Resumo: O presente trabalho propõe-se a analisar e compreender alguns aspectos inerentes a vedação a reformatio in pejus recursal no processo civil pátrio e o efeito translativo constante na apelação. Inicialmente é realizado um estudo acerca da origem, evolução, conceituação e nomenclatura do que venha a ser recurso, sendo apontado de forma clara seu significado. A posteriori foram analisados os recursos cíveis existentes e explicitados pela ótica de seus fundamentos objetivos e subjetivos. Passando a seguir, vislumbra-se nesta reflexão teórica os fundamentos e o contexto histórico do princípio que veda a reforma para piorar a situação do recorrente. Em um segundo momento, destaca-se a incidência do efeito translativo nos demais recursos cíveis. Por fim, desenvolvem-se faz-se um paralelo entre o efeito translativo e a sua relação com a reformatio in pejus, utilizando-se para a concretização do trabalho em tela o método bibliográfico.
Palavras-chaves: Reformatio in Pejus. Efeito Translativo. Apelação.
Abstract: This paper proposes to analyze and understand some aspects aboutsealing reformatio in pejus patriotic appeal in a civil suit and the effect of transfer contained in the appeal. Initially we conducted astudy on the origin, evolution, conceptualization and naming featurethat may be, being appointed its meaning clearly. A posteriorianalyzes the existing civil appeals and explained from the perspective of its objective and subjective reasons. Turning then, sees in this the theoretical foundations and historical context of the principle that prohibits the reform to worsen the situation of the applicant. In a second step, we highlight the impact of the effect of transfer in other civil appeals. Finally, they develop a comparison is made between the effect and its translatory relationship withreformatio in pejus, using for the completion of work on display beyond the methodliterature also contains the method documents.
Keywords: Reformatio in pejus. Effect of transfer. Appeal.
Súmario: Introdução, 1. Os recursos cíveis – fundamentos objetivos e subjetivos, 2. A vedação a reformatio in pejus – histórico e fundamentos, 3. O efeito translativo ou devolutivo em profundidade e os recursos cíveis, 4. O efeito translativo e a reformatio in pejus. Considerações finais, Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O nosso direito processual civil é de certa forma bastante instigante para os estudiosos e admiradores dessa ciência não estanque, produto do meio social, buscando-se sempre inovações e aprimoramentos que por vezes se fazem um tanto utópicas, buscando-se precipuamente proporcionar a todos uma justiça mais célere e eficaz.
Inicialmente, antes de adentrarmos propriamente no tema intitulado, se faz necessário discorrermos, ao menos de forma breve sobre partes da teoria geral dos recursos, onde se encontra o nascedouro dessas discussões doravante expostas, pontuando as principais características que envolvem os recursos no processo civil, com um enfoque maior no efeito translativo e a possibilidade ou não de sua incidência, tomando por base um dos princípios basilares do processo civil, que é o da vedação a reformatio in pejus.
Nesse diapasão, o tema em tela, nos trará diversos questionamentos que tentaremos esclarecê-los da melhor forma possível, no qual a interrogação maior é saber se realmente poderá uma decisão ser reformada para piorar a situação da parte que já estava delineada na primeira sucumbência, no transcorrer do trabalho veremos essa possibilidade quando se fala em um dos efeitos dos recursos, que é o efeito translativo, contudo não desprezaremos outras capitulações do estudo da teoria geral do processo, de forma que os recursos indubitavelmente é um dos temas mais relevantes do direito processual, haja vista proporcionar um reexame do direito que foi debatido no transcorrer da lide quando alguma das partes se acha insatisfeita.
Deste modo, a linha de raciocínio a ser seguida para efeitos meramente didáticos será a utilizada via de regra na grande maioria da dogmática jurídica no que concerne a teoria geral dos recursos, deste modo, será exposto primeiramente questões conceituais, históricas, fundamentos e efeitos dos recursos cíveis, características e o princípio objeto do trabalho em epígrafe, que é o da vedação a reformatio in pejus.
Por fim, diante de tudo que doravante foi exposto, nota-se que o presente trabalho não se resume só no efeito translativo e suas consequências quanto a sua reforma para piorar a situação do recorrente, outrossim, enveredar-se-á de forma sucinta pelos diversos recursos em espécies, demonstrando a relevância de cada um no sistema recursal, com algumas de suas peculiaridades, sem, no entanto desviar-nos do objetivo principal. Passemos então a discorrer sobre o tema.
1. OS RECURSOS CÍVEIS – FUNDAMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS
A sistemática recursal cível é muito debatida por pesquisadores, operadores e acadêmicos de direito no cotidiano forense, e vem passando por diversas transformações, atualizando-se constantemente com vistas a atender as constantes demandas que vão surgindo com o passar do tempo e a consequente modificação dos anseios da sociedade atual que clama por inovações e eficiência quanto ao pleito de suas demandas e insatisfações no que concerne a processualística civil.
A respeito da origem e nomenclatura do recurso, vaticina José Carlos Barbosa (2008, p.232):
“[…] o vocábulo recurso provem do latim recursus, cujo significado (curso retrogrado, caminho para trás, volta) revela a exata idea do instituto jurídico: nova compulsão das peças dos autos para averiguação da existência de algum defeito na decisão causadora da insatisfação do recorrente.”
Como é de notória ciência o nosso Código de Processo Civil não nos fornece um conceito pronto e acabado do que realmente é recurso, cabendo aos estudiosos defini-lo da melhor forma possível, o que dá margem a conceitos dos mais variados, no qual as diversas correntes doutrinárias enumeram inúmeras conceituações para o comentado instituto.
Nas sábias e precisas palavras do insigne Desembargador Elpídio Donizetti, em sua obra “Curso Didático de Direito Processual Civil”, trilha brilhantemente um conceito para o instituto ora em comento, obtemperando que:
“Recurso, numa acepção técnica e restrita, é o meio idôneo para provocar a impugnação e, consequentemente, o reexame de uma decisão judicial, com vistas a obter na mesma relação processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do julgado.” (DONIZETTI, 2010, p. 683)
Conforme se depreende do conceito posto, o recurso é a forma de manifestação voluntária do descontentamento de uma ou de ambas as partes de uma determinada relação processual acerca das decisões judiciais proferidas, sendo este o meio que o direito “criou” para permitir a manifestação de uma segunda opinião ou um segundo julgamento do mérito da lide, impedindo destarte, no mesmo processo, os efeitos inevitáveis da coisa julgada.
E diz ainda mais:
“O recurso não se confunde com ação, uma vez que, por meio dele, não se forma novo processo, há apenas um prolongamento da relação processual. Constitui recurso apenas uma etapa do procedimento, seja no processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Nessa parte, inclusive, o recurso difere de outros meios de impugnação das decisões judiciais, como, por exemplo, a ação rescisória (que visa à desconstituição da decisão judicial sobre a qual se operou o trânsito em julgado), o mandado de segurança e os embargos de terceiro.” (DONIZETTI, 2010, p. 683)
Diante desse argumento, se pode constatar que o recurso comumente é analisado e vislumbrado pela esmagadora maioria em seu sentido estrito, ou seja, um mesmo processo prolongado para se chegar a uma nova decisão ou até mesmo continuar como estava; porém em sentido lato o recurso é muito mais abrangente sendo considerados como exemplo os sucedâneos[i] recursais, a ação rescisória, o mandado de segurança e dentre outros, que mesmo não sendo recursos propriamente ditos, possuem o mesmo escopo, que é o de resguardar direitos, enquandrando-se na categoria recursal.
Ultrapassadas as observações conceituais sobre a nomenclatura e definição jurídica do instituto jurídico-processual denominado recurso, passa-se a seguir a discussão das espécies de recurso e seus fundamentos objetivos e subjetivos.
Os recursos estão contemplados expressamente no artigo 496 do Código de Processo Civil, havendo um rol exaustivo contemplado pelo princípio da taxatividade do recurso. A lei processual contempla as seguintes espécies de recursos: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário, existindo, porém outros recursos na legislação extravagante, além da possibilidade de criação de outros novos, previsto no art. 22, I, da CF, competindo privativamente à União legislar sobre direito processual.
As partes envolvidas na relação jurídico-processual, ao exercer seu direito de recorrer da decisão proferida, aspiram alcançar do Estado-Juiz uma prestação jurisdicional, no qual o resultado obtido a depender do ponto de vista do jurisdicionado pode ser justo ou injusto, favorável ou desfavorável, e dificilmente, quase que em todos os casos a decisão não agradará completamente a ambas as partes, haja vista a contrariedade de seus interesses, sempre havendo quem saia insatisfeita e inconformada total ou parcialmente.
Relevante se faz observar a opinião do insigne Nelson Nery Junior (2004, p.38), acerca do nascedouro de um dos princípios norteadores dos recursos:
“[…] evidentemente foram os próprios romanos que, sentindo a necessidade de haver novo julgamento sobre a causa já decidida, instituíram o duplo grau no principado, após o período inicial do procedimento no direito romano clássico, onde era negado o exercício do direito de recorrer.”
À luz dos esclarecimentos acima, através desse resgate histórico, depreendem-se mais uma vez a constante preocupação que havia em tempos remotos e que ainda há de modo mais consolidado hodiernamente, acerca da necessidade de serem revistas/reapreciadas as decisões judiciais através dos “recursos”, contudo, para que isso seja possível, são inúmeros os motivos e fundamentos para concretizá-los.
Os recursos, desse modo, se desdobram em seus fundamentos subjetivos e objetivos, sendo os primeiros aqueles em que seria exigido a priori única e exclusivamente a sucumbência para sua interposição, desde que atendidos os pressupostos de admissibilidade, visando acolher ao anseio da parte que perdeu exercer sua plenitude de defesa através do duplo grau de jurisdição, que é uma garantia constitucional expressa no art. 5º, LV, haja vista que o juiz não esta imune a falhas, assim como todo homem. Fazendo com que a parte diante de sua necessidade humana e psicológica de vislumbrar sua decisão reapreciada por outros juízes hierarquicamente superiores confirmem uma segunda opinião, já que quanto mais pessoas falam sobre um determinado assunto, mais seguros nos sentimos se todos convergirem para a mesma resposta positiva.
Tem-se ainda como característico desse fundamento subjetivo a peculiaridade de inibir o excesso de erros judiciários, já que o julgador irá exercer seu múnus com muito mais zelo e respeito à Carta Magna, haja vista que se assim não agir terão que ver constantemente suas matérias reapreciadas e consequentemente atestarão sua incompetência, o que não é de forma alguma interessante para o Estado, que espera que as decisões sejam proferidas corretamente. O escopo maior dessa análise subjetiva consoante Elpidio Donizetti (2010, p.685) é a análise das questões e provas suscitadas e debatidas no curso da relação processual; em última análise, tem por objeto a proteção do direito subjetivo. Podem ser citados como exemplo de recursos baseado subjetivamente a apelação, o agravo e o recurso ordinário.
Por outro lado, os recursos fundamentados objetivamente, não afeta o direito subjetivo da parte, tendo como alvo a proteção da eficiência e credibilidade do próprio direito objetivo, ou seja, detém uma finalidade corretiva com vistas a uniformidade da aplicação desse direito em consonância com outros julgados, para que não se realizem decisões contraditórias nem em desconformidade no mesmo sistema jurídico, pois se assim o fosse daria margem para serem criados tribunais de exceção, que é expressamente proibido pela Constituição de 1988, no qual a depender do local o mesmo processo teria destino totalmente diverso. Tendo como exemplos desses recursos vislumbrados pela ótica objetiva: o recurso especial (dirigido ao STJ), destinado à uniformização do direito infraconstitucional e o recurso extraordinário (encaminhado ao STF), cujo escopo é a uniformização do direito constitucional.
A despeito da uniformização da aplicação do direito preleciona o professor Bernardo Pimentel Souza (2008, p.7): “Se não houvesse o sistema recursal, o risco da subsistência de julgados antagônicos diante de casos idênticos seria ainda maior, o que causaria inegável descrédito em relação ao poder judiciário”.
Com essa lição de Souza, depreende-se que o fundamento objetivo visa propiciar uma uniformização e integralização da jurisprudência em consonância com os diversos julgados no mesmo sentido, para que assim haja no mínimo uma certa unidade e inteligência na aplicação das normas infraconstitucionais e até mesmo das constitucionais, nascendo normas mais congruentes, proporcionando segurança jurídica com a estabilização do direito pátrio.
Por fim, quanto aos fundamentos do direito de recorrer, arremata-se, que, estes fixam os contornos e limites dos princípios básicos do sistema recursal cível, em especial o da vedação a reormatio in pejus.
2. A VEDAÇÃO A REFORMATIO IN PEJUS – HISTÓRICO E FUNDAMENTOS
A aparição e consequentemente a aplicação do princípio que veda a reformatio in pejus em nosso ordenamento jurídico pátrio foi decorrente de uma evolução paulatina composta de imensas discussões e conquistas. Em ensinamento quanto o aparecimento desse princípio José Cretella Neto (2002, p. 292) assevera:
“A proibição a reformatio in pejus é realmente recente em nosso direito. A tradição jurídica brasileira pauta-se, até certa época, pelo princípio da communio remedii, que permitia a piora na situação do recorrente. Ainda sob o regime do CPC de 1939 a tese era defendida por parte da doutrina, embora se tenha consolidado a tese contrária, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.”
Com isso conclui-se que de início o princípio em tela não era utilizado, sendo admitido a possibilidade de reformar a situação do recorrente para pior em quaisquer decisões, porém era utilizado naquela época em alguns casos de maneira bastante relativizada na Apelação, nos casos de insatisfação acerca das sentenças prolatadas. Apesar do regime adotado pelo Código de 1939 ser favorável a piora da situação recorrida através da communio remedii, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já entendiam de maneira contrária, asseverando a relevância e aplicação do referido principio que implica na impossibilidade de reformar para pior.
Insta salientar que no nosso direito positivado não há nenhum conceito, nem regra explicita acerca do princípio que veda a reformatio in pejus, essa proibição que entre nós existe efetivamente surgiu através de toda uma aplicação sistemática dos requisitos de admissibilidade concomitantemente com o efeito devolutivo do recurso.
É um princípio de tamanha relevância para o sistema processual brasileiro, no qual Luiz Guilherme assevera ser “à proibição de que o julgamento do recurso, quando interposto exclusivamente por um dos sujeitos, venha a tornar sua situação pior do que aquela existente antes da insurgência” (MARINONI 2007, P. 506).
Com isso depreende-se que o recurso é o mecanismo utilizado para que se revise a decisão judicial prolatada em 1º grau, que por conseqüência lógica, após revisada deveria proporcionar uma melhora na situação do recorrente, pois esta é sua intenção, e se não a conseguir pelo menos deveria deixar como estava em seu status quo ante, não podendo a interposição do recurso piorar a condição da parte, trazendo para ela situação mais prejudicial do que a existente antes do oferecimento do recurso, sendo esse o real escopo do princípio em comento.
A regra é que em sendo interposto recurso por determinado motivo de insatisfação, o órgão julgador só poderá alterar a decisão nos limites em que ela foi impugnada pelo recorrente, não podendo ir além do que foi pedido para ser revisto, ou seja, o julgador está vinculado ao pedido não poderá julgar extra, ultra, nem infra petita, em consonância com o princípio da congruência, além de dever observar também o princípio do dispositivo, segundo o qual o órgão jurisdicional é inerte e só age quando provocado e nos limites da provocação,
Cumpre ressaltar que, também com fundamento nos princípios do dispositivo e da congruência, não é admitida a reformatio in melius, isto é, a reforma da decisão para melhorar a situação do recorrente além do que foi pedido, ou seja, se não pode piorar também não vai poder melhorar, pois de qualquer forma seria injusto para a outra parte que restará prejudicada com a melhora.
Porém, a regra da vedação a reforma para piorar a situação do recorrente, não é absoluta, possuindo algumas peculiaridades a depender da situação em que se encontra. Não se devendo aplicar a ideia da reforma prejudicial, por exemplo, quando há recurso interposto por ambas as partes que formam o processo, no qual, evidentemente o acolhimento de um dos recursos virá em prejuízo da outra parte também recorrente, haja vista que ambas buscam direitos próprios que são contrários e divergem entre si. Nem se entendendo como reforma para pior, os casos em que simplesmente o Tribunal entenda por alterar a fundamentação da decisão recorrida, mantendo sua conclusão.
Constitui exceção ao princípio da reformatio in pejus a apreciação de questões de ordem pública, que podem e devem ser reconhecidas até mesmo de ofício pelo julgador em qualquer tempo e grau de jurisdição, tendo a exempli gratia: condições da ação, pressupostos processuais, decadência, prescrição, dentre outras.
Outra situação interessante ocorre com relação à resolução de mérito realizada pelo tribunal ad quem depois de cassar sentença que em 1º grau foi apenas terminativa, sem julgamento do mérito. Para melhor compreender faz-se o seguinte exemplo hipotético: suponha-se que o autor recorra da sentença de extinção do processo que não haja resolução do mérito, objetivando sua invalidação, porém, posteriormente, há o julgamento da lide em seu favor.
No caso supracitado, nada obsta que o tribunal julgue improcedente o pedido formulado na inicial, não havendo que se falar em reformatio in pejus para a outra parte, haja vista que em virtude de a sentença ter sido cassada pelo tribunal, todas as questões discutidas nos autos devem ser apreciadas, o que pode resultar em resolução do mérito em favor ou em prejuízo do autor. Deste modo, a piora substancial que ao autor se impuser não constitui a ele surpresa alguma, já que sabia que seria apreciado o todo por não ter havido discutido o mérito em 1º grau.
Por fim, hodiernamente o princípio em comento é amplamente utilizado em nosso Ordenamento Jurídico, sendo considerado basilar e de tamanha relevância para que seja mantida a credibilidade dos julgados, consoante o art. 5º XXXVI da CF/88, que assevera que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Após feitas essas considerações, passaremos a observar a incidência do efeito translativo nos recursos cíveis.
3. O EFEITO TRANSLATIVO OU DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE E OS RECURSOS CÍVEIS
Este tópico é de fácil digressão, pois a interposição dos recursos opera no plano processual e também no plano fático, variados efeitos, alguns com maior e outros com menor amplitude. Esses efeitos são percebidos por vezes ao logo da interposição do recurso ou em momento anterior a interposição e/ou até mesmo só com o julgamento do que foi impugnado, sendo alguns efeitos típicos a todos os recursos, conquanto outros se restringem a apenas algumas espécies recursais.
O principal efeito dos recursos é o obstativo, com vista a evitar a formação de coisa julgada, inerente a todos os recursos, ou seja, somente ocorrerá o trânsito em julgado da decisão na hipótese de não ter havido qualquer recurso.
Em regra, os recursos geram dois efeitos principais, o devolutivo e o suspensivo, o primeiro é comum a todos os recursos, haja vista que todos devolvem ao mesmo juiz ou ao juízo de grau superior a causa para ser reexaminada a decisão judicial impugnada, devendo ser observada via de regra a extensão do reexame pretenso recursalmente, ou seja, é promovida a reapreciação da matéria discutida no processo de primeiro grau pela instância recursal. Suspensivo é o efeito gerado pela interposição de um recurso que impede, em regra, o cumprimento da sentença ou decisão impugnada, sendo um mero prolongamento do estado de ineficácia da decisão judicial, isto é, enquanto não for julgado o mérito do recurso a decisão impugnada não produz efeitos, sendo a regra dos recursos ordinários em geral, e exceção nos recursos especiais, que só os possuem se for concedida liminar na ação cautelar inominada proposta consoante dicção do artigo 798 do Código de Processo Civil.
Nelson Nery Jr. identifica o efeito translativo como a profundidade do próprio efeito devolutivo, aduzindo que sempre que o tribunal puder apreciar uma questão – geralmente de ordem pública – fora dos limites impostos pelo recurso, estar-se-á diante de uma manifestação desse efeito. Depreende-se desse comentário que as questões de ordem pública, como por exemplo: as condições da ação, os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade, podem ser conhecidas de ofício, ainda que sem expressa manifestação de vontade da parte recorrente. Visando coadunar com o ora exposto, importante citar o entendimento solidificado no STJ, in verbis:
“[…]As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: RESP 801.154/TO, DJ 21/05/08; RESP 911.520/SP, DJ 30/04/08; RESP 869.534/SP, DJ 10/12/07; RESP 660519/CE, DJ 07/11/05. […]”
Diante desse julgado, conclui-se que a autonomia do efeito translativo dos recursos permite a apreciação das matérias de ordem pública ex-officio por parte do Tribunal, já que nesse tipo de matéria não se opera a preclusão, o que consiste em uma grande utilidade prática desse efeito.
A apelação é recurso de devolutividade ampla, ou seja, na mesma pode a parte impugnar a decisão judicial arguindo qualquer defeito que entenda existente e ao examinar esse recurso o tribunal, ficará adstrito à matéria impugnada, consoante o art. 515, caput do CPC, seguindo o principio do tantum devolutum, quantum appellatum, devendo decidir o recurso nos limites do que foi pedido, já que a apelação pode ser total ou parcial, porém, a devolução das questões relativas a esse pedido é ampla e deve ser analisada como um todo, conforme informam os §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC.
Após formulado o pedido de revisão da sentença impugnada, através da apelação, poderá o tribunal conhecer, dentro dos limites do pedido “todas” as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, sendo que quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, isso não impedirá que a apelação devolva ao tribunal o conhecimento dos demais por inteiro. Para corroborar com esse entendimento a súmula 393 do Tribunal Superior do Trabalho assevera:
“RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. ART. 515, §1º DO CPC. O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do §1º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinada pela sentença, ainda que não renovado em contrarazões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado na sentença”.
Como regra geral, o Tribunal não deveria avançar no exame de temas não decididos em primeiro grau, haja vista que se supõe uma violação o princípio do duplo grau de jurisdição, contudo, essa idéia vem cedendo espaço por conta de duas relevantes exceções postas na apelação.
Estabelece o art. 515, § 3º, ser possível que o tribunal, afastando questão preliminar em que se baseou o juiz a quo para extinguir o processo, desde que não haja outra preliminar a ser acolhida, examinar desde logo o pedido, sem ter de previamente restituir o feito para julgamento pelo primeiro grau de jurisdição, mas para que isso ocorra se faz necessário que a causa esteja “madura” para o julgamento, ou seja, que as partes não possuam mais provas a serem produzidas, nem exista a necessidade de maiores elucidações dos fatos, sendo relevante ressaltar que a sua incidência deverá observar as garantias constitucionais do processo.
Nessa situação supra o retorno dos autos ao primeiro grau (juízo a quo) para a prolação de nova sentença, que seria posteriormente reapreciada pelo Tribunal (Juízo ad quem), importará em simples prolongamento desnecessário do caminho a ser percorrido na tramitação processual, já que a decisão a prevalecer será sempre a do Tribunal que venha a revisar essa nova decisão.
A outra exceção está contida no art. 515, § 4º do CPC (introduzido pela Lei 11.276/06), no qual explica que o tribunal, desde que verificado a ocorrência de nulidade sanável, poderá determinar a regularização do feito com a eliminação do vício, desde que intimadas às partes; após isso, se possível, deverá o próprio Tribunal prosseguir no julgamento da apelação, proferindo sua decisão, com o escopo de evitar que seja novamente remetido o feito ao juízo de primeiro grau para retomar o julgamento. (grifo nosso)
Insta ainda salientar que a nossa lei pátria indica que o tribunal poderá sanar os defeitos, desde que sanáveis por obvio, não se tratando de mera faculdade da Corte, mas sim de uma imposição legal, ditada em nome do princípio da instrumentalidade das formas, no qual o mesmo órgão que analisou a impugnação deverá proferir seu julgamento, podendo inclusive corrigir erros. Sendo assim, competirá ao Tribunal determinar a correção do vício, fazendo-o por seus próprios meios e sanando o defeito, prosseguindo, dessa forma o julgamento da apelação. (grifo nosso)
Superados esses comentários acerca das consequências operadas através do efeito tranlativo ou devolutivo em profundidade na apelação, passa-se a analisar esse mesmo efeito sob a ótica de sua inserção na acalorada discussão quanto a possibilidade de estar ou não reformando a decisão injustamente para pior.
4. O EFEITO TRANSLATIVO E A REFORMATIO IN PEJUS
Como já exaustivamente exposto no transcurso deste trabalho o efeito translativo trata-se de exceção ao principio da reformatio in pejus, no qual haverá a aplicação do princípio inquisitório em prevalência ao princípio do dispositivo. Está aplicação se dá por relacionar-se com matérias ao qual compete ao judiciário conhecer e apreciar até mesmo de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, independendo de provocação ou manifestação das partes, ainda que não tenha sido analisado no juízo a quo, bastando a interposição do recurso sobre alguma decisão da causa, e desde que esse recurso chegue a exame do juízo ad quem. (grifo nosso)
Esse efeito, também denominado de devolutivo em profundidade se dá especificamente em temas de ordem pública, que devem ser analisadas sob pena de tornar o recurso plenamente nulo, a exemplo das questões enumeradas no art. 301 do CPC, com exceção do inciso IX, ainda que em prejuízo da própria parte que submeteu a controvérsia a exame do tribunal, haja vista que deveria ser analisado alguns requisitos necessários para a admissibilidade do recurso.
Deve ser levado em conta que o tribunal deva possuir alguns limites para que não saia julgando a seu bel prazer de modo infra, ultra ou extra petita; contudo, dentro desses limites, a profundidade do conhecimento pelo tribunal no que concerne a essas matérias denominadas de ordem pública, imprescindíveis para o andamento do processo, será a maior possível, podendo ser levado em consideração tudo o que for relevante para a novel decisão, e é simplesmente por isso que o famoso brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum, relativo à extensão do conhecimento só do que foi devolvido, deve completar-se pelo acréscimo vel apellare debebat, concernente à profundidade.
Assim, consoante Ada Pelegrini, Antônio Scarance e Antônio Magalhães:
“Nos limites da matéria impugnada, ou cognoscível de ofício, e desde que não modifique o pedido e a causa de pedir (que delimitam a pretensão), o tribunal poderá livremente apreciar, no recurso, aspectos que não foram suscitados pelas partes.” (GRINOVER; FERNANDES; FILHO, 2001, p. 52)
E ainda de acordo com Fredie Didier o efeito translativo não pode ser tido como efeito autônomo dos recursos, tendo em vista que se trata de um aprofundamento da matéria já devolvida ao Tribunal, retirando-se o seguinte ensinamento:
“A profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso. A profundidade identifica-se com o material que há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. Para decidir, o juiz a quo deveria resolver questões atinentes quer ao fundamento do pedido, quer ao da defesa. A decisão poderá apreciar todas elas, ou se omitir quanto a algumas delas.”
Nesse diapasão é de fácil conclusão que o efeito translativo está umbilicalmente ligado ao devolutivo, uma vez que se trata do aprofundamento dado a matéria devolvida ao reexame que será realizado pelo Tribunal ad quem. Destarte, o tribunal poderá apreciar todas as questões que se relacionarem ao que foi impugnado, ou seja, de início a extensão do recurso será determinada pelo recorrente, porém a sua profundidade não, podendo a sua análise ser feita no todo pelo tribunal competente que não ficará adstrito só ao que foi impugnado quando do julgamento do recurso.
Notório se faz registrar que embora seja imprescindível a apreciação aprofundada das questões levadas ao juízo ad quem, o reconhecimento das matérias de ordem pública, contudo, pode ocasionar uma sucumbência ainda maior do que aquela em que a parte já se encontrava, o que ocasionará a reforma para pior da decisão, no entanto, por se falar em efeito translativo, isso não ferirá o princípio da proibição da reformatio in pejus, posto que o conhecimento de tais matérias não se submete de forma alguma à preclusão.
Desse modo, Consoante Nelson Nery Junior (2004, p. 484-485) fica difícil visualizar que, ao se reconhecerem as matérias de ordem pública de ofício, piorando a situação do recorrente, o Tribunal esteja se utilizando do efeito devolutivo, pois, nesse caso, sim, verificar-se-ia a violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, visto que a parte, ao recorrer, não tem interesse jurídico em piorar a sucumbência em que já se encontra.
Trazemos a baila ainda que para muitos doutrinadores, o instituto da reformatio in pejus não pode existir, uma vez que a decisão que reformula outra inicial, além de dever estar vinculada ao que foi pedido no recurso, não poderia piorar a atual situação do doravante recorrente, ou seja, não seria viável de forma alguma a modificação para pior, já que quando se recorre o intuito é de que haja uma melhora, ou de que pelo menos se não a houver, fique como estava. No entanto, não devemos nos filiar a esses doutrinadores, haja vista que ao se falar em prejuízo, seria imprudente duvidar que, em havendo a possibilidade do direito individual ser afetado, ocasionaria um dano maior a inobservância da fiel aplicabilidade do direito social de ordem pública.
Com isso, quando fala-se em reformar uma decisão para prejudicar, deve-se entender que esse prejuízo será apenas para um particular ou grupo de particulares, devendo-se levar em conta a análise de pontos fundamentais e a justa aplicação geral do direito, portanto, quando fala-se em reformatio em pejus, leia-se que o seu objetivo precípuo não é o de prejudicar pessoas, muito pelo contrário, seu escopo é uma reforma que incidirá de maneira positiva para toda a sociedade, restando-se erro dizer que houve prejuízo, já que o interesse coletivo sempre se sobreporá em detrimento do privado.
Em conclusão, para arrematar o último tópico temos que, a despeito da polêmica acerca do tema, podemos extrair do exposto a seguinte ideia: a autonomia do efeito translativo é decorrente da nossa Carta Magna e da Lei Processual, refletindo em sua utilidade prática, uma vez que o Estado-juiz não fica adstrito apenas ao pedido interposto pelo particular sempre que houver questões de ordem pública, havendo indubitavelmente a incidência do princípio da inafastabilidade concomitantemente com a aplicabilidade do direito ao caso concreto, materializando-se, dessa forma, o que se tem por justo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim sendo, tendo em vista os comentários acerca dos recursos em geral com enfoque precípuo no efeito translativo e sua aplicabilidade quanto ao princípio da reformatio in pejus, restando fazer por ora uma síntese dos principais pontos do presente trabalho.
A interposição de um recurso dá causa a diversos efeitos, dentre esses estão temos o devolutivo, suspensivo, interruptivo e dentre outros, porém o que é tema de discussão do presente trabalho é o efeito translativo, que provoca um reexame de maneira mais aprofundada sempre que haja questões de ordem pública, devendo estas ser conhecidas até mesmo de ofício pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão. Nesses julgamentos não há que se falar em eles serem ultra, extra ou infra petita, podendo inclusive reformar a decisão de forma não satisfatória para quem o interpôs, ou melhor, a decisão do juízo ad quem poderá vir de forma muito mais prejudicial que a primeira deliberada pelo juízo a quo.
Diante do reconhecimento da autonomia do efeito translativo ou devolutivo em profundidade o recorrente deve ser mais cauteloso com sua vontade de recorrer, exercendo ele próprio um prévio juízo de admissibilidade quanto às questões de ordem pública, para que posteriormente não ver restar seu direito prejudicado, além disso essa possibilidade de reforma para pior funciona como um fator de inibição dos recursos meramente protelatórios, com o intuito de apenas prolongar o processo.
O reconhecimento dessas questões de ordem pública, consoante já exaustivamente explicitado neste trabalho, deve ser feito em qualquer tempo e grau de jurisdição, constituindo assim, exceção ao princípio da non reformatio in pejus e aplicação do princípio do inquisitório em prevalência ao princípio do dispositivo. Inobstante tal entendimento, doutrina e jurisprudência são unânimes em reconhecer a existência e aplicabilidade desse efeito translativo nos recursos sem prejuízo do princípio que veda a reforma em prejuízo do recorrente.
Nesse diapasão, em nosso Estado Democrático de Direito, no qual se busca uma correta prestação da tutela jurisdicional, não há como se afastar da concepção de um processo justo, a possibilidade de interposição dos recursos, ou seja, a existência de meios que assegurem o direito de recorrer, devendo-se ainda levar em conta o interesse maior da coletividade em vislumbrar uma aplicação justa dos princípios processualistas e constitucionais, sobrepesando sempre seu cabimento ou não, levando-se em consideração a melhor aplicação no caso concreto, sempre no sentido da prevalência dos interesses coletivos e sócias sobre os particulares e individuais.
Assim, observando-se os recursos como instrumentos de controle das decisões judiciais, através dos quais se evita inclusive o arbítrio e má qualificação de alguns julgadores, podemos concluir que tamanha é a relevância constitucional do direito de recorrer, o qual constitui uma derivação do devido processo legal, valendo ressaltar o conformismo que deverá abater quando do recurso advir modificações prejudiciais ao recorrente em face de questões de ordem pública, quando será analisado o recurso em seu todo e não só no que foi interposto, para que realmente haja justiça no julgamento, sem no entanto falar em reformatio in pejus.
Por fim, frisa-se que não se esgota nesse momento o estudo da matéria aqui avaliada, espera-se tão somente que o trabalho tenha realizado o seu escopo de fazer uma breve análise com relação aos recursos de modo geral, com relevância para o efeito translativo e suas consequências em relação a reformatio in pejus, contribuindo para o estudo destes temas tão importantes para a processualística cível.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante
Servidor público e acadêmico de Direito na UNESC Faculdades
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