatal, sem interferência do legislativo, não é uma tarefa fácil. Porém, é certo que a necessidade prática de regulamentação não justifica o excesso de poderes para limitar direitos certos dos administrados. Como prevê a própria Carta Magna, os atos normativos criados pelo Poder Público devem unicamente regulamentar a lei para possibilitar a sua fiel execução, não sendo possível restringir, limitar ou eliminar direitos através desses instrumentos, muito menos quando essas limitações são incoerentes. Como afirma Márcio Cammarosano (2007, p. 338), “se há um preceito constitucional pertinente à matéria […] nós não podemos imaginar que o legislador ordinário, ou mesmo o administrador, produzindo atos normativos infralegais, possa amesquinhar os princípios constitucionais pertinentes à matéria”.

Feitas estas considerações, cabe, agora, analisar as situações normativas da repactuação no cenário jurídico brasileiro, observando, a partir dos atos que já foram editados, das lacunas provenientes, e dos excessos de poder, as restrições e exigências a esse direito, delimitando a fronteira da legalidade e da constitucionalidade. Para tanto, elencar-se-á as limitações principais que vem sendo exigidas para se possibilitar a repactuação do contrato administrativo.

2.4.1. Previsão no instrumento convocatório e contratual.

Como uma das principais condições para a concessão do direito à repactuação, vem sendo exigida a previsão desse direito tanto no instrumento convocatório, quanto no próprio contrato administrativo. Assim, para que o contratado obtenha o direito à repactuação da avença, exige-se, como condição indissociável, a previsão nos instrumentos vinculativos da relação jurídica.

Isso porque, o reajustamento de preços (gênero do qual a repactuação é espécie) vem sendo compreendida como um direito convencional, que decorre da vontade da Administração Pública e não da imposição da legislação. Hely Lopes Meirelles, adotando tal posição, explica:

[…] Diante dessa realidade nacional, o legislador pátrio institucionalizou o reajuste de preços nos contratos administrativos, facultando às partes adotá-lo ou não, segundo as conveniências da Administração, em cada contrato que se firmar. Não se trata, portanto, de uma imposição legal para todo contrato administrativo, mas, sim, de uma faculdade concedida à Administração de incluir a cláusula de reajustamento de preços em seus ajustes, quando julgar necessário para evitar o desequilíbrio financeiro no contrato (Lei 8.666, de 1993, art. 40, XI, c/c o art. 55, III)”. (MEIRELLES, 2006, p. 210-211).

Esse posicionamento, entretanto, deixa nas mãos do administrador público o julgamento quanto à necessidade de manutenção ou não do direito do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, o que não se coaduna, obviamente, com o sistema proposto pela Carta Magna de 1988[31]. Entretanto, o Poder Executivo vem exigindo expressamente essa previsão como condição do direito à repactuação do contrato administrativo. Nesse sentido, é o que prevê, por exemplo, expressamente, o art. 5º, caput, do Decreto nº 2.271, de 1997, e a Orientação Normativa NAJ-MG nº 23, de 17 de março de 2009[32]. No mesmo sentido é também a decisão expressa do TCU, através do Acórdão nº 2.498, de 2009, proferido pela 1ª Câmara. Há também juristas que sustentam a necessidade de atendimento desse requisito, como, por exemplo, Arthur Cerqueira Valério (2007, p. 38); Márcia Walquiria Batista dos Santos (2009, p. 328); e Gilberto Bernadino de Oliveira Filho (2007, p. 333).

Contudo, qualquer exigência nesse sentido não pode ser aceita. Primeiramente, porque não há qualquer previsão em lei condicionando a repactuação à existência de previsão contratual e no instrumento convocatório. Sendo assim, não pode o Poder Executivo utilizar de regulamentos para inovar no ordenamento jurídico pátrio, restringindo um direito e, ainda mais, um princípio constitucional expresso, principalmente com limitações inconsistentes e sem fundamento. Não se pode deixar ao mero arbítrio do administrador a concessão de um direito certo dos contratados.

Em segundo contexto, a Lei 8.666, de 1993, tanto no art. 40, XI, como no art. 55, III, determina claramente que os instrumentos convocatórios e os contratos administrativos a serem firmados devem conter expressamente cláusulas relativas ao reajustamento de preços (seja de reajuste, seja de repactuação). Não se trata de uma possibilidade dada ao administrador (não se utiliza a expressão “podem”, mas sim “devem”), é um direito garantido e de um dever, o qual deverá ser observado pela Administração Pública, não se tratando, portanto, de mera discricionariedade[33]. É, portanto, imposição de lei, sendo obrigação do Estado concedê-la, como afirma Toshio Mukai (1995, p. 66), e se configura, nos termos de Fernando Vernalha Guimarães (2009, p. 332), como um dever jurídico.

Assim, cai por terra a alegação de que não há imposição legal de previsão do reajustamento de preços e, assim, da repactuação. A Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos é expressa quanto à necessidade de existência de cláusulas a seu respeito, não podendo esse direito ser eliminado por esquecimento, liberalidade ou desvio de finalidade do agente público responsável. Muito pelo contrário, tal procedimento iria de encontro ao princípio da boa-fé contratual e infringiria claramente dispositivos legais e constitucionais.

Não se pode negar, porém, que o Poder Executivo e até mesmo o próprio Tribunal de Contas da União têm exigido a previsão no instrumento convocatório e no contrato administrativo, sob pena de não ser realizada a repactuação. Não há, assim, nenhuma decisão pacífica do Poder Judiciário pátrio a respeito da questão. Todavia, como leciona Renata Faria Silva Lima (2007, p. 160), “a previsão no edital apenas reforçaria o direito do particular e o dever de a Administração recompor ou adequar o valor nominal da prestação, em função da inflação incidente.”.

O direito à repactuação do contrato administrativo decorre de lei e, ademais, da própria Constituição Federal de 1988, ápice do ordenamento jurídico. Não cabe ao Poder Executivo utilizar de vias inadequadas para restringir direito certo do contratado, principalmente inovando o direito, sem o crivo do Poder Legislativo, em desprestígio ao princípio da separação dos poderes, estabelecido no art. 2º da Carta Suprema[34]. Além disso, destaque-se que, mesmo se essa exigência estivesse prevista expressamente em lei, tal limitação não poderia prevalecer, já que desprovida de fundamentação consistente para restringir um direito constitucional.

Muito embora seja possível o legislador dispor acerca dos instrumentos para concretização do equilíbrio econômico-financeiro contratual, criando, inclusive, requisitos diferentes para cada um, não é dado limitar o direito com disposições inconsistentes que objetivam exclusivamente eliminar um direito constitucional expresso. A necessidade de previsão no instrumento convocatório e no contrato é uma condição que não se revela coerente e não pode justificar o indeferimento de um pedido de repactuação, que visa concretizar o direito à manutenção da equação econômico-financeira contratual.

Essa limitação, por outro lado, demonstra a intenção que vem tendo a Administração Pública em restringir de qualquer forma e cada vez mais o direito dos particulares à compensação de gastos ordinários supervenientes. Não há qualquer sentido em entregar às mãos dos administradores públicos o destino de direitos dos contratados, para que eles decidam sobre a conveniência de se incluir ou não a previsão da repactuação no instrumento convocatório e no edital. Seria um descaso com os cidadãos, sendo certo que tal entendimento iria de encontro com a sistemática de um Estado Democrático de Direito. Limitações como essa devem ser evitadas e eliminadas, seja pela ausência de previsão legal, seja pela inconsistência de sua fundamentação.

2.4.2. Contratos aplicáveis.

Quando se fala em pedido de repactuação do contrato administrativo, a primeira idéia que se levanta é a de que o contrato sobre o qual incidirá tem por objeto a prestação de serviços de natureza contínua. A razão disso é que se pensa que o aumento dos custos dos insumos só poderia ocorrer com o passar do tempo e, por isso, seria indispensável que o objeto contratual firmado fosse a prestação de serviços contínuos, que não se exauri em um instante único. Há, com isso, que se compreender a abrangência do termo serviço, bem como discutir sobre a possibilidade de existência de outras hipóteses que se enquadrem como passíveis de ser analisadas sob o prisma da repactuação contratual.

Ao se observar a literalidade da Lei nº 8.666, de 1993, percebe-se que os seus dispositivos conceituam o termo serviço como sendo distinto da expressão obra. Em seu art. 6º, o qual elenca definições para os termos que a lei utiliza, trata da obra no inciso I e do serviço no inciso II. No primeiro, entende-se a obra como sendo “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”. Já o segundo dispositivo, prevê o serviço como sendo “toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais”.

Com efeito, as previsões citadas aparentam definir claramente a questão, aludindo a situações específicas para distingui-los. Acrescenta Hely Lopes Meirelles (2006, p. 57-58), após conceituar o termo serviço, apontando a generalidade que ele pode ensejar, que a diferença essencial entre os dois é a predominância da atividade sobre o material empregado. Contudo, a questão não é tão simples quanto se vê.

Existem situações em que poderão ocorrer algumas dificuldades para se diferenciar, situando-se em uma zona obscura, como acentua José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 201). O citado autor afirma também que, em uma análise crítica, a obra não deixa de ser uma espécie de serviço com resultado preestabelecido.

Para fins de enquadramento no direito à repactuação, entretanto, a obra deve ser compreendida como espécie de serviço, podendo gerar o direito à repactuação. Muito embora não se aluda expressamente à palavra obra nos textos normativos que regulam o direito à renegociação contratual, a compensação do aumento de custos em contratos de obras vem sendo aceita, uma vez que entendimento contrário consubstanciaria, mais uma vez, restrição inconsistente e desprovida de substrato legal para eliminar direito constitucional certo.

 Não há dúvidas de que, durante o deslinde da execução contratual, tenha o pacto por objeto prestação de serviços ou obra (na acepção da lei), pode haver aumento dos custos com insumos de forma a desfazer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Para obter o direito à repactuação, basta comprovar o aumento dos custos, através de planilhas, requerendo ao órgão administrativo o repasse do aumento de gastos ao valor contratual, não podendo o Poder Público se eximir de efetuá-lo. Registre-se que o Tribunal de Contas da União possui acórdãos aceitando a realização da repactuação de contratos administrativos nessas situações[35].

Assim, a tentativa de restringir o direito à repactuação fundamentando-se no fato de o contrato não ter por objeto a prestação de serviço e sim uma obra não encontra consistência e, ademais, não é plausível para se limitar um direito assegurado constitucionalmente. Pelo contrário, uma exigência nesse sentido não encontra proteção no sistema jurídico, não havendo qualquer lei aludindo a tal requisito, de forma que qualquer indeferimento com esse fundamento não deve ser aceito[36].

Contudo, é necessário destacar que a Instrução Normativa nº 02, de 2008, editada pelo Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, alterada pela Instrução Normativa 03, de 2009, do mesmo órgão, em seu art. 37[37], menciona expressamente que a repactuação só deve ser utilizada em contratos que tenham por objeto a prestação de serviços continuados com utilização exclusiva de mão-de-obra. A partir disso, percebe-se que a previsão no ato normativo citado exclui os contratos administrativos que tenham por finalidade a destinação de mão-de-obra e de materiais, como, por exemplo, as obras públicas. Não há qualquer razão para isso. Ademais, é aceita pelo Poder Executivo a repactuação não apenas quando há aumento de custos da mão-de-obra (normalmente por ocorrência de convenções coletivas), mas também quando há aumento dos insumos, sejam eles decorrentes da utilização do serviço ou do material[38].

Entendimento oposto ensejaria desequilíbrio econômico-financeiro contratual em relação aos gastos que o contratante teria com os objetos fornecidos à Administração Pública, em face da defasagem da proposta apresentada pelo transcurso do tempo. Tome-se, por exemplo, a situação hipotética de uma empresa que realizasse uma obra para um ente público e que, para tanto, utilizasse, obviamente, mão-de-obra e materiais fornecidos por ela mesma. Leve-se em conta, ademais, que, em virtude da duração da obra, os bens a serem incorporados nela não fossem estocados, mas sim comprados paulatinamente.

Por fim, pense-se que, após um ano do início da obra, os valores dos materiais não fossem mais aqueles que estavam sendo levados em conta na proposta inicial. Certamente, nessa situação, o contratante sofreria considerável prejuízo para manter a execução contratual, o que poderia afetar a qualidade da obra e, destarte, o interesse público.

Dessa forma, verifica-se que restringir o direito à repactuação, aludindo única e exclusivamente a contratos de prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão-de-obra, é, mais uma vez, tentar burlar o sistema e diminuir o campo de proteção da equação econômico-financeira garantida pela Constituição Federal de 1988. A Lei e a Carta Magna em nenhum momento fazem a distinção em relação ao tipo de objeto, mas, por outro lado, garantem ao contratado expressamente o direito à manutenção do equilíbrio do contrato, que não pode ser desvirtuado por condições inconsistentes e desprovidas de fundamentos legais.

Verificadas as possibilidades de repactuação em contratos de obra pública e de prestação de serviços, cabe agora analisá-las em relação aos contratos de fornecimento e de serviços não contínuos. Essas duas espécies de contratos são caracterizadas, obviamente, pela instantaneidade do cumprimento contratual, isto é, por exaurir a avença com a prática de um único ato, que, normalmente, é a entrega.

O contrato de fornecimento, na Lei 8.666, de 1993, não é tratado com essa nomenclatura. A legislação citada faz menção ao termo compra para aludir essa modalidade de avença e, como tal, a conceitua como sendo “toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente” (Lei 8.666, de 1993, art. 6, II). Por outro lado, o contrato de serviços não continuados deve ter por idéia a mesma dos continuados, modificando-se apenas o fato de se exaurir em um ato. Aqui, o serviço é prestado em momento único, não se alongando no tempo.

Ao se analisar essas definições e se pensar em um processo administrativo licitatório normal, imagina-se, à primeira vista, que não seria possível a repactuação em um contrato público contendo essas espécies de prestações. A regra realmente é esta, mas existem exceções. A questão não pode ser resolvida a partir da simples consideração quanto à instantaneidade da concretização da avença. Isso porque outros fatores podem levar à necessidade de se repactuar os contratos administrativos com tais objetos. Nesse sentido afirma Fernando Vernalha Guimarães (2009, p. 333-334), ao analisar a situação para o reajuste, mas com lição plenamente aplicável também aos casos de repactuação, que, em havendo lapso temporal entre a apresentação da proposta e o momento do pagamento da parcela correspondente, “surge a obrigatoriedade de proceder ao reajuste, por força da letra explícita do in. XI do art. 40 da Lei nº 8.666/93. Há direito do contratado em obtê-lo”.

 A hipótese que pode ser apontada para tais contratos é a em que a Administração Pública demora a firmar o contrato administrativo, defasando os termos da proposta inicialmente apresentada. Digamos, por exemplo, que uma proposta ofertada por um licitante contenha validade de um ano e que esta seja a vencedora no certame. Contudo, além do tempo para finalizar o processo licitatório, suponha que o ente contratante tenha tido problemas orçamentários e que demore um ano e seis meses para convocar o vencedor a firmar a avença. Imagine-se, ademais, que, em tal período, os insumos para a produção do produto tenham acrescidos em virtude da inflação. Em tal caso, não é dado ao Poder Público indeferir o pedido de repactuação com base na alegação de que o contrato não tem por objeto serviços continuados, sob pena de se infringir o direito à equação econômico-financeira.

O caso sugerido demonstra que pode haver situações em que contratos de fornecimento ou de serviços não continuados ensejem a necessidade de se repactuar a avença, mesmo antes de ter sido efetivamente realizada e assinada, principalmente quando se trata de bens perecíveis. Além disso, o contratado não tem obrigação de manter estoque de bens. Assim, vê-se que a repactuação tem vez até mesmo antes da firmação do contrato administrativo. Negar o direito do licitante em situações como tais seria obrigar o vencedor a firmar um pacto desvantajoso e desequilibrado, não sendo mantidas as condições efetivas da proposta, como garante a Constituição Federal de 1988.

Portanto, o âmbito de proteção da equação econômico-financeira dos contratos administrativos não pode ser restringido em razão do objeto da avença sem uma razão plausível como nos casos citados. Deve, pois, haver uma ponderação razoável e uma análise caso a caso para se identificar as modificações e o aumento efetivo dos custos a serem repassados ao pacto, de forma a se assegurar efetivamente o equilíbrio econômico-financeiro contratual.

2.4.3. Interregno mínimo de um ano.

Mais uma exigência que vem sendo feita para possibilitar o deferimento do direito à repactuação é a espera do interregno mínimo de um ano, previsto tanto na legislação[39], como nos atos normativos infralegais[40]. Esse lapso temporal é justificado com base na validade da proposta, que deve conter a previsão dos gastos ordinários durante um período, com base na situação fática do momento de sua apresentação. Assim, exige-se, como regra, que, para se realizar a repactuação do contrato, já tenha transcorrido o período de um ano a contar da data da apresentação da proposta, do orçamento a que a proposta se referir ou da realização da última repactuação. A previsão possui razoabilidade.

As propostas apresentadas nos certames licitatórios tomam por base, para fixação do valor oferecido, o prazo de validade do contrato, o qual, em regra, é de um ano. Assim, entende-se que a proposta deve conter a previsão de todos os gastos ordinários para a execução contratual durante esse período, mesmo que não seja possível prever exatamente o provável aumento de custos, devendo, portanto, o licitante incluir o maior índice de previsão, mesmo isso sendo mais oneroso para a Administração Pública e menos eficiente para o serviço.

Ressalte-se que a contagem do prazo de um ano varia. A carência de um ano pode ser contada a partir da data limite para apresentação da proposta, da data do orçamento a que a proposta se referir ou da última repactuação, consoante prevê o art. 38[41] da Instrução Normativa nº 02, de 2008, do MPOG, alterado pela Instrução Normativa nº 03, de 2009, do mesmo órgão referido.

A referência à data limite para apresentação da proposta diz respeito ao aumento de gastos com bens utilizados para a execução do serviço. Já a previsão de contagem a partir da data do orçamento a que a proposta se referir é em relação ao acréscimo de gastos com a própria mão-de-obra (ocorrência, normalmente, de convenções coletivas). Por fim, a determinação de contagem a partir da última repactuação justifica-se pelo fato de que, nesse momento, se renova a proposta com base em outra situação fática para vigorar por um novo período de um ano.

A repactuação pode acontecer antes de um ano da apresentação da proposta em relação aos gastos decorrentes exclusivamente da mão-de-obra, como aplicação de novas convenções coletivas ou resolução de dissídio coletivo de trabalho judicialmente. A razão disso é que a data base para realização de convenções é anual e não há como se antever o aumento de custo que decorrerá.

Em face disso, não se pode esperar pela completude da anualidade prevista, assim como não se justifica repactuar um contrato antes do aumento de custos. Repactuar, nessa situação, traria benefício sem causa ao particular e prejuízo à Administração Pública. Não é cabível também, portanto, a determinação de que o prazo de um ano seja contado exclusivamente a partir da vigência do contrato, como já o fez o TCU, no já citado Acórdão nº 2.498[42], de 2009, proferido pela 1ª Câmara, uma vez que não há previsão legal nem lógica na limitação indicada.

Em relação ao aumento de custos dos insumos, o licitante deve buscar encontrar a variável da possível inflação a ocorrer durante o período de execução contratual e incluir na proposta o maior índice encontrado para não sofrer eventual prejuízo. É necessário destacar, porém, que há entendimento no sentido de ser inconstitucional e ilegal a limitação apontada. Renata Farias Silva Lima, após demonstrar seu entendimento de que a repactuação estaria incluída nas hipóteses de revisão e não de reajuste (o que não é o pensamento aqui adotado) [43], posiciona-se no sentido de ser inconstitucional a anualidade citada:

Já no que tange ao pressuposto de observância do interregno mínimo de um ano, a contar da data prevista para apresentação da proposta ou do orçamento a que ela se referir, entendemos ser tal pressuposto inconstitucional, sendo o que a seguir demonstraremos. […]

É que a Lei n. 8.666/93, em seu art. 55, III, permitiu que a administração previsse no contrato os critérios e a periodicidade do reajuste contratual, não estabelecendo, contudo, tal periodicidade, o que poderia se dar a cada seis meses, um ano, ou dois anos, por exemplo, contados “desde da data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que a proposta se referir (art. 40, XI, da Lei n. 8.666/93).[…]

Considerando, então, que: a) a manutenção das condições efetivas da proposta do contratado particular, a teor do art. 37, XXI, é assegurada constitucionalmente; b) a Constituição não estabeleceu prazos mínimos de execução contratual para se assegurar o equilíbrio econômico-financeiro dos ajustes administrativos; e c) o reajuste e a revisão dos preços são institutos que visam justamente garantir o equilíbrio econômico-financeiro destes ajustes, entendemos, pois, da mesma forma que os doutrinadores acima referenciados, ser inconstitucional, em relação aos contratos administrativos, esse dispositivo de lei que diz ser nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano (art. 2º, §1º, da Lei n. 10.192/2001)”. (LIMA, 2007, p. 175, 178, 180 e 181).

Inobstante ser plausível a fundamentação da autora, no sentido de que o equilíbrio econômico-financeiro deve ser garantido a todo momento, a análise jurídico-formal sobre a questão não deve ser resolvida unicamente sob esse prisma. Do ponto de vista objetivo, não paira inconstitucionalidade sobre a anualidade prevista. Os dispositivos constitucionais devem ser regulados e destrinchados através de atos normativos inferiores, para se adequarem ao ordenamento jurídico, com a interpretação e aplicação correta. O que não cabe, porém, é se constituir limitações inconsistentes com a finalidade de excluir um direito assegurado constitucionalmente.

No caso em questão, a restrição da anualidade, no sistema atual, é razoável, já que as condições da proposta são mantidas. Esta é efetuada com base numa previsibilidade por um dado período (o período inicial de execução contratual, que é, normalmente, de um ano). Durante esse lapso temporal, não deve haver o direito de repactuação, na forma adotada pelo sistema. O contratado deve, dessa forma, incluir a previsão de variação anual da inflação dentro do custo de sua proposta, como explica Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO, 2000, p. 408).

Destaque-se que não se está a concordar com a forma adotada pelo sistema do ponto de vista subjetivo, ou seja, a partir da análise da posição mais eficiente. Apenas se afirma que a previsão da anualidade não infringe, tecnicamente falando, frontalmente à Constituição Federal de 1988 ou qualquer norma infra-legal.

Por outro lado, a restrição da anualidade resvala em outro óbice, dessa vez de natureza normativa, em que pese a razoabilidade de sua existência. A partir de uma análise do ordenamento jurídico pátrio, observa-se que a anualidade está prevista em duas leis, quais sejam: Lei nº 9.069, de 1995, e Lei nº 10.192, de 2001. Na primeira o prazo de um ano está previsto em seu art. 28, §1º[44]. Já a segunda contém disposição a respeito no art. 2º, §1º[45]. As leis mencionadas, todavia, em nenhum momento se referem expressamente à repactuação.

A Lei nº 9.069, de 1995, alude unicamente à utilização da correção monetária dos valores contratuais, o que, como já visto, não é o caso da repactuação. A correção aludida se dá através da utilização de um índice pré-estipulado, com a finalidade de eliminar os efeitos da defasagem da moeda. Por outro lado, a repactuação da avença administrativa tem como escopo a demonstração efetiva de eventual aumento de custos ordinários decorrentes da inflação.

Já a Lei nº 10.192, de 2001, menciona correção monetária e reajuste, através também de utilização de índices pré-estabelecidos. A repactuação, assim, não se enquadra na hipótese normativa, pois não há utilização de índices e, ademais, difere dos institutos do reajuste e da correção monetária. Destarte, verifica-se que não há lei expressa e específica sobre o direito à repactuação.

Sendo assim, poder-se-ia compreender que a estipulação da anualidade, feita através de atos normativos infra-legais, configurou inovação no ordenamento jurídico, tendo, dessa forma, o Poder Executivo adentrado na competência do legislativo, com infração do princípio da separação dos poderes. Contudo, é certo na doutrina atual que as normas devem ser interpretadas sistematicamente e dentro do seu contexto, utilizando-se, para tanto, das vias integrativas, tais como a analogia (Decreto-Lei nº 4.657/42, art. 4º).

Do ponto de vista do surgimento da repactuação no direito administrativo brasileiro, percebe-se que esse direito é recente e ainda não foi bem tratado e esclarecido pela doutrina e jurisprudência pátria. Há ainda diversas questões a serem esclarecidas e integradas no ordenamento jurídico para suprir as lacunas existentes. Em face disso, o vazio regulatório da repactuação deve ser integrado a partir de instrumentos de interpretação para possibilitar a existência desse direito.

Nada mais normal, com isso, do que aplicar analogamente as normas citadas, para entender ser correta a exigência da anualidade, até porque essa limitação encontra justificativa razoável para sua existência, devendo ser aceitas as normas infra-legais ampliando o campo de abrangência para o instituto da repactuação. E é, por isso, que se entende correta a aplicação dessa condição para o deferimento desse direito, nos termos aqui analisados, conforme vem compreendendo o TCU[46], do ponto de vista jurídico formal.

Portanto, o que deve ser evitado pelo Poder Executivo e, conseqüentemente, pelo Administrador Público é a criação de limitações inconsistentes e dissonantes do ordenamento jurídico, principalmente quando não tiver competência para regular de tal forma um direito. No caso em apreço, a anualidade é plenamente cabível e deve ser aceita, já que baseada em razoabilidade e na interpretação sistemática e análoga dos dispositivos das leis mencionadas.

2.4.4. Necessidade de requerimento e preclusão lógica.

Por fim, cabe analisar a exigência de apresentação de requerimento e o óbice da preclusão lógica. O sentido de preclusão remete à idéia de perda de um direito em virtude de algum fator de culpa do beneficiário de um direito. Pode ser, por exemplo, o transcurso do lapso temporal para solicitar um benefício ou interpor um recurso. Pode, da mesma maneira, representar um desinteresse pela prática de um ato contrário à vontade de exercer seu direito. A sua ocorrência resulta na perda do poder de praticar um ato, seja porque já o fez, seja porque teve desinteresse em fazê-lo.

Fredie Didier Jr. analisa a preclusão sob o prisma do direito processual, destacando a finalidade axiológica a que serve, lição esta aplicável à apreciação em tela:

 “Frise-se: a preclusão não serve somente à ordem, à segurança e à celeridade do processo. Não se resume à condição de mera mola impulsionadora do processo. A preclusão tem, igualmente, fundamentos ético-políticos, na medida em que busca preservar a boa fé e a lealdade no itinerário processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental à segurança jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à boa-fé. É importante essa observação: como técnica que é, a preclusão deve ser pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger”. (DIDIER JR., 2009, v. 1, p. 280).

Muito embora a preclusão esteja muito relacionada ao direito processual, ela se configura como um instituto que tem incidência quando a questão a ser discutida envolva a necessidade de o sujeito ativo de um direito requerer a sua concretização. Da mesma forma pode ocorrer com a repactuação em relação à exigência de apresentação de requerimento administrativo.

Para o exercício do direito de repactuar um contrato administrativo, vem sendo exigida a apresentação de requerimento perante o ente contratante, no processo em que esteja se desenvolvendo a execução contratual, conjuntamente com a demonstração analítica da variação dos preços[47]. Cabe ao particular, segundo essa limitação, solicitar à Administração Pública a concretização do seu direito constitucional, com a comprovação do efetivo aumento de custos. Com isso, não se vem aceitando a repactuação de ofício pelo Poder Público.

A exigência de solicitação do contratado como instrumento para a concretização do direito à repactuação não esbarra na proibição de inovação do regulamento editado pelo Poder Executivo. Como prevê a Carta Magna, o Estado pode editar atos normativos para a fiel execução da lei, estabelecendo, com isso, procedimentos e detalhes relativos ao direito criado, sem, contudo, inovar no ordenamento jurídico. Não pode, assim, criar obrigações ou impor limitações não previstas em lei. Pode, isso sim, determinar a forma de concretizar o direito estabelecido na legislação. A repactuação, diferentemente do reajuste, não é automática.

Nesse sentido, a exigência da apresentação de requerimento administrativo para possibilitar a realização da repactuação do contrato administrativo não se mostra inconstitucional. Não representa, assim, infração ao princípio da separação dos poderes ou da legalidade, pois não cria um direito ou uma limitação ao direito, mas sim um procedimento para concretizá-lo. Ademais, deve o contratado demonstrar seu interesse em obter a compensação de gastos, haja vista que, como as relações jurídicas contratuais, principalmente quanto a preços, dependem da vontade das partes, pode ser que o contratado não pretenda manter o valor estabelecido inicialmente, mesmo tendo que investir maior numerário.

De tal sorte, a apresentação de requerimento representa a manifestação de interesse do contratado na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro através da realização da repactuação e é nesse ponto que a preclusão surge como limitação a esse direito. Segundo o entendimento que vem sendo adotado pela Administração Pública, corroborada com o TCU, a prática de ato contrário à vontade de repactuar o contrato administrativo pode ensejar a preclusão do direito ao seu deferimento. E, nesse caso, trata-se da preclusão lógica.

Os casos que ensejam a criação desse óbice à consecução da repactuação decorreram da realização de prorrogações contratuais, com fulcro nos incisos do art. 57 da Lei nº 8.666, de 1993. Nessas situações, os contratados possuíam direito à repactuação antes de firmar o aditivo contratual. Entretanto, eles prorrogavam os contratos administrativos sem, antes disso, apresentar o requerimento administrativo da repactuação. E como a maioria dos aditivos contratuais, tinha-se por pressuposto a manutenção das cláusulas e condições anteriores à prorrogação do prazo da avença, dentre as quais se inclui a cláusula relativa ao preço.

Um exemplo claro dessa situação, é o caso em que há realização de convenção coletiva de trabalho com aumento dos gastos com mão-de-obra antes da prorrogação contratual e o particular assina o aditivo sem que antes apresente o requerimento de repactuação. Diz respeito, portanto, a fatos anteriores à postergação do prazo contratual. O já citado Parecer nº AGU/JTB 01/2008, aprovado pelo Advogado-Geral da União, com fundamento em decisões do TCU, alude à questão em comento:

Entende-se plenamente pertinente a limitação do exercício do direito de repactuação nos termos propostos.[…]

Isto porque, todo contrato – e aqui se inclui os respectivos termos aditivos – possui um prazo de vigência especificado, não podendo ter vigência indeterminada, sendo certo que todos os efeitos dele decorrentes devem advir deste período em que se encontrava vigorando.

Findo seu prazo de duração e prorrogado o contrato, sem que o interessado argua seu direito decorrente de evento do contrato originário ou anterior, entende-se, conforme decidiu a Corte de Contas, que houve preclusão lógica do direito consubstanciada na prática do ato incompatível com outro anteriormente praticado.

A preclusão é a perda da faculdade de praticar ato em razão da prática de outro ato incompatível com aquele que se pretenda exercitar. Trata-se de fenômeno processual, que acaba por interferir no direito material da parte.

E a incidência do instituto processual no caso em tela se justifica diante do fato de que a execução do contrato compreende a concatenação de atos administrativos tendentes a um produto final”. (AGU, 2008, p. 24 e 26).

A partir dessas afirmações, vê-se que a limitação aludida não foi criada a partir de uma lei ou, sequer, de um regulamento editado pelo Poder Executivo. Teve-se por base a lógica da execução contratual e da concatenação de atos praticados no processo administrativo e, quanto a isto, entende-se que não há qualquer óbice de ilegalidade ou inconstitucionalidade. A preclusão, para existir como uma das condições ou exigências do direito à repactuação, não precisa, necessariamente, estar prevista em algum ato normativo, pois é extraída a partir da análise da vontade do contratado na manutenção ou não do preço inicialmente ofertado.

Ao realizar um aditivo de prorrogação contratual, o contratado tem interesse em manter a relação jurídica pactuada e nas condições estabelecidas naquele momento da assinatura. Se não fosse desta maneira, o particular se recusaria a manter a avença, até porque não está obrigado a continuar executando o objeto contratual após o prazo de sua vigência. Cabe a ele, portanto, requerer antes de assinar a prorrogação e, de preferência, esperar a elaboração de um aditivo único, contendo as duas adequações a serem efetivadas.

O requerimento anterior à prorrogação contratual também é uma forma de demonstração da boa-fé do ente contratado. Solicitar a repactuação antes do aumento de vigência do prazo contratual permite à Administração Pública avaliar se a manutenção do contrato administrativo será vantajoso a ela, permitindo que não mantenha serviços ineficientes e onerosos no serviço público.

Deve-se destacar, porém, que Gilberto Bernardino de Oliveira Filho (2007, p. 133) sustenta que a prorrogação não é suficiente para que ocorra a preclusão do direito alegado. Para ele, o direito à repactuação só pode ser excluído, mesmo após eventuais prorrogações, através de uma manifestação expressa do contratado, o que não se coaduna com o entendimento majoritário e adotado neste trabalho.

Dessa maneira, a necessidade de requerimento e a ocorrência da preclusão lógica são limitações coerentes e que não infringem o ordenamento jurídico, em que pese não conter disposição normativa expressa os prevendo. O particular, assim, deve ser diligente na realização e concretização do seu direito, sob pena de não poder mais levá-lo a cabo.

3. O Princípio do direito ao desenvolvimento: uma proposta de mudança positiva.

3.1. O direito ao desenvolvimento nas relações contratuais com o Poder Público.

Analisadas as questões relativas à identificação da repactuação no cenário jurídico brasileiro, bem como a sua estrutura e ao poder regulatório estatal, tratar-se-á agora de analisar as perspectivas de uma mudança nos posicionamentos e regramentos acerca da matéria, como meio de beneficiar tanto o particular contratado como a própria Administração Pública. Leva-se como pressuposto, para a referida análise, o princípio do direito ao desenvolvimento e da livre iniciativa, garantias máximas estabelecidas na Carta Magna, aos quais está obrigado o Poder Público a proteger e incentivá-los.

É cediço que um Estado Democrático de Direito, como é o Brasil, tem por finalidade principal garantir o bem-estar social. Para isso, utiliza-se de diversas vias, dentre as quais se destaca o desenvolvimento nacional. Este, mais do que um direito, é uma forma de garantir a vivência digna de toda a população, assegurando empregos, alimentação, moradia, saúde, qualidade de vida, etc. Um Estado que não visa fomentá-lo fica estático no tempo e sujeito às adversidades dessa escolha. E é por isso que a Constituição Federal de 1988[48], logo em seu preâmbulo expõe claramente ser o Estado Brasileiro destinado a assegurar esse fim.

Além disso, o art. 3º, II, da Carta Suprema prevê, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a garantia do desenvolvimento nacional. No mesmo sentido é o seu art. 174, tratando da necessidade de manter esse escopo. Cuida-se, pois, de um objetivo, direito e garantia indissociáveis de qualquer ato a ser praticado pelo poder pátrio. Para garantir essa finalidade, o Estado deve se utilizar de instrumentos, meios e artifícios, atendendo ao princípio da legalidade, visando concretizar o desenvolvimento da nação e, conseqüentemente, o seu bem-estar. O Poder Público deve, portanto, ser ativo no setor econômico, propondo e concretizando medidas para alcançar esse objetivo.

Guilherme Amorim Campos da Silva explicita a eficácia que devem ter as normas que tratam do direito ao desenvolvimento:

O direito ao desenvolvimento nacional impõe-se como norma jurídica constitucional, de caráter fundamental, provida de eficácia imediata e impositiva sobre todos os poderes da União que, nesta direção, não podem se furtar a agirem, dentro de suas respectivas esferas de competência, na direção da implementação de ações e medidas, de ordem política, jurídica ou irradiadora, que almejem a consecução daquele objetivo fundamental”. (SILVA, 2004, p. 66).

Em que pese o citado jurista apontar a União como submissa a esse objetivo, o princípio do desenvolvimento deve ser concretizado por todos os entes federados. O preceito é constitucional, aplicável ao Estado, em todos os seus órgãos e divisões, uma vez que é meta interligada a todos os seus atos. Esse direito, portanto, é uma garantia de todos os cidadãos, como direito fundamental e humano que é, não podendo o Poder Público dele se desviar.

Como forma de buscar o desenvolvimento, o Estado deve buscar fomentar o mercado nacional, aumentando investimentos e empregos, concretizando também, por via de conseqüência, o princípio da livre iniciativa (CF/88, art. 1, IV, e art. 170, IV). Há necessidade de planejar estratégica e corretamente, com o estabelecimento de alternativas de incentivo às empresas e trabalhadores para que eles promovam sempre o surgimento e circulação de renda em condições igualitárias, melhorando a qualidade de vida da população. Para tanto, é necessário eliminar os riscos da atividade dos particulares e incentivar a amplitude de sua atuação.

Como alude Alexandre de Moraes (2003, p. 52) “é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país”. Destarte, não poderia o Estado andar na contramão desse pensamento, para decrescer o desenvolvimento nacional. O Poder Público, assim, deve proceder sempre com a intenção de garantir a atuação do mercado, para concretizar o princípio da livre iniciativa e o desenvolvimento de sua atividade sem que haja óbices incoerentes que as prejudiquem sem qualquer fundamento. Marcos Juruena Villela Souto esclarece a necessidade de implantar estímulos positivos no mercado e na economia do país:

A expressão “estímulos positivos” ao exercício da atividade econômica privada é bem mais ampla que a de “fomento”, nela abrangida. Enquanto o fomento é um incentivo ao desempenho de determinada função de interesse do agente fomentador, o estímulo positivo envolve a criação de um cenário favorável aos investimentos.

Esse cenário passa pela formatação de um ordenamento jurídico que assegure “lucratividade” e “segurança jurídica” para os negócios privados.[…]

Destaquem-se, também, as contratações governamentais, por meio de investimentos diretos em setores de infra-estrutura e de utilidade pública e a demanda de bens e serviços junto a particulares, que funciona como importante mecanismo de manutenção de um setor privado aquecido.[…]

Identificadas, num diagnóstico, as carências e as expectativas da sociedade em relação ao Estado, as ações para seu atendimento devem ser contempladas no prognóstico, compondo-se, assim, o plano de desenvolvimento”. (CARDOZO, J. E. M; QUEIROZ, J. E. L.; SANTOS, M. W. B. D. (Org.), 2006, v. 2, p. 128-129).

Assim, a adoção de estímulos positivos pela Administração Pública deve pautar todos os seus atos, seja na escolha de políticas públicas, seja quando da edição de atos normativos, seja no estabelecimento de cláusulas contratuais. É um pressuposto para demonstrar a sua boa-fé nas relações jurídicas e para com o povo administrado. Certo é que, independentemente da estrutura do Poder Público, todos os cidadãos esperam pela existência de um Estado reto, que tenha por objetivo garantir a sobrevivência qualitativa e quantitativa da sociedade, sem que haja corrupção, desvios de finalidade ou mesmo improbidade por parte dos agentes. O Estado serve à sociedade, e não o inverso.

 Se o escopo do Poder Público é o bem-estar social, com a utilização da via do desenvolvimento, não deve ele lançar mão de políticas que prejudiquem direitos dos cidadãos e o bom funcionamento do mercado, bem como a própria atividade precípua das empresas que proporcionam a circulação de renda e criação de empregos, devendo, isso sim, garantir a minimização dos riscos das atividades empresariais.

Atualmente, a grande máquina pública é essencial para o desenvolvimento do mercado nacional, seja em vista de suas incontáveis contratações, seja pelos investimentos e incentivos que faz, o que traz inúmeros benefícios a todo país. Assim, fornecer elementos que geram instabilidade no mercado é contrariar os objetivos da Carta Magna e instabilizar o sistema financeiro atual.

Com essa idéia, chega-se à conclusão de que as relações contratuais administrativas devem ter por base a boa-fé, como também ocorre nas avenças realizadas entre particulares. Essa boa intenção de ambas as partes envolvidas no pacto administrativo retratará um serviço mais eficiente e atenderá mais fortemente ao interesse público. É nesse sentido que se defende a mudança do delineamento jurídico que se está dispensando ao instituto da repactuação dos contratos administrativos.

A garantia da incolumidade da equação econômico-financeira contratual é uma forma de preservar o desenvolvimento das empresas que se submetem à execução de serviços para o Poder Público. Assegura-se, destarte, a atividade e a integridade da empresa e dos empregos que ela proporciona, eliminando-se a possibilidade de prejuízos desmotivados e evitando-se o enriquecimento sem causa da Administração Pública. Além disso, o contratado terá maiores condições de investir em um serviço de maior qualidade, ensejando em uma imposição mais impactante junto ao mercado, desenvolvendo e acolhendo mais empregos, principalmente no caso de micro e pequenas empresas, as quais necessitam de maiores incentivos e segurança jurídica.

A empresa contratada, podendo compensar o aumento superveniente de gastos, não precisará ficar economizando e diminuindo os seus investimentos, com, por exemplo, a diminuição de empregados e de gastos qualitativos. A garantia do equilíbrio econômico-financeiro, em todos os seus sentidos e termos, trará maior segurança ao contratado, reduzindo o risco da incerteza futura do binômio encargo-contraprestação. Portanto, deve a Administração Pública buscar garanti-la e fomentá-la, estimulando o desenvolvimento.

O estabelecimento de limitações incoerentes e, mais do que isso, ilegais ou inconstitucionais é forma de desvio de finalidade, aumenta o risco empresarial e a instabilidade econômica. O Poder Público não pode atuar pensando em lucro, até porque este não é o seu objetivo. Sua finalidade última, indubitavelmente, deve se restringir ao atendimento do interesse público e do bem-estar social. Também não pode utilizar a expressão “interesse público” com a finalidade de eliminar direitos dos administrados, como afirma Márcio Cammarosano (2007, p. 339).

Sendo assim, independentemente de haver fundamento para limitar o direito à compensação de gastos em um contrato administrativo, a política a ser adotada pelo Estado deve observar o desenvolvimento das empresas contratadas e a sua livre atuação no mercado. A questão se configura como um planejamento simples, mas que deve pautar a futura atuação e política do Poder Público para possibilitar o desenvolvimento do país e a criação de empregos, evitando ilegalidades e inconstitucionalidades.

É nesse contexto que se defende a possibilidade de se compensar gastos ordinários e extraordinários supervenientes nos contratos administrativos para reduzir os riscos da atividade empresarial e a instabilidade do mercado, em atenção aos fundamentos e princípios constitucionais da livre iniciativa e do desenvolvimento, estabelecendo-se apenas um mínimo de limitações possíveis, ou melhor, com restrições apenas estritamente necessárias.

Não é o fato de o aumento do gasto ter sido previsível antes da apresentação da proposta na licitação que deve se restringir o direito à manutenção da equação econômico-financeira. Pelo contrário, é muito mais seguro possibilitar aos licitantes a apresentação de uma proposta concreta por completo, sem precisar incluir possíveis índices que não refletirão na realidade futura da variação de preços. Além de aumentar a competitividade, estimula-se a integração ao mercado e à interação contratual com o Poder Público.

Adotar idéia contrária pode ensejar privilégios às empresas maiores, em detrimento das de menor porte, o que também é vedado ao Estado[49]. Isso porque as licitantes que possuem mais recursos podem, em competição de preços, eliminar a variação futura de custos ordinários justamente para derrubar os demais concorrentes. Por outro lado, as empresas menores, como as micro e pequenas empresas, não terão tal possibilidade, pois, normalmente, precisam do valor integral para executar o contrato administrativo, já que sua estrutura não se compara às demais.

Incentivar essa prática, dessa forma, vai de encontro aos princípios estabelecidos pela Carta Magna de 1988, principalmente ao princípio da livre iniciativa estabelecido no art. 1º, IV[50], o que não pode ser aceito. João Bosco Leopoldino da Fonseca (2005, p. 129), afirma que é necessário garantir a “liberdade de concorrência como forma de alcançar o equilíbrio, não mais aquele atomístico do liberalismo tradicional, mas um equilíbrio entre os grandes grupos e um direito de estar no mercado também para as pequenas empresas”. Dessa forma, o Estado deve buscar ampliar o mercado e incentivar o desenvolvimento e a participação no mercado, inclusive das micro e pequenas empresas, dando-lhes até mesmo procedimento favorecido, conforme previsto na própria Carta Magna de 1988 e na Lei Complementar nº 123, de 2006.

Certo é que as políticas públicas devem atender às metas e orientações estabelecidas na Lei Suprema do ordenamento jurídico, já que os seus dispositivos são decorrentes da escolha dos eleitores, ou seja, do próprio país. Expurgar os riscos da atividade empresarial da forma que for possível é meio para se garantir o desenvolvimento da sociedade, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista social.

Portanto, incitar a compensação de gastos ordinários é um caminho para se buscar a igualdade entre os licitantes e executantes de objetos pretendidos pela Administração Pública, sendo certo que, quanto menor o risco da atividade empresarial, melhor será atingido o objetivo de garantir a livre iniciativa no mercado e, conseqüentemente, o desenvolvimento nacional. É, com isso, que não se compreendem restrições desprovidas de fundamento e incoerentes com o ordenamento jurídico que causem instabilidade nas atividades empresariais, já que contrariam as políticas públicas e as metas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988.

3.2. O princípio da eficiência e da economicidade em risco.

Como enfatizado, para concretizar o bem-estar da sociedade, são estabelecidos diversos objetivos a serem obedecidos pelo Poder Público. Algumas dessas finalidades são consideradas como princípios, indissociáveis, portanto, de sua atuação. Dentre essas máximas, recentemente tem se dado maior importância aos princípios da eficiência e da economicidade, em virtude dos anseios da sociedade em ter um Estado eficaz, presente e ágil no atendimento do interesse público.

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, em seu texto original, não previu o princípio da eficiência como vetor do Estado, o que foi resolvido com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que alterou o caput do art. 37[51] da Carta Magna. O princípio da economicidade, por sua vez, não possui previsão constitucional ou legal, mas é decorrência da própria eficiência administrativa, que deve sempre buscar um serviço que seja o mais perfeito e menos custoso possível, na busca da produtividade e economicidade, como acentua José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 32).

O mesmo doutrinador (2010, p. 31) ressalta também a ânsia da sociedade por essa reforma, comentando que “não é difícil perceber que a inserção desse princípio revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de tantos serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causou aos usuários”. Por sua vez, Jessé Torres Pereira Junior (1999, p. 41-42), comentando a reforma administrativa procedida pela EC nº 19, de 1998, com a inclusão do princípio da eficiência, afirma que esse acréscimo aparenta ter sido feito como uma figura de estilo, para destacar o que já é reclamado há tempos. Leciona o citado doutrinador que a eficiência é indissociável de um Estado, não havendo diferença se tal pressuposto está previsto ou não em qualquer norma que seja.

A eficiência e economicidade, como princípios vetores do Estado, devem pautar os seus atos, influenciando a escolha das políticas públicas. A máquina estatal deve ser destinada a garantir o bem-estar social, devendo eliminar as burocracias e evitar serviços prejudiciais ao erário e ineficazes à sociedade. O Poder Público deve, portanto, buscar fornecer o serviço mais completo e menos oneroso à população para poder investir qualitativamente em todos os setores do país e garantir seu desenvolvimento. Assim, faz-se necessário traduzir esses preceitos em atos concretos, para não deixar que os princípios constitucionais sejam meras palavras sem qualquer eficácia, como alude Jessé Torres Pereira Junior (1999, p. 42).

Assim, além do desenvolvimento, princípio e objetivo fundamental já destacado anteriormente, a eficiência e economicidade devem estar também intrinsecamente ligadas a todos os atos da Administração Pública, não podendo ela se desviar desses pressupostos. A eficiência e economicidade no serviço público são formas de garantir o interesse público, finalidade última do Estado. Destarte, suas políticas devem se pautar por esses princípios e é, nesse sentido, que também deve ser analisado o instituto da repactuação no cenário atual e sua projeção.

Como se detalhou, pela compreensão da matéria, a proposta de preços deve incluir a previsão da variação de custos ordinária durante o seu período de validade. O índice exato não é possível de se antever. Entretanto, através das informações publicadas periodicamente pelas fontes oficiais é possível saber uma margem razoável em que o aumento pode oscilar. O licitante, com esses dados, deve incluí-los em sua proposta de preços.

Por esse sistema, fica claro que o licitante que não puder e não tiver intenção de executar o objeto contratual sem prejuízo futuro incluirá o índice máximo em sua proposta de preços para o período previsto. Com isso, muito dificilmente, a variável escolhida pelo licitante incluída no preço retratará o aumento efetivo de custos o que, além de contrariar a legislação aplicável, causará prejuízos à Administração Pública, pois, ou haverá um objeto mais custoso do que o necessário, ou será fornecido com menos qualidade, em face da impossibilidade de compensação de gastos não incluídos na proposta e dos investimentos que serão feitos na execução.

Marçal Justen Filho elucida bem a questão em análise:

O reajuste de preços não representava quer faculdade para a administração quer benefício para o particular. Correspondia a uma necessidade e a uma vantagem para a própria Administração Pública, o que nem sempre é bem apreendido. Se estivessem presentes os pressupostos do reajuste e se o edital negasse sua concessão, os interessados agregariam ao valor da sua proposta um montante destinado a compensar a inflação. Por cautela, acrescentariam uma margem de risco. A Administração acabaria desembolsando valores muito superiores ao que seria necessário e cabível. A maior prejudicada seria a Administração Pública, pois os particulares possivelmente formulariam propostas em que não existisse risco de prejuízo”. (JUSTEN FILHO, 2000, p. 408).

A partir disso, observa-se que é bem mais benéfico, eficaz e econômico ao Poder Público deixar que o licitante não inclua na proposta a projeção da variação futura de custos e, ao invés disso, compense através da efetiva comprovação do aumento de gastos. Com esse procedimento, além de se ter um valor contratual menos oneroso, é mais provável de o serviço ser prestado com maior qualidade, já que o particular-contratado terá mais segurança na execução da avença e maiores garantias para assegurar o verdadeiro equilíbrio econômico-financeiro do pacto. A não inclusão favorece, inclusive, a negociação entre os contratantes dos valores a ser estipulados, haja vista que a repactuação é um direito do qual o contratado pode dispor, de sorte que será possível a tentativa de redução do valor contratual a cada requerimento de repactuação.

Deve-se destacar, porém, que essa idéia poderia incentivar argumentos de que a variação constante dos preços traria precariedade no desenvolvimento da execução contratual, já que haveria de ter alterações contratuais a todo instante e análise por servidores públicos dos requisitos mínimos existentes. Esse óbice, contudo, não se revela forte a ponto de derrubar os argumentos aqui tecidos. A razão disso é que a repactuação de um contrato administrativo é instrumento simples e célere, não havendo dificuldades na sua aplicação.

Para compreender bem a situação, cabe esclarecer alguns detalhes envolvendo esse instituto. Primeiramente, saliente-se que não há necessidade de um termo aditivo para a sua realização. Muito pelo contrário, repactuar um contrato administrativo enseja a necessidade unicamente de formalizar através de apostilamento (Lei nº 8.666, de 1993, art. 65, §8º[52]), o qual se configura como uma espécie de averbação simples ao instrumento da avença, sem maiores dificuldades, sendo até mesmo desnecessária a aprovação por parte da assessoria jurídica, já que não se encontra prevista no parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666, de 1993.

Em segundo lugar, quanto à questão da necessidade de repetitiva análise e de possível paralisação do processo administrativo de execução, também não merece prosperar esse argumento. Como visto, a repactuação demanda a necessidade de apresentação de requerimento e demonstração analítica da variação de custos. Cabe, portanto, apenas ao contratado o ônus de comprovar que obteve aumento em seus custos. Por outro lado, todo pacto de cunho administrativo demanda a atuação de um fiscal, que tem obrigação de verificar o cumprimento e a legalidade de sua execução. Assim, para a efetivação da repactuação, o contratado irá realizar toda a comprovação, contratando contador se for necessário, enquanto que a Administração Pública só precisará que o seu fiscal avalie a compatibilidade dos dados apresentados, o que já é determinado pela Lei 8.666, de 1993. Apenas em caso de o fiscal se achar com insuficiência de conhecimentos para analisar o requerimento de repactuação é que o processo poderá ser remetido para uma contadoria ou outro servidor mais qualificado para o caso.

Resta, com isso, solucionado o problema da celeridade do processo administrativo. Dessa sorte, é benéfico à Administração Pública a adoção desse entendimento, permitindo que o contratado compense os gastos ordinários na avença, com o mínimo de restrições possíveis. Sendo benéfico para as duas partes, atende ao princípio da eficiência do serviço, pois o particular o executará com maiores garantias, e o Poder Público terá um custo verdadeiramente condizente com o objeto que lhe está sendo prestado.

Sendo assim, defende-se que o Estado deve adotar, quando do preenchimento das lacunas na regulação do direito à repactuação, um posicionamento que assegure cada vez mais a incolumidade da equação econômico-financeira, a execução de um serviço perfeito e uma contraprestação menos onerosa. Essa idéia deve pautar a edição de futuras normas a respeito da matéria, bem como o próprio procedimento da Administração Pública, facilitando o acesso dos contratados aos seus direitos garantidos constitucionalmente e estreitando sua relação com o Poder Público, alcançando, assim, o desenvolvimento econômico e social.

Conclusão

A partir das análises tecidas no presente trabalho, verifica-se que a Administração Pública possui diversas garantias e prerrogativas, as quais lhe asseguram um estado de superioridade nas relações contratuais com particulares. De outro lado, são estabelecidas garantias aos licitantes e contratados, para que estes não se sujeitem a um estado de incertezas e inseguranças jurídicas. É uma forma de incentivar o desejo dos particulares em contratar com o Estado. Dentre essas garantias, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, XXI, estabeleceu o direito ao equilíbrio econômico-financeiro contratual, o qual se tornou um princípio para o ordenamento jurídico pátrio.

A manutenção da equação econômico-financeira é a forma de garantir esse equilíbrio, assegurando-se, segundo a Carta Magna, a proporcionalidade entre o objeto contratual a ser prestado e o preço ofertado na proposta apresentada no certame licitatório. O Poder Público deve, assim, manter incólume o binômio encargo/contraprestação, sob pena de infringir a Lei Suprema. Assim, como forma de garantir esse preceito, deve estabelecer vias que possibilitem particulares concretizar esse direito.

Dentre os instrumentos de garantia da equação econômico-financeira, incluem-se tanto os que visam compensar aumento de gastos extraordinários supervenientes como os que repassam aumentos ordinários, já que a Constituição Federal de 1988 não fez qualquer distinção em relação a esses fatos, não cabendo ao interprete fazê-la. O reajustamento de preços (estando dentro dele a repactuação) está albergado, portanto, pelo mencionado princípio constitucional, de forma que as suas espécies também estão abrangidas, dentre elas a repactuação, objeto de estudo.

A repactuação do contrato administrativo tem por fundamento o princípio do equilíbrio econômico-financeiro e visa à compensação do aumento de custos ordinários, decorrente da inflação, através da comprovação efetiva da elevação da onerosidade. O contratado se dirige ao órgão administrativo e apresenta requerimento com a demonstração analítica da variação de custos. Garante, pois, a manutenção da equação entre encargo e preço.

Tendo por fundamento uma norma constitucional, o direito à repactuação não pode ser eliminado, seja pelo legislador infraconstitucional, seja muito menos pelo administrador. Ambos devem atuar dentro de sua competência, com atendimento ao princípio da separação dos poderes. Destarte, através de lei só podem ser emanadas normas reguladoras do direito à repactuação providas de fundamento razoável e, por outro lado, o Poder Executivo só pode regulamentar a referida lei, sem, entretanto, inovar no ordenamento jurídico, criando obrigações ou limitações a essa garantia.

A análise do direito pátrio mostra, entretanto, que essas limitações e a inércia do Poder Legislativo ensejaram a existência de um vazio regulatório em relação à repactuação, que vem sendo suprida através de atos normativos infra-legais. Alguns desses atos ou suas disposições estão, porém, não apenas regulando termos de lei, mas sim inovando no ordenamento jurídico, criando obrigações e limitando o direito dos contratados, o que se configura ilegal e inconstitucional.  Exemplo disso é a limitação à existência de previsão editalícia para a concessão do direito, o que é condição desarrazoada, desprovida de fundamento e sem qualquer substrato legal.

A solução para esses problemas é a integração do ordenamento jurídico com a mudança de entendimentos e edição de atos normativos legítimos e competentes, pautados sempre no objetivo de estimular o desenvolvimento das empresas contratadas, a eficiência na prestação do objeto pactuado e a economicidade no valor da contraprestação. Para tanto, é mais satisfatório e atende aos objetivos estabelecidos na Carta Magna a redução de limitações em relação à concretização do direito à repactuação do contrato administrativo, com a finalidade de assegurar a manutenção plena do equilíbrio econômico-financeiro, trazendo mais segurança jurídica para todos e maiores benefícios para a Administração Pública e para as empresas contratadas, sendo, portando, uma via de duas mãos.

 

Referências
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Notas:
[1] O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, através do Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, chegou a afirmar que “Os contratos privados da Administração Pública tem regime especial que utiliza regras do Direito Privado. Ou seja, ainda que os princípios dos contratos administrativos e dos contratos de direito privado praticados pela Administração sejam os mesmos, as regras aplicáveis a esses últimos não são as mesmas aplicáveis nos contratos administrativos.”. (TRF5; AC – APELAÇÃO CIVEL – 349851; Relator: Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama; Sexta Turma Especializada; DJU – Data: 26/08/2009 – Página 70; Decisão em 12/08/2009; Publicada em 26/08/2009; Provimento negado por unanimidade).
[2] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
[3] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[4] Várias outras podem ser acrescidas, tais como a possibilidade de desapropriação (CF/88, art. 5º, XXIV); exigência de garantia contratual (Lei 8.666, de 1993, art. 56); a impossibilidade de utilização da exceptio non adimplenti contractus pelo particular durante certo prazo (Lei 8.666, de 1993, art. 78, XV); etc.
[5] O dispositivo prevê que a licitação e o contrato devem assegurar a “manutenção das condições efetivas da proposta”.
[6] Na decisão, afirmou-se que “a ampliação dos encargos dos contratos de obra pública celebrados com a Administração Pública deve ser acompanhada do aumento proporcional da remuneração, a fim de se manter o equilíbrio econômico-financeiro da contratação”. (STJ; RESP – RECURSO ESPECIAL – 585113; relator: Francisco Peçanha Martins; segunda turma; DJ DATA:20/06/2005 PG:00206; decisão em 05/04/2005; publicado em 20/06/2005; negou provimento por unanimidade).
[7] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
[8] O Superior Tribunal de Justiça, através do ROMS 15.154-PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luis Fux, DJU 2.12.2002, afirmou, de forma esclarecedora, que “A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57, §1º, 58, §§1º e 2º, 65, II, ‘d’, 88, §§5º e 6º, da Lei 8.666/93). Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula material da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as ‘condições efetivas da proposta’”.
[9] TRF1, AG – Agravo de instrumento – 200301000364177, rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, DJ em 31/05/2004, página:101, Provimento por Unanimidade.
[10] Nesse sentido são, por exemplo, os doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho (2010, p 230-231); Maria Sylvia Zanella di Pietro (2003, p. 268-271); e Hely Lopes de Meirelles (2008, p. 239-240).
[11] Tanto é assim, que a própria Advocacia Geral da União possui orientação normativa no mesmo sentido:“AGU e CONTRATOS. Orientação Normativa/AGU nº 22, de 01.04.2009 (DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 15) – ‘O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra ‘d’ do inc. II do art. 65, da Lei nº 8.666, de 1993’. REFERÊNCIA: art. 65, inc. II, letra "d", da Lei no 8.666, de 1993; Nota AGU/DECOR no
23/2006-AMD; Acórdão TCU 1.563/2004-Plenário’”.
[12] Dispõe sobre o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional, institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providências.
[13] Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências.
[14] Dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências.
[15] O dispositivo em apreço alude ao restabelecimento do equilíbrio entre encargo e remuneração nas hipóteses de ocorrência de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual”.
[16] O TCU, através do Acórdão 1105/2008 – Plenário, esclareceu a diferença entre repactuação e reajuste, afirmando que “A diferença entre repactuação e reajuste é que este é automático e deve ser realizado periodicamente, mediante a simples aplicação de um índice de preço, que deve, dentro do possível, refletir os custos setoriais. Naquela, embora haja periodicidade anual, não há automatismo, pois é necessário demonstrar a variação dos custos do serviço.”.
[17] Interessante também destacar, como outra fonte de diferenciação entre os institutos, a Orientação Normativa nº 23, de 1º de abril de 2009, da AGU, assim prevendo: ‘’AGU e SERVIÇO CONTÍNUO. Orientação Normativa/AGU nº 23, de 01.04.2009 (DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 15) – ‘O edital e o contrato de serviço continuado deverão indicar o critério de reajustamento de preços, que deverá ser sob a forma de reajuste em sentido estrito, com previsão de índice setorial, ou por repactuação, pela demonstração analítica da variação dos
componentes dos custos’”.
[18] Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: […] XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
[19] Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
[20] O dispositivo da resolução que utilizou o termo foi o art. 3º, estabelecendo que “nos casos de contratos com vigência superior a um ano ou quando haja cláusula de prorrogação, a repactuação de preços deverá ter, como parâmetros básicos, a qualidade e os preços vigentes no mercado para prestação desses serviços e, quando couber, as orientações expedidas pelo Ministério da administração e Reforma do Estado”.
[21] No mesmo sentido é o Acórdão 2255/2005 – Plenário também do TCU.
[22] Como já apontado em outras passagens deste trabalho, o Tribunal de Contas da União e o Superior Tribunal de Justiça possuem decisões apontando nesse sentido.
[23] Nesse sentido, o Parecer nº AGU/JTB 01/2008, emitido no Processo nº 00400.010482/2008-69 e adotado pelo Advogado Geral da União através do Parecer nº JT – 02, afirmando, em suas conclusões, que: “a repactuação constitui-se em espécie de reajustamento de preços, não se confundindo com as hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato;”.
[24] Os efeitos da inflação que superem a margem razoável de incidência serão considerados como fato extraordinário ensejando a revisão do contrato, como decidiu o Tribunal Regional Federal da 2º Região na Apelação Cível nº 406602/RJ, Processo nº 2005.51.01.019398-0.
[25] No âmbito federal, apenas o Decreto 2.271, de 1997, e a Instrução Normativa MPOG nº 02, de 2008, são os instrumentos que aludem expressamente ao instituto da repactuação.
[26] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
[27] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […] VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
[28] Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: […] IV – leis delegadas;
[29] Este decreto dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências, prevendo, no seu art. 5º, expressamente a repactuação dos contratos administrativos.
[30] A IN MPOG nº 02/2008 dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não, destinando cinco artigos à regulação da repactuação.
[31] Saliente-se que o TCU chegou a entender da mesma maneira no Acórdão nº 1.563/1994 – Plenário ao adotar o Parecer elaborado pela Conjur, elucidando que “exatamente por ser previsível ou suportável é considerado risco inerente ao negócio, não merecendo nenhum pedido de alteração contratual, pois cabe ao empresário adotar medidas para gerenciar eventuais atividades deficitárias. Contudo, nada impede que a lei ou o contrato contemple a possibilidade de recomposição dessas ocorrências. No caso de estar prevista, a efetivação do reajuste será mera execução de condição pactuada, e não alteração;”.
[32] Ambos os atos normativos citados aludem expressamente à impossibilidade de se realizar a repactuação do contrato administrativo quando não houve previsão expressa no texto do instrumento convocatório e contratual.
[33] Nesse sentido já chegou a decidir o TCU, na Decisão 1315/2002 Plenário, que “na cláusula referente a reajuste, deverá ser substituída a expressão ‘poderá ser reajustada’ por ‘será reajustada’, em atendimento ao artigo 55, III, da Lei n.º 8.666, de 1993.”.
[34] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[35] Acórdão 60/2005 – Plenário: “9.2. determinar à Secretaria de Estado de Obras Públicas do Governo do Estado do Acre – Seop/AC que se abstenha, doravante, de celebrar contratos de obras, envolvendo recursos federais, sem a prévia inclusão de cláusula que defina os critérios de reajuste de preços e a data-base do objeto contratado, a exemplo do ocorrido com o Contrato 100/2002;”. Nesse sentido é também o Acórdão 1535/2008 – Plenário, Acórdão 1624/2009 – Plenário e Acórdão 2490/2010 – Plenário.
[36] Nesse sentido já decidiu também o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, através da Remessa ex officio nº 91.01.178911-DF, 3ª Turma, relator juiz Vicente Leal, DJ 31/05/1993).
[37] Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997.
[38] Tal fato pode ser extraído da análise do art. 38, I, da mesma Instrução Normativa MPOG nº 02, de 2008, em que se estabelece, contraditoriamente, o interregno mínimo de um ano da data limite para apresentação da proposta para possibilitar a compensação do aumento de custos com utilização de materiais e equipamentos utilizados no serviço.
[39] Aqui é possível citar as Leis 8.880, de 1994, art. 12; 9.069, de 1995, art. 28; e 10.192, de 2001, art. 2º.
[40] Prevê a anualidade o Decreto 2.271, de 1997, art. 5º, e a Instrução Normativa MPOG nº 02, de 2008, art. 38.
[41] Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir: I – da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou II – da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos.
[42] “1.5.1.11. observe o disposto no art. 2º da Lei n. 10.192/2000 e no art. 5º do Decreto n. 2.271/1997, atentando para o entendimento firmado na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (v.g., Acórdãos ns. 297/2005, 1.563/2004 e 55/2000, todos do Plenário), no sentido de que somente os contratos que tenham por objeto a prestação de serviços de natureza contínua podem ser repactuados e a repactuação que vise a aumento de despesa não é permitida antes de decorrido, pelo menos, um ano de vigência do contrato, observando que: [..]”. (grifo nosso)
[43] Muito embora a jurista citada entenda ser a repactuação espécie de revisão de preços, o seu posicionamento se adéqua a situação em apreço, pois, para chegar à sua conclusão, entende ser a revisão de preços decorrente do princípio do equilíbrio econômico-financeiro contratual, previsto na Carta Magna de 1988.
[44] Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.
§ 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano.
[45]Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
§ 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
[46] Nesse sentido vem decidiu o TCU: “1.1. determinar: 1.1.1. à Gerência Executiva em São Paulo […] do INSS que, relativamente à solicitação de repactuação de preços do Contrato […] pela empresa [omissis], em razão de variações de custos do primeiro período de apuração do contrato: 1.1.1.1. considere apenas as variações de custos efetivamente ocorridas e comprovadas pela contratada, dentro do primeiro período de apuração, ou seja, exclusivamente nos 12 (doze) meses a contar da data-limite fixada pelo edital de licitação para a apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se referir;”. (Acórdão nº 3273/2007 – Primeira Câmara – TCU).  Com o mesmo entendimento é também o Acórdão 2094/2010 – Segunda Câmara.
[47] Nesse sentido é o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997, e o art. 40 da Instrução Normativa nº 02, de 2008, do MPOG, alterada pela Instrução Normativa nº 03, de 2009, do mesmo órgão.
[48] O texto do preâmbulo da Carta Magna declara: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (grifos nosso).
[49] É o que se pode extrair do disposto nos arts. 149, III, d, e 179 da CF/88, os quais estabelecem tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte.
[50] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[51] O dispositivo agora prevê: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”.
[52] Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: […] § 8º A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.

Informações Sobre o Autor

Marcílio da Silva Ferreira Filho

Graduado em direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Pós-graduando em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Advogado na empresa Porto Zero Consultoria e Assessoria em Comunicações. Advogado na sociedade Marcílio Ferreira Advogados Associados. Assessor Jurídico do Departamento Estadual de Trânsito de Pernambuco – DETRAN/PE


Equipe Âmbito Jurídico

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