Resumo: O objetivo principal do presente estudo é analisar o impacto que a crise econômica trouxe ao Direito do Trabalho. Inicialmente, oferece-se um panorama geral sobre a crise e o crescente número de desempregados. No desenvolvimento, é objeto de análise o movimento neoliberal e o discurso da flexibilização da legislação trabalhista. Traz-se à baila os argumentos favoráveis e desfavoráveis à flexibilização. Ao final, conclui-se que eventual reforma na legislação trabalhista, por ferir a segurança nas relações de trabalho e as garantias já conquistadas, não é a solução para enfrentar a crise.
Palavras Chaves: Crise – Neoliberalismo – Flexibilização Legislação Trabalhista.
Sumário: 1. Introdução. 2. A globalização e a crise. 3. O Neoliberalismo e a Flexibilização das Leis do Trabalho. 4. Prós e contras da Flexibilização. 4.1. Argumentos Favoráveis. 4.2. Argumentos Contrários. 5. Conclusões. Referências bibliográficas
1. Introdução
Como é sabido, a atual crise financeira mundial teve início no mercado hipotecário dos E.U.A em meados de 2008. Após o anúncio de recessão econômica dos Estados Unidos e em razão da globalização, todas as economias do mundo que exportam para aquele país entraram em alerta e mais de 57 bancos declararam falência.
Em 2009, diversos outros países desenvolvidos anunciaram estar em recessão financeira e muitas empresas encerraram suas atividades.
Em razão do fechamento de tantas empresas, houve uma grande queda no número de postos de trabalho.
Segundo a Organização Mundial do Trabalho, são 186 milhões de desempregados no mundo e 550 milhões em condição de subemprego.
No Brasil, apenas em dezembro de 2008, 650.000 mil trabalhadores perderam seus empregos. Em fevereiro, apenas a empresa EMBRAER, dispensou 4.200 empregados.
Desta forma, no meio desse colapso do mercado permaneceu o trabalhador; desempregado, assustado e com poucas perspectivas.
Sabe-se que a Constituição da República de 1988 estabelece o trabalho como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro ao lado da Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse sentido, o trabalho é visto como aquilo que dá à pessoa a oportunidade de inclusão social, o que eleva sua importância perante a sociedade e traz dignidade à sua vida. A Constituição Federal, portanto, solidificou a importância do trabalho, consolidando inúmeros direitos dos trabalhadores.
Desse modo, o que se tem é que, com o aumento do desemprego, o trabalhador perde seu maior instrumento para o alcance da dignidade e é por tal motivo que surgiram diversas teorias para conter o crescente número de desempregados.
Assim, muitos passaram a acreditar que o direito do trabalho necessitaria ser rediscutido e que a flexibilização da legislação trabalhista seria a melhor solução possível para evitar o desemprego.
2. A globalização e a crise
A globalização compreende a movimentação, seja de pessoas, seja de coisas, seja de informações, implicando na constante mudança, transformação e aprimoramento do que já conhecemos, por meio de troca de conhecimentos.
Em outras palavras, é o fenômeno que pretende à eliminação de fronteiras nacionais e à fusão das inúmeras culturas locais para a formação de um núcleo cultural homogêneo comum. [i]
O Direito do Trabalho também foi atingido por este fenômeno, como demonstra o doutrinador Pedro Paulo Teixeira Manus, “vemos, portanto, que o fenômeno da globalização interfere no Direito do trabalho, trazendo como uma de suas conseqüências a tendência de modificações nas relações entre prestadores e tomadoras de serviços, como forma de aproximação entre os modelos jurídicos dos vários países”.[ii]
O direito do trabalho parece ser um dos ambientes jurídicos mais suscetíveis às transformações decorrentes do processo de globalização. O empresário vê-se forçado a competir em condições que exigem mão-de-obra barata e manipulação de horários. A reversão da concentração industrial promove uma descompensação da migração setorial da mão-de-obra, determinando a massificação do desemprego, provocando o pânico, a adesão a qualquer aceno de oportunidade de trabalho, a qualquer preço, sob quaisquer condições.[iii]
Para evitar o desemprego estrutural e solucionar os problemas causados pela globalização e o capitalismo, surgiu o pensamento neoliberal, em defesa da flexibilização das leis de trabalho que, a seu ver, limitam as possibilidades de crescimento dos trabalhadores.
3. O Neoliberalismo e a Flexibilização das Leis do Trabalho
O direito do trabalho construiu-se durante o Estado do Bem-Estar Social, com base em muitas lutas, revoluções e esforços de toda a categoria trabalhadora. Ao analisarmos a perspectiva do direito do trabalho, esbarramos no desenvolvimento não só do Brasil, mas do mundo.
A evolução das leis do trabalho apareceu no contexto histórico com o intuito de beneficiar os trabalhadores. O Estado passou a ter grande importância para assegurar o bem estar de seus trabalhadores. Nesse contexto surgiu a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como uma série de ramificações do direito com o fim de proteger os trabalhadores brasileiros.
No entanto, conforme já dito, com a globalização, tal modelo estatal entrou em crise. Ressurgiu neste momento o pensamento neoliberal, o qual supervaloriza a atividade econômica. O trabalho passou a ser produto do mercado, ou seja, criou-se um mercado de trabalho onde vence quem for o melhor ou quem obtiver a mão de obra barata.
De acordo com José Roberto Freire Pimenta, o neoliberalismo “é, sem dúvida, a tentativa de alterar a lógica protetiva do Direito do Trabalho para uma lógica flexível.” [iv]
O neoliberalismo penetrou profundamente no Direito do Trabalho, intensificando princípios que reclamavam a emergência da cidadania moderna, ao lado da figura de um trabalhador vendedor de mão-de-obra, estruturalmente cidadão, e retirando-lhe sua condição essencial fixada no princípio da proteção, bem como seu caráter político. Assim, uma empresa moderna, hoje, instala-se nos estados que lhe garantam a anulação das conquistas sociais, do poder dos sindicatos e das associações civis, que insistem em defender melhorias salariais, condições de trabalho e o meio ambiente.[v]
Nesse contexto é que vem sendo pregado, no mundo do trabalho, com veemência e eficácia preocupantes, o discurso da “flexibilização” dos direitos trabalhistas.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, a Flexibilização “é o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante de situações que o exijam, maior dispositividade das partes para alterar ou reduzir os seus comandos”.[vi]
Para Sergio Pinto Martins, “na flexibilização são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária.” [vii]
4. Prós e contras da flexibilização
4.1. Argumentos favoráveis à flexibilização
Conforme dito, com a ideologia neoliberal, diversos autores passaram a defender a flexibilização das leis do trabalho. Para eles, o modelo vigente onera excessivamente as empresas, aumentando o desemprego.
Com a globalização da economia e com a ideologia neoliberal em curso, as normas de proteção do trabalhador vêm sendo consideradas economicamente “pesadas” e “inflexíveis”; fator que, segundo os empresários, aumenta o “custo” da produção, inviabilizando a competitividade das empresas e a própria manutenção de postos formais de trabalho, dada a suposta “alta” carga tributária e para-fiscal.
Assim, os defensores da flexibilização alegam que a negociação entre as partes sobre os termos do contrato de trabalho faria aumentar o número de postos de trabalho e ainda diminuiria o risco de eventuais demissões.
Aduzem que a maioria dos países desenvolvidos, especialmente os europeus, já aderiu ao modelo flexibilizado, com sucesso. Defendem que as mudanças democratizam as relações de trabalho, uma vez que quem decidirá os acordos serão os próprios trabalhadores e não o Estado.
Tais doutrinadores argumentam também que o Direito do Trabalho é essencialmente prático, devendo acompanhar a evolução das relações interpessoais. Para eles a evolução do direito do trabalho implica necessariamente na flexibilização das normas trabalhistas, concedendo uma maior liberdade às negociações entre as partes, o que diminuiria encargos das empresas e, por conseqüência, possibilitaria uma maior contratação.
Assim, para estes, com a possibilidade de flexibilizar os direitos já existentes, criar-se-iam mais empregos.
4.2. Argumentos contrários à flexibilização
Para os autores contrários à flexibilização, é no momento de grandes crises econômicas que o Direito do Trabalho ganha importância social. Assim como a sua gênese ocorreu em uma época de exploração propiciada pela Revolução Industrial e por um momento de reconstrução dos direitos humanos Pós-Guerra Mundial, penso que o momento hodierno é de fazer valer os postulados sociais do Direito do Trabalho a fim de evitar o caos da sociedade como um todo. Pequenas e pontuais flexibilizações já existentes na legislação trabalhista, a exemplo do regime de banco de horas e suspensões negociadas, são oportunas quando utilizadas no estrito sentido da lei. Entrementes, não se pode admitir a mitigação da proteção ao trabalhador ou mesmo a desregulamentação do Direito do Trabalho; sendo este o ramo jurídico mais profícuo e emblemático para evitar um colapso social em tempos de crise econômica internacional.[viii]
Veja-se que países como EUA e Inglaterra, que optaram pela flexibilização das leis do trabalho, ostentam desemprego de 5% e convivem com o efeito colateral da precarização do trabalho.
O que se nota nos países que flexibilizaram suas leis trabalhistas é que tal modelo, como está implantado, tem trazido prejuízo aos trabalhadores. O desemprego continua alto, o nível salarial tem baixado muito, e os empregos têm um grau de precariedade maior do que os que deixam de existir. [ix] O trabalhador inseguro, com medo de perder seu emprego, é mais fácil de ser dominado.
Mesmo se assim não o fosse, há de se ter em vista que as condições de trabalho prevalentes na Europa sobre as quais se discute a flexibilização são diferentes. A legislação de muitos países da Europa limita consideravelmente a faculdade de despedir sem justa causa. Os procedimentos são minuciosos e custosos. Por exemplo, na França despedida sem justa causa custa em média 50.000 francos (7.500 dólares), no Reino Unido algo em torno 5.000 libras (7.800 dólares).[x] Frise-se que na América Latina é muito raro dispensas atingirem esses valores.
Há ainda de se salientar que qualquer medida que eventualmente restrinja o poder de compra dos trabalhadores somente acentuaria os efeitos da crise. Desta forma, conforme expos o deputado Marco Maia (PT/RS), o que o País precisa fazer é dar condições ao trabalhador para que não seja reduzido seu poder de compra.
O professor José Krein, diretor-adjunto do IE da Unicamp, é contra o abrandamento das regras trabalhistas. “A história recente mostrou que não é flexibilizando a legislação trabalhista que se conseguiu resolver os problemas do mercado de trabalho. Esses problemas, principalmente o nível de emprego, dependem muito mais da dinâmica da economia do que da legislação trabalhista em si” [xi]
Alguns autores acreditam que a solução para a crise vivenciada não é a flexibilização das leis trabalhistas, mas sim uma reformulação tributária, com redução dos encargos sociais. Isso porque os custos com encargos sociais, que chegam a 62% da folha de pagamento, são muito mais onerosos que os direitos dos trabalhadores previstos em nossa legislação.[xii]
Nesse sentido, oportuno transcrever o disposto por Hélio Gomes Coelho Junior, acerca do impacto da atual crise na legislação trabalhista: “Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, não se mexa na legislação trabalhista, em termos de direitos dos trabalhadores e empregadores. Agora, quando a economia já desacelerou e tende a paralisar, por algum tempo, convença-se o Estado de que não pode prosseguir na gastança que se habituou; contenha-se na admissão de funcionários e empregados públicos; modere-se nos reajustes e salários que pratica, e traga aos particulares, os viventes do contrato de trabalho, a notícia da redução dos encargos que cobra pelo evento produção-trabalho. Empresas e trabalhadores agradecem”.[xiii]
5. Conclusões
O Brasil, como praticamente todo o resto do mundo capitalista, está enfrentando uma crise econômica. Diversos postos de trabalho foram perdidos, e alguns vêem como solução a flexibilização da legislação trabalhista.
Ocorre que as relações de emprego são um ponto essencial para o crescimento interno, desenvolvimento e segurança jurídica do país. A Consolidação das Leis do Trabalho foi conquistada pelos trabalhadores, de acordo com suas reais necessidades, a fim de atender a todos os seus ideais.
O que há de ser esclarecido é que o trabalho não pode ser mais um objeto de comercialização, ou seja, não podemos admitir que a mão-de-obra do trabalhador brasileiro passe a ser objeto de pechincha e negociações que não levem em consideração as verdadeiras necessidades e os reais direitos do trabalhador.
A solução para a crise, ao contrário do que muitos alegam, é o trabalho, amparado em nossa legislação trabalhista, com segurança para a população brasileira.
Não há sentido em realizar uma reforma na legislação trabalhista, ao contrário. O que se faz necessário é a dinamização da economia, com o intuito de gerar crescimento a longo prazo, aumentando a produtividade e melhorando as relações de trabalho.
Desta forma, devemos lutar pela menor flexibilização das leis do trabalho, a fim de que não reste prejudicada a segurança das relações travadas e as garantias fundamentais já conquistadas.
Advogada. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-PR
Professor orientador titular da PUC-PR. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR
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