O e-mail como instrumento de divulgação sindical

I-Objetivo

As mudanças no universo do Direito contemporâneo tem sido constantes. A Revolução cibernética tem exercido acentuada influência nas relações de trabalho ocasionando discussões e incidentes dos mais variados. Por via de conseqüência tais mutações refletem no rumo a ser tomado pelos interessados no estudo do Direito do Trabalho, Processual do Trabalho e Sindical, no sentido de redirecionar a atenção dos lidadores desta área para que comecem a construir doutrina e solidificar jurisprudência sobre esses assuntos.

Um dos principais motivos que me levaram a escrever este ensaio foi justamente o de despertar a consciência do juristas pátrios para que se ponham a escrever sobre as relações entre a informática e o direito do trabalho, já que multiplicam-se a cada dia questões envolvendo tais situações que requerem pesquisa na legislação, doutrina e jurisprudência estrangeira.

Dito isso podemos adentrar no assunto propriamente dito que sugere o título deste trabalho.

II- Introdução (caso concreto)

Em 02 de novembro de 1995 o Grupo BBVA- Banco Bilbao Vizcaya Argentaria S. A. dirigiu ordem a suas unidades operacionais que utilizam o sistema de correio eletrônico descrevendo sua diferentes utilidades. No ano seguinte o mesmo Banco dita normas de atuação para o uso racional do correio eletrônico, bem como práticas que deveriam ser evitadas asseverando que “O Correio eletrônico é um ferramenta de produtividade que o grupo põe a disposição de seus empregados para o melhor desenvolvimento de suas funções. O uso alheio a estes fins são portanto considerados inapropriados e dependendo da gravidade poderão configurar falta laboral- Em particular a remessa a um ou mais usuários de correios não solicitados, especialmente se for feito de forma abusiva (atividade conhecida como spam) é uma prática reprovável e dependendo das circunstâncias poderá ser advertido”

Assim o Banco BBVA com o propósito de eliminar a burocracia, sendo mais prático no sentido de melhorar sua eficiência, bem como diminuir gastos com fotocópias estabeleceu a substituição do papel para notas e cartas pelo correio eletrônico (e-mail). Decidiu, ainda, conter as despesas referentes a ligações telefônicas internas e externas entre funcionários e com a clientela. Assim o telefone fixo e móvel, MEMO habitualmente (Fax, GSM, Telex, Notas..) foram restringidos, sendo seu uso autorizado somente quando estritamente necessário e quando não puder ser utilizado o correio eletrônico

A partir de 02 de fevereiro de 1999 a Confederación Sindical de Comisiones Obreras através do servidor externo COMFIA.NET, por meio do servidor interno da Empresa, envia aos trabalhadores do Banco BBVA por correio eletrônico mensagens com informações sobre a ação sindical, sem oposição e sem qualquer prejuízo para o regular funcionamento da empresa.

Porém em virtude da avalanche de correios procedentes da direção COMFIA.NET correspondentes a Confederación Sindical de Comisiones Obreras a Empresa decidiu filtrar a entrada dos referidos correios provenientes daqueles direção, sendo os mesmos repelidos com a devida notificação ao remetente.

Sentindo-se prejudicada com a decisão de filtrar e impedir a disseminação do correio eletrônico provenientes de entidades sindicais a Confederación Sindical de Comisiones Obreras deu seguimento ao Conflito Coletivo ao procedimento n 115/2000 junto a Sala Social da Audiência Social de Madrid contra o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria S.A para assegurar seu direito de transmitir notícias de interesse sindical a seus filiados e aos trabalhadores em geral através de correio eletrônico.

III- Direito postulado pela CC.OO

Todo este debate surgiu devido a Seção Sindical de CCOO e o Banco BBVA ter apresentado um conflito coletivo contra a empresa por impedir o uso do correio eletrônico mediante o estabelecimento de um filtro que impede que o sindicato remeta aos trabalhadores informações de caráter laboral, da mesma forma que, anteriormente, se fazia através de circulares em papel e em  anúncios.

Na lide a Confederación Sindical de Comisiones Obreras autora no processo mencionado acima postula o direito do Sindicato e das Seções sindicais nas empresas do Grupo BBVA demandadas de enviar informações referentes aos mais diversos assuntos veiculado ao movimento sindical a todos os trabalhadores por meio de e-mail.

Houve, ainda por parte das Comissões de Trabalhadores, Associações de internautas e as principais forças políticas pressões de toda a ordem no sentido de forçar o reconhecimento por parte do Governo espanhol quanto aos direitos dos trabalhadores e seus representantes a utilizar o correio eletrônico e internet oferecida pelas respectivas empresas.

Reivindicaram, também o direito a privacidade por considerarem que a intimidade não é algo que tenha que ser conquistado agora, já que é patrimônio da humanidade, por essa razão é necessário garantir a privacidade nas comunicações através da internet.

Em virtude destas manifestações o Senado aprovou por unanimidade uma moção apresentada pelos principais partidos políticos, instando o Governo para que, no prazo mais breve possível, estude uma forma de por em andamento medidas necessárias para considerar o correio eletrônico e internet como instrumento de comunicação e informação dos trabalhadores com seus representantes sindicais e vice-versa, sempre que a atividade e carcteríticas gerais das empresas o permitam, facilitando o acesso dos trabalhadores e seus representantes sidicais ao correio eletrônico da internet na empresa com garantia de inviolabilidade das cominucações conforme o marco legal.

O sindicato alegou que a prática perpetrada pela Empresa supõe coniderar o correio como uma simples ferramenta de trabalho, e não como um meio de comunicação, vulnerando o segredo das comunicações, reconhecido pelo artigo 18.3 da Constituição Espanhola, assim como o artigo 8 da Lei Orgânica de Liberdade Sindical em que se recochece o direito a difundir informação sindical.

O Sindicato também esclareceu não ter nenhuma intenção de alterar o desenvolvimento e funcionamento da empresa. Explicando que a utilização pelos mesmos do correio eletrônico é adequada, salvo o colapso que um dia provocaram por meio de suas mensagens no sistema funcional da emrpesa, considerando-o como um fato isolado. Justificando que a Internet esta produzindo uma nova organização do Trabalho, e o sindicato como representande dos interesses dos trabalhadores não podem permitir a censura esse meio de expressão demonstrando aos trabalhadores os beneficios provenientes deste meio de informação para que não o vejam como uma ameaça e sim como uma pesrpectiva de novas oportunidades.

Alega o sindicato por fim a urgente necessidade de novas regulamentações e direitos, uma vez que os direitos sindicais antigos mostram-se ineficientes para a solução dos problemas surgidos na atualidade por não se adptarem ao novo tecido empresarial que estão vivenciando.

IV- Defesa do BBVA

Segundo o exposto pelo Banco, a empresa decidiu filtrar a entrada de correios que chegavam da direção comfia.net, devido a avalanche de correios recebidos, durante determinado período de tempo, provenientes da Seção Sindical, que provocaram um colapso no servidor da Empresa.

No transcurso das vistas, os advogados da entidade bancária, por seu lado, alegaram que o envio de informação por parte do sindicato se produzia de maneira abusiva, ocasionando a saturação de seu servidor da Internet. A defesa do BBVA argumentou que a sua intenção não era interferir no trabalho sindical e sim prevenir a saturação desta ferramenta.

Em um dado momento a Empresa observou a ocupação excessiva do correio eletrônico em seu servidor interno em virtude da emissão proveniente da COMFIA.NET o que motivou a decisão da empresa de filtrar a entrada dos e-mail’s provenientes da Comfia.net que deu lugar a que as mensagens recebidas a partir da instalação deste filtro fossem repelidas em virtude de por em risco a disponibilidade do serviço em hora de maior movimentação.

V- Sentença

A Sala Social da Audiência Nacional deu razão a CCOO em litigio que enfrentava a sua Seção Sindical contra o Banco BBVA, por impedir o uso do correio eletrônico por seus trabalhadores para temas exclusivamente sindicais.

Segundo a Audiência Nacional, são evidentes os benefícios que a informática e a internet presta a seus usuários no campo da comunicação com uma manifesta economia pela substituição de outros suportes de informação como o papel, correio postal, telefone e fax, pelo que se traduz em uma maior celeridade e eficácia.

Apesar da Sala Social da Audiência Nacional emitir seu ditame sobre o conflito que enfrentava a CCOO e o BBVA pelo uso sindical do correio, reconhecido direito dos sindicatos a mandar comunicados aos trabalhadores através da Internet, a decisão não reprova por outro lado a atuação do Banco que filtrava os e-mail’s sindicais.

A Sentença da Audiência nacional não reconheceu, sem embargo a consideração do direito dos sindicatos a mandar comunicados aos trabalhadores através de e-mail como um direito em termos absolutos. Com isto pretendeu evitar que a conexão on-line entre sindicatos e trabalhadores prejudique, entre em colapso o sistema informático da empresa.

Assim a Sala Social da Audiência Nacional em Madrid (Espanha) composta pelos Magistrados Pablo Burgos de Andrés, Jose Ramon Fernandez Otero e Eustasio de La Fuente Gonzalez decidiram “En Nombre del Rey” pela procedência parcial da demanda declarando o direito do sindicato e de suas Seções sindicais nas empresas do Grupo BBVA demandadas nos autos a transmitir noticias de interesse sindical a seus afiliados e aos trabalhadores em geral através de correio eletrônico (e-mail) com a devida mensura e normalidade com vistas a evitar o colapso do servidor interno da Empresa. Portanto, a Audiência Nacional reconheceu o Direito do Sindicatos a utilizar o e-mail porém com moderação.

VI-Realidade Nacional

Não tomamos conhecimento até o momento, de nenhum caso desse tipo aqui no Brasil, porém acreditamos que não teremos maiores problemas em resolver a questão em apígrafe se um dia viermos a nos deparar com semelhantes questionamentos a nível de Conflito Coletivo de Trabalho.

A Constituição Federal brasileira de 1988 em seu artigo 8º prestigia a liberdade sindical de organização, filiação, manifestação impondo respeito por parte do Estado aos grupos sociais, sem interferências maiores na sua atividade desde que os mesmos estejam em conformidade com o interesse comum. Nesse caso, liberdade sindical é o livre exercício dos direitos sindicais, conforme o entendimento do Professor Amauri Marcaro Nascimento.

Assim, com base no reconhecimento por nosso ordenamento jurídico da liberdade de sindical nos seus mais variados aspectos dificilmente vingaria qualquer atitude das Empresas no sentido de restringir este princípio através da censura no recebimento de e-mail’s veiculando informações sindicais sob pena de violar os comando assegurados em nossa Carta Magna.

VII-Conclusão

O Direito do Trabalho, é em boa parte, um produto de lutas sindicais como esta pelo reconhecimento de melhores condições de vida e das relações de trabalho que são indissociáveis do sindicalismo. Em muitos países – mesmo aqueles no plano do Direito legislado- as mais importantes instituições do Direito do trabalho foram obtidas por duras lutas conduzidas pelas associações sindicais.

Daí o dinamismo da atividade sindical provoca sempre um sistema de representação que transcende os dos associados, assumindo os de toda a categoria a que pertencem, tomando decisões que tendem a agir como eficácia geral sobre a categoria.

Assim a CCOO, utilizando-se de seu dinamismo e solidariedade de interesses que unifica a categoria e alicerça o sindicato, demonstrou no Conflito coletivo que travou contra o Banco BBVA que são evidentes os benefícios que a informática e a Internet prestam a seus usuários no campo da comunicação com uma manifesta redução das despesas e pela substituição de outros suportes de informação, o que se traduz em uma maior celeridade e eficácia daqueles, em um dos momentos históricos que a União Europeia tem chamado de “Sociedade da Informação”.

Com vistas nestes argumentos a sentença prolatada pelos magistrados mostrou-se bastante equitativa, uma vez que deixou claro que os sindicatos podem utilizar o correio eletrônico, como já permitia o banco, porém de forma moderada e que não implique em prejuízos no sistema funcional da Empresa. Assegurando assim uma vitória e avanço do movimento sindical no que diz repeito a divulgação de seus interesses pela via eletrônica.

Vale por fim ressaltar aos lidadores do direito sindical que ao interpretar as normas jurídicas, como numa discussão dessa natureza, deve-se atentar a realidade social do tempo em que vivemos. O uso do correio eletrônico como meio de comunicação deverá ser portanto prestigiado pelas empresas, trabalhadores, entidades sindicais e todos os atores sociais de sentido de evolução das relações humanas de trabalho.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Mário Antônio Lobato de Paiva

 

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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